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Segunda e Terceira Gerações do Romantismo em Portugal

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Segunda e Terceira Gerações do Romantismo em Portugal 
O CONTEXTO E O CONCEITO DE ROMANTISMO
Inicialmente, vamos relembrar o que foi o movimento romântico de uma forma mais ampla, seu conceito e as condições de seu surgimento.
Todos nós já usamos palavras como romantismo ou romântico algumas vezes e com variados significados, geralmente fazendo referência a uma atitude ligada à manifestação amorosa ou idealista. Não é ao acaso essa conexão. De fato, o movimento estético romântico trouxe, como uma de suas muitas características, a representação do amor de modo intenso, incondicional, como também, por vezes, exibiu uma visão idealizada da vida.
Contudo, o conceito denominado de Romantismo, assim como o Barroco ou o Renascimento, a rigor, diz respeito a um período histórico, ou ainda, a um fenômeno de alcance internacional e de grande complexidade. A complexidade romântica acontece devido a expressões de múltiplas características e, por vezes, até contraditórias encontradas dentro do mesmo movimento.
Para entendermos essa contradição, precisamos levar em conta dois fatores:
A experiência nova de liberdade artística, fruto das ideias liberalistas que provocavam nos artistas da época um desejo de deixar sua marca no mundo, promovendo uma ebulição de obras diversificadas.
Conflito de sentimentos gerados pela vigorosa mudança que a sociedade via acontecer. Como toda mudança muito intensa, os sentimentos predominantes são o medo, pelo novo que surge, e o entusiasmo, derivado de uma espécie de otimismo revolucionário.
No caso do Romantismo, é um estado de espírito que busca uma afirmação de si mesmo, sobretudo em uma realização pessoal, o que, em parte, justifica seu princípio subjetivo contemplado na arte
Por conta disso, vamos abordar os fatos históricos mais importantes e a sua influência no movimento romântico. Do progresso econômico, consequente da Revolução Francesa, à urbanização, provocada pela Revolução Industrial, cada país teve o seu movimento romântico acompanhado dessas mudanças.
Em Portugal, o primeiro contato com a escola romântica literária se dá por meio de traduções de novelas estrangeiras. Comparado a outros países, como Alemanha, França e Inglaterra, o Romantismo como movimento difuso chega com um certo atraso devido às particularidades sociais e econômicas portuguesas, pois vem atrelado a marcos históricos portugueses, como a Revolução Liberal de 1820.
REVOLUÇÃO LIBERAL DE 1820 
Conhecida também como Revolução do Porto, por ter acontecido nessa cidade portuguesa, teve sua origem ou motivação na vinda da Família Real portuguesa para o Brasil, em 1808, e em certa equiparação administrativa entre Lisboa e suas colônias. A Revolução Liberal ou do Porto se deu por meio de fortes disputas políticas entre os interesses de Portugal e do Brasil.
Todas essas mudanças não são recebidas uniformemente pela sociedade portuguesa, que se encontra ainda dividida entre a nostalgia do passado e o deslumbramento pelo progresso trazido pelo novo regime, acendendo a esperança de Portugal reviver, depois de tanto tempo de decadência, o seu passado glorioso. Com o tempo, a esperança se transforma em decepção, sentida principalmente pelos espíritos mais idealistas, devido a uma experiência revolucionária que não se concretiza completamente.
No campo literário e em outras formas artísticas, o Romantismo português aparece como resultado das novas necessidades apresentadas por uma burguesia letrada. Essa burguesia via na arte um instrumento de formação de identidade e a possibilidade de se ver representada, o que acabou acontecendo com a ascensão do gênero romance. Por conta dessa necessidade e para se ter um largo alcance, a linguagem utilizada, tanto nos textos literários quanto no jornalismo, sofre uma reforma, tornando-se mais coloquial e popular.
Nesse contexto, o Romantismo surge com as seguintes características:
· Liberdade de criação: culto da originalidade
· Subjetivismo
· Individualismo
· Idealização da mulher
· Disseminação dos valores burgueses
· Sentimentalismo
· Exaltação do belo
· Preferência pelos temas tradicionais e nacionais
· Adoção do novo modelo trágico (teatro de Shakespeare)
· Efervescência de temas e estilos na expressão literária
· Desejo de fuga (escapismo)
A SEGUNDA GERAÇÃO ROMÂNTICA E O ULTRARROMANTISMO
Se a primeira geração romântica portuguesa é marcada, sobretudo, por temáticas nacionalistas e pela busca de uma identidade nacional, a segunda geração caracteriza-se pelo caráter de extremo sentimentalismo.
A idealização da mulher, o culto ao amor e o desejo de fuga, embora não sejam exclusividade da segunda geração, são temas elevados ao ápice nesse período. Esses temas nos passam claramente a sensação de desequilíbrio e de exagero, daí vem a denominação de ultrarromantismo.
O teórico e escritor Massaud Moisés (1928-2018) argumenta que os autores da segunda geração eram livres para desfrutar a aventura no mundo da imaginação e da anarquia, por isso acabaram “tomando atitudes extremas e transformando-se em românticos descabelados” (MOISÉS, 1972, p.173). Eles praticavam de forma integral o ideal romântico no tocante à sensibilidade e à liberdade moral. Por serem totalmente românticos, eles ultrapassaram os limites da estética e vieram a ser chamados de ultrarromânticos.
Entretanto, o entusiasmo diminui mediante a experiência de liberdade nunca antes vivenciada, e abre espaço para o pessimismo trazido pela presença de uma nova e temerosa realidade que se apresenta. A promessa de felicidade, que acompanhava os ideais revolucionários, não se cumpre, e as ideias liberalistas são percebidas, então, como uma nova vestimenta para velhas práticas, como a desigualdade, o conservadorismo e a corrupção.
