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Autores: Profa. Ivy Judensnaider Prof. Maurício Felippe Manzalli Profa. Viviane Paes Macedo-Yanikian História do Pensamento Econômico Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 1/ 10 /2 01 5 Professores conteudistas: Ivy Judensnaider / Maurício Felippe Manzalli / Viviane Paes Macedo-Yanikian Ivy Judensnaider Economista pela Fundação Armando Álvares Penteado e mestre em História da Ciência e da Tecnologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente é professora da Universidade Paulista – UNIP, onde coordena o curso de Ciências Econômicas no campus Marquês (SP). Também atua no setor de publicações e é autora de inúmeros textos de divulgação científica publicados na web. Nos últimos dez anos, tem trabalhado na elaboração de textos e de livros para uso em ensino a distância. Maurício Felippe Manzalli Economista pela Universidade Paulista – UNIP e mestre em Economia Política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente é professor da UNIP nos cursos de Ciências Econômicas e Administração e coordenador do curso de Ciências Econômicas, tanto na modalidade presencial quanto na modalidade a distância. Tem experiência em administração e finanças, notadamente em áreas ligadas ao setor de transporte de passageiros. Atua há 29 anos no ramo. Viviane Paes Macedo-Yanikian Mestre em Economia pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Economia pela Política da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade Católica de Brasília. Atualmente é professora da Universidade Paulista – UNIP. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) J92h Judensnaider, Yvy. História do pensamento econômico. / Ivy Judensnaider; Maurício Fellippe Manzalli; Viviane Paes Macedo Yanikian. – São Paulo: Universidade Paulista - UNIP, 2019. 148 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXV, n. 2-188/19, ISSN 1517-9230. 1. História do pensamento econômico. 2. Escola clássica. 3. Mercantilismo I. Judensnaider, Yvy. II. Manzalli, Maurício Fellippe. III. Macedo, Viviane Paes. IV. Título. CDU 330.8(091) U502.15 – 19 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 1/ 10 /2 01 5 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Carla Moro Juliana Maria Mendes Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 1/ 10 /2 01 5 Sumário História do Pensamento Econômico APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................8 Unidade I 1 OS PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS .................................................................................................... 11 1.1 O período pré-capitalista .................................................................................................................. 14 1.2 A moeda, o câmbio e a riqueza a partir dos pressupostos mercantilistas .................... 23 2 O MERCANTILISMO: AUTORES, OBRAS E IDEIAS ................................................................................ 25 2.1 O Despotismo Esclarecido e o Século das Luzes ...................................................................... 30 3 A ESCOLA CLÁSSICA ....................................................................................................................................... 39 3.1 O contexto científico do período, a Revolução Industrial e o pensamento liberal clássico ................................................................................................................. 39 3.2 Adam Smith ............................................................................................................................................ 43 3.2.1 A Riqueza das Nações ........................................................................................................................... 45 3.2.2 A divisão do trabalho ............................................................................................................................ 46 3.2.3 Teoria do Valor e da Troca ................................................................................................................... 49 3.2.4 Lucro e renda da terra ......................................................................................................................... 51 3.3 Thomas Malthus ................................................................................................................................... 52 3.3.1 O Progresso da população e da riqueza ........................................................................................ 