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Laura dos Santos Sousa | Medicina veterinária | 6º período Células e a entropia Dentro de cada célula estão sempre a ocorrer reações químicas, alimentadas pela glucose e oxigênio que os nossos corpos convertem na molécula transportadora de energia conhecida como ATP. As células usam esta energia para tudo, desde a reparação até ao crescimento e à reprodução. Fazer as moléculas necessárias gastar muita energia, mas é necessária ainda mais para levá-las para o seu devido lugar. O fenômeno universal da entropia diz que as moléculas tendem a difundir-se aleatoriamente, movendo-se de áreas com maior concentração para outras com uma menor concentração, ou até mesmo transformando-se em átomos e moléculas menores. Por isso, as células têm de controlar constantemente esta entropia usando energia para manter as moléculas nas suas formações complicadas que são necessárias para que as funções biológicas ocorram. Quando toda a célula sucumbe à entropia, há quebra destes arranjos e será isto que eventualmente levará à morte. Esta é a razão pela qual os organismos não podem simplesmente voltar à vida assim que estiverem mortos. Podemos bombear ar para dentro dos pulmões de alguém, mas não produzirá efeito se todos os outros processos envolvidos no ciclo respiratório não estiverem a funcionar. Da mesma forma, o choque elétrico de um desfibrilhador não reinicia um coração inanimado, mas sim ressincroniza as células musculares do coração, que estão a bater de forma anormal, para que elas voltem ao ritmo normal. Isto pode impedir que uma pessoa morra, mas não ressuscitará um morto, ou um monstro criado a partir de cadáveres. Assim parece que todos os nossos milagres médicos podem retardar ou impedir a morte, mas não a podem reverter. Mas não é tão simples quanto parece porque os constantes avanços tecnológicos e médicos traduziram-se em diagnósticos como o coma, que descreve uma condição potencialmente reversível na qual as pessoas teriam anteriormente sido consideradas mortas. A sobrevivência No futuro, o ponto de não retorno pode ser ainda mais afastado. Alguns animais são conhecidos por estenderem o seu tempo de vida ou por sobreviverem em condições extremas porque abrandam os seus processos biológicos ao ponto de estarem virtualmente parados. A investigação em criogenia espera alcançar o mesmo ao congelar pessoas a morrer e reanimá-las mais tarde, quando tecnologias mais avançadas as possam ajudar. Porque, se as células estiverem congeladas, há poucos movimentos moleculares e a difusão praticamente para. Mesmo se todos os processos celulares já não funcionassem, é concebível que isto fosse revertido por um exército de nanorobots, que colocariam as moléculas nas posições apropriadas e, ao mesmo tempo, injetariam todas as células com ATP fazendo com que presumivelmente o corpo continuasse a partir do ponto onde tinha parado. Por isso se pensarmos na vida, não como uma faísca mágica, mas como um estado de uma organização incrivelmente complexa e que se autoperpetua, a morte é apenas um processo que aumenta a entropia e que destrói este frágil equilíbrio. E se o momento em que uma pessoa está completamente morta afinal não for uma constante fixa, mas sim uma questão de quanta entropia nós somos, atualmente, capazes de revertê-la. Componentes do processo patológico As lesões são alterações consideradas estruturais e funcionais anormais na qual ocorrem no corpo do animal. As lesões observadas no tecido lesado são capazes de serem detectadas por meio de métodos macroscópicos, microscópicos e/ou bioquímicos, e cada observação fornece informações sobre algo do processo mórbido observado. As consequências clínicas são respostas alcançadas mediante a associação entre a injúia celular/tecidual relativa ao processo mórbido e as alterações da função, determinadas nos órgãos que foram acometidos. Estas consequências se expressam no organismo através dos sinais clínicos demonstrados. A patogenia refere-se ao modo evolutivo da enfermidade, a sequência de eventos implicadas nas respostas celulares e teciduais à lesão. A etiologia consiste no estudo da causa da doença em questão. Um agente etiológico induzirá à lesão celular e tecidual e provocará o desenvolvimento de lesões, na qual, consequentemente, o diagnóstico etiológico fornece a causa exata da enfermidade. Reconhecimento das alterações pós-morte Introdução a patologia especial e diagnóstico post-mortem Laura dos Santos Sousa | Medicina veterinária | 6º período Com frequência, a interpretação de lesões é mascarada por alterações teciduais ocorridas entre o momento do óbito e a realização da necropsia. É fundamental a diferenciação entre as alterações pós- morte e as lesões patológicas. As alterações pós-morte variam quanto à rapidez de sua ocorrência, dependendo da temperatura e da umidade do ambiente, bem como da condição do animal; por exemplo, as camadas de gordura, pêlo ou penas atuam como