O desencantamento faz da melancolia o sentimento mais presente nas obras ultrarromânticas, manifestando-se por enredos e espaços sombrios de luto. O espaço tanto da poesia quanto da narrativa concretiza esse sentimento por meio de ambientes sombrios, soturnos, por vezes macabros e até cemiteriais. A morte e o desejo de deixar a vida se torna um tema recorrente, pois passa a ser o último refúgio, a única saída que pode pôr fim ao sofrimento do herói.
Vejamos um poema que retrata de modo muito evidente o clima sombrio e o escapismo da realidade através do mergulho subjetivo e introspectivo do amor que sobrevive à morte. O poema é “Noivado do sepulcro”, escrito por Soares de Passos, poeta de grande expressividade durante o período do ultrarromantismo. É o seu poema mais conhecido, inclusive por conta dos escritores realistas que o resgataram para satirizá-lo em vista do seu exagero sentimentalista.
Vamos ler o poema:
O Noivado do sepulcro
Vai alta a lua! na mansão da morte 
Já meia-noite com vagar soou; 
Que paz tranquila; dos vaivéns da sorte 
Só tem descanso quem ali baixou. 
Que paz tranquila!... mas eis longe, ao longe 
Funérea campa com fragor rangeu; 
Branco fantasma semelhante a um monge, 
D'entre os sepulcros a cabeça ergueu. 
[...]
Chegando perto duma cruz alçada, 
Que entre ciprestes alvejava ao fim, 
Parou, sentou-se e com a voz magoada 
Os ecos tristes acordou assim: 
"Mulher formosa, que adorei na vida, 
E que na tumba não cessei d'amar, 
Por que atraiçoas, desleal, mentida, 
O amor eterno que te ouvi jurar?”
[...]
"Abandonado neste chão repousa 
Há já três dias, e não vens aqui... 
Ai, quão pesada me tem sido a lousa 
Sobre este peito que bateu por ti!” 
[...]
– "Oh nunca, nunca!" de saudade infinda, 
Responde um eco suspirando além... 
– "Oh nunca, nunca!" repetiu ainda 
Formosa virgem que em seus braços tem. 
[...]
"Não, não perdeste meu amor jurado: 
Vês este peito? reina a morte aqui... 
É já sem forças, ai de mim, gelado, 
Mas inda pulsa com amor por ti. 
"Feliz que pude acompanhar-te ao fundo 
Da sepultura, sucumbindo à dor: 
Deixei a vida... que importava o mundo, 
O mundo em trevas sem a luz do amor?” 
[...]
“Oh vem! se nunca te cingi ao peito, 
Hoje o sepulcro nos reúne enfim... 
Quero o repouso de teu frio leito, 
Quero-te unido para sempre a mim!" 
[...]
Porém mais tarde,quando foi volvido 
Das sepulturas o gelado pó, 
Dois esqueletos, um ao outro unido, 
Foram achados num sepulcro só.
(SOARES DE PASSOS, A. A. Poesias. 2. ed.  Porto: Casa de Cruz Coutinho, 1858, p. 14-18.)
Deixando um pouco de lado a fuga da realidade, manifestada pelo sentimentalismo amoroso, é possível encontrar na poesia de Soares de Passos a expressão melancólica provocada pelo desencantamento do mundo: “Que paz tranquila; dos vaivéns da sorte / Só tem descanso quem ali baixou”. Nesses versos, encontramos a condição do destino incerto e a noção de que o descanso só é possível de ser alcançado através da morte que se evidencia.
O pessimismo diante da vida, os pensamentos autodestrutivos e o consolo na morte são alguns dos sintomas do mal do século, considerado como a doença que acometia artistas em meados do século XIX.
Soares de Passos foi o poeta que melhor expressou a chancela ultrarromântica do mal do século. Sua poesia, embora encarne o pessimismo de modo piegas, é a que melhor reflete o sentimento de vazio existencial herdado pelas ideias iluministas.
O que é o mal do século, afinal?
O termo mal do século está relacionado ao pessimismo extremo, ao desencanto diante do mundo, à melancolia difusa, à nostalgia, à tristeza, ao tédio, à depressão, ao culto ao mistério, à atração pelo infinito e a outros estados da alma que podem até mesmo acometer o corpo de males físicos e levar à morte precoce ou ao suicídio (MOISÉS, 1978, p. 464).
Todo esse cenário aterrador é resultado do vazio existencial deixado pelas ideias iluministas. Isso se deve, principalmente, ao movimento racionalista que afirma a ciência e o pensamento racional, negando a existência de um mundo transcendente, de valores e crenças já enraizadas. A burguesia ascendente, que ao mesmo tempo escrevia e consumia a literatura romântica, esperava ver na arte produzida alguma espécie de consolo, qualquer coisa que ocupasse o lugar deixado pelos dogmas religiosos e políticos passados. No entanto, a herança é o mundo desencantado tomado pela ausência de sentido, que, como doença finissecular(Fim de século.), se prende ao ânimo dos artistas e reflete em suas obras.
O HERÓI ULTRARROMÂNTICO PORTUGUÊS
Junto com a nova geração, nasce um novo herói. Podemos classificar os protagonistas ultrarromânticos como personagens nada convencionais, dos quais as atitudes possuem menor valor do que a expressão dos seus sentimentos, ou seja, o subjetivismo é fundamental para compreendê-los. Não é mais um herói inserido em um tempo histórico representando um povo, suas raízes e tradições. Agora é um personagem desenraizado buscando um sentido para um mundo desencantado ou se entregando ao vazio existencial.
Tendo em vista a importância da subjetividade para esse período literário, é preciso entender como e por que os personagens se sentem e pensam de determinadas maneiras.
Eterno estrangeiro em vida, ao se deparar com um mundo sem vínculos, totalmente indiferente, o herói da segunda geração exibe sua insatisfação e inadequação ao se voltar para si, para sua interioridade. O refúgio interior do homem romântico, em alguns casos, alcança o fantasioso, como ocorre no poema “O noivado do sepulcro”, em que o amor se realiza após a morte.
O personagem rebelde surge como figura contrária à ordem, é transgressor, podendo ser autodestrutivo e cheio de falhas. Apresenta, também, questões de sociabilidade e, por vezes, chega a praticar crimes.
