Prévia do material em texto
Fundação CECIERJ/ UFF Graduação em Letras Disciplina: Teoria da Literatura II Coordenadora: Profª. Drª. Karla Niels AD2 – 1º semestre de 2022 Questão: Escreva uma resenha do primeiro capítulo de Mimesis: A representação da realidade na literatura ocidental, de Erich Auerbach, “A cicatriz de Ulisses”, disponibilizado na Unidade 4. Lembre-se: uma resenha é um resumo um pouco mais aprofundado, porque além de descrever a obra em causa procede uma análise dessa. Portanto, não basta resumir o texto, é preciso problematizá-lo. Boa avaliação! A poesia homérica, na figura narrada sobre Ulisses, trata sobre o reconhecimento e fundação da história do homem – em certos momentos, tem a função de agir como elemento purificador de vários aspectos, incluindo aqueles que deveriam ser próprios do homem em detrimento ao caráter religioso, o apego a Deus e as demais figuras de poder aparentes na obra. O texto de Homero é singular e opositivo ao Velho Testamento. Provavelmente, o Canto XIX de Odisseia é revelador, enquanto a aparição de Ulisses, o ausente como é tratado, após vinte anos e seu reconhecimento que se dá por meio de suas cicatrizes que são vistas pela anciã Euricleia. A marca é reconhecida no momento de lava pés do viandante, agora o senhor ausente passa de um homem vacante ao inesperado hóspede e, em seguida, novamente ao senhor. Homero dedica grande parte do seu tempo à análise descritiva não só do lugar, mas de todo e qualquer acontecido em sua narrativa, com mais de setenta versos linhas explicativas. Quando Ulisses se afasta, deixa entreaberto o momento em que a narração o acompanha e são versados os mais distintos aspectos deliberadamente descritivos, é feita uma harmonia proposital para que o leitor não perca nenhum recorte dos momentos narrados, desde um simples relevo pertencente à cicatriz de Ulisses a lembrança recordada por Euricleia. Esse encadeamento de ideias narrativas acontece durante o texto sem a menor pretensão, por parte de seu autor, de esconder as vidas pelas quais ele se liga, em uma ordenação sintática bastante organizada, tornando a compostura textual nem um pouco tácita, pelo contrário bastante palpável. Outro aspecto relevante é âmago da questão apreensiva, de tensão – que, certamente, é fraca na poética homérica e claramente dissonante com a digressão e a aspecto retardador. Homero ainda não era versado em literatura em segundo plano, ou seja, acaba narrando o presente, e somente o presente, de maneira translúcida que brilha em seus versos. Com isso, atreladas as tendências épicas e antigas produções clássicas, o autor de Odisseia trata de todos os assuntos de maneira a não deixá-los obscurecidos. Esta maneira de tratar seus fenômenos textuais torna a interpretação conformativa à sensibilidade, ainda que alguns aspectos não faça parte de um discurso direto é pretendido pelo autor sublinhar até mesmo o que não é explícito, versando-o assim em conteúdo revelado ao próprio enunciado. Logo, contamos com as personagens entregando ao longo da trama todas as suas mazelas e bendições, isto é; deixando-se iluminadas. Estas características é que levam o estilo homérico a contrapor-se às escrituras do Velho Testamento. Isaac, a cargo de contrapor essas ideias, é bastante explorado em seus múltiplos sacrifícios. Vemos Abraão em conversa com Deus, muito pouco descritiva, contudo outro deus é paulatinamente descrito por Homero – enumeradas suas capacidades nesse quesito, percebemos que há uma inferência possível aí; novamente o autor de Odisseia se opõe a maneira da escritura sagrada. Ainda assim, mesmo que Homero tenha sido tão capaz de expressar seus contornos sobre as personagens, a descrição, os aspectos intrínsecos do ser humano, ele não configura uma linguagem literária que tem como papel ser emocionante; deixando a aproveitarmo-nos do trágico apenas no campo imaginário. Os desvios propositais homéricos, nestas circunstâncias, tais como aquele que faz referência ao ganho da cicatriz, são marcas de sua debilidade emocional. As defesas de Goethe e Schiller, por exemplo, denotam essa questão. Tanto os críticos supracitados, quanto Erich Auerback (1971, p4) que o mecanismo de avançar e retroceder é plástico a poesia homérica; fazendo de Homero um autor que meramente descreve a natureza harmônica dos acontecimentos – outro fator que o coloca em posição de discrepância sobre o Velho Testamento. Ainda contamos com o aspecto verossímil para distanciar a produção homérica do escrito divino antiguíssimo, uma vez que se tratando de Homero não podemos conferir aspectos verdadeiros a sua obra. Por fim, os aspectos sublimes e trágicos podem ser observados da seguinte maneira; o texto divino trabalha todo o desenrolar trágico, enquanto em Homero não há espaço para essas abordagens, há uma maior inserção da realidade; como a cena pouco útil do lava pés frente à volta ao lar. Em consequência de toda essa análise, está a resolução sobre a evidência em Homero que seu escrito é contrário, em linhas gerais e específicas, às escrituras do Velho Testamento. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AUERBACH, Erich. A cicatriz de Ulisses in: AURBACH, Erich. Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental. São Paulo: EdUSP; Perspectiva, 1971. p. 1 – 20.