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GESTÃO EM SERVIÇO SOCIAL Autoras: Rosimere de Souza Isabel Lopes Monteiro Dados Pessoais Nome: _________________________________________________________ Turma:____________ Matrícula:__________ Curso: __________________ Endereço: _____________________________________________________ Cidade: _____________________________________ UF: _______________ CEP: ________________ Telefone: _________________________________ E-mail: ________________________________________________________ CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito - Cx. P. 191 - 89.130-000 INDAIAL/SC - Fone Fax: (47) 3281-9000/3281- 9090 - www.uniasselvipos.com.br Programa de Pós-Graduação EAD Reitor: Prof. Ozinil de Souza Martins Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Profa. Erika de Paula Alves Profa. Izilene Conceição Amaro Ewald Prof. Marcio Moisés Selhorst Equipe Pedagógica do IBAM: Anna Marina Fontes Ribeiro Dora Apelbaum Mara Darcy Biasi Márcia costa Alves da Silva Revisão de Conteúdo: Delaine Martins Costa Revisão Gramatical: Iara de Oliveira Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci 361.307 S729g Souza, Rosimere de Gestão em serviço social / Rosimere de Souza; Isabel Lopes Monteiro. Indaial : Uniasselvi, 2013. 89 p. : il Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7830- 691-5 1. Serviço social. 2. Estudo – Ensino – Gestão. I. Centro Universitário Leonardo da Vinci CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Copyright © UNIASSELVI 2013 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. PARCERIA ENTRE IBAM E UNIASSELVI No momento atual, em todos os países, em qualquer instância de governo, observa-se um movimento de revisão do papel do Estado, somado à exigência das populações por atuação governamental de qualidade. Esta tendência conduz à demanda expressiva para que se consolide a existência e o funcionamento de um sistema qualificado de Gestão para a implementação de políticas públicas. A institucionalização dos processos de gestão e a profissionalização dos servidores públicos passam a ser instrumentos estratégicos para alavancar condições de melhor execução de atividades e projetos, bem como dos meios de controle necessários para avaliação de resultados da atuação governamental. Inúmeras iniciativas são implementadas para dar consistência a este modelo de gestão governamental que se apoia na valorização da transparência, da participação e do controle social, que não podem existir sem instrumentos adequados e pessoas qualificadas. É neste contexto que se forma a parceria do IBAM com a UNIASSELVI. Aprimorar o sistema de gestão pública, apoiar a formação de profissionais que queiram ser ou já são do quadro do setor público e ampliar a informação para o cidadão sobre como deve funcionar o governo são os propósitos iniciais do MBA em Gestão Pública que passa a integrar o programa de pós-graduação da UNIASSELVI. A equipe de Professores Autores que o compõe se destaca pelo desempenho profissional em projetos da Administração Pública e como docentes universitários. A experiência da UNIASSELVI em processos educacionais em nível superior, aliada à do IBAM, que há 60 anos atua, em nível nacional e internacional, para o aprimoramento da administração pública, é composição de excelência para enriquecer o cenário que se quer alcançar. O IBAM e a UNIASSELVI desejam a todos os participantes uma boa jornada de estudos. Aos que se dirigem ao setor público, que consolidem sua formação; e, aos demais, que ampliem o nível de informação sobre governo e aprendam a articular-se com ele como cidadãos. Paulo Timm Superintendente Geral do Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM Prof. Carlos Fabiano Fistarol Pró-Reitor de Pós-Graduação a Distância UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2013 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Rosimere de Souza Mestre em Serviço Social (1997) e graduada em Serviço Social (1989) pela PUC – Rio de Janeiro. Tem Experiência na elaboração, implementação, supervisão e coordenação de programas e projetos sociais nas áreas temáticas de direitos humanos, direito da criança e do adolescente, meio ambiente, gênero, juventude, enfrentamento à homofobia, combate à violência, entre outros. Experiência com desenvolvimento de ações de mobilização de recursos: negociação com financiadores nacionais e internacionais, órgãos do governo de todas as esferas, empresariado, agências de cooperação e fundos internacionais, elaboração de propostas técnicas e orçamentárias. Experiência em construção e condução de metodologias de avaliação de programas e projetos sociais. Experiência com elaboração de relatórios técnicos. Experiência com moderação de grupos de discussão em exercícios de avaliação, planejamento e elaboração de projetos. Docência livre sobre temas relativos aos direitos humanos e direitos sociais. Isabel Lopes Monteiro Especialista em Políticas Públicas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC - 1986), em Gerontologia Social e Violência e Saúde pela Fio cruz (ENSP-1999 e 2006) e Atenção Domiciliar a Pessoas Idosas “Modelo de Gestão pela Agência Española de Cooperación Internacional – AECI - Embaixada da Espanha / Colômbia-2007. Possui graduação em Serviço Social pela Universidade Gama Filho (UGF - 1982). Atuação profissional nos seguintes temas: controle social, negligência e maus-tratos contra idosos e papel do idoso na sociedade brasileira. Publicou na Revista ENLACE: Instituto de Mayores y Servicios Sociales (Imserso): Centro de Atenção e Prevenção a Violência Contra a Pessoa Idosa (CEPAL/Chile-2007) e Qualificar para Cuidar: Idosos Residentes em Favelas (Espanha/ IBISS-2012). Sumário APRESENTAÇÃO ......................................................................7 CAPÍTULO 1 A reformA do eStAdo e oS impActoS nAS políticAS públicAS no brASil .....................................................................................9 CAPÍTULO 2 AdminiStrAção de progrAmAS e projetoS em Serviço SociAl.......................................................25 CAPÍTULO 3 geStão de ServiçoS SociAiS e geStão SociAl .............................47 CAPÍTULO 4 entidAdeS privAdAS e poSSibilidAdeS de cooperAção com o Setor público nA geStão de ServiçoS SociAiS ........................63 7 APRESENTAÇÃO Caro (a) pós-graduando (a): O universo da gestão dos serviços sociais compreende um conjunto de atividades voltadas para a formulação, organização, financiamento, gerenciamento, execução, monitoramento e avaliação de ações nas áreas de saúde, educação, habitação, cultura, lazer, assistência social dentre outras elencadas entre os direitos sociais. Destaca-se que este campo teve um desenvolvimento acelerado no contexto da Reforma do Estado, na conjuntura da democratização pós Constituição Federal de 1988. A Gestão Social surge nesta conjuntura em meio ao debate sobre o desenvolvimento de novas formas de gestão das ações públicas de atendimento às demandas sociais, capazes de agregar a participação popular nos processos de decisão, monitoramento e avaliação de serviços, projetos e programas, com vistas ao aprimoramento das ações e consequente efetividade dos resultados. A Gestão Social é também um conceito que leva em consideração a estreita vinculação de micro contextos (as localidades, ascomunidades, os grupos) com ambientes e realidades globais e globalizantes em suas diversas expressões, social, econômica, cultural, política, dentre outras. Esta disciplina tem o objetivo de contribuir para a reflexão sobre os diversos aspectos que envolvem a análise de gestão social de serviços sociais como, por exemplo, os impactos dos ajustes macroeconômicos e da Reforma do Estado nos processos de gestão das políticas sociais, bem como facilitar a compreensão dos processos e as inovações no campo da gestão de serviços sociais, bem como o papel do gestor neste contexto. O Caderno de Estudos está dividido em quatro capítulos os quais abordam os seguintes assuntos dispostos em seguida. No capítulo 1: A REFORMA DO ESTADO E OS IMPACTOS NAS POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL analisam-se os processos sociais que resultaram na redução do papel do Estado no campo social e, por conseguinte, de suas atribuições e responsabilidades frente às desigualdades sociais. O capítulo 2: ADMINISTRAÇÃO DE PROGRAMAS E PROJETOS EM 8 SERVIÇO SOCIAL está organizado em três partes. A primeira analisa a prática do serviço social, suas derivações e as novas competências profissionais a partir do resgate do surgimento do trabalho social, os aspectos políticos e sociais que marcaram as primeiras escolas de serviço social até as práticas institucionais. A segunda parte promove a reflexão sobre o cotidiano das demandas institucionais na construção de projetos profissionais críticos, na busca pela reconstrução do serviço social sobre o entendimento das demandas das classes trabalhadoras, o significado da profissão e o seu projeto ético político, na esfera pública e a participação da sociedade. A terceira e última parte deste capítulo se concentra numa discussão mais ampliada das políticas de seguridade social e os programas de transferência de renda, os mecanismos de enfrentamento das desigualdades sociais e suas contradições frente à concepção universal de proteção social. No capítulo 3: GESTÃO DE SERVIÇOS SOCIAIS E GESTÃO SOCIAL visa aprofundar o conceito de Gestão Social e sua interface com o conceito de gestão de serviços públicos sociais, bem como os diversos agentes e entidades que interagem neste universo. Por fim, o capítulo 4: ENTIDADES PRIVADAS E POSSIBILIDADES DE COOPERAÇÃO COM O SETOR PÚBLICO NA GESTÃO DE SERVIÇOS SOCIAIS apresenta as características e o ambiente do terceiro setor e aponta alguns instrumentos e mecanismos que viabilizam a cooperação entre os seus atores na gestão de serviços sociais. As autoras. CAPÍTULO 1 A reformA do eStAdo e oS impActoS nAS políticAS publicAS no brASil A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 3 Apresentar os impactos dos ajustes macroeconômicos e da Reforma do Estado nos processos de gestão das políticas sociais. 