Um grande exemplo dessa imagem que segue na contramão do que se entendia até então como herói é Simão, protagonista do romance Amor de perdição, de Camilo Castelo Branco. Simão, por conta do amor extremado que sente por Teresa, é levado a cometer um crime. Esse mesmo amor que é sua perdição torna-se também sua redenção.
É importante ressaltar que, em um período em que o sujeito se descobre dilacerado e desamparado, o que o torna único ou diferenciado dos outros é justamente a manifestação do amor descomedido.
O estabelecimento do gênero romance, no Romantismo português, deve ser visto a partir da relação de dependência entre o romance e o mundo moderno. Nesse sentido, o romance é uma invenção do Romantismo. É o Romantismo que vai codificar o romance como a grande expressão da modernidade (MAGRIS, 2009).
Há uma relação de oferta e demanda pelo romance, agenciada pela burguesia ascendente. Afinal, ao criar e protagonizar aquele tempo histórico e consequentemente os romances produzidos, a arte reproduzia o demônio do mundo moderno: o consumo.
Com produção em massa e satisfazendo os desejos de uma burguesia letrada e desejante de leitura, o nível estético das produções literárias acabaria ficando comprometido. A massa de leitores não possuía senso estético refinado, logo o que lhe era oferecido era uma cópia barata da literatura da elite, por isso o melodrama e o chavão sentimental geralmente dominavam essas obras (MAGRIS, 2009).
À medida que se estreitava a relação de consumo e literatura e quanto mais as obras eram feitas sob demanda, por encomenda ou para se alcançar o maior número de leitores, menor era essa literatura. Em Portugal, quem rapidamente entendeu e respondeu a essa demanda burguesa foi Camilo Castelo Branco, não apenas nos temas e na linguagem palatável para aquele público, mas também no gênero que mais o interessou, o romance. Não à toa, as novelas camilianas caíram nas graças do grande público, tornando-se o primeiro best-seller em Literatura Portuguesa.
CAMILO CASTELO BRANCO: A ARTE IMITA A VIDA
Camilo Castelo Branco é considerado o autor de maior expressividade da segunda geração romântica portuguesa. Ele é o representante típico e superior dessa geração, tanto por sua personalidade quanto pelo seu alcance popular (SARAIVA; LOPES, 2005).
Nascido em Lisboa no ano 1825, desde muito pequeno fica órfão de pai e mãe. Por conta disso, tem uma educação irregular. Primeiro, é acolhido por uma tia e, logo em seguida, deixado aos cuidados de sua irmã mais velha. Sua instrução se dá através de dois padres de aldeia, com os quais obteve seus primeiros contatos com a literatura. A eles se deve seu conhecimento eclesiástico e o contato com os clássicos portugueses e de outras línguas latinas. Próximo de fazer vinte anos, ingressa em um curso de Medicina por influência de seu cunhado médico. Embora não conclua o curso, adquire um considerável conhecimento acerca de doenças e drogas, aproveitado em suas obras literárias posteriormente.
Após abandonar a Medicina e passar por algumas desventuras provocadas por sua vida boêmia e conturbada, Camilo se dedica exclusivamente à escrita. É o primeiro autor de língua portuguesa a viver apenas de seus escritos. Esse fato terá bastante influência no teor e na linguagem do que produzia, afinal precisava cair no gosto popular para daí tirar seu sustento.
Sua vida amorosa é um caso que merece atenção à parte. Digna de um romance escrito pelo próprio Camilo, ainda que seus romances de cunho passional não sejam autobiográficos, eles refletem muito a sua história.
Em 1841, Camilo Castelo Branco se casa com Joaquina Pereira, com quem teve uma filha que morreu aos cinco anos de idade. Antes de enviuvar de Joaquina, de quem já teria se enfastiado, conhece e se apaixona por Patrícia Emília. Essa paixão o conduz ao ato de raptá-la, rendendo uns dias na prisão. Camilo tem outra filha, agora com Patrícia, de quem rapidamente se cansa. Outros amores passam pelo romancista, mas o de maior repercussão é seu caso com Ana Plácido.
Enamorado por Ana Plácido, que se casara com um comerciante brasileiro, uma das razões pela qual o escritor português esboça nos textos uma espécie de antipatia por essa nacionalidade, Camilo decide ir para o Seminário e se dedicar à vida religiosa, como forma de amenizar o sofrimento de ver sua amada casada com outro. Decisão de curta duração. Ana Plácido, que corresponde a essa paixão, decide então deixar o marido e fugir com Camilo. Por conta do escândalo e de problemas financeiros, o casal não consegue se estabelecer em lugar algum. Sofrem perseguição judicial pelo crime deadultério e acabam os dois presos. Na prisão, Camilo escreve seu texto de maturidade e considerado sua obra prima, Amor de perdição.
A prisão de Camilo e Ana Plácido tem grande repercussão, seu teor simbólico, fato que renderia uma novela ultrarromântica, comove seus compatriotas. Enquanto preso, Castelo Branco é contemplado com a visita do rei D. Pedro. Por fim, o caso do amor proibido recebe absolvição jurídica. Contudo, a vida de Camilo permanece na desventura. Ainda que absolvido e tenha recebido, um tempo depois, o direito de se casar com Ana Plácido, as sequelas da vida conturbada que vivera já estavam avançadas. Encontrava-se com problemas financeiros e por consequência rendia-se à mercantilização de seu trabalho, escrevendo sob demandas de editoras, que chegavam a lhe cobrar obras moralizantes. A sífilis já estava avançada, e Camilo já estava desenganado de recuperar sua visão muito comprometida. Assim, dá cabo de sua vida com um tiro de pistola. Final trágico e simbólico para seu tempo.
