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PEIXES da ReseRva ducke - amazônia centRal Guia de Jansen Zuanon Fernando P. Mendonça Helder M. V. Espírito Santo Murilo Sversut Dias André Vieira Galuch Alberto Akama Jansen Zuanon Fernando P. Mendonça Helder M. V. Espírito Santo Murilo Sversut Dias André Vieira Galuch Alberto Akama PEIXES da ReseRva ducke - amazônia centRal Guia de Copyright © 2015 - Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia Editora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia Av. André Araújo, 2.936 - Petrópolis CEP 69067-375 - Manaus - AM, Brasil Tel: 55 (92) 3643-3223/ 3642-3438 www.inpa.gov.br e-mail: editora@inpa.gov.br CATALOGAÇÃO NA FONTE CAPA Espécie: Hemigrammus cf. pretoensis Autor da foto: William E. Magnusson PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Rodrigo Verçosa Tiago Nascimento Tito Fernandes PRESIDENTE DA REPÚBLICA Dilma Vana Rousseff Linhares MINISTRO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO Celso Pansera DIRETOR DO INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA Luiz Renato de França EDITORA INPA EDITOR: Mario Cohn-Haft, Isolde D. K. Ferraz. PRODUÇÃO EDITORIAL: Rodrigo Verçosa, Shirley Ribeiro Cavalcante, Tito Fernandes. BOLSISTAS: Angela Hermila Lopes, Henrique Silva, Izabele Lira, Sara Oliveira, Paulo Maciel. G943 Guia de peixes da Reserva Adolpho Ducke / Jansen Zuanon... [et. al.]. -- Manaus : Editora INPA, 2015. 155 p. : il. color. ISBN 978-85-211-0149-9 1. Peixes de água doce. 2. Reserva Adolpho Ducke. I. Zuanon, Jansen. CDD 597.0929 Prefácio Vinte anos atrás, quando visitei a Amazônia pela primeira vez, a Reserva Ducke era um quadrado imaginário em meio a um vasto oceano de floresta contínua. Hoje a reserva é um quadrado verde muito real, encurralado ao sul pelo inchaço proto-urbano de Manaus e em todos os lados por um caos de devastação descontrolada. Muito em breve este quadrado verde será tudo o que restará da floresta de terra firme na região de confluência dos Rios Negro e Solimões. Será possivelmente o maior experimento em fragmento florestal já realizado, ainda que não intencional. Escrever um texto simples é tarefa que deve ser reservada àqueles com o mais completo domínio do assunto. A síntese exige plenitude de conhecimento. Este é o caso do Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke. Os autores incluem profissionais no auge de suas carreiras e outros apenas iniciando-as, mas todos com rica experiência de primeira mão no assunto. A combinação resultou em um produto que é um maravilhoso guia para os peixes da Reserva Ducke. A excelência do trabalho é manifesta tanto na parte técnica quanto na visual. Todas as espécies são identificadas pelos mais atualizados padrões taxonômicos, diagnosticadas com base em caracteres simples e efetivos, e ilustradas com fotos em sua maioria do animal em vida. Além disso, são incluídas informações sobre sua biologia e habitat. Tudo isso em um formato atraente e acessível, que deverá abrir as portas do universo da biodiversidade aquática para muitos leitores. Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke4 Os números no microcosmo da reserva nos fornecem uma visão da imensa diversidade de peixes da Amazônia. Os modestos igarapés da Reserva Ducke abrigam 70 espécies diferentes de peixes. Isto significa algo como 50% a mais que todas as espécies de peixes de água doce da Grã-Bretanha, ou quase o dobro daquelas do Chile. Tudo isso em uns poucos riachos em uma área de 10 por 10 quilômetros quadrados. Os pequenos peixes que compõem a maior parte do livro são um verdadeiro tesouro oculto. Desconhecidas do grande público, são estas espécies diminutas que apresentam algumas das mais extraodinárias formas, hábitos e adaptações. Quem, exceto ictiólogos profissionais, já ouviu falar do fantástico bagre Pygidianops amphioxus, que é capaz de nadar dentro da areia e parece simular um retorno aos ancestrais dos vertebrados? Ou dos Ammocryptocharax, que se agarram à vegetação submersa com as nadadeiras peitorais transmutadas em pequenas mãos e que, além disso, são capazes de mudar de cor, do verde brilhante ao marrom escuro? Basta ver uma das páginas deste livro para admirar a extraordinária coloração do Poecilocharax weitzmanni, que tem poucos paralelos em peixes de água doce. Estes são só exemplos. Cada uma das espécies tratadas no livro traz histórias fascinantes e guarda segredos em grande parte ainda não revelados. Se suas formas externas já são surpreendentes e pouco familiares, o que não se poderá dizer de sua fisiologia, seus hábitos, suas inúmeras interações com os outros habitantes de seu complexo ambiente? Quantas adaptações, estratégias, processos bioquímicos e moléculas ainda aguardam descoberta? Não tenhamos ilusões: polígonos verdes cercados por destruição será tudo que restará da Amazônia brasileira a médio prazo. A alardeada valorização da biodiversidade em nosso território não tem resultado em diminuição no ritmo de destruição ambiental. E assim vai sendo dilapidado nosso evanescente e insubstituível patrimônio de biodiversidade, que sequer chegamos a conhecer. A posteridade e o mundo nos serão implacáveis com este terrível erro. Obras como o Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke, se não ajudarem a deter o processo, pelo menos mostrarão com eloqüência o quanto perdemos. Dr. Mário de Pinna Professor Titular do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo Guia de Peixes da Reserva Ducke PREFÁCIO Agradecimentos Os autores agradecem aos técnicos de campo e alunos da Pós-Graduação do INPA, pela ajuda inestimável nas atividades de campo; aos técnicos da DSER/INPA, pela permissão para a realização dos estudos na reserva; ao IBAMA, pela concessão de licenças de coleta; ao PPBIO e PELD, pela criação e manutenção do sistema de trilhas que permitiu a realização deste estudo; à FAPEAM, CNPq e Fundação “O Boticário” de Proteção à Natureza, pelo financiamento a projetos de pesquisa sobre a fauna de igarapés; ao CNPq e ao Instituto Internacional de Educação do Brasil - Programa BECA, pela concessão de bolsas de estudo a autores deste trabalho. À Editora Áttema, pela elaboração de uma versão preliminar deste livro. Os autores agradecem também a F. C. T. Lima, M. de Pinna, F. A. Bockmann, I. Fichberg, André Netto-Ferreira e L. H. Rapp Py-Daniel pelo auxílio na identificação de espécies de peixes. Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke6 Characidium cf. pteroides ...................... Crenuchus spilurus ............................... Microcharacidium eleotrioides .............. Poecilocharax weitzmani ....................... FAMÍLIA ERYTHRINIDAE ........................... Erythrinus erythrinus ............................ Hoplias malabaricus ............................. FAMÍLIA GASTEROPELECIDAE ................... Carnegiella strigata ............................... FAMÍLIA LEBIASINIDAE ............................ Copella nattereri ................................... Nannostomus beckfordi ........................ Nannostomus marginatus ..................... Pyrrhulina aff. brevis ............................. Pyrrhulina semifasciata ......................... ORDEM GYMNOTIFORMES .......................... FAMÍLIA GYMNOTIDAE ............................. Electrophorus electricus ........................ Gymnotus cataniapo ............................. Gymnotus coropinae ............................. Gymnotus pedanopterus ....................... ORDEM CYPRINODONTIFORMES ................. FAMÍLIA RIVULIDAE .................................. Rivulus kirovskyi .................................... Rivulus micropus ................................... Rivulus ornatus ..................................... ORDEMCHARACIFORMES .......................... FAMÍLIA ACESTRORHYNCHIDAE ................ Acestrorhynchus falcatus ....................... FAMÍLIA CHARACIDAE .............................. Bryconops cf. caudomaculatus .............. Bryconops giacopinii ............................. Bryconops inpai .................................... Gnathocharax steindachneri .................. Hemigrammus cf. geisleri ...................... Hemigrammus cf. pretoensis ................. Hyphessobrycon agulha ........................ Hyphessobrycon aff. melazonatus ......... Iguanodectes geisleri ............................ Phenacogaster prolatus ........................ FAMÍLIA CRENUCHIDAE ............................ Ammocryptocharax elegans ................... SUMÁRIO PREFÁCIO ................................................. AGRADECIMENTOS .................................... INTRODUÇÃO ............................................ BIOLOGIA DE PEIXES ................................. O que é um Peixe? .................................. Sistemática ............................................ Peixes de Água Doce ............................... Conservação ........................................... Qual o tamanho dos peixes de igarapés da Reserva Ducke? ............... Onde vivem os peixes? Os principais hábitats para a ictiofauna de igarapés da Reserva Ducke .. O que os peixes comem? ......................... Quem são os predadores dos peixes? ...... Como os peixes se reproduzem? ............. A DISTRIBUIÇÃO DAS ESPÉCIES DE PEIXES NA RESERVA DUCKE ................... AMEAÇAS À FAUNA DE PEIXES NA RESERVA DUCKE ................................... COMO USAR ESTE GUIA ............................. Os Ícones ............................................... A ICTIOFAUNA DOS IGARAPÉS DA RESERVA DUCKE .................................. 03 05 09 14 15 15 16 17 . 18 . . 18 19 20 20 . 22 . 24 26 28 . 30 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 Guia de Peixes da Reserva Ducke Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke 7 Gymnotus sp. ....................................... FAMÍLIA HYPOPOMIDAE ........................... Hypopygus cryptogenes ........................ Hypopygus lepturus .............................. Microsternarchus bilineatus .................. Steatogenys duidae .............................. FAMÍLIA RHAMPHICHTHYIDAE .................. Gymnorhamphichthys rondoni .............. FAMÍLIA STERNOPYGIDAE ........................ Eigenmania aff. macrops ....................... Sternopygus macrurus .......................... ORDEM SILURIFORMES .............................. FAMÍLIA AUCHENIPTERIDAE ...................... Auchenipterichthys punctatus ................ FAMÍLIA CALLICHTHYIDAE ........................ Callichthys callichthys ........................... FAMÍLIA CETOPSIDAE .............................. Helogenes marmoratus ......................... Denticetopsis seducta ........................... FAMÍLIA LORICARIIDAE ............................ Ancistrus aff. hoplogenys ...................... 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 100 101 102 103 104 105 106 107 108 109 110 111 112 113 114 115 116 117 118 119 120 121 122 123 124 125 126 127 128 129 130 . 131 . 131 . . 132 . 132 Farlowella cf. schreitmuelleri ................. Parotocinclus longirostris ...................... Rineloricaria heteroptera ....................... Rineloricaria lanceolata ......................... FAMÍLIA HEPTAPTERIDAE .......................... Imparfinis pristos .................................. Mastiglanis asopos ............................... Nemuroglanis sp. ................................. Rhamdia quelen .................................... Brachyglanis microphthalmus ............... FAMÍLIA PSEUDOPIMELODIDAE ................ Batrochoglanis raninus ......................... FAMÍLIA TRICHOMYCTERIDAE ................... Ituglanis cf. amazonicus ........................ Pygidianops amphioxus ........................ ORDEM PERCIFORMES ............................... FAMÍLIA CICHLIDAE ................................. Aequidens pallidus ................................ Apistogramma agassizi ......................... Apistogramma hippolytae ..................... Crenicichla cf. alta ................................. Crenicichla inpa .................................... Crenicichla lenticulata ........................... Crenicichla lugubris .............................. Hypselecara coryphaenoides ................. Heros efasciatus .................................... Laetacara thayeri ................................... Mesonauta insignis ............................... Satanoperca lilith .................................. FAMÍLIA POLYCENTRIDAE ......................... Monocirrhus polyacanthus .................... ORDEM SYNBRANCHIFORMES .................... FAMÍLIA SYNBRANCHIDAE ........................ Synbranchus sp. ................................... CHAVES DE IDENTIFICAÇÃO DOS PEIXES DA RESERVA DUCKE ................ Chave para as ORDENS de peixes da Reserva Ducke .................... Chave para as ESPÉCIES de CYPRINODONTIFORMES (Rivulidae) da Reserva Ducke .................. Chave para as FAMÍLIAS de CHARACIFORMES da Reserva Ducke ......... Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke8 SUMÁRIO Chave para as ESPÉCIES de CHARACIDAE da Reserva Ducke ............... Chave para as ESPÉCIES de CRENUCHIDAE da Reserva Ducke ............. Chave para as ESPÉCIES de ERYTHRINIDAE da Reserva Ducke ............. Chave para as ESPÉCIES de LEBIASINIDAE da Reserva Ducke .............. Chave para as FAMÍLIAS de GYMNOTIFORMES da Reserva Ducke ........ Chave para as ESPÉCIES de GYMNOTIDAE da Reserva Ducke ............... Chave para as ESPÉCIES de HYPOPOMIDAE da Reserva Ducke ............ Chave para as ESPÉCIES de STERNOPYGIDAE da Reserva Ducke .......... Chave para as FAMÍLIAS de SILURIFORMES da Reserva Ducke ............ Chave para as ESPÉCIES de CETOPSIDAE da Reserva Ducke ................ Chave para as ESPÉCIES de HEPTAPTERIDAE da Reserva Ducke ........... Chave para as ESPÉCIES de LORICARIIDAE da Reserva Ducke .............. Chave para as ESPÉCIES de TRICHOMYCTERIDAE da Reserva Ducke .... Chave para as FAMÍLIAS de PERCIFORMES da Reserva Ducke ............. Chave para as ESPÉCIES de CICHLIDAE da Reserva Ducke ................... REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................. ÍNDICE REMISSIVO DAS ESPÉCIES, FAMÍLIAS E ORDENS .................. CRÉDITOS DAS FOTOS ............................... OS AUTORES ............................................. 133 0. 134 . 135 . 135 . 136 . 136 137 0. 138 . 138 . 139 . 139 . 140 140 0. 141 . 141 143 . 152 155 156 Guia de Peixes da Reserva Ducke Introdução A Reserva Florestal Adolpho Ducke (RFAD) foi criada em 1963. Naquela época seus 100 km2 de floresta tropical úmida de terra firme eram praticamente intocados e cercados por floresta contínua de características similares. O pau-rosa foi explorado na área da reserva por um longo tempo, e ranhuras em pedras, produzidas ao afiar instrumentos de pedra, dão testemunho de uma longa história de presença de ameríndios na área. Depósitos de lenha carbonizada indicam que uma intensa atividade de desmatamento e queimadas pode ter ocorrido milhares de anos antes da colonização da área por europeus e africanos. Entretanto, de modo geral, na década de 1960 a área de floresta de alta diversidade biológica da RFAD era tão “virgem” quanto qualquer outra no continente americano. No ano 2000 a expansão urbana da cidade de Manaus havia chegado aos limites da RFAD. Atualmente bairros populares fazem limite coma borda sul da reserva, e a floresta no entorno das bordas leste, norte e, especialmente, oeste se encontra fragmentada e degradada. Desde então, a RFAD vem se transformando em um imenso parque urbano. Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke10 visíveis a um observador casual, essa parte da fauna é pouco evidente para a maioria das pessoas. Entretanto, os igarapés que cortam a floresta de terra firme da reserva abrigam um conjunto rico e diverso de espécies de peixes, algumas delas de grande beleza e de importância como peixes ornamentais. Dezenas de espécies de peixes habitam os diferentes ambientes aquáticos disponíveis nos igarapés, desde as águas abertas dos canais, até os pequenos espaços entre as folhas mortas da floresta que se depositam no fundo. De forma geral, a característica ecológica mais marcante dessa ictiofauna é a sua grande dependência da floresta, tanto para obtenção de alimentos, como insetos e plantas que caem na água, quanto para obtenção de abrigo, fornecido pelas folhas, galhos e troncos provenientes da floresta. O primeiro estudo sobre peixes na Reserva Ducke, datado de 1970, foi realizado no igarapé do Barro Branco pelo pesquisador Hans-Armin Knöppel, onde detalhes sobre comportamento, hábitos alimentares e dieta de algumas espécies de peixes foram investigados. O pesquisador detectou uma alta freqüência de insetos terrestres na dieta de algumas das espécies mais abundantes deste igarapé. A mais abundante delas, Hyphessobrycon aff. melazonatus, uma pequena piaba da família dos caracídeos, alimenta-se basicamente de formigas e outros insetos terrestres que acidentalmente caem na superfície d’água, demonstrando que a manutenção da floresta é primordial para a preservação desta espécie. Em 2000, um sistema de trilhas foi instalado na RFAD, formando uma malha de 64 km2 que cobre toda a reserva, exceto uma borda Figura 1. Imagem de satélite LANDSAT mostrando a área ocupada pela cidade de Manaus (em rosa) e a Reserva Ducke (quadrado no alto à direita). INTRODUÇÃO Entre os grupos de organismos que habitam a floresta da Reserva Ducke, os peixes constituem um importante elemento da fauna. Em função do pequeno tamanho da maioria das espécies de peixes presentes nos igarapés, e também por não serem imediatamente Guia de Peixes da Reserva Ducke Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke 11 externa de 1 km de largura. O sistema de trilhas dá acesso a 72 parcelas permanentes de 1 ha, para amostragem de fauna e flora terrestres, e 38 pontos permanentes de amostragem em igarapés e poças associadas, para amostragem de organismos aquáticos. A maioria das generalizações em ecologia neotropical foi baseada em estudos realizados em reservas como La Selva (Costa Rica) e Barro Colorado (Panamá), que possuem apenas alguns quilômetros quadrados de extensão. O sistema de 64 km2 de trilhas na RFAD (Figura 2) permite a avaliação dos efeitos da escala espacial de amostragem sobre essas generalizações. Quase todos os igarapés da Reserva Ducke nascem dentro da área protegida, sendo que alguns correm em direção ao rio Amazonas e outros em direção ao rio Negro. Isto é resultado da existência de uma elevação na região central da Reserva, que funciona como um divisor de águas, separando o sistema em duas distintas drenagens: a do leste e a do oeste (ver Figura 2). O leito destes igarapés é formado principalmente por areia, freqüentemente recoberta por densos bancos de folhas e emaranhados de raízes. As águas são muito límpidas, ácidas e com uma grande quantidade de oxigênio dissolvido. A separação das micro-bacias afeta as características dos igarapés. No lado leste, onde a topografia é um pouco mais íngreme, os igarapés possuem águas claras, enquanto no lado oeste, onde extensos vales arenosos predominam, as águas são avermelhadas (Figura 3). Estas diferenças influenciam a fauna aquática que se encontra nos dois lados da Reserva. Algumas espécies de peixes, como a Figura 2. Mapa topográfico da área da Reserva Ducke. As áreas mais escuras indicam terrenos mais elevados. Note o platô central dividindo as microbacias hidrográficas que drenam as porções leste e oeste da reserva. A área quadriculada por linhas vermelhas representa a grade de trilhas do PPBio. Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke12 colorida piaba Poecilocharax weitzmani (Figura 4, à esquerda), só foram encontradas no lado oeste, enquanto outras, como o pequeno peixe elétrico Microsternarchus cf. billineatus (Figura 4, à direita), só foram até agora registradas no lado leste. Figura 3. Igarapé de água avermelhada (esquerda), predominante na bacia oeste, e de água clara (direita), comum na bacia leste da Reserva Ducke, típicos de ambientes de florestas de terra firme. Note o fundo predominantemente arenoso dos igarapés, com acúmulo de folhas mortas submersas. Figura 4. Esquerda: Poecilocharax weitzmani (Crenuchidae), um tipo de piaba encontrado apenas nos igarapés do lado oeste da Reserva Ducke; direita: Microsternarchus cf. bilineatus (Hypopomidae), um pequeno sarapó registrado até o momento apenas nos igarapés do lado leste. Os igarapés podem ser caracterizados por três diferentes ambientes, que influenciam a fauna de peixes: corredeiras, água corrente e poços ou remansos. O primeiro, normalmente é caracterizado pela forte correnteza e pouca profundidade. Em alguns igarapés, corredeiras se formam sobre emaranhados de raízes finas. Nestes ambientes, freqüentemente encontramos vários indivíduos da espécie Microcharacidium eleotrioides, um pequenino crenuquídeo, que se mantém fixado às raízes por suas fortes nadadeiras peitorais. Também são registrados nestes ambientes alguns bodós (cascudos), como o Parotocinclus longirostris, da família Loricariidae, que se agarram fortemente em galhos através de seus lábios em forma de ventosa. INTRODUÇÃO Guia de Peixes da Reserva Ducke Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke 13 Já nas águas correntes, espécies com grande capacidade de natação, como as piabas dos gêneros Bryconops e Hyphessobrycon, são vistas no meio da coluna d’água, subindo e descendo o igarapé em busca de alimento. Os remansos são formados na parte interna das curvas do igarapé ou após barreiras, como troncos e galhos caídos no canal. Nestes ambientes, normalmente repletos de folhas e pequenos galhos, uma variada fauna de peixes morfologicamente distintos pode ser encontrada. Isso inclui peixes que vivem escondidos no fundo dos bancos de folhas, como o mussum (Synbranchus sp.) e os sarapós do gênero Gymnotus, que se alimentam de pequenos peixes e insetos aquáticos; outras espécies passam a maior parte do tempo nadando na coluna d’água, como as piabas Hemigrammus cf. pretoensis, Iguanodectes geisleri e espécies do gênero Bryconops; peixes carnívoros de maior porte, como a traíra Hoplias malabaricus e os jacundás do gênero Crenicichla, que espreitam suas presas próximo ao fundo dos igarapés; e os pequenos peixes-lápis dos gêneros Nannostomus, Pyrrhulina e Copella, que nadam muito próximos à superfície em busca de insetos e outros pequenos animais que caem na água. Além destes ambientes dentro do canal, na região marginal, durante a época de chuva, quando a freqüência de inundações é maior, se forma um complexo conjunto de poças temporárias que podem permanecer com água por até 11 meses. Estas poças, dependendo de seu tamanho e do tempo de permanência da água, podem manter uma diversa ictiofauna (Pazin et al. 2006), e parecem ser muito importantes como local de desova e crescimento para diversas espécies de peixes. Em 2001, uma ampla pesquisa sobre a distribuição das espécies de peixes foi realizada nos igarapés da Reserva Ducke. Nesse estudo, Mendonça e colaboradores (2005) registraram um total de 49 espécies e notaram algumas diferenças na composição da ictiofauna entre as bacias hidrográficas que drenam os dois lados da Reserva. Durante os anos de 2002 e 2003, Victor Pazin e colaboradores realizaramamostragens de peixes nas poças temporárias adjacentes aos igarapés da Reserva, encontrando 18 espécies, sendo que três ainda não haviam sido registradas nos estudos anteriores (Pazin et al. 2006). Num outro estudo, realizado entre 2005 e 2006, foram feitos 19 registros novos de espécies para os igarapés da Reserva Ducke (Espírito-Santo et al., 2009). Desta forma, somam-se, hoje, registros de 70 espécies pertencentes a 17 famílias nos pequenos corpos d’água da Reserva Ducke. Dada a grande diversidade de formas, hábitos e comportamentos deste grupo tão importante de organismos, desenvolvemos aqui este Guia de Peixes da Reserva Florestal Adolpho Ducke, com dicas e fotografias para permitir a identificação em campo, além de detalhes da história natural e biologia de todas as espécies de peixes já registradas nos igarapés e poças temporárias da mais bem estudada floresta de terra-firme da Amazônia. Biologia de Peixes Os peixes dominam os ambientes aquáticos desde sua origem há cerca de 500 milhões de anos. Para colonizar e ter sucesso numa variada gama de ambientes, os peixes desenvolveram fascinantes adaptações anatômicas, fisiológicas, comportamentais e ecológicas. Amparados por um extenso registro fóssil no curso da evolução do planeta e seus biomas, os peixes são ótimos exemplos de processos evolucionários. Tais processos podem ser exemplificados pelas relações entre forma, função, habitats preferenciais e adaptações comportamentais, como demonstrado por algumas das espécies presentes neste livro. Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke 15 O que é um peixe? Apesar de todo mundo ter uma idéia razoável do que é um peixe, uma definição simples não pode ser formulada para os mesmos, visto que se trata de um agrupamento com muitas exceções e origens evolutivas distintas. Assim, o termo “peixes” para a maioria dos biólogos não se refere a uma categoria taxonômica, e sim uma conveniente descrição para vertebrados aquáticos tão diversos e distintos como as lampreias, tubarões e peixes ósseos. Sistemática A diversidade dos peixes recentes (excluindo as formas fósseis) é de cerca de 25.000 espécies, o que corresponde a mais da metade dos vertebrados atuais. Dessas 25.000 espécies, cerca de 85 representam os peixes não mandibulados (lampreias e peixes-bruxa), cerca de 850 espécies de peixes cartilaginosos e quase 24.000 espécies de peixes ósseos. Como mencionado anteriormente, os peixes envolvem diversos grupos parafiléticos (com origens distintas) que são agrupados por conveniência. Assim, “Peixes” não podem ser definidos como um agrupamento natural. Os estudos sobre a evolução dos peixes revelam uma tendência favorecendo o acúmulo de especializações alimentares e locomotoras. Neste sentido, os peixes mais plesiomórficos (i.e. aqueles que apresentam menos novidades evolutivas) são relativamente mais simples que os peixes mais apomórficos (i.e. aqueles que incorporaram muitas novidades evolutivas). Os peixes recentes mais plesiomórficos, como as lampreias e feiticeiras ou peixes-bruxa (Superclasse Agnatha) nem sequer apresentam mandíbulas e olhos, o seu sistema nervoso é bastante simples, e não apresentam apêndices locomotores. Resumidamente, através do registro fóssil podemos inferir que houve tendências ao aparecimento de apêndices locomotores e a cefalização (aumento da complexidade da região da cabeça). Após essa cefalização, surgiu no registro fóssil há cerca de 400 milhões de anos a mandíbula, uma das maiores novidades evolutivas. Essa novidade permitiu o domínio do grupo dos Gnathostomata (ou vertebrados mandibulados) nos ambientes aquáticos até hoje. Dentre os mandibulados, três grandes grupos recentes são facilmente reconhecíveis: 1) os Chondrichthyes, representados pelos tubarões, raias e quimeras e caracterizados principalmente por possuírem o esqueleto cartilaginoso; 2) os Sarcopterygii, representados pelos celacantos, piramboias (peixes pulmonados) e os Tetrápodos (anfíbios, répteis, aves e mamíferos); e 3) os Actinopterygii, representados pela grande maioria dos peixes recentes de esqueleto ósseo, que dominaram os ambientes marinhos e de água doce. Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke16 Peixes de água doce Apesar dos ambientes de água doce cobrirem menos de 0,5% da superfície do planeta, eles abrigam cerca de 41% das espécies de peixes (Cohen, 1974; Berra, 2001). Essa enorme diversidade encontrada nos riachos, rios e lagos é representada por poucos grupos taxonômicos. O mais importante deles sem dúvida alguma é representado pelos Ostariophysi, que inclui os Characiformes, Siluriformes e Gymnotiformes (além dos Cypriniformes). O sucesso desses grupos nos ambientes de água doce é freqüentemente associado a duas sinapomorfias (características compartilhadas exclusivamente pelo grupo): presença do aparelho de Weber, uma série de ossículos que ligam o ouvido interno à bexiga natatória; e a produção de uma substância de alarme, que permite alertar os indivíduos da espécie sobre a presença de peixes feridos (ou seja, a ocorrência de risco de morte por predação). Das quatro ordens supracitadas, com exceção dos Cypriniformes, as outras três ocorrem naturalmente na região Neotropical e também na Bacia Amazônica. Além desses grupos, outra linhagem que dominou a água doce, particularmente na África, foi a família Cichlidae (Percomorpha: Perciformes). Todos os membros dessa família apresentam cuidado parental, o que, segundo alguns autores, é uma das características responsáveis pelo sucesso do grupo nos ambientes de água doce. BIOLOGIA DE PEIXES Figura 5. Relações filogenéticas dos grupos recentes de “Peixes”. Figura 6. Grupos de peixes presentes na região Neotropical. As séries e ordens presentes na RFAD estão destacadas em vermelho. Guia de Peixes da Reserva Ducke Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke 17 Outros grupos taxonômicos menores (com menor riqueza de espécies) também ocorrem na região Neotropical, como, por exemplo, os Cyprinodontiformes (peixes anuais, rívulos) e os Synbranchiformes (mussuns). O estado atual do conhecimento da diversidade de peixes de água doce na região Neotropical ainda é bastante incipiente, e, de acordo com alguns pesquisadores, cerca de metade ou mais da