3 Examinar os novos arranjos introduzidos pela Reforma do Estado nas ações das políticas sociais dos governos e nos setores não públicos da área social. 11 A RefoRmA do estAdo e os ImpActos nAs polítIcAs públIcAs no bRAsIl Capítulo 1 contextuAlizAção A Reforma do Estado, consolidada pela Constituição Federal de 1988, foi um marco importante na trajetória das políticas sociais. Muitos dos aspectos dessa Reforma se refletiram diretamente nas relações entre o Estado e a sociedade, na participação popular, nas relações de poder e de classe e, por consequência, no trabalho cotidiano dos profissionais da área social, entre eles, os processos de gestão das políticas sociais. Por tal motivo, neste capítulo, vamos voltar a atenção para os processos sociais que resultaram na redução do papel do Estado no campo social e, por conseguinte, de suas atribuições e responsabilidades frente às desigualdades sociais. À luz dos antecedentes históricos serão identificados os principais fatores que contribuíram para a Reforma do Estado e suas implicações na gestão social das políticas públicas. Mas, antes de tudo, o que quer dizer Reforma do Estado? Caracteriza-se pela delimitação do tamanho do Estado, do ponto de vista administrativo, e de suas responsabilidades, o que se expressa na redução do seu domínio institucional e na redefinição do seu papel. Nesse contexto, a atuação do Estado nas políticas sociais vem sendo reduzida e, ao mesmo tempo, abre-se espaço para as ações de natureza privada, empreendidas pelas organizações sociais sem fins lucrativos, pelas fundações e pelas áreas de responsabilidade social de empresas. Para alguns, este processo tem se configurado como uma desresponsabilização do Estado na área social. Esta estratégia caracteriza-se por ideários liberais e neoliberais, isto é, o Estado transfere para o mercado e, principalmente, para as organizações privadas, o trato com a Questão Social. A expressão Questão Social surge para denominar o fenômeno do pauperismo da população trabalhadora. Ela resulta do capitalismo e do aumento da produção industrial, da concentração de renda e do monopólio do capital. É produto e expressão da contradição entre capital e trabalho e se corporifica por meio da conscientização da classe trabalhadora da exploração de sua mão de obra pelo capital. (SOUZA, 2012, p. 19). Mas o quer dizer Reforma do Estado? Caracteriza-se pela delimitação do tamanho do Estado, do ponto de vista administrativo, e de suas responsabilidades, o que se expressa na redução do seu domínio institucional e na redefinição do seu papel. 12 Gestão em Serviço Social O impacto das reformas administrativas sobre as políticas sociais é objeto de interesse de todos aqueles que, direta ou indiretamente, atuam no campo das políticas públicas. Há diversos profissionais que interagem na implementação dos serviços de saúde, assistência social, habitação, educação, previdência social, tornando multidisciplinar o campo de atuação da política social e, portanto, complexo como veremos a seguir. A reformA do eStAdo e SuA influênciA noS novoS proceSSoS de geStão SociAl no brASil Os antecedentes históricos que ancoraram a ideologia neoliberal e sua implementação no mundo, na América Latina e no Brasil são fundamentados em um modelo de desenvolvimento econômico baseado no fortalecimento do mercado e do que o movimenta: a lei da oferta e da procura. Um mercado livre e forte que exonera a ingerência do estado na economia e que se fortalece no final da década de 1970 em um cenário de recessão econômica. É em tal cenário que se desenvolvem muitos dos aspectos da Reforma do Estado. Este ator precisa criar novos mecanismos e arranjos que possam responder às exigências do novo modelo econômico em curso de forma eficaz, eficiente e efetiva. Vale destacar que a supremacia do neoliberalismo se fortaleceu a partir do governo de Margaret Thatcher (1979 a 1990), na Inglaterra, e de Ronald Reagan (1981 a 1989), nos EUA, e ganhou maior adesão entre os países que, anteriormente, mantinham seus fundamentos no modelo do Estado de Bem-estar Social (Welfare State). A proposta neoliberal trazia promessas de liberdade e prosperidade econômica, ao mesmo tempo em que era contrária aos modelos nacionalistas e desenvolvimentistas, adotados pela maioria dos governos da América Latina. Welfare State: “[...] pode ser sintetizado na sistematização de uma esfera pública, onde a partir das regras universais e pactuadas, o fundo público, em suas diversas formas, passou ao pressuposto do financiamento da acumulação do capital, de um lado, e de outro, o financiamento da reprodução da força de trabalho, atingindo globalmente toda população por meio de gastos sociais.” (OLIVEIRA,1998, p. 19-20). 13 A RefoRmA do estAdo e os ImpActos nAs polítIcAs públIcAs no bRAsIl Capítulo 1 Atividade de Estudos: 1) A ideologia neoliberal e sua implementação no mundo, na América Latina e no Brasil são fundamentados em um modelo de desenvolvimento econômicobaseado no fortalecimento do mercado e do que o movimenta: a lei da oferta e da procura. Um mercado livre e forte que exonera a ingerência do estado na economia e que se fortalece no final da década de 1970 em um cenário de recessão econômica. Discorra sobre os principais reflexos desse modelo econômico nas políticas de desenvolvimento social. _______________________________________________________ ___________________________________________________ _______________________________________________________ ___________________________________________________ _______________________________________________________ ___________________________________________________ _______________________________________________________ ___________________________________________________ _______________________________________________________ ___________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ Na década de 1980, sob a chancela de instituições financeiras como o Fundo Monetário Internacional - FMI - e o Banco Mundial, os prazos de pagamentos das dívidas externas contraídas em razão da crise fiscal e econômica foram dilatados e a América Latina precisou adequar-se a esse novo modelo de desenvolvimento econômico. No Brasil, a política neoliberal se instalou definitivamente na década de 1990 e foi incorporada pelos governos seguintes. O advento do Plano Real é um exemplo de iniciativa neoliberal, que buscava combater a inflação, através do ajuste fiscal, o qual dolarizava a economia, na intenção de que a moeda brasileira fosse valorizada. 14 Gestão em Serviço Social Não bastou muito para que as exigências advindas desse novo modelo econômico, naquele período, desencadeassem, entre outros efeitos, um forte impacto sobre a máquina administrativa. Foi neste período que o Estado transferiu para o setor privado algumas de suas atribuições. De acordo com Nogueira (2004), direta ou indiretamente, tudo o que era estatal foi diminuído: as organizações administrativas, as instituições políticas, os serviços públicos, o número de funcionários, as escolas e universidades públicas, a “classe política”, os partidos e o poder Legislativo. Já nos países da América Latina e, em especial, no Brasil, o advento da dívida externa agregado aos ajustes da economia, aos cortes nos gastos públicos e às propostas que apontavam para privatizações das empresas públicas tiveram grandes repercussões nos sistemas públicos de proteção social que, entre outros agravos, colaborou para a precarização do trabalho, dando novos contornos para a Questão Social no país. Vejamos o que nos diz Iamamoto (2001, p.16 -17): A questão social expressa, portanto disparidades econômicas, políticas e culturais das classes sociais, mediatizadas por relações de gênero, características étnico-raciais e formações regionais, colocando em causa as relações entre amplos segmentos da sociedade civil e o poder estatal. A PARTICIPAÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA O “Milagre Econômico”, ocorrido no período da ditadura militar (1968 a 1973), gerou grande euforia da classe média, porém as classes baixas não alcançaram esse milagre. O milagre durou pouco, pois a crise do petróleo, em 1973, de dimensões mundiais, elevou a dívida externa a patamares altíssimos. A desigualdade social elevada acarretava um alto índice de mortalidade infantil e de menores abandonados; 30% dos municípios da federação não tinham abastecimento de água. Nessa época, o Brasil atingiu o 9º Produto apenas para Índia, Indonésia, Bangladesh, Paquistão e Filipinas. De acordo com estudo do Banco Mundial, em 1976, 70 milhões de brasileiros eram desnutridos ou subnutridos, representando