A OBRA DE CAMILO
A obra de Camilo é bastante vasta e diversa. Escreveu de poesias líricas e satíricas a folhetos, críticas literárias e políticas virulentas. Suas críticas eram principalmente voltadas ao Brasil, como também a romances ou novelas. De todas as suas produções, as de maior destaque, sem dúvida, são os seus romances e as suas novelas. Entre seus textos ficcionais, destacamos Amor de perdição, sua obra prima.
A seguir, confira as características da obra camiliana:
O amor é sua religião e seu objeto é a mulher
É recorrente em seus romances alguns tipos de personagens, como o herói de bom caráter que se deixa corromper pelos vícios mundanos e encontra no amor irrealizável a redenção para suas falhas. Geralmente, o que impede a concretização desse amor é a distinção da condição social ou o fato de sua amada estar prometida a um tipo rico e repugnante. A mulher inalcançável e a figura do rival são também figuras recorrentes.
Inclinação ao melodrama
Com estilo que responde aos apelos populares, a novela camiliana pesa a mão no sentimentalismo, o que se deve muito à influência do pré-romantismo inglês. Algumas das características dessa influência reproduzidas na obra camiliana são:
Fatalismo 
Condição imutável que conduz o personagem ao desespero, uma espécie de destino/sina moderno. Isolamento Seja em seminários, conventos, prisões ou até confinados em seu lar, o isolamento espacial é o simbolismo de um estado de espírito. A solidão dos personagens é muito mais um sentimento, determinado por uma inadequação ao mundo mesquinho, do que propriamente o fato de não estar rodeado por pessoas. 
Hiperbolização ou exagero do sentimento 
O amor cultuado é o único espaço de sentido, porém conflitos impedem sua concretização, e a necessidade de reafirmação do sentimento de forma contundente aparece como espaço de realização. 
Negação do trágico clássico e reverência ao trágico shakespeariano 
Os romances camilianos receberam muita influência do teatro de Shakespeare, que rompe com o modelo clássico e por isso é considerado pelos românticos, ao mesmo tempo, símbolo da genialidade e expressão da liberdade de criação. Camilo segue o fluxo da tragédia, ou seja, da narrativa progressiva atravessada por conflitos e exacerbações sentimentais que caminham para um desfecho trágico. 
Sentimentos contraditórios
Um forte exemplo é o constante conflito entre razão e emoção.
Rejeição à literatura crítico-social
Os contemporâneos de Camilo, em meados da década de 1850, já se encaminhavam para uma guinada mais realista na literatura, onde já se notavam sinais de uma arte mais preocupada com a crítica social, o que não é visto nas novelas camilianas. Para Saraiva e Lopes (2005), é significativo que Camilo tenha se esquivado de qualquer crítica social, afinal já havia declarado algumas vezes sua antipatia a esse tipo de literatura. O que vemos em suas obras é a personalização de atitudes e sentimentos humanos, como o amor, o ódio, o remorso e a caridade. Encontramos a exploração de vícios e virtudes humanas vistos sob uma perspectiva subjetiva e individualizada, nunca como resposta a uma questão social. Como o próprio Camilo se autointitula, era um romancista, mas no sentido estrito da escrita e da estética.
O papel da mulher na novela camiliana
Mulher na obra camiliana detém um espaço etéreo, sua representação poderá ser tanto angelical (figura que redime os pecados daquele que a ama, desprovida de vícios e recoberta de virtudes) quanto demoníaca (aquela que leva a figura masculina à perdição). O que se observa de mais marcante nessas imagens tão intensas é que, embora sejam figuras simbolicamente potentes, esvaziam-se na ação, pois são sempre a representação de um imaginário masculino. Segundo Saraiva e Lopes (2005), é uma saída para elevar o amor à categoria do sagrado, da desmedida que entra em choque com a razão.
AMOR DE PERDIÇÃO
Amor de perdição, novela considerada a mais célebre obra de Camilo Castelo Branco, foi escrita durante sua estadia na prisão, em 1862, enquanto esperava julgamento pelo crime de adultério. Não à toa, a trama inspirada na obra shakespeariana Romeu e Julieta, como também no conturbado romance do próprio Camilo com Ana Plácido, representa a trágica relação de um casal apaixonado que tem como impedimento de sua concretização o ódio entre as famílias. Simboliza a rejeição pelos casamentos arranjados em nome da liberdade de amar. O romance, já adaptado para o cinema, é considerado a versão portuguesa de Romeu e Julieta.
A seguir, conheça os detalhes da obra Amor de perdição:
Enredo
Teresa Albuquerque e Simão Botelho são dois jovens que se apaixonam e precisam manter sua relação em segredo por conta da rivalidade entre suas famílias.
Personagens
- Simão Botelho: típico exemplo de herói ultrarromântico, um jovem de personalidade forte, engajado pelas ideias revolucionárias de sua época, de sangue quente, envolve-se com frequência em brigas. Ao enamorar-se por Teresa, muda seu comportamento, tornando-se, então, um rapaz virtuoso.
- Teresa Albuquerque: moça tímida e virginal. Apaixonada por Simão, deixa-se consumir por esse amor impossível. Acaba sendo conduzida pelos conflitos.
- Mariana: jovem melancólica que se apaixona por Simão quando o conhece, ao tratar dos ferimentos dele. É o exemplo do amor incondicional e abnegado. Sabendo do amor de Simão por Teresa e da impossibilidade de eles se encontrarem, torna-se a mediadora das correspondências.
- Baltasar Coutinho: comerciante e primo de Teresa, junto à rivalidade familiar, atua como antagonista à concretização do amor de Teresa e Simão.
O melodrama camiliano
A sucessão de conflitos prende a atenção do leitor que se aflige pelo destino dos protagonistas. De leitura fácil, a fluidez da narrativa gira em torno de clichês românticos como:
Amor irrealizável 
A rivalidade entre as famílias Albuquerque e Botelho impede a concretização do amor do casal. 
Culto ao amor 
O casal luta pela liberdade de amar, relacionando-se às escondidas e principalmente através de cartas, onde esse amor é enaltecido e idealizado.
 Casamento arranjado 
O casamento marcado às pressas com o primo Baltasar é mais um empecilho para o casal.