isolantes contra a perda de calor após a morte. As alterações associadas com eutanásia são igualmente relevantes; por exemplo, aumento de volume do baço na administração de pentobarbital e hemorragia pulmonar em casos de eletrocussão. A autólise pós-morte das células deve-se à anoxia. Quando o coração para, há interrupção na circulação sanguínea e queda abrupta nos níveis de oxigênio; esse declínio, por sua vez, é tão rápido a ponto de paralisar o metabolismo celular, dando início à autólise. As alterações autolíticas mimetizam a alteração isquêmica precoce. Imediatamente após a morte, as células musculares demonstram fortes e descontroladas “explosão” de glicólise. Desacoplada à fosforilação oxidativa, essa energia é dissipada sob a forma de calor. A temperatura corpórea (se mensurada nas camadas musculares profundas) pode estar muito alta alguns minutos depois do óbito. Esse efeito é transitório; dessa forma, o corpo resfria-se rapidamente, chegando à temperatura ambiente. Dentro da célula em processo de autólise, as mitocôndrias são as primeiras organelas acometidas pelo acúmulo de ácido láctico e pela queda súbita no pH. A autólise pós-morte caracteriza-se pela destruição relativamente uniforme da célula e de todas as suas estruturas circunjacentes. No citoplasma, a proteína desintegra-se em pequenos grânulos e distribui-se por toda a célula. Rigor mortis O rigor mortis, rigidez do cadáver, ocorre 2 a 4 horas após o óbito. Imediatamente após a interrupção na circulação sanguínea, há uma explosão maciça da atividade metabólica à medida que os substratos sofrem depleção. Grande quantidade de calor é produzida nesse período e ainda há um declínio progressivo no pH muscular. Os níveis de oxigênio, ATP e fosfato de creatina também se apresentam diminuídos. As fibras musculares encurtam-se conforme passam para o estado de rigor. Esse movimento assemelha-se à contração muscular: começa com o efluxo de Ca2+ a partir do retículo sarcoplasmático da célula muscular, usa o ATP como fonte de energia, e as alterações estruturais lembram aquelas causadas pela contração. O rigor inicia-se mais cedo no músculo cardíaco, comprimindo o sangue do ventrículo esquerdo. A falha nesse mecanismo indica rigor incompleto, além de degeneração (anterior à morte) no miocárdio do ventrículo esquerdo. O sangue coagulado com frequência permanece no ventrículo direito, já que a contração pós-morte é menos vigorosa. O sangue não coagulado no ventrículo esquerdo é indicação de morte por hipoxia; portanto, é preciso ficar atento uma vez que o sangue pode refluir para os ventrículos quando o rigor desaparece. Dentre os músculos esqueléticos, a cabeça e o pescoço são as primeiras regiões acometidas em grande parte das espécies, evoluindo para as extremidades. O rigor desaparece à medida que a putrefação se inicia, levando uma questão de 1-2 dias, dependendo dos fatores externos. O rigor mortis é acentuadopela atividade metabólica e temperatura elevadas antes da morte, bem como em doenças como envenenamento por estricnina. Por outro lado, o rigor mortis é protelado em casos de inanição, caquexia e temperatura baixa/resfriamento. Putrefação A putrefação ocorre quando o tecido morto é invadido por microrganismos saprófitas anaeróbicos que digerem as proteínas e produzem gás. As bactérias do gênero Clostridium, presentes normalmente nas fezes, são comuns na putrefação. As substâncias de odor fétido formadas durante a putrefação incluem amônia, sulfeto de hidrogênio, indol, escatol, putrescina e cadaverina. O tecido torna-se verde e castanho devido à degradação da hemoglobina e à formação do sulfeto de hidrogênio. Lesão mal-intencionada A avaliação de lesão mal-intencionada em animais causada por seres humanos é frequentemente solicitada pelas autoridades legais. Ao fazer tais julgamentos, o veterinário deve diferenciar entre lesão incidental (acidental) e intencional. Por exemplo, os pequenos animais podem ser acidentalmente capturados por armadilhas feitas para espécies utilizadas para a fabricação de casacos de pele (Fig. 16.2); em contraste, a mesma lesão pode ser mal- intencionada – ou seja, uma armadilha realmente preparada para a captura de um animal específico. Laura dos Santos Sousa | Medicina veterinária | 6º período Envenenamento intencional O uso ilegal de pesticidas agrícolas rotineiros para eliminar predadores ou animais selvagens indesejáveis é disseminado. Os venenos comuns utilizados nesses procedimentos ilícitos incluem o carbofurano e o aldicarb usados em iscas ilegais. O fention, o diazinon e o fanfur são mais comuns em envenenamentos acidentais ou secundários. Do mesmo modo, também se empregam estricnina, avitrol e cianeto. Tanto a ingestão como a exposição pelo contato são fatores a serem levados em consideração. A identificação dos componentes alimentares do veneno e a sequência da ingestão são importantes na intoxicação de animais selvagens.
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