ictiofauna ainda não foi descrita. Certamente a bacia amazônica abriga grande parte dessa fauna “desconhecida” pela ciência, e como salientado por Menezes (1996), uma das principais lacunas é justamente o parco conhecimento acerca da fauna de peixes de igarapés nas regiões de cabeceiras dos rios amazônicos e áreas pouco exploradas, mais distantes dos centros urbanos regionais. Conservação A enorme diversidade de peixes presente nos riachos, rios e lagos de água doce é certamente a mais ameaçada pelas perturbações ambientais causadas pelo homem. No caso dos ambientes de igarapés localizados nos ambientes urbanos, a ameaça se deve principalmente à poluição produzida pelo despejo de efluentes domésticos e industriais e à falta de planejamento urbano que concilie o crescimento dos espaços urbanos com a necessidade de conservação das áreas no entorno dos pequenos corpos de água, como igarapés de até terceira ordem. No caso dos ambientes rurais, as principais fontes de distúrbios ambientais decorrem do desmatamento das matas ciliares e consequente assoreamento dos corpos de água; dos barramentos de igarapés para cultivo de peixes (aqüicultura) e/ou para formar reservas de água para agricultura ou dessedentação de rebanhos; e do uso de insumos agrícolas diversos, tais como adubos, fertilizantes, pesticidas e herbicidas. É importante lembrar que as florestas ripárias que margeiam os igarapés constituem áreas de proteção permanente, e não poderiam ser perturbadas. Entretanto, o desrespeito flagrante da lei não tem sido coibido na medida necessária, o que torna os pequenos igarapés de terra firme os ambientes aquáticos mais severamente alterados na Amazônia brasileira. Emum estudo realizado em fragmentos florestais na área urbana de Manaus (Amazonas), Anjos (2007) demonstrou que os igarapés alterados por mudanças na cobertura vegetal, pela poluição da água e pelo isolamento em pequenos fragmentos florestais podem ser completamente descaracterizados. A deterioração da qualidade da água desses igarapés é evidente e favorece mudanças nas abundâncias relativas dos diferentes grupos de peixes, a perda de espécies, e a invasão desses igarapés por espécies de outros ambientes (por exemplo, peixes de várzea, como o tamoatá Hoplosternum littorale - Callichthyidae). Isso inclui espécies exóticas (originárias de outros locais ou mesmo continentes), como as tilápias africanas (Cichlidae), os guarus ou lebistes (Poecilia reticulata; Poeciliidae), e até mesmo peixes asiáticos típicos do comércio de peixes ornamentais (Trichogaster trichopterus; Belontiidae) (nossas observações pessoais). Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke18 Qual o tamanho dos peixes de igarapés da Reserva Ducke? A maioria das espécies de peixes que habitam igarapés de terra firme é de pequeno porte, com tamanho adulto entre 25 mm e 150 mm de Comprimento Padrão (CP, medido desde a ponta do focinho até a base da nadadeira caudal). Nessa faixa de tamanho se incluem todas as piabas e os pequenos bagres ou mandizinhos. Entre os Cichlidae (a família dos acarás e jacundás) há espécies de porte médio, como o jacundá Crenicichla lenticulata e o acará-cabeça-de-touro Hypselecara coryphaenoides, que podem ultrapassar 250 mm CP. Algumas espécies podem medir entre 300 e 500 mm, como o bagre Rhamdia quelen (Heptapteridae) e o sarapó Sternopygus macrurus (Sternopygidae), mas o maior peixe presente nos igarapés da Reserva Ducke é o poraquê Electrophorus electricus (Gymnotidae), que pode chegar a 2 metros de comprimento total (CT). Onde vivem os peixes? Os principais hábitats para a ictiofauna de igarapés da Reserva Ducke Os igarapés apresentam uma diversidade de habitats para os peixes, desde os mais óbvios e imediatamente visíveis, como a coluna d’água (onde abundam as piabas da família Characidae) e as áreas rasas próximas às margens, até locais bastante inusitados. Algumas espécies habitam os bancos de folhas mortas que se acumulam nos remansos, e mesmo nesses habitats há uma segregação espacial: certas espécies vivem muito próximo às folhas, como os pequenos acarás dos gêneros Apistogramma, Laetacara e Aequidens; outras, como os pequenos bagres do gênero Nemuroglanis, vivem entre as folhas soltas da parte superior dos bancos de folhiço; e algumas mergulham profundamente nesses acúmulos de folhas mortas, como o mussum Synbranchus sp. e os sarapós do gênero Gymnotus. Os bancos de areia que compõem a maior parte do substrato do fundo dos igarapés também são habitados por algumas espécies de peixes de hábitos bastante especializados. Essa afinidade pela vida na areia é conhecida como psamofilia. Entre as espécies de peixes psamófilos presentes na reserva, merecem destaque os mandizinhos Mastiglanis asopos e Imparfinis pristos (Heptapteridae), que permanecem enterrados na areia durante o dia e saem ao entardecer e à noite para buscar alimento na superfície da areia. O sarapó-da-areia Gymnorhamphichthys rondoni (Rhamphichthyidae) apresenta um ritmo de vida semelhante, e pode ser encontrado enterrado na areia fofa de áreas rasas dos igarapés. Entretanto, o peixe psamófilo mais especializado é o pequeno candiru Pygidianops amphioxus (Trichomycteridae), uma espécie que aparentemente nunca abandona os bancos de areia, onde permanece enterrado dia e noite. Os emaranhados de raízes que pendem da vegetação ripária e que são banhados por água bem oxigenada são locais de abrigo de diversas espécies de peixes de hábitos noturnos, mas que permanecem escondidos durante o dia nesses locais, como o bagre-folha Helogenes marmoratus (Cetopsidae), o sarapó-folha ou sarapó-centopeia Steatogenys duidae (Hypopomidae), e o pequeno BIOLOGIA DE PEIXES Guia de Peixes da Reserva Ducke Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke 19 bagre Brachyglanis frenata (Heptapteridae). Esse uso diferenciado e especializado de microhabitats pelos peixes é um dos fatores responsáveis pela alta riqueza de espécies encontrada em sistemas aquáticos de pequenas dimensões e aparentemente simples como os igarapés de terra firme da Amazônia. Quanto maior o ambiente aquático, maior a diversidade de habitats disponíveis para os peixes, e mais elevada é a riqueza de espécies da ictiofauna. O que os peixes comem? Peixes de igarapés consomem uma grande diversidade de tipos de alimento, e boa parte das espécies presentes nesse tipo de ambiente tem hábitos onívoros, ou seja, utilizam alimentos de origem animal e vegetal. Também apresentam certa plasticidade alimentar (mudanças na dieta, de acordo com o período do ano e local onde vivem) e uma boa dose de oportunismo (consumindo o alimento que se apresenta em maior quantidade no momento ou é de mais fácil obtenção). De forma geral, pequenos animais invertebrados, especialmente insetos, constituem a base da alimentação da maior parte dos peixes de igarapés. Entre os insetos, larvas de mosquitos da família Chironomidae (Diptera) são muito abundantes no fundo dos igarapés e são consumidos por muitas espécies de peixes. Insetos terrestres, como formigas e cupins, também são abundantes nas florestas de terra firme e são rapidamente consumidos pelos peixes quando caem na água, seja dos galhos e ramos da vegetação debruçados sobre as margens dos igarapés, ou quando são arrastados pelas enxurradas durante o período de chuvas. A vegetação ripária (as plantas presentes junto às margens dos igarapés) contribui para a dieta dos peixes ao fornecer pequenos frutos, sementes, flores, pólen e mesmo folhas, que são consumidos diretamente pelos peixes ou servem como alimento para os invertebrados aquáticos (principalmente insetos e camarões), que por sua vez são predados pelos peixes. Essa vegetação ripária sombreia os igarapés, de modo que a luz do sol atinge a superfície da água em poucos locais e durante um pequeno período do dia (geralmente quando o sol está a pino), o que restringe a produção de algas no ambiente aquático. Mesmo assim, algumas espécies são especializadas em consumir essas algas, como os acaris, bodós e cascudos da família Loricariidae. Estes animais raspam o substrato usando suas fileiras de dentes flexíveis. Todavia, a produção limitada de algas faz com que as populações desses consumidores de perifíton (algas e outros organismos associados a um substrato qualquer) sejam geralmente pequenas nos igarapés de terra firme. Finalmente, algumas espécies de peixes são piscívoras, ou seja, alimentam-se predominantemente de outros peixes, que podem ser inclusive indivíduos pequenos da própria espécie. Entre esses, destacam-se as traíras e jejus (Erythrinidae), o peixe-cachorro (Acestrorhynchus falcatus), o bagre Rhamdia quelen (Heptapteridae) e o poraquê Electrophorus electricus (Gymnotidae). Esses piscívoros capturam suas presas empregando Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke20 diferentes táticas, que incluem períodos de forrageamento diferenciados (diurno, noturno ou crepuscular), ambientes de caça (coluna d’água, margens rasas, bancos de folhiço) e formas de ataque (perseguição da presa, tocaia, aproximação sorrateira, e até o uso de descargas elétricas para atordoar as presas antes de engoli-las). Ao menos uma característica parece ser comum a esses predadores: todos engolem as presas inteiras. Quem são os predadores dos peixes? Como mencionado anteriormente, há uma variedade de peixes predadores que se alimentam de pequenos peixes nos igarapés, e devem representar o principal risco de vida para os peixes adultos nesses ambientes. Entretanto, alguns mamíferos (como o mão-pelada, a cuíca-d’água, alguns ratos, e certos felinos) provavelmente se alimentam de peixes nos igarapésdurante a noite. Aves piscívoras também existem, mas parecem ser pouco abundantes nesses ambientes; entre elas, destacam-se as arirambas ou martins-pescadores, que espreitam suas presas de poleiros na vegetação marginal e mergulham rapidamente