56 3.4 David Ricardo ......................................................................................................................................... 58 3.4.1 Valor de troca ........................................................................................................................................... 60 3.4.2 Salários, lucros e renda da terra ....................................................................................................... 62 3.4.3 Comércio internacional e mecanismos comparativos ............................................................. 63 4 BENTHAM, SAY, SENIOR E STUART MILL ................................................................................................ 64 4.1 Jeremy Bentham ................................................................................................................................... 66 4.2 Jean-Baptiste Say ................................................................................................................................. 67 4.3 Nassau William Senior ....................................................................................................................... 68 4.4 John Stuart Mill .................................................................................................................................... 70 4.5 Positivismo e a busca do estatuto de Ciência Positiva para a Economia ...................... 72 4.6 Leis de funcionamento da produção e distribuição de riqueza ........................................ 73 Unidade II 5 AS REVOLUÇÕES DO FINAL DO SÉCULO XIX: DE MARX AO MARGINALISMO ........................ 79 5.1 O pensamento de Karl Marx acerca do capitalismo............................................................... 79 5.2 O utilitarismo: Jevons, Menger e Walras .................................................................................... 87 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 1/ 10 /2 01 5 6 DAS TEORIAS NEOCLÁSSICASAO IMPERIALISMO ............................................................................. 92 6.1 Alfred Marshall: equilíbrio de curto prazo e defesa ideológica do capitalismo ......... 92 6.2 Böhm-Bawerk e a medida do capital ........................................................................................... 95 6.3 Sraffa: produção de mercadorias por meio de mercadorias .............................................. 96 6.4 Os imperialistas: Hobson, Luxemburgo, Lênin e Sweezy ..................................................... 98 6.4.1 John A. Hobson e o estudo do imperialismo ............................................................................... 98 6.4.2 Rosa Luxemburgo e a acumulação de capital ............................................................................ 99 6.4.3 Lênin e o comunismo ..........................................................................................................................102 6.4.4 Paul Marlor Sweezy e as ideias marxistas...................................................................................104 6.5 Pareto e a economia neoclássica do bem-estar ....................................................................105 Unidade III 7 OS CONFLITOS TEÓRICOS DO SÉCULO XX ...........................................................................................112 7.1 A crise de 1929 e a teoria de Keynes .........................................................................................114 7.2 A Escola de Chicago: o monetarismo de Milton Friedman ...............................................121 7.3 A inflação, o desemprego e a Curva de Phillips .....................................................................124 8 A ESCOLA AUSTRÍACA: SCHUMPETER, VON MISES E HAYEK ......................................................126 8.1 Schumpeter e as contradições do capitalismo ......................................................................127 8.2 Mises e Hayek ......................................................................................................................................130 8.2.1 Mises e sua praxeologia .................................................................................................................... 130 8.2.2 Hayek e o neoliberalismo econômico .......................................................................................... 