 Exílio/isolamento 
Teresa é enviada para o convento, e Simão é condenado ao exílio na Índia. 
Herói transgressor 
Simão arquiteta o rapto de Teresa e comete um crime de assassinato. Mata brutalmente o primo Baltasar. 
Trágico/fatalidade 
Teresa não suporta o sofrimento e morre de amor. Simão, ao saber da morte da amada, não vê mais sentido em sua vida e morre de febre a bordo do navio, tendo seu corpo lançado ao mar. Mariana comete suicídio atirando-se ao mar junto ao corpo de Simão.
AINDA SOBRE A VIDA E A OBRA DE CAMILO
Camilo Castelo Branco é de fato uma figura controversa, sua vida e sua obra se misturam em um imbróglio sentimental, onde é inegável ver um certo tipo de caráter autobiográfico. Sua aventura romântica com Ana Plácido lhe rende a consagrada novela Amor de perdição, novela que o consagra, e ao mesmo tempo o conduz à ruína financeira,ao adoecimento e, por fim, ao suicídio.
Romancista em estilo e estética, ignora conscientemente os movimentos em direção a uma literatura crítica e se aprimora na constituição de uma narrativa romanesca fluida, muito próxima da linguagem jornalística, cuja renovação discursiva levou a cabo seu projeto de estabelecimento do gênero romanesco em Portugal.
Proletarização da escrita ou estilo, a verdade é que a sua estrutura narrativa, levando a lógica das tragédias para o romance, alcançou a massa burguesa. Até hoje, Camilo é considerado um dos autores mais importantes da Literatura Portuguesa.
BREVE CONTEXTO DA TERCEIRA GERAÇÃO ROMÂNTICA
Terceira geração romântica, terceiro momento do Romantismo ou pré-Realismo são terminologias que dizem respeito a mais uma das escolas formadas durante o período romântico. Seus primeiros indícios datam de meados do século XIX pela voz de poetas como João de Deus, Pinheiro Chagas e Xavier de Novais, dentre outros nomes, cujo objetivo era depurar o Romantismo de seus excessos, o que se dá concomitantemente à escola ultrarromântica.
Já sabemos que no ultrarromantismo da segunda geração uma importante característica é o exagero sentimentalista, por vezes até piegas, além do pessimismo e da tragicidade de seus romances. Mas algumas mudanças nas feições românticas, como a preocupação de retratar a dinâmica social burguesa, era já percebida em Camilo Castelo Branco. Embora Camilo não fizesse de forma contundente uma crítica social e não tivesse o propósito de uma literatura mais realista, ele estava inserido no seu tempo histórico e social, não deixando de exibir na sua obra essas sementes.
A descrição da vida burguesa com suas particularidades, fraquezas e seus vícios fez com que essa mesma burguesia se enxergasse na literatura camiliana e reconhecesse o autor como seu representante legítimo. Seus romances se popularizaram exatamente por alcançarem essa massa que tinha sede de representatividade, tornando-o um cronista da sociedade burguesa.
Em outras escolas, entretanto, a mudança na prática romântica se deu de maneira mais densa e efetiva. O que incide nessa onda na direção realista é a busca de uma espécie de purificação das características românticas, ou seja, um abandono dos exageros, mas mantendo a liberdade e autonomia de criação.
CAMINHOS PARA UMA CONSTRUÇÃO REALISTA
A caminhada rumo a uma arte que represente a realidade se dá muito por influência de Victor Hugo (1802-1885), escritor e ativista francês que lutou pelos direitos humanos, o que consequentemente se torna uma virada em direção a uma literatura mais social e engajada.
O contraste entre a literatura ultrarromântica e uma bruxuleante tendência realista se dá em três centros citadinos e culturais portugueses: Porto, Coimbra e Lisboa. A juventude acadêmica de Coimbra foi a maior fonte dessa virada. Era uma juventude que encarnava o ideário liberal e progressista no qual fora educada, por isso “não podia deixar de se chocar com a realidade das instituições, hostis, na prática, a um liberalismo real e ao progressivismo que lhes servia de tabuleta” (SARAIVA; LOPES, 2005, p. 798).
O liberalismo se consolida em Portugal, por isso a preocupação dos primeiros românticos em estabelecer as ideias liberalistas na arte, ou seja, defender a liberdade de criação e lutar por uma literatura nacional e laica não é mais preeminente. No entanto, outras questões se mostram urgentes. Na proporção que o progresso econômico e tecnológico ou mesmo a urbanização avançavam, o mesmo movimento não acontecia com as questões sociais. Desse modo, autores como João de Deus (1830-1896) e Júlio Dinis (1839-1871) reagem afetivamente a essas desigualdades.
JOÃO DE DEUS
Em 1830, nasce em Algarve o poeta João de Deus, filho do pequeno comerciante Pedro José dos Ramos. De família humilde e numerosa, para prosseguir seus estudos decidiu entrar para o Seminário, embora não possuísse vocação. Foi lá que obteve as condições que permitiram, mais tarde, seu ingresso no curso de Direito da Universidade de Coimbra, cuja duração se estendeu por longos dez anos. Pobre, boêmio e sem vocação também para o Direito, tentou o jornalismo como colaborador e redator de alguns periódicos, vivendo da escrita e de traduções.
João de Deus possuía um caráter amigável, de personalidade cativante e com dons diversos, como o improviso. Eram seus amigos que redigiam, selecionavam e publicavam seus versos declamados ou cantados à companhia da viola que tocava (SARAIVA; LOPES, 2005, p. 915).
O pouco dinheiro que ganhava gastava em tertúlias nos cafés que frequentava, de onde veio a ideia de candidatar-se a deputado nas eleições gerais de 1868.
Vencida a eleição, João de Deus tem uma vida política inexpressiva, não prestou serviços como deputado ou mesmo seguiu carreira. No mesmo ano em que se torna parlamentar, casa-se com Guilhermina das Mercês Battaglia, e dessa união nascem quatro filhos. Com uma vida razoavelmente estável, casado e na política, sai uma sequência de publicações de suas obras. Nessa época, é publicado Flores do Campo.