cerca de 64,5% da população da época. No governo do último presidente militar, general João Figueiredo 15 A RefoRmA do estAdo e os ImpActos nAs polítIcAs públIcAs no bRAsIl Capítulo 1 (1979 a 1985), deu-se início ao processo de recessão econômica que atingiu duramente o país, em especial, os assalariados. Em 1985 assume o primeiro presidente civil, José Sarney, com a inflação de 223,8%, herdada do governo anterior. O Plano Cruzado, em 1986, promoveu um choque na economia. Criou uma nova moeda; acabou com a correção monetária; congelou preços e salários. Com medidas destinadas a eliminar a inflação, em 1986, a inflação ficou em 58,5%. Fonte: Extraído e adaptado de: Disponível em: <http://www.algosobre.com.br/historia/milagre- economico-o.html>. Acesso em: 02 mar. 2013. Apesar da eleição indireta, Tancredo Neves aceitou o desafio de se candidatar à Presidência da República e, com o apoio de Ulysses Guimarães, venceu as eleições, sendo eleito o primeiro presidente civil em mais de 20 anos, no dia 15 de janeiro de 1985. O ano de 1989 pode ser apontado como o ano da retomada dos sonhos e da utopia da construção de um país democrático e menos desigual no Brasil. A ditadura fora extinta quatro anos antes, com a saída de cena do último presidente general, aquele que dissera “preferir cheiro de cavalo a cheiro de povo”. Além disso, o ano de 1989 foi coroado de sucessivos fatos marcantes no mundo, tais como: – a queda do muro de Berlim; – a morte de três mil manifestantes na Praça Celestial da Paz, em Pequim; – o Prêmio Nobel da Paz concedido ao Dalai Lama. Assim como em toda América Latina, o Brasil passou a aderir, na década de 1990, aos programas compensatórios, como solução para as vulnerabilidades 16 Gestão em Serviço Social produzidas pelas desigualdades sociais, geradas por este novo modelo capitalista de produção e desenvolvimento. Nessa mesma época, os programas sociais compensatórios eram definidos a partir de critérios políticos partidários, emendas parlamentares, transferência de recursos financeiros aos estados e municípios e resultava na execução de ações pontuais. Ações que o advento da Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS – buscou mitigar. Como visto, no período que representa o fim da ditadura militar e dá início ao processo democrático no país, acentuaram-se as desigualdades sociais. A pobreza atingiu os maiores patamares, comprometendo, inclusive, o processo democrático e repercutindo em áreas como as de saúde, educação, moradia, além da distribuição de renda, o que veio a contribuir para o esgarçamento das relações sociais. O prof. de História Social Fábio Pestana Ramos, que escreve sobre o golpe de Estado e a ditadura militar pelo prisma político-econômico, afirma que no final da década de 1970, o Brasil era um dos campeões mundiais de mortalidade infantil e de desnutrição. O número de crianças abandonadas chegou à casa dos dez milhões; a dívida externa cresceu rapidamente, fazendo o país refém do Fundo Monetário Internacional (FMI) e das altas taxas de juros cobradas. Os gastos do governo, a dívida externa e outros problemas estruturais conduziram a uma inflação que atingiu proporções nunca antes vistas, corroendo o poder de consumo da população mais pobre e beneficiando os ricos e o capital especulativo. (RAMOS, 2011). Havia ainda uma acentuada concentração de renda no período de 1960 a 1985, em que os rendimentos da População Economicamente Ativa - PEA foram distribuídos em: 50% mais pobres, em 1960, que detinham 17,4%, enquanto o 1% mais ricos participava com 11,9%. Em 1985, os 50% mais pobres diminuíram sua participação para 13%, ao passo que o 1% mais ricos superou essa massa de trabalhadores pobres, pois retinha 14,4% do total dos rendimentos auferidos no ano. (RAMOS, 2011). Conforme Nogueira (2004, p. 84): “Falas, promessas e intenções tornaram- se mais generosas,e importantes avanços legais foram alcançados. A despeito disso, o fosso permaneceu dilatado.” Ainda de acordo com o autor, os anseios do povo por melhorias nas áreas setoriais básicas não estavam sendo alcançados. Ao contrário, instalava-se um novo modelo capitalista de desenvolvimento econômico globalizado e globalizante, inclusive das desigualdades sociais. Este cenário e a pressão dos movimentos organizados levaram os governantes a repensar as consequências da pobreza e as relações entre o econômico e o social. Com o início da abertura política, no final da década de 17 A RefoRmA do estAdo e os ImpActos nAs polítIcAs públIcAs no bRAsIl Capítulo 1 1970, emergiram novos grupos sociais organizados, que passaram a discutir os rumos da sociedade frente à proposta de Reforma do Estado, abrindo caminho para a consolidação de novos direitos na Constituição Federal de 1988. Destaca- se, por exemplo, a instituição de direitos não consagrados nas Constituições anteriores – os direitos sociais, por exemplo - e de novas formas de participação da população na gestão das políticas públicas, na forma dos Conselhos (artigo 204 da CF 1988). LEGISLAÇÂO DESTAQUE Vamos ver o que diz a Constituição Federal sobre os Direitos Sociais! O artigo 6°, da CF/88, que se encontra dentro do Título sobre os Direitos e Garantias Fundamentais, trata dos direitos sociais que devem ser respeitados, protegidos e garantidos a todos pelo Estado: 1. Direito à educação: direito de cada pessoa ao desenvolvimento pleno, ao preparo para o exercício da cidadania e à qualificação para o trabalho. 2. Direito à saúde: direito ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde, bem como à redução do risco de doença e de outros agravos. 3. Direito ao trabalho: direito a trabalhar, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego. 4. Direito à moradia: direito a uma habitação permanente que possua condições dignas para se viver. 5. Direito ao lazer: direito ao repouso e aos lazeres que permitam a promoção social e o desenvolvimento sadio e harmonioso de cada indivíduo. 6. Direito à segurança: direito ao afastamento de todo e qualquer perigo e garantia de direitos individuais, sociais e coletivos. 7. Direito à previdência social: direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade. 8. Direito à maternidade e à infância: direito da mulher, durante a gestação e o pós-parto, e de todos os indivíduos, desde o momento de sua concepção e durante sua infância, à proteção e à prevenção contra a ocorrência de ameaça ou violação de seus direitos. 18 Gestão em Serviço Social 9. Direito à assistência aos desamparados: direito de qualquer pessoa necessitada à assistência social, independentemente da contribuição à seguridade social. Fonte: Extraído e adaptado de: BRASIL. Constituição Federal de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988. Com a gradativa transferência da execução das políticas públicas da esfera federal para as esferas estaduais e municipais – um dos aspectos da reforma do Estado - começam a surgir e a se desenvolver os diversos pilares que dão sustentabilidade a essas formas de gestão descentralizadas: – aspectos legais: marcados pelas leis complementares que instituem e regulamentam as políticas públicas e suas descentralizações - como a Lei nº 8080/1990 que institui o SUS (Sistema Único de Saúde), a Lei nº 8.742/1993 (alterada pela Lei n° 12435/2011) ou LOAS (Lei Orgânica de Assistência Social) que dispõe sobre a organização da Assistência Social e institui o Sistema Único de Assistência Social e a Lei nº 9.394/1996 ou LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação). Além dessas leis estruturantes do sistema, são importantes as resoluções dos respectivos conselhos das áreas afins, as Portarias (incluindo as interministeriais) e as Normas Operacionais. – diversos arranjos institucionais: destinados à prestação dos serviços públicos, tais como as secretarias de governo, as coordenadorias, as unidades de atendimento, os programas territorializados, entre outros, e voltados também para a ampliação da participação da população na gestão das políticas públicas, a exemplo dos conselhos setoriais, conselhos de programas e temáticos e as comissões municipais, entre outros. – mecanismos e instrumentos de gestão: planos setoriais; consórcios intermunicipais ou regionais; pactos de adesão, entre outros. Destaque especial deve ser dado para a área da Assistência Social, cuja consolidação como política pública na CF de 1988 foi resultado da luta dos movimentos sociais e de categorias profissionais organizadas. Vamos ver o que diz a Constituição Federal de 1988 sobre a Assistência Social. O artigo 203 a define como: Dever do Estado e direito do cidadão, Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, que 19 A RefoRmA do estAdo e os ImpActos nAs polítIcAs públIcAs no bRAsIl Capítulo 1 se realiza através de um conjunto de ações integradas de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas de todos que dela necessitar. Com o advento da Lei Orgânica de Assistência Social/LOAS - Lei nº 8.742/1993 (alterada pela Lei n° 12435/2011), evidencia-se em seus artigos a proposta de organização das ações socioassistenciais em Sistema Único de Assistência Social – SUAS a ser cofinanciado e executado por todos os entes federados. Esta disposição inaugurou um processo intenso de regulamentações de conceitos e instrumentos de gestão para a efetiva implementação da política de forma universal. A LOAS, Lei no 8042/1993, organiza a