132 7 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 1/ 10 /2 01 5 APRESENTAÇÃO Esta disciplina tem como objetivo primordial oferecer uma visão panorâmica dos desenvolvimentos teóricos das Ciências Econômicas, desde o pré-capitalismo industrial até os dias de hoje. Nosso objetivo principal é o aprofundamento das circunstâncias factuais e culturais do surgimento, do desenvolvimento e da consolidação de algumas das principais teorias econômicas surgidas ao longo do período que corresponde ao intervalo entre os séculos XVI e XX. Dessa forma, apresentaremos um quadro cronológico das principais construções teóricas explicativas do funcionamento da sociedade capitalista e, assim, procederemos à revisão da estrutura teórico-analítica dessas construções teóricas. Também demonstraremos a relação entre o contexto histórico-cultural de diferentes etapas da evolução do capitalismo e o surgimento dessas interpretações/teorias a respeito de seu funcionamento. Como resultado dessa abordagem, pretendemos contrastar, apontando semelhanças e diferenças, os fundamentos valorativos, metodológicos e conceituais das principais teorias abordadas no curso, bem como as implicações socioeconômicas de sua aplicação. Acreditamos que esse esforço auxiliará no desenvolvimento da capacidade de o aluno perceber, a partir de seu próprio referencial valorativo-ideológico, a pertinência ou impertinência de concepções/ teorizações formuladas no passado. Compreender o presente requer, de forma inconteste, a compreensão do passado no qual ele se apoia e a partir do qual se desenvolve. Trataremos dos pressupostos metodológicos da nossa concepção historiográfica e analisaremos o período pré-capitalista do pensamento econômico, quando ainda não havia economia de mercado e não fazia o menor sentido realizar estudos essencialmente econômicos. Contudo, em função do acirramento das atividades comerciais, do aumento das trocas de moedas e da degradação do próprio sistema feudal, alguns políticos e pensadores resolveram dedicar-se à elaboração de recomendações políticas e estratégicas a respeito da gestão de negócios. Assim, podemos identificar nesse período algumas tentativas de escrever e refletir sobre a atividade econômica – realizada a partir dos pressupostos do mercantilismo – sem que se possa afirmar, entretanto, que essas tentativas emanavam de uma escola específica do pensamento econômico. Trataremos também das influências do Iluminismo e do surgimento de um modelo específico de análise, então necessário para a compreensão de um mundo em que as trocas comerciais haviam se intensificado e no qual a industrialização transformava a paisagem dos principais centros europeus. Discutiremos a estrutura do pensamento clássico, bem como os autores tidos como fundadores das formulações teóricas do liberalismo. A partir da retomada das principais ideias mercantilistas e fisiocratas, trataremos do contexto científico do período em que o pensamento econômico clássico estabelece seus primeiros passos. Poderemos identificar a importância de Adam Smith como pai da economia moderna. Apresentaremos Thomas Malthus e sua teoria do progresso populacional. Também trataremos das ideias do principal expoente da escola clássica, David Ricardo, com destaque para seu conceito de valor de troca, salários, lucros e renda da terra e seus axiomas a respeito da teoria de comércio internacional. Não podemos nos esquecer de Jeremy Bentham, Jean Baptiste Say, Nassau William Senior e John Stuart Mill, que adicionaram importantes contribuições ao pensamento clássico por meio de ideias do utilitarismo. 8 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 1/ 10 /2 01 5 Debateremos as ideias e teorias marxistas e as de inspiração neoclássica. Partiremos das revoluções do final do século XIX e das contribuições de Marx para o debate. Seguiremos com o utilitarismo de Jevons, de Menger e de Walras até chegarmos à discussão das teorias neoclássicas com Marshall, Böhm-Bawerk e Sraffa. Os imperialistas também estão presentes representados por Veblen, Hobson, Luxemburg, Lenin, além de Sweezy, com os quais teremos contato introdutório, como efetuado em Marx. Apresentaremos a economia neoclássica do bem-estar com a noção de Pareto. Finalizando o livro-texto, apontaremos os conflitos teóricos do século XX e que permanecem até a atualidade. Para tanto, não se deve deixar de considerar a crise de 1929 e a teoria de Keynes, bem como a cisão entre os neoclássicos liberais e os conservadores. Abordaremos a contribuição da escola austríaca representada por Von Mises, Hayek e Schumpeter. Terminaremos com o debate proposto pela escola de Chicago, em que o foco está em Milton Friedman e seu monetarismo. Esperamos verdadeiramente que você, aluno, aproveite e leitura e desejamos um bom