Em 1876, inicia sua carreira na educação com a publicação do método de leitura e escrita em Cartilha Maternal.
“Inicia-se deste modo a sua carreira de pedagogo, que lhe acarretou sérios desgostos até ao fim da vida, fazendo-o reagir com polêmicas e sátiras, mas que também lhe valeu em 1895, a poucos meses do falecimento, uma das mais entusiásticas consagrações públicas de que foi alvo um escritor português.” (SARAIVA; LOPES, 2005, p.915)
Em 1893, o poeta e político Teófilo Braga (1843-1924), seu grande admirador, edita a maior coleção que reúne obras de João de Deus, Campo de Flores; em 1905, publica O Festival de João de Deus, com biografia e críticas.
A POESIA DE JOÃO DE DEUS
Enquanto os exageros ultrarromânticos dos poetas finisseculares agonizam, um suspiro é sentido através da lírica de João de Deus, conhecida pela beleza e simplicidade de seus versos. João de Deus gabava-se de seus improvisos, de onde, segundo afirmava, vinham suas obras, frutos da mais pura inspiração de que era tomado. Contudo, é desmentido pelo poeta Eugénio de Castro (1869-1944), ao afirmar que os poemas de João de Deus eram lapidados com apuro, a fim de aperfeiçoá-los dando a eles ritmo harmonioso e naturalidade típicos da oralidade (BERARDINELLI, 2013).
Destoando de seus contemporâneos, sua lírica amorosa não se encontrava carregada de sentimentalismos exacerbados. É como se a poesia romântica passasse por uma depuração e ganhasse ares mais singelos. Passava distante, inclusive, nas suas sátiras, do estilo panfletário corrente. Expunha preocupações políticas e sociais, criando caricaturas das instituições e daqueles que as perpetuavam.
Sua temática mais abundante é o amor tanto à mulher como a Deus, este último influenciado por sua formação católica.
Na forma, sua fluência rítmica e formalidade o fez ser equiparado a Camões nas redondilhas.
Sua poesia apresenta como principais características:
· Simplicidade de versos
· Espontaneidade
· Fluência
· Desatavio
Vamos ler a seguir um de seus poemas.
DEUS?
A Marco Antonio Canini
Quem me terá trazido a mim suspenso,
Atônito, alheado... ou a quem devo,
Enfim, dizer que em nada mais me enlevo,
A ninguém mais do coração pertenço?
Se desço ao vale, ao alcantil me elevo,
Quem é que eu busco, em que será que eu penso?
És tu memória do horizonte imenso
Que me encheu alma d’um eterno enlevo?...
Segues-me sempre... e só por ti suspiro!
Vejo-te em tudo... terra e céu te esconde!
Nunca te vi... cada vez mais te admiro!
Nunca essa voz à minha voz responde...
E eco fiel até do ar que respiro,
Sinto-te o hálito!... em minha alma ou onde?
(DE DEUS, João apud BERARDINELLI, C. Cinco séculos de sonetos portugueses. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013, p. 88-89)
Berardinelli (2013, p. 261) identifica na poesia de João de Deus um novo reflorescimento da velha árvore romântica, insistindo que na obra do poeta se vê um “romantismo mais sadio [...] que vinha prolongar-lhe a vida”.
João de Deus, assim, aparece para reformar o Romantismo,que padecia, então, de excessos. O soneto “Deus? ” segue uma estrutura regular na obra do poeta, cuja métrica é predominantemente escrita em redondilha maior ou versos decassílabos, verso popular, pois confere um ritmo falado ao poema, que facilita sua memorização e declamação. Outra característica da sua obra que podemos observar nesse poema é a temática do amor a Deus.
Declamando despretensiosamente a sua devoção, essa simplicidade não se refere apenas ao rompimento com os exageros ultrarromânticos, mas também é percebida por meio de uma linguagem prosaica, pela qual seus leitores conseguem se identificar e compartilhar do sentimento.
Vamos a mais um poema do João de Deus:
BEIJO NA FACE
Beijo na face
Pede-se e dá-se:
    Dá?
Que custa um beijo?
Não tenha pejo:
    Vá!
Um beijo é culpa
Que se desculpa:
    Dá?
A borboleta
Beija a violeta:
    Vá!
Um beijo é graça
Que a mais não passa:
    Dá?
Teme que a tente?
É inocente...
    Vá!
Guardo segredo,
Não tenha medo...
    Vê?
Dê-me um beijinho,
Dê de mansinho,
    Dê!
[...]
Guardo segredo;
Não tenhas medo
    Pois!
Um mais na face
E a mais não passe!
    Dois...
Oh! dois? piedade!
Coisas tão boas...
    Vês?
Quantas pessoas
Tem a Trindade?
    Três!
[...]
Três, sim. Não cuides
Que te desgraças:
    Vês?
Três são as Graças,
Três as Virtudes,
    Três.
[...]
(DE DEUS, João. Flores do campo. Salt Lake City-UT: Project Gutenberg, 2008. p. 49-52)
No poema “Beijo na face” notamos a influência herdada do lirismo medieval. Das cantigas de amor, mantém, por exemplo, a sua oralidade, por meio de versos simples e repetições. Também notamos uma relação com o trovadorismo pelo sentimento amoroso expresso através do desejo por um beijo que denota leve malícia e sensualidade.
Percebemos ainda nesse poema o que difere João de Deus de seus contemporâneos ultrarromânticos. O amor, na sua poesia, vem pelo gracejo, na possibilidade de um ou três beijos para sua concretização, sem exageros ou tragicidade da relação amorosa.
Em uma leitura mais atenta é possível atinar para o caminho ascendente percorrido pelo poema, que vai do simples beijo carnal e terreno em direção ao terceiro beijo, que eleva, conduz ao divino, pois três é a Trindade, três são as Graças, três são as Virtudes, nas palavras do poeta.