sobre as mesmas para capturá-las. Entre os répteis, serpentes dos gêneros Micrurus (a cobra-coral), Hydrodinastes e Helicops são consumidoras notórias de peixes, especialmente de sarapós (Gymnotiformes). Lagartos aquáticos ou semi-aquáticos dos gêneros Neusticurus e Crocodilurus também consomem peixes como parte de suas dietas. Entretanto, em termos de tamanho, entre os maiores predadores de peixes nos igarapés está o jacaré- coroa Paleosuchus trigonatus (Magnusson & Lima, 1991). Como os peixes se reproduzem? Um dos aspectos mais mal conhecidos da vida dos peixes de igarapés é a reprodução. A razão para essa deficiência provavelmente é a necessidade de realizar estudos de longo prazo, que incluam os diferentes períodos sazonais (chuvoso e de estiagem), de forma a permitir uma visão mais geral dos ciclos biológicos das espécies. A maioria dos estudos de peixes realizados em igarapés se baseia em amostragens pontuais, com apenas uma ou poucas visitas a campo em um mesmo local, o que dificulta os estudos sobre reprodução. Entretanto, espera- se que a estrutura de trilhas e a base de informações geradas sobre os peixes da Reserva Ducke funcionem como um estímulo à realização de tais estudos. De forma geral, os peixes de igarapés se reproduzem por meio de ovócitos depositados pelas fêmeas no ambiente, que são imediatamente fecundados pelos machos. Algumas espécies de piabas (Characidae) simplesmente espalham seus ovos sobre a vegetação ou outro substrato, e a sobrevivência dos filhotes depende, em larga parte, da chance de escaparem à predação por outros organismos. Nesse tipo de tática reprodutiva, a produção de um elevado número de ovócitos (alta fecundidade) parece ser a forma mais comum de garantir que alguns filhotes sobreviverão para crescer e deixar descendentes. Geralmente essas espécies desovam no período de chuvas, quando ocorre um aumento temporário do volume dos igarapés e uma possível maior disponibilidade de alimento para os jovens. BIOLOGIA DE PEIXES Guia de Peixes da Reserva Ducke Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke 21 Outras espécies apresentam táticas diferenciadas, que incluem a construção de ninhos e um forte cuidado parental, ou seja, os pais permanecem junto à desova e aos filhotes, protegendo-os de predadores e levando-os a locais de alimentação e abrigo. Esse tipo de tática é muito comum entre os acarás e jacundás da família Cichlidae e é também empregada pelo poraquê (Gymnotidae). Nesses casos onde o investimento de energia é grande no cuidado com a prole, os ovos têm tamanho maior e são produzidos em menor número a cada desova. Certos bagres e acaris tomam conta da desova logo após a postura, mas abandonam os filhotes à própria sorte logo após a eclosão das larvas. Para outras espécies, como o pequeno candiru psamófilo Pygidianops amphioxus (Trichomycteridae), detalhes do comportamento reprodutivo são completamente desconhecidos até o momento. Estudos recentes nos igarapés da RFAD indicam que as poças temporárias que são formadas no período de chuvas são utilizadas como locais de desova e crescimento dos jovens por diversas espécies, que incluem os peixes do gênero Rivulus (Rivulidae), os jejus Erythrinus erythrinus, (Erythrinidae), os tamoatás Callichthys callichthys (Callichthyidae), pequenos acarás (Cichlidae), peixes-lápis e pirrulinas (Lebiasinidae) e mesmo algumas espécies de piabas muito comuns e abundantes nos igarapés, do gênero Hyphessobrycon (Characidae) (Pazin et al., 2006; Espírito-Santo et al., 2009). A estratégia reprodutiva das espécies está relacionada fortemente à sua dependência destas poças temporárias. Espécies que não utilizam poças tendem a se reproduzir como as piabas citadas acima, de maneira parcelada ao longo do ano, com ovos muito pequenos e em grande quantidade, enquanto espécies mais dependentes das poças tendem a concentrar sua reprodução no período chuvoso e possuem geralmente ovos grandes, depositados em pequena quantidade (Espírito-Santo et al. 2013). A distribuição das espécies de peixes na Reserva Ducke Considerando tanto os peixes coletados nos igarapés quanto nas poças, verificou-se que a distribuição de muitas espécies foi relacionada com as principais microbacias hidrográficas que drenam a reserva. Das 70 espécies registradas, 33 foram encontradas em ambos os lados do divisor de águas, enquanto que 21 ocorreram apenas na bacia oeste e 16 foram exclusivas da bacia leste (Mendonça et al., 2005; Pazin et al., 2006; Espírito-Santo, 2007). A composição de espécies de peixes nos igarapés foi significativamente relacionada com a concentração de ácidos húmicos, quantidade de partículas em suspensão, velocidade da correnteza, vazão e com o tipo de substrato (especialmente troncos e bancos de folhiço). A riqueza de espécies por trecho amostrado (diversidade local) foi pequena em relação à riqueza total encontrada, indicando uma alta diversidade regional (Mendonça et al., 2005). Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke 23 Houve variações temporais na composição e abundância de espécies nos igarapés, mas há fortes evidências de que processos previsíveis de mudança na ictiofauna mantêm sua estrutura geral ao longo do tempo. Foi possível verificar que as assembléias de peixes apresentam algumas mudanças entre os períodos de chuva e de seca, em função de variações na quantidade de exemplares das espécies mais comuns e abundantes nos igarapés. Essas variações sazonais foram ligeiramente diferentes entre as duas bacias que drenam da reserva, o que indica a existência de processos diferenciados atuando sobre as assembleias de peixes, possivelmente relacionados às características estruturais dessas bacias. Mudanças na composição de espécies ao longo de períodos maiores de tempo (anos) também foram detectadas, mas decorreram de variações na presença de espécies raras ou pouco abundantes nas amostras (Espírito-Santo, 2007). A estrutura das assembleias de peixes nas poças também foi influenciada por fatores locais relacionados à estrutura do habitat, como área e profundidade da poça, abertura do dossel e tempo de permanência de água nas poças. Fatores físico-químicos da água não tiveram efeitos detectáveis sobre essas assembléias de peixes. Surpreendentemente, não foi encontrada relação entre a composição, riqueza e abundância de peixes nas poças e os peixes dos trechos de riachos adjacentes, indicando que parte dessa ictiofauna ocorre predominantemente nas poças, que têm uma dinâmica própria (Pazin et al., 2006). No entanto, estudos mais recentes mostram que a movimentação dos peixes para as poças é um processo que ajuda a manter a estabilidade da ictiofauna nos igarapés da Reserva Ducke (Espírito-Santo 2015). A fauna de igarapés com maiores áreas de poças temporárias tendem a ser mais estáveis ao longo do tempo. Em conjunto, os dados obtidos para igarapés e poças indicam que as duas bacias hidrográficas presentes da Reserva Ducke apresentam características estruturais diferentes, e devem ser consideradas como unidades de manejo distintas no planejamento de ações de conservação para aquela área. Ameaças à fauna de peixes da Reserva Ducke Na época da implementação da Reserva Ducke, no inicio da década de 1960, Manaus contava com uma população de aproximadamente 173.000 habitantes em uma área de 3.000 hectares (Silva & Silva, 1993). A população atual de Manaus foi estimada em cerca de 2.020.301 habitantes, distribuídos em uma área de 11.401,092 hectares (dados referentes a julho de 2009; fonte: IBGE/INEP/DATASUS/TSE/BACEN/STN/ DENATRAN; http://cidades.ibge.gov.br, acessado em 24 de junho de 2015). Devido ao acelerado crescimento urbano, atualmente a cidade está envolvendoa área da reserva, que pode no futuro torná-la um grande fragmento florestal urbano. O crescimento desordenado, a poluição de igarapés por efluentes domésticos, os desmatamentos e as queimadas realizadas por pequenos agricultores em suas fronteiras são ameaças que afetam a integridade da reserva. Embora as cabeceiras dos igarapés se encontrem protegidas pela unidade de conservação, e os impactos ocorram fora dos limites da reserva, as perturbações ambientais podem constituir uma barreira intransponível para a maioria dos peixes de igarapés, impedindo processos de migração e de recolonização desses corpos d’água. Essas modificações ambientais põem em risco a conservação da ictiofauna dos igarapés da Reserva Ducke, que representa hoje um dos últimos locais com nascentes preservadas na área urbana de Manaus e um exemplo vivo da fauna de peixes típica de igarapés da Amazônia central brasileira. Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke 25 Devido ao pouco conhecimento sobre a diversidade presente nas florestas de terra firme e ao perigo representado pelo crescimento da cidade de Manaus ao redor da Reserva Ducke, faz-se necessário incrementar os estudos direcionados à conservação e ao manejo dessa área. Estudos sobre a composição, riqueza e variações temporais naturais de comunidades biológicas são fundamentais para a implementação de planos de manejo efetivos em unidades de conservação. Neste sentido, a grade de trilhas instalada pelo Programa de Pesquisas em Biodiversidade (MCT/CNPq/ INPA/MPEG; www.ppbio.inpa.gov.br) na Reserva Ducke permitiu o estabelecimento de um conjunto de pontos de amostragem adequado à diversidade de paisagens existentes naquela área. Essa iniciativa incluiu a criação de parcelas aquáticas permanentes na reserva, que resultou na possibilidade de realizar amostragens repetidas ao longo do tempo. Com o apoio do programa Pesquisas Ecológicas de Longa Duração (PELD sítio 1) tem-se conseguido sanar uma das maiores deficiências detectadas nos estudos ecológicos na Amazônia. Ainda, o uso de protocolos padronizados de amostragem tem permitido comparar os resultados obtidos em diferentes igarapés amazônicos de uma forma estatisticamente robusta, o que aumenta significativamente o valor das informações geradas para o monitoramento e o manejo da biodiversidade naquela área. Como usar este guia Este Guia de Identificação foi elaborado para auxiliar pessoas a reconhecerem as diversas espécies de peixes que habitam os riachos da Reserva Ducke. A alta riqueza de espécies de peixes na reserva faz com que esse local seja bastante atraente para quem deseja conhecer melhor os peixes típicos de igarapés amazônicos. A infraestrutura local, composta pela rede de trilhas e pelos alojamentos e laboratórios ali instalados, também contribui para facilitar a realização de estudos científicos da ictiofauna regional. Entretanto, nem sempre é fácil ou simples observar os peixes de riachos. Diferente do que acontece no estudo de plantas, aves, répteis e mamíferos, por exemplo, peixes não são facilmente identificados por meio de observação direta. Como a área constitui uma unidade de conservação estabelecida (no caso, uma reserva florestal), coletas de exemplares devem ser realizadas em uma intensidade mínima, e apenas para estudos científicos. Para um visitante ocasional, certamente essa abordagem não pode ser permitida ou estimulada, pois poderia comprometer a viabilidade das populações naturais de peixes. A baixa produtividade biológica dos sistemas de igarapés faz com que sejam bastante sensíveis a esse tipo de perturbação, e a resiliência desses sistemas (ou seja, a capacidade de retornar naturalmente ao estado anterior, após uma perturbação) parece ser bem baixa. Assim, a melhor maneira de conhecer os peixes da reserva consiste em adentrar o ambiente dos peixes por meio de mergulho livre nos igarapés. Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke 27 Como a grande maioria dos igarapés são rasos, o uso de equipamentos simples, como máscara de mergulho e respirador (snorkel), permite que sejam feitas observações muito interessantes sobre as características morfológicas dos peixes, seus hábitats e comportamento. Esperamos que este guia seja útil para a identificação das espécies observadas em campo, a partir da comparação de algumas características simples, como formato do corpo e padrão de colorido. No final deste volume há uma sequência de chaves de identificação que permitem separar os grandes grupos taxonômicos (Ordens), as famílias, gêneros e espécies, com base em características morfológicas externas. Sempre que possível, foram utilizadas características de fácil visualização e identificação, sem a necessidade de uso de equipamentos sofisticados. Na maioria dos casos, uma lupa de mão é suficiente para permitir a visualização de estruturas menores (detalhes de escamas perfuradas, dentes e espinhos nas nadadeiras). Após a identificação com uso das chaves, o leitor pode conferir a identificação a partir das fichas individuais das espécies, que incluem pelo menos uma imagem de um exemplar representativo, fotografado em um pequeno aquário imediatamente após a captura (em alguns casos, não foi possível obter uma imagem de boa qualidade de exemplares coletados na RFAD; assim, foram utilizadas imagens de exemplares coletados em outros locais da Amazônia, e identificados por nós). As fichas individuais também contêm informações sobre a história de vida e detalhes sobre a distribuição geográfica das espécies, o que deverá proporcionar ao leitor uma visão mais abrangente sobre as espécies observadas. Ao final do volume, também apresentamos uma lista de referências bibliográficas selecionadas, que poderão ajudar o leitor a conhecer melhor as características taxonômicas, biológicas e ecológicas dos peixes presentes na Reserva Ducke e em outros sistemas de igarapés da Amazônia brasileira. Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke28 Carnívoro: invertebrados e peixes. Insetívoro alóctone: invertebrados terrestres. DIETA ALIMENTAR Insetívoro autóctone: invertebrados aquáticos. Invertívoro: invertebrados terrestres e aquáticos. Piscívoro: peixes Onívoro: invertebrados e materia vegetal. Perifitívoro: algas e detrito orgânico. Os ícones Nas fichas individuais de cada espécie, há informações relacionadas à escala de tamanho, em centímetros, à dieta alimentar, ao habitat e à posição em que a espécie costuma ser encontrada na coluna d’água. Essas informações estão disponibilizadas na forma de ícones, com a finalidade de possibilitar ao leitor uma rápida visualização acerca das características de cada espécie, e seus significados são apresentados a seguir. COMO USAR ESTE GUIA Guia de Peixes da Reserva Ducke Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke 29 POSIÇÃO NA COLUNA D’ÁGUA Canal e poça: Jovens preferencialmente em poças * Canal e poça HABITAT Associado a estrutura Poça Bentônico Nectônico Superfície Nectobentônico Canal Canal: ocorre em alagados marginais ** A Ictiofauna dos igarapés da Reserva Ducke A ictiofauna de igarapés da Reserva Ducke é composta por pelo menos 70 espécies, registradas a partir de coletas realizadas nos últimos 15 anos por diversos pesquisadores do INPA e de outras instituições de ensino e pesquisa. Embora já tenha sido amostrada boa parte dos igarapés presentes na reserva, sempre se pode esperar que algumas espécies pouco abundantes ou que utilizam aqueles igarapés de forma ocasional ainda venham a ser registradas em estudos futuros. Seis grupos principais de peixes (Ordens taxonômicas) estão presentes na Reserva Ducke: Characiformes (a maioria dos peixes com escamas e sem espinhos nas nadadeiras), Siluriformes (os peixes de couro, peixes lisos ou bagres, que incluem os acaris ou bodós), Gymnotiformes (os peixes elétricos ou sarapós, incluindo o poraquê), Perciformes (peixes de escamas e com espinhos nas nadadeiras, queincluem os acarás, jacundás e o peixe-folha), Cyprinodontiformes (peixes de escamas e de pequeno porte, que habitam principalmente ambientes de poças temporárias), e os Synbranchiformes (peixes de corpo muito alongado, serpentiforme e sem nadadeiras evidentes). O grupo mais diverso de peixes presentes na reserva é representado pelos Characiformes (seis famílias e 24 espécies), seguidos pelos Siluriformes (sete famílias, 17 espécies), Gymnotiformes (quatro famílias, 12 espécies), Perciformes (duas famílias, 13 espécies), Cyprinodontiformes (uma família, três espécies) e Synbranchiformes (uma família, uma espécie) (Tabela 1). Uma descrição desses grupos taxonômicos e das espécies presentes em cada um deles é apresentada nas seções seguintes. Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke 31 Tabela 1. Composição da ictiofauna capturada na Reserva Ducke por bacia de drenagem. “I” indica espécies capturadas somente no canal dos igarapés, “P” capturadas somente em poças laterais, e “I/P” em ambos os ambientes. O asterisco (*) indica espécie registrada visualmente, sem exemplares coletados. Bacia Oeste Bacia Leste CHARACIFORMES ACESTRORHYNCHIDAE Acestrorhynchus falcatus I I CHARACIDAE Bryconops cf. caudomaculatus - I Bryconops giacopinii I I Bryconops inpai I I Gnathocharax steindachneri I - Hemigrammus cf. geisleri - I Hemigrammus cf. pretoensis I/P I Hyphessobrycon agulha I I Hyphessobrycon aff. melazonatus I/P I/P Iguanodectes geisleri I - Phenacogaster prolatus - I Bacia Oeste Bacia Leste CRENUCHIDAE Ammocryptocharax elegans - I Characidium cf. pteroides I - Crenuchus spilurus I/P I/P Microcharacidium eleotrioides I/P I/P Poecilocharax weitzmani I/P - ERYTHRINIDAE Erythrinus erythrinus I/P I/P Hoplias malabaricus I/P I/P GASTEROPELECIDAE Carnegiella strigata I - LEBIASINIDAE Copella nattereri I/P I/P Nannostomus beckfordi P - Nannostomus marginatus I I Pyrrhulina cf. brevis I/P I/P Pyrrhulina semifasciata P I/P SILURIFORMES AUCHENIPTERIDAE Auchenipterichthys punctatus - I CALLICHTHYIDAE Callichthys callichthys I/P I/P Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke32 Bacia Oeste Bacia Leste CETOPSIDAE Helogenes marmoratus I I Denticetopsis seducta - I LORICARIIDAE Ancistrus aff. hoplogenys - I Farlowella cf. schreitmuelleri - I Parotocinclus longirostris I - Rineloricaria heteroptera I - Rineloricaria lanceolata I - HEPTAPTERIDAE Imparfinis pristos I I Mastiglanis asopos - I Nemuroglanis sp. - I Rhamdia quelen - I Brachyglanis frenata - I PSEUDOPIMELODIDAE Batrochoglanis raninus I - TRICHOMYCTERIDAE Ituglanis cf. amazonicus I I Pygidianops amphioxus I I Bacia Oeste Bacia Leste GYMNOTIFORMES GYMNOTIDAE Electrophorus electricus* I - Gymnotus coropinae I I Gymnotus cataniapo - I/P Gymnotus pedanopterus I I Gymnotus sp. I I HYPOPOMIDAE Hypopygus lepturus I I Microsternarchus cf. bilineatus - I Steatogenys duidae I I Hypopygus cryptogenes I I RHAMPHICHTHYIDAE Gymnorhamphicthys rondoni I I STERNOPYGIDAE Eigenmania aff. macrops - I Sternopygus macrurus I I PERCIFORMES CICHLIDAE Aequidens pallidus I/P I/P Apistogramma agassizii P I/P A ICTIOFAUNA DOS IGARAPÉS DA RESERVA DUCKE Guia de Peixes da Reserva Ducke Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke 33 Bacia Oeste Bacia Leste CICHLIDAE (continuação) Apistogramma hippolytae I I/P Crenicichla cf. alta I - Crenicichla inpa I - Crenicichla lenticulata I - Crenicichla lugubris I - Hypselecara coryphaenoides I - Heros efasciatus I - Laetacara thayeri - I Mesonauta insignis I - Satanoperca lilith I - POLYCENTRIDAE Monocirrhus polyacanthus I - CYPRINODONTIFORMES RIVULIDAE Rivulus micropus I/P I/P Rivulus kirovskyi I/P I/P Rivulus ornatus P - SYNBRANCHIFORMES SYNBRANCHIDAE Synbranchus sp. I/P I/P Cyprinodontiformes Peixes de pequeno porte, com o corpo coberto de escamas; corpo subcilíndrico na porção anterior e comprimido na região do pedúnculo caudal; cabeça com o topo achatado e com a boca voltada para cima; nadadeira dorsal posicionada posteriormente no corpo, mais próxima da cauda do que do fo- cinho; ausência de nadadeira adiposa. Inclui os peixes anuais da família Rivulidae, habitantes típicos de poças temporárias e charcos, e os barrigudinhos, guppys ou lebistes da família Poeciliidae, comuns em ambientes aquáticos alterados. Rivulidae A família Rivulidae compreende cerca de 250 espécies de pequenos peixes (3,0 a 8,0 cm) que habitam principalmen- te ambientes aquáticos temporários (poças, lagoas e charcos) ao longo das Américas do Sul e Central, e pelo menos uma es- pécie ocorre na Flórida (EUA) (Costa, 1989a; Huber, 1992). Os rivulídeos podem ser reconhecidos pelo corpo subcilíndrico e com o pedúnculo caudal comprimido lateralmente, pelo padrão de colorido exuberante de muitas espécies, pela cabeça com o topo achatado e coberto por escamas grandes, boca volta- da para cima e ausência de nadadeira adiposa. A nadadeira dorsal é posicionada posteriormente, e a caudal é arredon- dada ou elíptica. Muitas espécies apresentam ciclo de vida anual, nascendo, crescendo, se reproduzindo e morrendo em poças d’água durante um mesmo ciclo anual. As espécies que ocorrem na Reserva Ducke pertencem ao gênero Rivulus, que não apresenta ciclo de vida anual. Esses peixes são capazes de se deslocar entre poças e áreas rasas do canal de igarapés durante a estação chuvosa, por meio de saltos impressionan- tes. Alimentam-se principalmente de pequenos invertebrados terrestres que caem nas poças e no canal dos igarapés. Três espécies de Rivulus ocorrem na reserva. Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke36 (Costa, 2004) Rivulus kirovskyi rívulo Descrição: Espécie de porte muito pequeno, alcançando no máximo 25 mm CP. Cabeça e região pré-dorsal achatadas dorso-ventralmente. Tronco delgado, subcilíndrico na região ante- rior e comprimido posteriormente. Parte mais alta do corpo na direção vertical das nadadei- ras pélvicas. Linha lateral com 32 escamas. Nadadeira dorsal localizada no terço final do corpo, com origem na direção vertical entre antepenúltimo e último raios da nadadeira anal. Nadadeira peitoral arredondada. Nadadeira caudal ovalada. Focinho arredondado. Faixa escura transversal sob o queixo. Pintas avermel- à vegetação marginal ou folhas na superfície da água, em regiões de baixa correnteza. Suas nadadeiras peitorais e caudal bem desenvolvi- das, e uma eficiente estratégia de propulsão, permitem uma locomoção eficiente fora d’água, através de saltos sobre o chão úmido da flores- ta. Graças ao seu tamanho reduzido e à forma achatada da região anterior dorsal do corpo, se mantém quase sem gasto energético na superfície da água, graças à tensão superficial da água. Tais adaptações permitem a exploração de ambientes com muito pouca água. Indivíduos podem ser encontrados em fios d’água, com menos de 1cm de profundidade, próximos a igarapés da Reserva. Alimenta-se de pequenos invertebrados aquáticos e terrestres. Apresenta fecundação interna, com produção de poucos ovos (cerca de dezoito), de tamanho grande. As fêmeas, geralmente menores que os machos, depositam seus ovos em poças temporárias marginais aos igarapés. Os alevinos e jovens se desenvolvem aí durante alguns meses e voltam aos igarapés à medida que a estação seca avança e as poças vão ficando escassas. Distribuição geográfica: bacia do baixo rio Negro. Referências bibliográficas: Costa (2004; 2006). RIVULIDAE hadas formando linhas longitudinais na lateral do corpo. Manchas marrons na lateral do corpo sob as pintas vermelhas, distribuídas irregular- mente nas fêmeas e formando faixas oblíquas nos machos. Coloração dorsal predominante- mente marrom-clara e ventral branca. Durante a estação chuvosa, as nadadeiras pélvicas, anal e dorsal dos machos ficam com as extremidades ou completamente amareladas. Biologia e história natural: Encontrado principal- mente em poças temporárias, mas também em igarapés muito pequenos ou na região marginalde igarapés maiores. Está sempre associado Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke 37 Descrição: É a maior espécie de Rivulus da RFAD, e pode atingir 80 mm CP. Cabeça e região pré- dorsal achatadas dorso-ventralmente, tornando- se mais comprimido gradativamente em direção ao pedúnculo caudal. Parte mais alta do corpo na direção vertical das nadadeiras pélvicas. Linha lateral com 40-45 escamas. Nadadeira dorsal localizada no terço final do corpo, com origem na direção vertical do penúltimo raio da nadadeira anal. Nadadeiras peitoral e caudal arredondadas. Focinho pontiagudo. Pintas avermelhadas formando 7-8 linhas longitudinais na lateral do corpo, 3-5 alcançando o pedúnculo caudal. Fêmeas com um ocelo negro arredon- dado na parte superior da nadadeira caudal, delimitada por uma faixa amarelada. Coloração predominantemente azul-acinzentada, com exceção da região ventral, branca. Biologia e história natural: Encontrados prin- cipalmente em poças temporárias marginais aos igarapés, se alimentam principalmente de insetos terrestres que caem na água, mas também podem comer larvas e adultos de pequenos insetos aquáticos e crustá- ceos. Devido à sua incrível capacidade de se locomover fora d’água através de saltos, em alguns lugares são popularmente conhecidos como “peixe-macaco”. Apresentam fecundação externa, com produção de poucos e grandes ovos, que são depositados no início do período chuvoso em poças temporárias marginais aos igarapés. Estes ovos podem permanecer viáveis durante um período longo sem água e eclodir no próximo evento de chuva. As larvas e jovens se desenvolvem nas poças e tendem a retornar aos igarapés à medida que avança o período seco. A presença de um ocelo na base da nadadeira caudal das fêmeas de R. micro- pus faz com que possam ser confundidas com jovens de Erythrinus erythrinus, mas este tem a nadadeira dorsal mais à frente do corpo, antes da inserção da nadadeira anal. Distribuição geográfica: América do Sul: bacia do médio rio Amazonas. Referências bibliográficas: Huber (1992), Costa (2006). rívulo Rivulus micropus RIVULIDAE (Steindachner, 1863) Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke38 Rivulus ornatus rívulo Descrição: Espécie de pequeno porte, com comprimento máximo conhecido de 21 mm CP. O macho possui linhas oblíquas formadas por pontos vermelhos ou marrons na lateral do corpo, e cerca de oito faixas verticais marrons. Linha lateral com 29 a 32 escamas. Nadadeira caudal com reflexos esverdeados na porção superior e colorido avermelhado na metade inferior, e a região do opérculo é azulada. As fêmeas possuem uma mancha em forma de ocelo na porção superior da base da cauda. Porção anterior do corpo ligeiramente mais Biologia: Habitam poças em locais ensolarados com cerca de 50 a 150 cm de profundidade e vegetação aquática densa. Também ocupa poças d’água em ambientes florestais. Alimenta-se de pequenos invertebrados terrestres e aquáticos. Provavelmente desova em meio à vegetação submersa ou entre as folhas do fundo das poças. Distribuição Geográfica: Porção média da bacia Amazônica no Brasil. Referências bibliográficas: Huber (1992), Costa (2006) RIVULIDAE larga do que alta. Maxilares curtos e focinho estreito. Extremidade distal da nadadeira anal arredondada no macho e ponta da nadadeira pélvica atinge a base da porção anterior da nadadeira anal. Nadadeira dorsal com 5 a 7 raios e localizada atrás da origem da nadadeira anal, que possui de 9 a 11 raios. Rivulus ornatus e R. obscurus Garman, 1895 foram descritos como espécies distintas, porém correspondem, respectivamente, a machos e fêmeas da espécie R. ornatus. Garman, 1895 fêmea macho Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke 39 Characiformes Peixes de porte variado, desde muito pequenos (cerca de 2,5 cm em espécies do gênero Priocharax) até bastante grandes, como os tambaquis do gênero Colossoma, com mais de 1 m de comprimento e chegando a atingir 45 kg. Possuem o corpo coberto de escamas e um conjunto completo de nadadeiras, que inclui a presença de uma nadadeira adiposa na parte posterior do dorso da maioria das espécies. Apresentam forma do corpo e padrões de colorido muito variados, e ocupam uma enorme diversidade de habitats aquáticos. Possuem dentes de reposição inseridos nas mandíbulas, e em certos grupos ocorre uma troca periódica dos dentes. O tipo de dentição também está relacionado com os hábitos alimentares da espécie, e tem grande valor para a identificação taxonômica das espécies do grupo. Inclui peixes de hábitos predominantemente diurnos e nectônicos. Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke40 acestrorhynchidae Os peixes-cachorro da Família Acestrorhynchidae são prontamente identificáveis pelo formato fusiforme do corpo, coberto com escamas muito pequenas e numerosas; focinho longo e armado com dentes caniniformes; e pela nadadeira dorsal posicionada atrás do meio do corpo. São predadores vorazes que perseguem suas presas (normalmente pequenos caracídeos) na coluna d’água. Normalmente são observados solitários ou em dois ou três indivíduos em locais mais profundos dos igarapés, vagando em busca de presas. A maior diversidade de espécies da família ocorre na Bacia Amazônica, em diversos tipos de ambientes. Na Reserva Ducke apenas uma espécie foi registrada: Acestrorhynchus falcatus, a espécie de peixe-cachorro mais comum em pequenos igarapés de terra firme (nossas observações pessoais). Para mais informações vide Menezes (1969), Nico & Taphorn (1985), Amaral (1990), Menezes & Gery (1983), Toledo-Piza & Menezes (1996) e Reis et al. (2003). Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke 41 Descrição: Atinge cerca de 250 mm CP. Pode ser distinguido dos demais Acestrorhynchus por possuir uma mancha umeral em forma de uma lágrima invertida. Mancha preta centra- lizada no pedúnculo caudal. Tem de 18 a 24 escamas abaixo da linha lateral. Linha lateral com 80 a 96 escamas. peixe-cachorro, cachorinho, uéua, dentudo. Acestrorhynchus falcatus acestrorhynchidae bloch, 1794 Biologia e história natural: Encontrados em diversos tipos de ambientes, desde pequenos igarapés até grandes rios, e também em áreas alagadas e lagos. A dentição e o formato do cor- po fazem dessa espécie um eficiente predador na coluna d’água, alimentando-se exclusivamen- te de peixes. Reproduz-se no início da estação chuvosa. Distribuição geográfica: Bacia dos rios Ama- zonas e Orinoco e rios da Guiana, Suriname e Guiana Francesa. Referências bibliográficas: Menezes (1969), Nico & Taphorn (1985), Amaral (1990), Menezes & Gery (1983), Toledo-Piza & Menezes (1996) Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke42 Characidae Characidae compreende um grupo extremamente numeroso e heterogêneo de espécies, as quais foram reunidas nessa família por possuírem características morfológicas bastante generalizadas. Por esse motivo, as relações filogenéticas entre as espécies, gêneros e subfamílias continuam mal conhecidas, com boa parte das espécies tendo sido incluídas em Chara- cidae como Incertae Sedis (ou seja, de posicionamento taxo- nômico e filogenético ainda controverso) (Reis et al., 2003). A maior parte dessas espécies foi tradicionalmente incluída entre os Tetragonopterinae (Géry, 1977), mas sem evidências filogenéticas consistentes. Há propostas recentes de relações filogenéticas e rearranjos taxonômicos apresentadas por Mi- rande (2010) e Oliveira et al. (2011). De forma geral, os caracídeos são peixes de pequeno porte, com o corpo completamente coberto por escamas e exibindo um conjunto completo de nadadeiras, que inclui uma pequena nadadeira adiposa sobre o pedúnculo caudal. São extrema- mente comuns e abundantes na maior parte dos ambientes aquáticos neotropicais, e constituem o grupo mais importante de espécies nos igarapés amazônicos. Entre as características úteis para distinguir as espécies de caracídeos, destacam-se a posição e formato da boca, o tipo, número e disposição dos dentes,as características da série de escamas perfuradas da linha lateral (contínua ou interrompida), a presença ou au- sência de escamas sobre a nadadeira caudal, o tamanho da nadadeira anal (número de raios), além do formato geral do corpo e padrão de colorido. Na Reserva Ducke foram registra- das, até o momento, 10 espécies de caracídeos, pertencentes a sete gêneros. Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke 43 piabão, lambari characidae Bryconops cf. caudomaculatus Günther, 1864 Descrição: Espécie de pequeno porte, alcançan- do cerca de 110 mm CP. Focinho arredondado. Linha lateral aproximadamente completa, com cerca de 36 escamas (as últimas, localizadas no final do pedúnculo caudal, geralmente não são perfuradas). Uma mancha vermelha e conspícua no lobo superior da nadadeira caudal. No lobo inferior,possui uma área clara abaixo e uma área avermelhada acima. Biologia e história natural: Ocorre em igarapés de diversos tamanhos, onde frequentemente é encontrado em grupos de até uma dúzia de indivíduos. Os jovens podem formar cardumes mistos com indivíduos de Iguanodectes geisleri e Hyphessobrycon aff. melazonatus. Alimenta- -se principalmente de insetos que caem na superfície da água, os quais são capturados por meio de investidas rápidas. Não há informações detalhadas sobre a reprodução da espécie, mas fêmeas ovadas têm sido capturadas durante o período chuvoso, no início do ano. Distribuição geográfica: América do Sul, nas bacias do rio Amazonas e Orinoco e em igarapés da Guiana. Na RFAD é encontrado principalmen- te na bacia leste, que drena para a bacia do rio Amazonas. Referências bibliográficas: Géry (1977), Cherno- ff & Machado-Allison (2005) Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke44 piabão, lambariBryconops giacopinii (Fernández-Yépez, 1950) Descrição: É a espécie de Bryconops de maior porte na RFAD, alcançando cerca de 150 mm CP. Focinho arredondado. Linha lateral completa com aproximadamente 36 escamas. Um ocelo bem marcado no lobo superior da nadadeira caudal, formado por uma mancha de coloração vermelha envolvida por uma borda negra. Não apresenta mancha umeral escura. Biologia e história natural: É um peixe bastante comum e conspícuo nos igarapés da RFAD, onde forma grupos de até 30 indivíduos nos igarapés maiores e em poções mais profundos do leito de igarapés pequenos. Nada à meia água e captura rapidamente os invertebrados que caem na superfície da água. Não há informações sobre a reprodução da espécie. Distribuição geográfica: América do Sul, nas bacias do rio Amazonas e Orinoco e em igarapés da Guiana. Na RFAD é encontrada principalmen- te na bacia leste, que drena para a bacia do rio Amazonas. Referências bibliográficas: Géry (1977), Sabino & Zuanon (1998), Chernoff & Machado-Allison (2005), Espírito-Santo et al. (2009). characidae Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke 45 Bryconops inpaipiabão, lambari Knöppel, Junk & Géry, 1968 Descrição: Espécie de pequeno porte, alcançan- do cerca de 120 mm CP. Focinho arredondado. Linha lateral completa com aproximadamente 36 escamas. Corpo azulado em vida, com a nada- deira dorsal avermelhada. Mancha umeral dupla e uma mancha horizontalmente alongada sobre o pedúnculo caudal. Ausência de ocelo no lobo superior da nadadeira caudal. Biologia e história natural: Bryconops inpai foi descrita originalmente a partir de exemplares coletados na Reserva Ducke. Não forma gran- des grupos, e é comum observar poucos exem- plares nadando na coluna d’água em agrega- ções de 4 a 6 indivíduos, frequentemente junto com cardumes de B. giacopinii. Alimenta-se de insetos e outros tipos de materiais orgânicos trazidos pela correnteza, seja na superfície ou à meia água. Aparentemente desova no período chuvoso, mas não há estudos detalhados sobre a biologia da espécie. Distribuição geográfica: Bacias do rio Amazonas e Orinoco e em igarapés da Guiana. Na RFAD é encontrado principalmente na bacia leste, que drena para a bacia do rio Amazonas. Referências bibliográficas: Knöppel, Junk & Géry (1968), Géry (1977), Chernoff & Machado- -Allison (2005) characidae Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke46 tetra-aruanã, piabaGnathocharax steindachneri Fowler, 1913 Descrição: Espécie de pequeno porte, alcançan- do cerca de 50 mm CP. Boca voltada para cima. Uma quilha ventral não muito desenvolvida e nadadeira peitoral forte e alongada. Linha lateral incompleta. Nadadeira anal com 26 a 32 raios ramificados. Coloração geral prateada, com o dorso azulado; uma mancha escura no pedúncu- lo caudal e pontos vermelhos acima e abaixo da mancha. Biologia e história natural: Ocorre em igarapés de pequeno e grande porte e é encontrada, pre- ferencialmente na coluna d’água. A boca ampla e os dentes cônicos e as nadadeiras peitorais bem desenvolvidas fazem dessa espécie um excelente predador de insetos na superfície da água. Entretanto, pode se alimentar tanto de in- setos alóctones quanto autóctones. Em algumas regiões do rio Negro, essa espécie é comumente encontrada associada a espécies de Carnegiella devido a características morfológicas e hábito alimentar semelhantes. Distribuição geográfica: Norte da América do Sul, nas bacias dos rios Amazonas e Orinoco. Na RFAD foi encontrada somente no igarapé Bolívia, localizado na bacia de drenagem oeste, que drena para o rio Negro. Referências bibliográficas: Santos (2005). characidae Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke 47 piaba Hemigrammus cf. geisleri characidae Zarske & Géry, 2007 Descrição: Espécie de porte diminuto, atingin- do apenas cerca de 28 mm CP quando adulto. Possui corpo translúcido com reflexos azula- dos nos lados do corpo e uma mancha preta e verticalmente alongada na base da nadadeira caudal. Base das nadadeiras anal e dorsal amarelada, assim como o topo da cabeça. Uma linha de pontos pretos na base da nadadeira anal, que é longa e se inicia mais ou menos na altura do meio da base da nadadeira dorsal. Cabeça relativamente pequena, com olho grande (correspondendo a cerca da metade do comprimento da cabeça) e focinho curto e arredondado. Apenas uma fileira de dentes no pré-maxilar e duas no dentário. Biologia e história natural: Pouco se conhece sobre a história natural dessa espécie. Vive em grupos que podem variar de poucos indivídu- os a dezenas de peixes, em áreas rasas e com correnteza moderada de igarapés de maior porte (terceira ordem ou maiores). É provavelmente um microcarnívoro, alimentando-se de peque- nos invertebrados. Distribuição geográfica: Observações de campo e análise de lotes de exemplares preservados em Coleções e Museus indicam que há diver- sas espécies muito similares a Hemigrammus geisleri, as quais parecem compor um complexo de espécies relacionadas. A espécie nominal Hemigrammus geisleri se distribui por igarapés e rios da Amazônia central brasileira, nos esta- dos do Amazonas e Pará, mas espécies similares aparentemente ocorrem em toda a Amazônia. Na RFAD, Hemigrammus cf. geisleri foi encontrada apenas nas microbacias do lado Leste. Referências bibliográficas: Zarske & Géry (2007). Guia de Peixes da Reserva Adolpho Ducke48 Hemigrammus cf. pretoensis piaba, lambari Géry, 1965 Descrição: Peixe de pequeno porte, alcançando cerca de 55 mm CP. Coloração geral amarelada, com o dorso mais escuro e escamas iridescen- tes. Apresenta nadadeira dorsal avermelhada e anal alaranjada, mas o padrão de colorido pode variar em tonalidade e intensidade, dependen- do da idade ou estado de maturação sexual do indivíduo. Linha lateral interrompida. Nadadeira caudal densamente escamada. Coloração geral amarelada, com o dorso mais escuro e escamas iridescentes. Apresenta nadadeira dorsal aver- melhada e anal alaranjada. Biologia e história natural: Encontrado em igarapés de pequeno e grande porte, e sob diferentes condições de fluxo, e ocupa princi- palmente a região nectobentônica. Alimenta-se principalmente de insetos de origem alóctone. Na
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