estudo! INTRODUÇÃO Nos dias de hoje, economistas adotam com frequência o conceito de trade-off, ou custo de oportunidade. O trade-off nada mais é do que uma escolha que implica perda e ganho de algo. Em outras palavras, considera-se que para todo ganho há uma perda correspondente que deve ser avaliada no momento da tomada de decisão. Vamos imaginar que você receba um valor financeiro inesperado. Há muito o que se fazer com ele: gastá-lo em viagens, cursos, roupas ou móveis; tudo dependerá de uma decisão em que serão considerados os ganhos e as perdas de cada alternativa. O uso de um manual de História do Pensamento Econômico envolve um trade-off. Há vantagens e ganhos na sua utilização, mas há também perdas e desvantagens que podem – e devem – ser administradase compensadas. Comecemos pelas vantagens e pelos ganhos: em um único volume, temos a oportunidade de conhecer várias épocas e inúmeros autores e teóricos, o que nos permite uma visão panorâmica dos desenvolvimentos teóricos econômicos. Assim, de uma só tacada, podemos investigar a gênese da teoria econômica com Adam Smith, em plena Escócia do século XVIII, e a derrocada final da ideia de equilíbrio natural do mercado com John Maynard Keynes, no século XX. Quais as desvantagens e as perdas? Por incrível que pareça, as consequências dos mesmos atributos que representam os ganhos: por ser panorâmico, o manual simplifica a História; por compor uma coletânea de ideias e de autores, o aprofundamento não é priorizado. Há ainda outra característica que, embora não possa ser entendida como desvantajosa, deve necessariamente ser incorporada e percebida pelo leitor desse nosso manual: contar uma história significa que uma voz do presente está contando o passado e, portanto, agregando ao passado o seu próprio presente. Vejamos como isso funciona: Adam Smith, como já dissemos, desenvolveu suas concepções a respeito da riqueza das nações na Escócia do século XVIII. Assim, ele (pensador) analisou a realidade 9 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 1/ 10 /2 01 5 daquele momento (a economia europeia do século XVIII) e, refletindo sobre esse contexto apreendido, escreveu sobre o trabalho e sua divisão, sobre preços e sobre o egoísmo gerando o equilíbrio natural do mercado (veremos isso mais adiante com mais detalhes). Ao escrever sobre Adam Smith, sabemos o que aconteceu. Conhecemos o passado e as consequências dele. Sabemos, inclusive, quem concordou com as ideias de Smith e quem as refutou; sabemos quais as circunstâncias da realidade que trataram de corroborar ou desmentir os postulados de Smith. Quem conta a História o faz a partir do ponto de vista do presente, e não há como eliminar esse viés. Dessa forma, sabemos que os historiadores adotam – e geralmente de forma não explicitada – um modelo historiográfico à luz do qual o objeto de estudo será investigado. Esse modelo traduz o que os historiadores pensam a respeito da natureza da Ciência à qual se dedicam e das formas de aquisição do conhecimento científico. Os historiadores também possuem opiniões próprias que dirigem seus olhares para determinadas evidências, em detrimento de outras. Em outras palavras, precisamos reconhecer que as concepções gerais do pesquisador (nem sempre explícitas) moldam a realidade estudada, como se fossem lentes coloridas. Assim, o historiador, ao contar a história, reflete sobre esse material histórico e agrega a ele um novo discurso, qual seja, o seu próprio e o do seu próprio tempo. O historiador jamais consegue apreender e descrever a realidade histórica tal, e exatamente tal, como ela aconteceu. Isso significa que, ao falarmos de Smith, não estaremos contando exatamente o que aconteceu no tempo de Smith e não poderemos nos apropriar (ou falar) dos exatos pensamentos e objetivos de Smith ao escrever A Riqueza das Nações. Estaremos, apenas, contando a nossa versão sobre os desenvolvimentos teóricos de Smith; quando você, aluno, for estudar A Riqueza das Nações, estará construindo uma opinião a respeito de Smith que poderá ser completamente distinta daquela por nós construída. Então, como administrar as perdas inerentes ao uso de um manual? Em primeiro lugar, sugerimos que você procure saber a respeito dos vieses ideológicos de quem escreveu o manual. Historiadores marxistas tendem a perceber a História do ponto de vista materialista e dialético. Historiadores sob forte influência do Positivismo tendem a enxergar a História a partir de uma concepção linear e cumulativa. Em outras palavras, sugerimos que você identifique as cores e as lentes a partir das quais os autores do manual olharam a realidade. Finalmente, sugerimos que você vá até as fontes originais e leia os autores que apresentaremos. Não se contente em acessar esse conhecimento apenas por meio do nosso olhar: exercite o seu. Não leia A Riqueza das Nações apenas a partir dos nossos olhos, leia esse texto com os seus próprios olhos. Ao estudar o passado e investigar documentos históricos, estamos também concretizando o presente à medida que nós, sujeitos do conhecimento, não estamos aptos a nos dissociar do objeto de estudo. Dessa forma, ao convidar você, aluno, ao estudo das fontes primárias, estamos sugerindo que construa, conosco, a história do nosso presente. 