Vamos a um terceiro poema de João de Deus, lendo aqui apenas as três primeiras estrofes:
Amores, amores
Não sou eu tão tola,
Que caia em casar;
Que tenha um só par:
Eu tenho um moreno,
Tenho um de outra cor,
Tenho um mais pequeno,
Tenho outro maior.
Que mal faz um beijo
Se apenas o dou,
Desfaz-se-me o pejo,
E o gosto ficou?
Um d’eles por graça
Deu-me um, e depois,
Gostei da chalaça,
Paguei-lhe com dois.
[...]
(DE DEUS, João. Flores do campo. Salt Lake City-UT: Project Gutenberg, 2008. p. 72)
No poema “Amores, amores” identificamos a mesma tendência maliciosa no tratar do amor. A voz que canta é feminina, influência das cantigas de amigo, nas quais o eu lírico é representado pela voz de uma mulher.
A busca de João de Deus tentando entender a subjetividade da mulher por meio da representação do sentimento feminino rompe de vez com a imagem da mulher casta e inalcançável do ultrarromantismo.
JÚLIO DINIS
Júlio Dinis, pseudônimo de Joaquim Guilherme Gomes Coelho, nasceu na cidade do Porto em 1839. Foi escritor, médico pela Universidade do Porto e professor dessa instituição, carreira que pouco exerceu por conta da tuberculose. Por conta de sua doença, precisava de longas estadias longe de sua cidade em busca de um clima salutar.
De ascendência anglo-irlandesa, teve uma educação com base nos costumes ingleses. Sua formação literária se deve muito a essa escola, o que é perceptível em seus romances.
Falece em 1871, aos 31 anos, vítima da tuberculose, doença que levara também a vida de sua mãe, avó materna e seus oito irmãos.
Seus romances ocorrem predominantemente no espaço campesino, excetuando-se apenas a obra Uma família inglesa, passada no espaço urbano. Trata-se de um romance de costumes que retrata a vida de uma família inglesa que vive na cidade do Porto. O restante de suas obras, tanto romances como contos, são ambientados no campo.
Sua temática é o amor, mas diverge do amor ultrarromântico. Em Júlio Dinis, em vez de provocar insensatez, o amor é seu extremo oposto, representando elevação e aprendizado.
Em 1866, é publicado no Jornal do Porto, em folhetins, o romance As Pupilas do Senhor Reitor. No ano seguinte, o romance é editado em um volume e provoca um sucesso estrondoso. O escritor e historiador português Alexandre Herculano (1810-1877) o considerou como o primeiro romance do século (SARAIVA; LOPES, 2005).
O que seguiu a esse célebre romance foi uma produção impressionante para o pouco tempo que viveu Júlio Dinis.
O AMOR TRANSFORMADOR EM JÚLIO DINIS
Nos romances de Júlio Dinis, a ideia do dever condiciona o amor. O amor não é desvairado, e sim comedido, trazendo a semente de grandes venturas ou infelicidades (FIGUEIREDO, 1966).
Desse modo, Júlio Dinis vai na contramão dos ultrarromânticos na representação do amor em suas narrativas. O romancista evitava os excessos não apenas por questão estilística, como também por uma questão de moral. Dizia, a respeito de seus temas e personagens, que só estudava aquilo que não ferisse a sua sensibilidade (FIGUEIREDO, 1966).
Júlio Dinis é mais uma faceta da fase “amoruda”(Inclinada ao amor.) do Romantismo. Há no romancista a representação de uma crença no amor verdadeiro e puro, cuja corrupção é provocada por um desequilíbrio, normalmente por um terceiro elemento que desequilibra a ordem natural. A trama só encerra após essa normalidade retornar.
Um elemento importante que provoca desequilíbrio no mundo ficcional de Dinis é a melancolia.
No romance A Morgadinha dos Canaviais, temos um enredo que gira em torno do protagonista Henrique de Souselas, jovem proprietário que, desencantado com a vida urbana, vai para o campo por indicação médica como forma de curar sua melancolia.
O sentimento melancólico, sintoma secular devido ao desencantamento do mundo e a uma falta de sentido para vida, é muito bem descrito nesse romance por meio do protagonista Henrique.
Confira no pequeno trecho do romance a seguir:
“A postura de abatimento que lhe tomara o corpo, o olhar melancólico, fito nas orelhas do macho, a indiferença, a taciturnidade ou o manifesto do mau humor que nem as belezas e acidentes da paisagem natural conseguiam já desvanecer, o obstinado silêncio que apenas de vez em quando interrompia com uma frase curta, mas enérgica, com uma pergunta impaciente sobre o termo da jornada [...]
Tudo lhe causava fastio.”
(DINIS, J. A morgadinha dos canaviais. Lisboa: Amargo, 2015, p. 5, 9)
Enquanto o ultrarromântico reage a esse sentimento de maneira sombria e busca escapar através da exacerbação sentimental, em Dinis há uma jornada de autoconhecimento. Henrique busca na aldeia, em sua memória de infância, a cura para esse vazio, na esperança de uma reconciliação com o futuro.
Vemos aí a mensagem de esperança passada do romancista para seu leitor que compartilha daquele sentimento de desamparo. Para o autor, a própria literatura pode ser uma fonte educativa a promover a reconciliação.
O protagonista segue então para a casa de uma tia, em uma aldeia do Minho, onde conhece Madalena Adelaide de Mesquita, a Morgadinha, mulher jovem e elegante:
“Aquela mulher parara ali para ler a essa gente pobre e ignorante as cartas que haviam recebido pelo correio.”
(DINIS, J. A morgadinha dos canaviais. Lisboa: Amargo, 2015, p. 73)
A imagem daquela mulher impressiona o protagonista. Essa imagem não se resume à beleza estética e à elegância, embora descritas com minúcias na trama, sendo destacada também pelo ato de caridade feito, como o narrador qualifica, com bons modos e carinho.