Assistência Social no Brasil, institui o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) e orienta os municípios, os estados e o Distrito Federal a instalar os Conselhos de Assistência Social. Atividade de Estudos: 1) O artigo 203 da Constituição Federal de 1988 define como dever do Estado e direito do cidadão a Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, e que se realiza através de um conjunto de ações integradas de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas de todos que dela necessitar. Com base nesse artigo constitucional aponte quais as políticas públicas que compõem a seguridade social. _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ 20 Gestão em Serviço Social _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ políticAS SociAiS e A contribuição do voluntAriAdo e dA SociedAde civil Vamos agora voltar à atenção para a lógica que permeia as políticas sociais e a contribuição do voluntariado e da sociedade civil, aspectos importantes no âmbito do serviço social. Na atualidade, assiste-se a uma reconfiguração na estruturada prestação dos serviços sociais públicos no país: – Na década de 1980 observou-se uma grande mobilização da sociedade civil em torno de ações locais que contribuíram para a emergência de demandas específicas de diversos grupos sociais e também para a afirmação das identidades de gênero, étnico/raciais, etárias. – Na década de 1990 o país viveu a era da solidariedade com o incentivo do governo federal na época. – Na década de 2010 a institucionalização das diretrizes que orientaram a organização das políticas públicas impulsionou um amplo processo de reordenamento institucional das organizações de governo e da sociedade civil, as ONGs, as OSs, as OSCIPs. Sociedade civil: É parte de um binômio e faz contraponto com o Estado. Corresponde à população de cidadãos, ou esfera privada, e abrange suas variadas formas de organização e expressão, com ou sem fins lucrativos, podendo ser legalmente constituídas ou espontâneas e informais. 21 A RefoRmA do estAdo e os ImpActos nAs polítIcAs públIcAs no bRAsIl Capítulo 1 ONGs: Organizações não governamentais. OSs: Organizações Sociais. OSCIP: Organização da Sociedade Civil de Interesse Público. Embora o termo “ONG” tenha sido utilizado na década de 1940 pela ONU para designar diferentes entidades executoras de projetos humanitários ou de interesse público (LANDIM, 1993), no Brasil, a expressão se referia, principalmente, às organizações de “Cooperação Internacional”, formada por Igrejas (católica e protestante), organizações de solidariedade ou governos de vários países. Essas organizações priorizavam a ajuda às organizações e aos movimentos sociais nos países do sul, com o intuito de “consolidar a democracia”. (COUTINHO, 2005). Para Fernandes (1994), as ONGs pioneiras deste país surgem no contexto da ditadura militar, período em que já vigorava uma nova estratégia de desenvolvimento latino americana, a Autoritária Modernizante (1964-1978), a qual dava continuidade ao crescimento econômico advindo do Nacional Desenvolvimentismo, mas gerava uma profunda repressão política e cultural, excluindo as classes populares e, até mesmo, as tradicionais autoridades religiosas, como as da Igreja Católica, dos círculos mais íntimos do poder. Não por acaso, várias das ONGs que emergiram após os anos de 1970 possuíam não só financiamentos internacionais, mas também “[...] o apoio de alas progressistas da Igreja Católica, que reviu suas posições quanto à organização da população para participar de movimentos e mobilizações conscientizadoras.” (GOHN, 2000, p. 12). Para muitos autores, esses organismos não governamentais que compõem o “terceiro setor” vêm ocupando espaços na execução de serviços sociais públicos devido à retração do poder público. Terceiro Setor : De acordo com Fernandes (1994, p. 21), o termo “terceiro setor” significa: “[...] um conjunto de organizações e iniciativas privadas que visam à produção de bens e serviços públicos. Este é o sentido positivo da expressão”. Acrescenta: “Bens e serviços público nesse caso implicam uma dupla qualificação: não geram lucros e respondem a necessidades coletivas”. Montaño (1999) destaca que não é a crise do Estado-providência que deriva 22 Gestão em Serviço Social o surgimento e o crescimento do chamado terceiro setor. Para o autor, “[...] o crescimento do chamado “terceiro setor” é consequência direta e explícita do projeto neoliberal” (MONTAÑO, 1999, p. 66), simultaneamente à redução do gasto social do Estado e a desobrigação do capital do financiamento da política social. Sobre o novo padrão de intervenção social adotado pelos Estados no contexto do neoliberalismo, Mota (2008, p.167) assevera que: Este processo é responsável por um redirecionamento do papel do Estado que ao invés de políticas sociais públicas, que garantam a reprodução da força de trabalho, adota a perspectiva de Estado mínimo para o social e máximo para o capital, tendo este como pressupostos a desregularização da força de trabalho, associada a uma desresponsabilização perante a “questão social”. Esse processo de transformação do padrão de intervenção do Estado na “questão social” dá origem a um tipo de intervenção que preconiza a participação do chamado terceiro setor ou de parte da sociedade civil. Landim (1993, p.17) chama a atenção para Fórum Global, realizado em 1992, no Rio de Janeiro: [...] onde a Conferência Paralela à UNCED, ou Conferência da Sociedade Civil Mundial, demonstrava não só a existência, mas também a vocação transnacional das ONGs. Ficou empiricamente provada através da variedade de raças, línguas e personagens “exóticas” de tudo quanto é parte do mundo que desembarcou no Parque do Flamengo, convivendo em um clima de reconhecimento mútuo que conformava certa idéia de conjunto – diversidade e “unidade” palpável também para os milhares de brasileiros participantes ou curiosos que transitaram por ali, nesses dias. Dessa forma, entende-se que, para a autora, a chamada “década perdida” - a década de 1980 - não o foi para essas instituições que, de acordo com os indicativos acima, passaram por um movimento especial de reprodução. “Na década de 2000 o mundo assistiu às edições do Fórum Social Mundial que acontecia em paralelo ao Fórum Econômico Mundial.” (LANDIM, 1993, p.17). 23 A RefoRmA do estAdo e os ImpActos nAs polítIcAs públIcAs no bRAsIl Capítulo 1 AlgumAS conSiderAçõeS O capítulo apresentou os principais fragmentos históricos da política social e econômica que configuraram as políticas sociais na América Latina e no Brasil. As análises fundamentaram-se no modelo globalizado instituído pelo projeto neoliberal, que influenciou as políticas de desenvolvimento econômico, colocando em xeque os preceitos estabelecidos na Constituição Federal de 1988. Foi demonstrado, também, que o corolário de uma política focalizada no desenvolvimento econômico e na redução dos gastos com políticas de desenvolvimento social resulta em políticas sociais fragmentadas que fortalecem o agravamento das desigualdades sociais e abrem espaços para políticas compensatórias e minimistas. Por fim, pode-se entender que este modelo de gestão pública globalizada abre espaço para a entrada de instituições não governamentais, pois o Estado, ao fracionar suas funções, transfere responsabilidades para a sociedade civil, reduz seu espectro de atuação, deixando uma lacuna a ser preenchida por entidades que integram o “Terceiro Setor”. Para Landim (1993, p. 17): A chamada “década perdida” pode ser considerada como uma [...] fórmula que deu certo a qual – a depender do que se tem escrito e dito sobre a terra – anuncia-se como fenômeno apropriado para florescer no clima dos anos 90, onde se tem colocado como questão de peso, nos campos políticos a intelectuais e a nível mundial, a redefinição dos papéis do Estado e de uma sociedade civil, nos processos de mudança política e de desenvolvimento econômico a social. referênciAS BRASIL. Constituição Federal de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988. BRASIL. Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS. Lei no 8042/1993. Brasília: PR, 1993. COUTINHO, Joana. ONGs: caminhos e (des)caminhos. Lutas Sociais, São Paulo, v. 14, n. 13, p.57-65, jul. 2005. Semestral. Disponível em: <http://www. pucsp.br/neils/downloads/v13_14_joana.pdf>. Acesso em: 02 abr. 2013. 24 Gestão em Serviço Social FERNANDES, Rubens C. Privado Porém Público: O terceiro Setor na América Latina. 2. ed. Rio de Janeiro: Relume – Dumará, 1994. GOHN, Maria da G. Os sem terra, ONGs e cidadania. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2000. IAMAMOTO, M. V. Renovação e Conservadorismo: Ensaios críticos. São Paulo: Cortez Editora, 2001. LANDIM, L. A Invenção das ONGs: do serviço invisível a profissão sem nome. Rio de Janeiro: Museu Nacional; Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1993. MONTAÑO, C.E. Terceiro Setor e Questão Social: Crítica ao Padrão Emergentede Intervenção Social. São Paulo: Cortez Editora, 1999. MOTA, Ana E. O Mito da Assistência Social: ensaios sobre Estado, Política e Sociedade. São Paulo: Cortez Editora, 2008. NOGUEIRA, Marco A. Um estado para a Sociedade Civil: temas éticos e políticos de gestão democrática. São Paulo: Cortez Editora, 2004. OLIVEIRA, Francisco. Os Direitos do Anti-valor: a economia política da hegemonia imperfeita. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. ONU. La pobreza en America Latina: dimensiones y políticas. Santiago de Chile. (Estúdios e Informes de la CEPAL). 1985. RAMOS, Fábio Pestana. 1964: o golpe de Estado e a ditadura militar pelo prisma político-econômico. 30 de maio de 2011. Disponível em: <http:// fabiopestanaramos.blogspot.com.br/2011/05/1964-o-golpe-de-estado-e-ditadura. html>. Acesso em: 10 jan. 2013. SOUZA, Rosimere de. Políticas Sociais. Indaial: Uniasselvi, 2012. CAPÍTULO 2 AdminiStrAção de progrAmAS e projetoS em Serviço SociAl A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 3 Apresentar uma revisão da trajetória da atuação prática do serviço social e as novas competências profissionais. 3 Analisar e debater sobre as novas demandas emergentes no contexto da Questão Social e algumas respostas que podem ser oferecidas para o seu enfrentamento. 27 AdmInIstRAção de pRogRAmAs e pRojetosem seRvIço socIAl Capítulo 2 contextuAlizAção Nesta etapa, vamos abordar temas que subsidiarão a sua compreensão sobre o trabalho social, quais sejam: a genealogia do serviço social, a reprodução das relações sociais e suas manifestações e os mecanismos de enfretamento das desigualdades sociais. Vamos contemplar campos de discussão relacionados às dimensões teórico- metodológica e operativa do serviço social na administração de programas e projetos que, ao longo de sua trajetória, vêm sofrendo transformações no enfrentamento às desigualdades sociais. O capítulo está organizado em três partes: a primeira se concentra na prática do serviço social, suas derivações e as novas competências profissionais. Para compreendê-la vamos partir de um delineamento histórico: o surgimento do trabalho social, os aspectos políticos e sociais que marcaram as primeiras escolas de serviço social até as práticas institucionais. A segunda parte nos leva a refletir sobre o cotidiano das demandas institucionais na construção de projetos profissionais críticos, na busca pela reconstrução do serviço social e sobre o entendimento das demandas das classes trabalhadoras e o significado da profissão. Por último, vamos nos concentrar numa discussão mais ampliada das políticas de seguridade social e os programas de transferência de renda, os mecanismos de enfrentamento das desigualdades sociais e suas contradições frente à concepção universal de proteção social. cotidiAno dAS demAndAS inStitucionAiS à conStrução de projetoS profiSSionAiS críticoS Para iniciar a reflexão sobre as derivações da atuação profissional do serviço social, vamos retornar à década de 1930, quando surgiram as primeiras escolas de serviço social, sob a influência da Igreja Católica e das Ligas das Senhoras Católicas, respectivamente no Rio de Janeiro e em São Paulo. Tanto a Igreja quanto as Ligas influenciaram e organizaram a estrutura do Curso Intensivo de Formação Social para Moças, dividido em três eixos: Formação Científica; Formação Técnica e Formação Moral e Doutrinária, princípios inerentes à profissão. 28 Gestão em Serviço Social Em 1936, foi implantado o primeiro Centro de Estudos e Ação Social (CEAS) de São Paulo, no qual foi oferecido o “Curso Intensivo de Formação Social para Moças”, ministrado por Mademoiselle Adéle Loneux, da Escola Católica de Serviço Social de Bruxelas. As atividades do CEAS se orientaram para a formação técnica especializada de quadros para a ação social e para a difusão da doutrina social da Igreja. (IAMAMOTO, 2009). De acordo com Iamamoto (2009), em 1936, a partir dos esforços desenvolvidos por esse grupo da Igreja e do CEAS, foi fundada a Escola de Serviço Social de São Paulo. A visão das atividades para o serviço social se ampliou e foram inseridas outras demandas, que envolviam trabalhos com colonos e imigrantes, com a finalidade de “[...] realizar o conjunto de trabalhos necessários ao reajustamento de certos indivíduos ou grupos às condições normais de vida” (IAMAMOTO, 2009, p. 177), que na época representava um grande avanço para o serviço social. Novos métodos organizacionais foram inseridos, dando início ao Serviço Social de Casos Individuais, que oportunizou a criação do Departamento de Serviço Social do Estado. No ano de 1898 foi realizado, em Nova York (EUA), o curso destinado à aprendizagem da ação social. O impulso trazido pela criação da escola foi muito importante para a sistematização do ensino do Serviço Social, bem como para o seu processo de profissionalização e institucionalização. “Na segunda metade do século XIX, em 1908, fundou-se na Inglaterra a primeira escola de Serviço Social do mundo”. (MARTINELLI, 2006, p. 106). Outro aspecto relevante foi o avanço do campo de atuação, como destaca Iamamoto (2009, p.187-188). Em função do aumento das demandas, o número de assistentes sociais diplomadas não foi suficiente para dar conta das atividades requisitadas. Os mecanismos utilizados pelos mantenedores das escolas de formação foram os de criar cursos intensivos para auxiliares sociais, fornecer bolsas de estudos para as Assistentes Sociais em formação e acelerar a formação de profissionais. Com essas iniciativas, os mantenedores financiavam as bolsas de estudos para abreviar o tempo de formação de Assistentes Sociais: 29 AdmInIstRAção de pRogRAmAs e pRojetosem seRvIço socIAl Capítulo 2 [...] permitiram, ao mesmo tempo, uma “purificação” da formação técnica especializada enquanto profissão, na medida em que grande parte dos alunos das escolas de Serviço Social passou a se constituir de funcionários de grandes instituições [...]. Nesse momento se instala uma luta no Serviço Social, não atrelada, apenas, ao mercado de trabalho e, sim, pelo reconhecimento da profissão e pela exclusividade, para diplomados, frente o grande número de vagas disponíveis nos serviços públicos e autarquias. (IAMAMOTO, 1982, p.187). Atividade de Estudos: 1) De acordo com Iamamoto (2009), a década de 1930 foi marcada por acontecimentos importantes para o desenvolvimento da profissão de Serviço Social no Brasil. Descreva esses acontecimentos. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ Ainda de acordo com a autora, das atividades doutrinárias e assistenciais desenvolvidas pelas primeiras Assistentes Sociais podemos destacar: plantão de atendimentos, visitas domiciliares, reuniões educativas, tratamento de casos. Além de inquéritos familiares, pesquisas sobre as condições de moradia, a situação sanitária econômica e moral do proletariado. A atuação das assistentes sociais se ampliava chegando às empresas, com atendimentos individuais e de grupos, organização de atividades de lazer e educativas, benefícios sociais. Também passaram Das atividades doutrinárias e assistenciais desenvolvidas pelas primeiras Assistentes Sociais podemos destacar: plantão de atendimentos, visitas domiciliares, reuniões educativas, tratamento de casos. Além de inquéritosfamiliares, pesquisas sobre as condições de moradia, a situação sanitária econômica e moral do proletariado. 30 Gestão em Serviço Social a fazer parte do serviço social médicos, com funções diversas na área de saúde, voltadas para o atendimento direto aos clientes, com informações, triagem, orientações e encaminhamentos. Durante esse período, grandes modificações ocorrem no cenário político e econômico no país, advindas dos avanços da indústria. O êxodo de contingentes da população, vindos da área rural para os grandes centros na busca de novas oportunidades, alterou o cenário político e econômico da cidade e a crescente autonomia das organizações sindicais. Por outro lado, o Estado Novo varguista procurou controlar os movimentos de grupos independentes, formados pelas classes de proletariados, e criou novas instituições, como: Seguro Social, Salário Mínimo, Assistência Social, Justiça do Trabalho e outras. O período do Estado Novo foi, a um só tempo, de grande avanço nas políticas sociais e econômicas, sobretudo devido à implantação de uma ampla legislação trabalhista - para os trabalhadores urbanos - e de apoio à industrialização, e de expressivo retrocesso em termos de liberdade política, com a extinção dos partidos políticos, a censura e a repressão. O Tribunal de Segurança Nacional, criado para julgar participantes da Intentona Comunista, passou a julgar os adversários do regime. (A CONSOLIDAÇÃO, 2013). Com o advento da Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945) e do possível engajamento do país, o governo criou campanhas assistencialistas, realizadas pela Legião Brasileira de Assistência – LBA. Sposati (2004, p. 20) aponta para o fato histórico da criação dessa instituição: Em outubro de 1942 a L.B.A. se torna uma sociedade civil de finalidades não econômicas, voltadas para “congregar as organizações de boa vontade”, aqui a assistência social como ação social é ato de vontade e não direito de cidadania. A origem da Legião Brasileira da Assistência está intimamente ligada à participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Originária da urgência de mobilizar o trabalho civil em apoio ao esforço de guerra transformou-se rapidamente na primeira instituição social O Estado Novo varguista procurou controlar os movimentos de grupos independentes, formados pelas classes de proletariados, e criou novas instituições, como: Seguro Social, Salário Mínimo, Assistência Social, Justiça do Trabalho e outras. 