10 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 1/ 10 /2 01 5 11 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 1/ 10 /2 01 5 HISTÓRIA DO PENSAMENTO ECONÔMICO Unidade I 1 OS PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS De acordo com Nunes e Bianchi (1999, p. 93), “suspeitamos que os economistas do passado coabitam nosso presente, mas não o fazem na forma pura como vieram ao mundo, e sim transformados pela passagem do tempo”. Ao contarmos o passado, assumiremos que a História não é linear e que os desenvolvimentos teóricos não são necessariamente cumulativos. Isso quer dizer que os economistas posteriores a Smith não necessariamente agregaram novas interpretações às ideias dele; talvez, alguns não tenham sequer feito referência ao universo tratado por Smith. Teóricos constroem e divulgam suas ideias a partir de determinados contextos sociais e históricos, havendo a possibilidade de as ideias se constituírem em posições de consenso – paradigmas – dentro da comunidade de estudiosos, e que serão substituídos por outros à medida que mudarem as condições desses contextos sociais e históricos. Consideraremos, portanto, que: [...] os paradigmas instituem-se porque são mais bem-sucedidos que seus competidores na resolução de alguns problemas que o grupo de cientistas reconhece como graves. Contudo — e esse é um ponto crucial —, ser bem-sucedido não significa ser totalmente bem-sucedido com um único problema, nem ser notavelmente bem-sucedido com um grande número. De início, o sucesso de um paradigma [...] é, em grande parte, uma promessa de sucesso que pode ser descoberta em exemplos selecionados e ainda incompletos [...] (NUNES; BIANCHI, 1999, p. 96). Observação Thomas Kuhn (1922-1996) foi um físico e historiador norte-americano. Em um de seus mais famosos trabalhos, A Estrutura das Revoluções Científicas, explica o conceito de paradigma, entendido então como o consenso de uma classe de cientistas em relação a determinado objeto. Esse consenso sofre abalos quando não dá mais conta de responder às perguntas feitas e, então, costumam ocorrer as revoluções científicas, a partir das quais rompe-se com o antigo paradigma, substituindo-o por outro. Um exemplo clássico de paradigma em Ciência é o geocentrismo, crença que defendia a ideia de a Terra imóvel ser o centro do Universo. Quando essa explicação não deu mais conta de responder a todas as perguntas, forçosamente, esse paradigma teve de ser abandonado e substituído por outro (no caso, pelo heliocentrismo). 12 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 1/ 10 /2 01 5 Unidade I Saiba mais Para aprofundar o tema, sugerimos a leitura de: CHIBENI, S. S. Síntese de A Estrutura das Revoluções Científicas, de Thomas Kuhn. Campinas: Unicamp, [s.d.]. Disponível em: <http://www. unicamp.br/~chibeni/textosdidaticos/structure-sintese.htm>. Acesso em: 14 out. 2015. Em função disso, buscaremos relativizar a proposta de “grandes figuras”: claro que falaremos dos teóricos mais importantes e fundamentais da história do pensamento econômico, mas procuraremos entendê-los como frutos dos seus próprios tempos. Buscaremos, assim, jogar luz nos paradigmas construídos e/ou substituídos pela comunidade de pensadores, representados por essas grandes figuras tidas como responsáveis pelas concepções paradigmáticas. É importante também explicitar: contaremos a História tendo em vista que ela é um processotenso, contraditório e sem finalidade imanente, em que agentes (grupos sociais) com interesses comuns e constituídos a partir de possibilidades e limites determinados afirmam e fazem reconhecer suas necessidades sociais. Mais: partiremos do princípio de que os problemas se colocam diante dos pensadores em função de condições temporais muito específicas. Assim, não fará o menor sentido dizer que David Ricardo acertou naquilo que Adam Smith errou: não há erros ou acertos, mas respostas