Aqui notamos um papel fundamental exercido pela representação do feminino no romance dinisiano. Em contraponto à vida vazia e sem propósito de Henrique na cidade, aparece Madalena, jovem do campo com elevações morais. A conduta de Madalena e a de sua prima, Cristina, de carátertambém puro e virtuoso, transformarão Henrique. Elas serão as guias de modificação do caráter do protagonista.
Henrique apaixona-se por Madalena, que não corresponde a esse amor. Madalena também é amada secretamente por Augusto. Desse imbróglio amoroso, em uma briga com Augusto, Henrique se machuca e fica aos cuidados de Cristina, por quem acaba se apaixonando e com quem se casa. Logo em seguida, o amor de Augusto é desvelado e correspondido por Madalena.
É com a reconciliação do amor que Júlio Dinis encerra a trama pouco dramática e sem muitos sobressaltos de intriga amorosa.
Em muito a novela de Dinis se aproxima do romance de formação (bildungsroman) no que diz respeito ao caráter do herói ser moldado por meio da aprendizagem.
Sobre o romance de formação, Bakhtin argumenta que “o homem se forma ao mesmo tempo que o mundo, reflete em si mesmo a formação histórica do mundo” (BAKHTIN, 2011, p. 205).
Com base nas ideias do filósofo francês Rousseau (1712-1778), Dinis acreditava no caráter naturalmente bom e educável do ser humano. A esperança de que um mundo reencantado fosse possível se mostra bastante clara em suas obras, todas muito similares em enredo e tomadas de sentimentos sadios.
Henrique é um jovem com questões existenciais, que no campo passa por um caminho de autoconhecimento e encontra um sentido para sua vida. Para além da elevação provocada pelo amor verdadeiro, a reconciliação com o mundo desencantado se dá por meio de um projeto de modernização agrícola do qual se torna transmissor, um exemplo de ideal burguês, de busca do sentido no trabalho e na produtividade.
ROMANCE DE COSTUMES
O romance de costumes está relacionado com a influência da Literatura Inglesa em Dinis. Essa influência aparece através do tempo lento e do caráter popular e educativo de suas novelas. Vemos impressa nos personagens a ética burguesa, prudente e idealista. Se há um desarranjo moral, como o do personagem Henrique de Souselas, ele é reparado no contato com pessoas de caráter moralmente superior.
Além da moral burguesa, Dinis é também um grande representante de seus costumes. Ele cria várias situações e formas que refletem o contexto social e que contribuem para a formação de uma consciência burguesa (FRANÇA, 1993).
Essa característica é mais evidente no romance Uma Família Inglesa, escrito no auge da juventude de Dinis. O romance foi escrito de forma didática, organizado em capítulos, como espécie de lições.
O primeiro capítulo traz o seguinte título: “Capítulo I: Espécie de prólogo que se faz uma apresentação para o leitor.”
Esse primeiro capítulo, cujo título é autoexplicativo, é dedicado à apresentação lenta e monótona do personagem Mr. Whitestone: como se vestia, como se portava, seus modos com os outros indivíduos, sua pronúncia do inglês e como perdia a cabeça caso o contradissessem na pronúncia de uma palavra de língua inglesa, entre outras descrições.
Confira um pequeno trecho descritivo do personagem:
“A delicadeza que ele praticava não era de facto essa. Fazia-a consistir toda, a sua, nos sentimentos e nas ações inspiradas pelos eternos e invariáveis ditames da consciência e da razão, superiores portanto às flutuações caprichosas da moda. Era uma delicadeza natural.”
(DINIS, J. Uma família Inglesa, Porto: Porto Editora, 2015, p. 4)
O segundo capítulo traz o seguinte título: “Capítulo II: Mais duas apresentações e acaba o prólogo.” Nesse capítulo, Dinis faz a apresentação de mais dois personagens: Jenny e Carlos, filhos de Mr. Whitestone.
Confira um trecho desse capítulo a seguir:
“E nem por isso se julgue frio e insensível o carácter dela; animavam-no também os raios vivificadores dos sentimentos que nos prendem à terra; [...]
Ainda que um tanto estouvado, não deixava por isso Carlos de possuir um generoso e compassivo coração, alma sensível a todos os infortúnios, olhos a que a piedade não permitia serem estranhas as lágrimas.”
(DINIS, J. Uma família Inglesa, Porto: Porto Editora, 2015, p. 12-13)
Em todas as descrições ficam claras as virtudes e o bom coração dos personagens, que participarão de narrativas centradas no Porto, no centro comercial. A narrativa gira em torno do conflito amoroso entre Carlos e Cecília, filha de um guarda-livros da casa. Embora nessa obra, como em outras, o autor também não se valha de grandes emoções, o texto vale, principalmente, como registro primoroso do cotidiano burguês.
Vale destacar que os romances de Júlio Dinis se organizam a partir de uma tese moral e da finalidade do mundo ou da vida, pois se pressupõe que a espécie humana experimenta uma melhoria, ainda que remota. Tal postura se contrapõe à “desesperação e ao amoralismo cético” dos ultrarromânticos (MOISÉS, 1972, p.189)
A terceira geração romântica, rechaçando os exageros de seus contemporâneos ultrarromânticos, buscou retratar um amor possível, transformador. Na forma, procurou ser mais direta e sem adornos, cultivando uma linguagem mais limpa.
João de Deus na poesia e Júlio Dinis na prosa apresentam proximidades em suas características. Os dois autores obtiveram largo alcance em diferentes esferas da sociedade burguesa por conta da linguagem clara que se aproxima dos sentimentos reais.
João de Deus busca nas cantigas trovadorescas inspiração para cantar o amor de modo mais leve, cheio de malícia e sensualidade. Já Júlio Dinis vê no amor um percurso evolutivo e paga tributo à escola literária inglesa, do romance de costumes.
Tanto o corte de exageros, a palavra límpida, como a representação do cotidiano burguês através de um arranjo caseiro são cisões que demarcam uma mudança do fazer romântico, nesse caso, para um Romantismo que caminha na direção Realista.

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