31 AdmInIstRAção de pRogRAmAs e pRojetosem seRvIço socIAl Capítulo 2 de âmbito nacional. Neste clima de vibração cívica, surgiu a LBA, sob a inspiração da Primeira Dama do país, Sra. Darcy Sarmanho Vargas e com o apoio da Federação das Associações Comerciais e da Confederação Nacional da Indústria. Para obter mais informações, leia: LBA – Trajetória de uma instituição no contexto das políticas públicas. Revista Debates Sociais, Rio de Janeiro, n. 59, p.105, 2001. Naquela época, a assistência social desenvolvida pela LBA imprimia a marca do governo federal e era sempre presidida pela primeira dama da república. Como observou Sposati (2004), essa ação da LBA trouxe para a assistência social o vínculo emergencial e assistencial, característica que predominou na trajetória da assistência social. Iamamoto (2001) complementam que a LBA tinha por objetivo promover assistência às famílias cujos chefes encontravam-se mobilizados pela guerra e desenvolver ações sociais. Durante a era Vargas, outras escolas e campos de atuação do serviço social foram surgindo. O Curso de Trabalho Social, na Escola de Enfermagem Ana Nery; a Fundação Leão XIII, para atender as demandas educacionais da população residente em favelas do Rio de Janeiro, e, ainda, o Serviço Social da Indústria - SESI e o Serviço Social do Comércio – SESC foram as primeiras instituições com recursos e sob a direção do empresariado que tiveram por objetivo a prestação de serviços assistenciais, abrangendo, também, uma parcela da população urbana. Voltemos às palavras de Iamamoto (1982, p. 249) “O Serviço Social deixa de exercer apenas às atividades de coordenação dos serviços assistenciais para se situar mais profundamente ao confronto direto entre o capital e o trabalho”. A profissão de Assistente Social foi regulamentada no Brasil em 1957 através da Lei nº 3.252 de 27.08.1957, sendo revisada para atender mudanças na legislação e da Constituição Federal de 1988. Hoje, a Lei nº 8.662 de 07.06.1993 regulamenta a profissão. Durante a era Vargas, outras escolas e campos de atuação do serviço social foram surgindo. O Curso de Trabalho Social, na Escola de Enfermagem Ana Nery; a Fundação Leão XIII, para atender as demandas educacionais da população residente em favelas do Rio de Janeiro, e, ainda, o Serviço Social da Indústria - SESI e o Serviço Social do Comércio – SESC 32 Gestão em Serviço Social Os anos 1960 foram considerados por muitos como os “anos dourados”, pois se tratava de uma época em que a ideologia desenvolvimentista foi amplamente difundida. Vale lembrar que o governo de Juscelino Kubitschek foi definido pela expansão econômica, o que dava o sentido de prosperidade, riqueza, soberania, paz social e segurança. Com a ascensão da indústria automobilística e os investimentos na educação, acreditava-se que as desigualdades sociais diminuiriam, uma vez que havia forte investimento na industrialização e, por conseguinte, o fortalecimento da economia. Porém, isso não ocorreu: ao mesmo tempo em que a ideologia desenvolvimentista ganhava novas adesões e força política, as questões que impulsionariam o desenvolvimento social se distanciavam. Uma das marcas do governo JK foi sem dúvida a construção da capital brasileira, Brasília. A inauguração da nova capital federal, em 21 de abril de 1960, foi um dos marcos dos anos JK e um fator de estímulo à integração nacional a partir do Centro-Oeste brasileiro. Para obter mais informações sobre este assunto, acesse o site: www.infoescola.com/historia-do-brasil Histórico Sintético do Serviço Social 1938 – criação do Conselho Nacional de Serviço Social, no Estado Novo de Getúlio Vargas (Decreto-lei nº 525). 1946 - inauguração da PUC de São Paulo (Decreto-lei n° 9.632, de 1946). 1946 – estabelecimento da Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social - ABESS responsável por criar uma metodologia para o Serviço Social. 1946 – criação da Associação Brasileira de Assistência Social - ABAS. 1947 - realização do I Congresso Brasileiro de Serviço Social. 1957 – Regulamentação da profissão pela Lei n° 3.252, em 27 de agosto de 1957 que, após 36 anos, em 1993, foi substituída pela Lei n° 8.662. Fonte: IAMAMOTO, M. V. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil. 17. ed. São Paulo: Cortez, 2005. 33 AdmInIstRAção de pRogRAmAs e pRojetosem seRvIço socIAl Capítulo 2 Em 1961, foi realizado o II Congresso Brasileiro de Serviço Social com o tema central “Desenvolvimento Nacional para o Bem-estar Social”. Realizado no ano em que a vitória de Jânio Quadros representava a possibilidade da formação de uma nação forte, com atuação especial no social, significava uma nova estratégia desenvolvimentista. O Serviço Social foi, então, situado como instrumento de consecução dos objetivos nacionais e teve de organizar diversas modalidades de atuação em Desenvolvimento de Comunidade. (IAMAMOTO, 1982). Mota (2008, p. 28) nos remete ao final dos anos 1970 e às crises geradas pelos “modelos de Welfare State” e pelo exaurimento das experiências do “socialismo real”, refratando-se a crise, primeiro nos países periféricos capitalistas centrais e, em seguida, nos periféricos. Esse período vai recolocar a questão social, ampliada e redefinida, incorporando traços e características reveladoras de que a desigualdade social é inerente ao desenvolvimento do capitalismo e das forças produtivas.Estado de bem-estar social (em inglês: Welfare State), também conhecido como Estado-providência é um tipo de organização política e econômica que coloca o Estado como agente da promoção (protetor e defensor) social e organizador da economia. Nessa orientação, o Estado é o agente regulamentador de toda vida e saúde social, política e econômica do país em parceria com sindicatos e empresas privadas, em níveis diferentes. (KLAES, 2006). Para Mota (2008), ocorreu o surgimento de mais um modelo hegemônico, adotado pelos EUA, que utilizava estratégias para derrubar os ideais dos opositores, pretendendo instalar uma espécie de governo mundial pautado em uma ideologia universal, que utilizaria a abertura de mercado para os países periféricos, por meio do Fundo Monetário Internacional - FMI e da Organização Mundial do Comércio - OMC. Um novo espaço transnacional foi criado, englobando desde o patenteamento de pesquisas genéticas até a mercantilização da natureza, passando pela privatização dos bens públicos e a transformação de serviços sociais em negócios, a exemplo da saúde, previdência, educação. Como sintetizou Mota (2008, p. 31) “essas mudanças, mediadas pelo uso de novas tecnologias e pela redefinição das dimensões de espaço/tempo e território, convivem com a ampliação do desemprego e com situações de miséria e indigência”. 34 Gestão em Serviço Social A seguir, vamos aprofundar a discussão acerca das transformações ocorridas no serviço social, as dimensões da prática profissional e os movimentos que impulsionaram a categoria a romper as fronteiras filantrópicas, tutelares e paternalistas. o exercício do SociAl, SuAS derivAçõeS e AS novAS competênciAS profiSSionAiS Analisando o período pós-guerra até a década de 1970, vimos que foi uma época marcada pelo capitalismo econômico, alavancado pelos moldes de produção taylorista/fordista. Nessa época, o campo do Serviço Social aumentou o nível de profissionalização e participação no processo de desenvolvimento social, uma vez que a política intervencionista do Estado submetia-se às regras do capital econômico. Taylorismo/ Fordismo: Esse processo produtivo de trabalho caracterizou-se pela mescla da produção em série (fordismo) com o cronômetro taylorista, além da vigência de uma separação nítida entre elaboração e execução. Para o capital, tratava-se de apropriar-se do savoir-faire do trabalho, ‘suprimindo’ a dimensão intelectual do trabalho operário, que era transferida para as esferas da gerência científica. A atividade do trabalho reduzia-se a uma ação mecânica e repetitiva. (ANTUNES, 1999, p.37). No Brasil, esta época foi marcada pelo desenvolvimento de políticas compensatórias e assistencialistas nas quais a concepção do trabalho do serviço social era entendida como benefícios prestados pelo Estado em favor dos mais pobres em que prevalecia à concepção de assistidos ou tutelados ou beneficiários, e não de cidadãos de direitos. Neto (2009, p. 10) destaca que: 35 AdmInIstRAção de pRogRAmAs e pRojetosem seRvIço socIAl Capítulo 2 [...] se é verdade que a Assistência Social vincou historicamente o que alguns analistas visualizam como a particularidade do Serviço Social, é igualmente verdade que, dominantemente até os anos 70 do século passado, aquele vinco estava hipotecado à benemerência, ao favor e a distintas formas de filantropia. A operacionalização dos programas e projetos de governo era realizada regionalmente junto aos governos locais e às entidades filantrópicas. Já a distribuição dos recursos financeiros se dava através de convênio com a LBA e outros órgãos do governo ou por repasse às instituições por emenda parlamentar. Iamamoto (2008) nos convida a pensar mudanças que vêm afetando o mundo da produção, a esfera do Estado e das políticas públicas e analisar como elas vêm estabelecendo novas mediações nas expressões da questão social hoje, nas demandas à profissão e nas respostas do Serviço Social. Assim, a autora sintetiza o campo atual: [...] um dos maiores desafios que o Assistente Social vive no presente é desenvolver sua capacidade de decifrar a realidade e construir propostas de trabalho criativas e capazes de