possíveis dadas para problemas formulados em função de circunstâncias específicas. Em outras palavras: O historiador do pensamento econômico pode assinalar que fato fundamental, em um tempo e um lugar determinados e numa escala mais ou menos grande, polariza a atenção de um economista sob a forma de um problema prático para o qual é preciso trazer urgentemente uma solução passível de argumentação junto a um público esclarecido, justificando uma intervenção sobre variáveis particulares. Mas o historiador do pensamento econômico também pode descrever como tal conjunto de enunciados reflete as condições particulares de uma sociedade, de uma classe ou de uma região - quer estas condições sejam políticas, morais, psicológicas ou traduzam por si mesmas leis naturais demográficas, físicas, climáticas etc. (BERTHOUD, 2000, p. 64). Não trataremos, portanto, de “corrigir” ideias, conceitos e teorias. A História não se presta a consertar o que “de errado foi construído lá atrás”. Pretendemos apenas resgatar um processo de desenvolvimento e amadurecimento de constructos teóricos a partir de uma leitura externalista da construção científica: não há como descolar a teoria do contexto histórico que a engendrou. Assim, há de se compreender as interfaces e relações entre os acontecimentos políticos, econômicos, sociais, científicos e artísticos em determinado período; há de se conhecer as realizações, as atitudes e os comportamentos dos homens àquele tempo, as instituições enfim construídas, os templos erguidos ou destruídos, as obras escritas e as ideias então disseminadas. 13 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 1/ 10 /2 01 5 HISTÓRIA DO PENSAMENTO ECONÔMICO Saiba mais Podemos fazer duas leituras dos desenvolvimentos e das transformações das ideias. A primeira, internalista, diz respeito às mudanças das ideias em si, independentemente do contexto histórico que as engendraram ou que as estimularam. Seria, por exemplo, compararmos o conceito de equilíbrio em Adam Smith com o conceito de equilíbrio no século XXI. Seria colocarmos para dialogar, em pé de igualdade e nas mesmas condições, um economista do século XVIII e outro do século XX. De forma contrária, a leitura externalista privilegia o contexto histórico. Parte-se do pressuposto, portanto, de que as condições sociais e históricas determinam, em grande parte, as elaborações científicas feitas. Para estudar mais o tema, sugerimos: BASSALO, J. M. F. A importância do estudo da história da ciência. Revista da SBHC, Rio de Janeiro, n. 8, p. 57-66, 1992. Disponível em: <http://www. mast.br/arquivos_sbhc/121.pdf>. Acesso em: 20 out. 2010. Finalmente, iremos contar a história do pensamento econômico a partir do período em que foram criadas as condições para o nascimento da economia de mercado. Falaremos de teorias que buscaram explicar os atos econômicos com interesses e objetivos essencialmente econômicos que surgiram apenas a partir do nascimento da economia de mercado, quando as relações sociais passaram a ser explicadas em função de um sistema econômico organizado. Segundo Cerqueira (2001, p. 398), nas sociedades primitivas pré-capitalistas: [...] o que leva os homens a desenvolverem atos de produção e distribuição não é o interesse individual na posse de bens, mas a tentativa de preservar sua situação social. Desse modo, a motivação para produzir não provém de interesses especificamente econômicos, mas pode estar ligada a um conjunto de fatores sociais que variam em cada grupo humano: a necessidade de preservar vínculos familiares ou uma posição social, a adesão a um código de honra ou a valores tradicionais. Nas sociedades primitivas pré-capitalistas, não apenas inexistiam comportamentos como a busca do lucro, a necessidade de maximização e de otimização da produção, o espírito empreendedor e concorrencial, como inexistiam as instituições e os espaços que poderiam abrigar os atos que entendemos como econômicos. Portanto, não faz o menor sentido falarmos de pensamento econômico em relação a um período histórico em que inexistiam moedas, formação de preços ou a produção e distribuição de mercadorias e fatores de produção (quer dizer, fatores reconhecidos como de produção). 14 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 1/ 10 /2 01 5 Unidade I Assim, partiremos do pressuposto de ser a História do Pensamento Econômico o resgate dos desenvolvimentos teóricos a respeito das estruturas econômicas de mercado, das formas pelas quais, nas sociedades capitalistas, a reprodução material das sociedades passou a se processar através de instituições orientadas exclusivamente para objetivos econômicos, como os mercados. Nesses termos, começaremos a nossa investigação a partir das condições que possibilitaram o surgimento do capitalismo e, portanto, das Ciências Econômicas como objeto autônomo e definido de estudo. 1.1 O período pré-capitalista A Europa da Idade Moderna (quer dizer, a partir do século XV) encontrava-se em intensa transformação. O sistema feudal, degradado e obsoleto, aos poucos, começava a ser substituído por outro em que o comércio tinha importância vital e no qual o rei era o responsável pela formulação e aplicação das leis e das normas. É claro que esse processo não ocorreu sem percalços ou de forma linear: ao contrário, ele se deu de forma irregular, tanto no tempo quanto no espaço geográfico. O que se podia perceber claramente era que o que havia sustentado o mundo feudal estava ruindo lentamente (HUBERMAN, 1974). A intensificação da atividade comercial e o surgimento de novas cidades transferiram o poder das regiões urbanas feudais para os centros urbanos. Mesmo nos feudos, o aumento de produtividade ocasionado pela adoção de novas técnicas de plantio havia gerado um excedente econômico que dependia das cidades para ser trocado e que, posteriormente, seria gasto com a compra de artigos de luxo do Oriente ou de outros locais distantes (HOBSON, 1985). Segundo Heilbroner e Milberg (2008), se esse comércio, em suas origens, dispensou a figura do intermediário (e os próprios camponeses e agricultores tratavam de vender o excedente nas feiras medievais), o tempo e a intensificação das trocas acabaram provocando o surgimento do comerciante, aquele que percorria as estradas medievais em companhia de outros vendedores e que se especializava na venda de determinados produtos. Os senhores feudais toleravam essas figuras tão estranhas ao mundo rígido das categorias sociais imutáveis da Idade Média: afinal, eles, senhores e donos das terras, ganhavam comissões nos negócios realizados nas feiras localizadas em suas propriedades. A intensificação do comércio trouxe consigo a necessidade de melhores vias de transporte. Também era necessário que agentes fizessem a troca entre as inúmeras moedas em circulação, e dessa necessidade surgiram os banqueiros e agentes que estabeleciam o câmbio. O ressurgimento de antigas rotas comerciais que, anteriormente, partiam do Mediterrâneo em direção à Ásia e que haviam sobrevivido às invasões bárbaras intensificou a atividade comercial ao longo da costa italiana. Ainda, as Cruzadas (movimento religioso que tinha como objetivo libertar a Cidade Santa dos infiéis) fizeram surgir entrepostos comerciais ao longo do caminho em direção ao Oriente (HUBERMAN, 1974). No mar do Norte e no Báltico também podiam ser vistos navios carregados de peixe, madeira, peles, couros e peliças (HUBERMAN, 1974). Bruges,em Flandres, tornou-se um importante centro comercial e estabeleceu o contato com o mundo russo-escandinavo. O aumento da atividade comercial provocou 15 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 1/ 10 /2 01 5 HISTÓRIA DO PENSAMENTO ECONÔMICO o aperfeiçoamento das técnicas de construção naval e a criação de um sistema monetário no qual conviviam o florim, o florentino e o ducado. Figura 1 – Rotas comerciais ao final da Idade Média A intensificação da atividade comercial e a expansão dos meios de pagamento também causaram fissuras no poder exercido até então pela Igreja. Não havia mais como tolerar as restrições religiosas aos mecanismos de crédito. Aliás, toda a imobilidade social preconizada pelo catolicismo já não tinha razão de ser. Dessa forma, o poder que antes pertencia ao clero e ao senhor feudal foi sendo transferido, aos poucos, para os habitantes da cidade, que era a representante da liberdade em relação às amarras do sistema feudal. Do ponto de vista religioso, essas transformações e esses movimentos contrários ao poder da Igreja Católica tomaram corpo com a Reforma Protestante. O calvinismo e o luteranismo, vertentes cristãs que se opuseram ao poder hegemônico de Roma, provocaram uma mudança significativa na forma de se ver e pensar o mundo: uma nova ética ditava que o trabalho santificava o homem, não sendo castigo ou punição pelo pecado original. Ao contrário, o trabalho resultava em dinheiro, que não deveria ser desperdiçado ou gasto com luxúria. O trabalho, longe de ser tido como vexaminoso, era o meio lícito de se melhorar de vida e ascender socialmente. A abstinência e a parcimônia, por sua vez, eram estratégias para aumentar a renda e disponibilizar recursos para a produção e