preservar e efetivar direitos, a partir das demandas emergentes no cotidiano. (IAMAMOTO, 2008, p. 20). Nesse novo contexto, as profissionais passaram a assumir atividades que ultrapassaram os limites antes específicos da esfera profissional e foram inseridas em equipes interdisciplinares as quais demandavam sua participação na formulação e na execução de políticas públicas, bem como na gestão de políticas sociais que, por sua vez, exigiam novas técnicas e abordagens gerenciais. Como sintetizado pela mesma autora “requer, pois, ir além das rotinas institucionais e buscar apreender o movimento da realidade para detectar tendências e possibilidades nela presentes passíveis de serem impulsionadas pelo profissional”. (IAMAMOTO, 2008, p. 21). Para o serviço social, esse momento histórico nos leva a entender o novo fazer profissional e suas dimensões, que estão intrinsecamente ligadas às pesquisas investigativas nos campos teóricos, metodológicos, técnicos, operativos, éticos, políticos e pedagógicos. Como destaca Iamamoto (2005, p. 55): Essas indicações trazem elementos para compreender algumas das particularidades do intelectual Assistente Social: ele não se enquadra na linha dos grandes pensadores dedicados à atividades de elaboração científica e de criação do saber. Sendo o Serviço Social uma disciplina de intervenção da realidade, as atividades teóricas não têm o eixo do labor profissional. 36 Gestão em Serviço Social Acrescenta Iamamoto (2008, p. 48) que “aqueles que ficarem prisioneiros de uma visão burocrática e rotineira do papel do Assistente Social e de seu trabalho entenderão como ‘desprofissionalização’ ou ‘desvio de funções’, as alterações que vêm se processando nessa profissão”. A autora chama a nossa atenção para o Código de Ética Profissional, instrumento regulador do serviço social como profissão liberal, embora não sendo essa a prática reconhecida ou utilizada pela categoria. De acordo com a autora, “[...] o Assistente Social é um trabalhador especializado, que vende a sua capacidade de trabalho para algumas entidades empregadoras, predominantemente de caráter patronal, empresarial ou estatal, que demandam essa força de trabalho qualificada e a contratam. Esse processo de compra e venda da força de trabalho especializada em troca de um salário faz com que o Serviço Social ingresse no universo da mercantilização, no universo do valor.” (IAMAMOTO, 2008, p. 23-24). Iamamoto (2008, p. 215) analisa que: [...] Os empregadores determinam as necessidade sociais que o trabalho do assistente social deve responder; delimitam a matéria sobre a qual incide esse trabalho, interferem nas condições em que se operam os atendimentos, assim como os seus efeitos na reprodução das relações sociais. Eles impõem ainda exigências trabalhistas e ocupacionais aos seus empregadores especializados e mediam as relações com o trabalho coletivo por eles articulado [...]. O aperfeiçoamento profissional e as lutas históricas da categoria tornaram-se instrumentos fundamentais para o projeto ético-político, o qual tem como respaldo os avanços do Código de Ética Profissional, de 1993; as Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social (Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social - ABEPSS), também de 1993, e a Lei Federal nº 8662/93 - que regulamenta a profissão. CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL Princípios Fundamentais: • Reconhecimento da liberdade, como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes - autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos; • Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo; 37 AdmInIstRAção de pRogRAmAs e pRojetosem seRvIço socIAlCapítulo 2 • Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis sociais e políticos das classes trabalhadoras; • Defesa do aprofundamento da democracia, como socialização da participação política e da riqueza socialmente produzida; • Posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso a bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática; • Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito incentivo ao respeito, à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças; • Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma ordem societária, sem dominação-exploração de classe, etnia e gênero; • Articulação com os movimentos sociais de outras categorias profissionais que partilhem dos princípios deste Código e com a luta dos trabalhadores; • Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva de competência profissional; • Exercício do Serviço Social sem ser discriminado, nem discriminar, por questões de inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, opção sexual, idade e condição física. Fonte: CFESS. Conselho Federal de Serviço Social. Código de Ética Profissional dos Assistentes Sociais. Aprovado em 15 de março de 1993. Disponível em: <http://www.cfess. org.br/arquivos/CEP_1993.pdf>. Acesso em: 2 fev. 2013. Atividade de Estudos: 1) Em que consiste o Art. 2º do Código de Ética Profissional do Assistente Social, regido pela Lei Federal nº 8662/93 e atualizado outubro de 2010, sobre o exercício da profissão de Assistente Social? _______________________________________________________ ___________________________________________________ _______________________________________________________ ___________________________________________________ _______________________________________________________ 38 Gestão em Serviço Social ___________________________________________________ _______________________________________________________ ___________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ Ao refletir sobre o cotidiano da intervenção profissional em diferentes áreas de atuação, verifica-se que os atendimentos às demandas exigem respostas concretas e imediatas, uma vez que estão relacionados às necessidades básicas dos indivíduos, o que implica proporcionar, de imediato, o ingresso aos direitos acessados. Contudo, é importante observar que o serviço social, ao ser inserido no campo universitário, passou a integrar-se aos grupos políticos progressistas, entre eles, os movimentos sociais, sindicatos e partidos políticos, na luta em favor de liberdade civil e política e, assim, os debates da categoria acirraram a batalha na direção de mudanças que levariam à ruptura com o modelo tradicionalista. A contribuição histórica que expressou o desejo da categoria de transformação da práxis político-profissional do Serviço Social na sociedade brasileira ocorreu no III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS), mais conhecido como o “Congresso da Virada”. (CFESS, 1996, p. 175). Do ponto de vista de Iamamoto (2006, p. 10), a formação profissional requer: [...] construir respostas acadêmicas, técnicas e ético-políticas, calçadas nos processos sociais em curso. Respostas essas que resultam em um desempenho competente e crítico, capaz de fazer frente, de maneira efetiva e criadora, aos desafios dos novos tempos, nos rumos da preservação e ampliação das conquistas democráticas na sociedade brasileira. A partir da década de 1990, a formação acadêmica e a prática do serviço social passaram a incorporar novos instrumentos de investigação e intervenção crítica sobre a questão social, levando em consideração as dinâmicas das relações sociais demandadas pela sociedade. Portanto, para o serviço social conceber novos espaços de intervenção, torna-se necessário acompanhar os movimentos políticos e sociais que repercutem na sociedade e ter clareza sobre as representações concretas da realidade social. 39 AdmInIstRAção de pRogRAmAs e pRojetosem seRvIço socIAl Capítulo 2 De acordo com o texto Constitucional, Seguridade Social é um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinado a assegurar os direitos relativos à Saúde, à Previdência e à Assistência Social. Constituição Federal de 1988 Títulos VIII, Da Ordem Social, artigos 194 a 204. A seguir, vamos analisar as políticas de seguridade social, as quais incluem a saúde, a previdência e a assistência social, frente ao protagonismo político dos assistentes sociais na produção intelectual. AS políticAS de SeguridAde SociAl e oS progrAmAS de trAnSferênciA de rendA Você estudou no capítulo anterior que o modelo capitalista baseado no Welfare State, implementado nos países capitalistas e, em especial, na América Latina, foi responsável pelo distanciamento entre o entendimento do capital, que opera sobre as forças trabalhadoras, e as políticas de proteção social universal, no campo da seguridade social. Esse distanciamento veio a acirrar as desigualdades sociais, pois a lógica competitiva, já estabelecida pelo neoliberalismo no mundo capitalista, visava à expansão e à apropriação de riquezas e deixava o Estado sujeito ao modelo de desenvolvimento econômico e social. Vamos voltar à atenção para os sistemas de proteção social, implícitos na concepção da Constituição de 1988 e suas configurações, na garantia de defesa de direitos universais, que no campo da seguridade social nunca ocorreu por falta de integração orçamentária e de gestão das três políticas que a compõem. (BOSCHETTI; SALVADOR, 2006, p. 43). Mota (2008) aponta os avanços e conquistas inegáveis na ampliação do acesso aos direitos sociais no Brasil, após a CF 1988, no que se refere aos programas e aos benefícios destinados a uma parcela expressiva da sociedade. Porém destaca outra face da política de proteção social ou seguridade social, de responsabilidade pública, coletiva e universal, que, ainda, segundo a autora, é um horizonte que não se concretizou. 40 Gestão em Serviço Social Para Sposati (2007), a realidade institucional da gestão da seguridade não traduz unidade ou integração para produzir a atenção aos usuários e o acesso a seus direitos. A previdência social traz à cena o direito do contribuinte. A saúde e a assistência social se apoiam no direito de todos como direito humano e social, mas também como condicionado. O direito é de todos desde que: tenham tal idade, tal moléstia, tal renda, etc. A noção de “direitos de todos” é atravessada por determinadas condições que podem fragilizar o alcance do direito e que, sem dúvida, reconstroem com novos elementos a noção de universalidade. Os princípios universais adotados na CF visam a garantir que todos os cidadãos de direito tenham acesso a bens e serviços. Portanto, ao estabelecer critérios de elegibilidade para o acesso de usuários a determinados serviços, discriminam-se, privam-se os cidadãos e se distorcem os princípios constitucionais em detrimento da redução dos gastos públicos em programas sociais focados em ações de enfrentamento a pobreza. Para Mota (2004), embora a arquitetura da seguridade brasileira pós-1988 tenha a orientação e o conteúdo daquelas que conformam o Estado de Bem- estar nos países desenvolvidos, as características excludentes do mercado de trabalho, o grau de pauperização da população, o nível de concentração de renda e as fragilidades do processo de publicização do Estado permitem afirmar que no Brasila adoção da concepção de seguridade social não se traduziu objetivamente numa universalização dos benefícios sociais. Nesse cenário, a assistência social assume sua configuração de política pública, com o advento da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, que rompe com o caráter de benemerência e assistencialismo, passando a assumir responsabilidades na garantia de direitos e a garantir padrões de condições dignas, de acordo com as necessidades humanas básicas ou mesmo os mínimos sociais. De acordo com Pereira (2000, p. 26): Mínimo e básico são, na verdade, conceitos distintos, pois, enquanto o primeiro tem a conotação de menor, de menos, em sua acepção mais ínfima, identificada com patamares de satisfação de necessidades que beiram a desproteção social, o segundo não. O básico expressa algo fundamental, principal, primordial, que serve de base de sustentação indispensável ao que ela acrescenta. Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS nº 8.742, de 7 de Dezembro 1993. Art. 1º A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, 41 AdmInIstRAção de pRogRAmAs e pRojetosem seRvIço socIAl Capítulo 2 é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas. Sposati (2007) destaca que após todos esses anos de aprovação da LOAS se alcançou a efetivação do Sistema Único da Assistência Social – SUAS, baseado no conteúdo da Política Nacional de Assistência Social (PNAS-2004), que estabelece o campo da proteção socioassistencial com centralidade na ca¬pacidade protetiva da família. As fragilidades do ciclo de vida, as vitimizações, as exclusões são objeto da ação a partir da análise de riscos e vulnerabilidades sociais a que estão sujeitos os indivíduos e as famílias. A direção da política é afiançar seguranças sociais de acolhida, convívio e capacidade básica de automanutenção, que possibilitem inclusão e emancipação. A política de assistência social tem sua organização direcionada para a realização de três funções: proteção social, vigilância social e defesa de direitos. A proteção social hierarquizada em básica e especial opera através de benefícios em pecúnia e em bens e uma rede de serviços de acolhida, convívio e de desenvolvimento socioeducativo. O diálogo entre a produção do conhecimento sobre cada uma das políticas de proteção social (Previdência Social, Saúde e Assistência Social) e sua articula¬ção no âmbito da seguridade social é ainda um campo em construção, conforme destaque de Sposati (2007), pois os nexos entre as três políticas como modelo de seguridade social ainda são reféns da dife¬renciação do conhecimento sobre cada uma delas em particular. Para Sposati (2007), as bases institucionais para a gestão da política de assistência social são ainda bastante difu¬sas entre os governos municipais e estaduais. A autora destaca que, no caso dos Governos Estaduais, têm sido assinados pactos de aprimoramento de gestão entre governo federal e Estados da federação. Os municípios, por sua vez, têm se vinculado ao SUAS através de um processo de habilitação que registra graus crescentes de cumprimento das exigências da implantação desse sistema. Outro importante destaque da autora refere-se aos gastos com a Política de Assistência Social que ainda estão na ordem de 1% do PIB (0,82% em 2005), A proteção social hierarquizada em básica e especial opera através de benefícios em pecúnia e em bens e uma rede de serviços de acolhida, convívio e de desenvolvimento socioeducativo. 42 Gestão em Serviço Social o que corresponde a cerca de 6% do Orçamento da Seguridade Social (OSS), sendo este percentual semelhante ao gasto social direto. Ao associarmos as competências dos profissionais do serviço social às apontadas pelo SUAS nos trabalhos realizados nos Centros de Referência da Assistência Social - CRAS e nos Centros de Referência Especial da Assistência Social – CREAS, podemos perceber que a ação profissional requer um conhecimento prático operativo em face da natureza da ação profissional em que a ênfase está no saber fazer (MOTA, 2008). Ainda de acordo com Mota (2008, p.197): [...] reside neste processo o maior desafio da formação profissional: instrumentalizar os profissionais a empreenderem a grande tarefa que é superar a aparência dos fenômenos, identificando as múltiplas determinações do real. Sem desconsiderar as condições objetivas que estão envolvidas na prática profissional e que requerem conhecimentos específicos que deem conta das singularidades da Assistência Social, reafirmamos uma célebre citação marxiana para justificar a importância da formação profissional no desvelamento da realidade sobre a qual incidirá a política de Assistência Social: se aparência e essência coincidissem, todo o esforço do conhecimento seria inútil. Dessa forma, conclui-se que a CF de 1988 trouxe grandes avanços para a política de proteção social no Brasil, os quais vêm incidir na prática do profissional de Serviço Social. AlgumAS conSiderAçõeS Neste capítulo foram abordados temas que originaram a profissão do Serviço Social no Brasil, a partir da década de 30, em seu contexto histórico, que, sob forte influência da Igreja Católica, deu os primeiros passos para uma formação Científica, Técnica, Moral e Doutrinária, com princípios inerentes a uma atuação qualificada, num recorte de gênero, ao Curso Intensivo de Formação Social para Moças. O primeiro campo de atuação profissional se ampliou e novas demandas que já apontavam para a relação entre o Serviço Social e a “questão social” foram incorporadas, uma vez que envolvia grupos de trabalhadores colonos e imigrantes que não se ajustavam ao sistema da época. 43 AdmInIstRAção de pRogRAmAs e pRojetosem seRvIço socIAl Capítulo 2 O período do Estado Novo foi marcante para o Serviço Social, sendo considerado de grande avanço nas políticas sociais. Porém trazia marcas de um governo populista, repressivo e cerceador dos direitos políticos. Durante outras décadas, a profissão passou por grandes desafios e enfrentamentos, diante do modelo capitalista, das fragilidades econômicas e das desigualdades sociais, geradas por uma política neoliberal, instalada na América Latina e adotada no Brasil. Nesse contexto, as práticas do Serviço Social dos anos 1960, que estavam sob a orientação de técnicas tradicionais, foram definidas por Neto (2005, p. 5), como: “[...] prática empirista, reiterativa, paliativa e burocratizada, claramente funcionalista que visava a enfrentar as incidências psicossociais da ‘questão social’ sobre indivíduos e grupos, sempre pressuposta a ordenação capitalista”. Inicia-se, aqui, o processo de um movimento que buscava romper com a linha conservadora, a partir de uma reflexão crítica do significado da profissão e seus pressupostos ideológicos, teóricos e metodológicos. Outro aspecto a ser considerado, que influenciou a prática do Serviço Social, foi a Constituição Federal de 1988, que ao incluir a assistência social no campo da seguridade social abre novas possibilidades de inserção nas políticas de proteção social. Sobre esse aspecto, retornamos à reflexão de Mota (2008), que aponta para os desafios no campo da formação profissional: instrumentalizar os profissionais a empreenderem a grande tarefa que é superar a aparência dos fenômenos, identificando as múltiplas determinações do real, sem desconsiderar as condições objetivas que estão envolvidas na prática profissional e que requerem conhecimentos específicos que deem conta das singularidades da Assistência Social. referênciAS ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho. São Paulo: Boitempo, 2002. BOSCHETTI, Ivanete; SALVADOR Evilásio. Orçamento da Seguridade e Política Econômica: perversa alquimia. Revista Serviço Social e Sociedade,
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