para o comércio (HOBSBAWM, 2010). A Igreja Católica havia deixado de ser o centro do qual emanavam as regras morais e as explicações para o funcionamento do mundo e da natureza, e essas mudanças provocaram transformações no pensamento filosófico daquele período: paulatinamente, a Escolástica cedeu espaço para o espírito 16 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 1/ 10 /2 01 5 Unidade I renascentista. Com o apoio da autoridade dos textos clássicos, os filósofos naturais renascentistas buscaram a matemática, a cabala e os métodos de observação como formas de obter maiores níveis de certeza nas abstrações sobre o homem e a natureza: o texto bíblico já não dava conta de responder a todas as perguntas feitas. Para isso, era necessário que a Razão fosse utilizada como antídoto para as superstições, as paixões e a imaginação. Havia respeito e reverência ao conhecimento antigo e às antigas tradições, mas havia também a necessidade e a coragem de ir além. Essas mudanças e transformações teriam a decisiva e final contribuição de três processos que ocorreram concomitantemente: o aumento de poder dos reis, a formação dos Estados Nacionais e a exploração marítima que alcançou o Novo Mundo. Vejamos como. Lembrete Tal como falamos anteriormente, nossa abordagem privilegia a investigação das ideias a partir do contexto social e histórico no qual elas nascem. Segundo Huberman (1974), à medida que o senhor feudal e a Igreja perdiam poder, a figura do rei – símbolo do poder nacional – ganhou destaque. Não apenas sua importância aumentou, mas também se tornaram visíveis seus movimentos em defesa de uma unidade nacional que forjasse e estimulasse a formação de uma identidade. O rei passou a representar a luta por conquistas de territórios, a defesa de fronteiras e a adoção de uma língua nacional, de uma moeda nacional e de uma legislação nacional. Esse movimento, é claro, contava com o apoio dos moradores das cidades e dos comerciantes: eles eram os principais beneficiários dessas conquistas que correspondiam exatamente ao que perdiam os senhores feudais e a Igreja. Esse processo foi bastante lento, é claro. De qualquer forma, ele representou a transformação paulatina das velhas e antigas estruturas que, obrigatoriamente, deviam dar espaço às novas. Ao rei, os moradores das cidades e os comerciantes pagavam impostos; do rei, esperavam proteção, tanto em relação às suas atividades comerciais quanto em relação à defesa do território e das rotas marítimas. O rei, em acordo às expectativas, organizou exércitos e instituiu uma moeda única. Nas cortes, homens de finanças e grandes comerciantes tratavam de defender os interesses comerciais daqueles que pagavam impostos. Parece-nos possível concluir, portanto, que o Estado Nacional surgiu como resultado da luta do poder das cidades e da nascente classe média contra “o particularismo – a jurisdição autônoma senhorial, com seus tributos, moedas, pedágios, e contra o universalismo – a pretensão da Igreja em representar o universo dos fiéis, regulando todas as esferas da vida comum, da econômica à cultural” (REZENDE, 2007, p. 74). Ilustrativa desse momento, a obra de Nicolau Maquiavel (1469-1527) fala dessa nova figura do rei. No caso de O Príncipe (1512), temos um texto que resume de maneira magnífica o espírito de seu tempo. 17 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 1/ 10 /2 01 5 HISTÓRIA DO PENSAMENTO ECONÔMICO Saiba mais Maquiavel, filho de um advogado estudioso das humanidades, trabalhou em funções diplomáticas em meio à luta entre os Médici, a Espanha e a França. Por conta de acusações de traição e conspiração, chegou a ser preso e torturado. Posteriormente, Maquiavel conseguiu libertar-se da prisão, embora sem voltar ao serviço público. Para os republicanos, ele era simpático à monarquia. Para os monarcas, ele era favorável aos ideais republicanos. Sugerimos a leitura de: MAQUIAVEL, N. O Príncipe. 1512. Disponível em: <http://www. dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_ obra=24134>. Acesso em: 14 out. 2015. De fato, o que interessava a Maquiavel era falar sobre o Estado. “Não o melhor Estado, aquele tantas vezes imaginado, mas que nunca existiu. Mas o Estado real, capaz de impor a ordem” (SADEK, 2006, p. 17). Tratava-se de uma verdadeira ruptura em relação ao saber anterior, pois ignorava a premissa de uma ordem natural e eterna. A ordem, produto necessário da política, não é natural, nem a materialização de uma vontade extraterrena, e tampouco resulta do jogo de dados do acaso. Ao contrário, a ordem tem um imperativo: deve ser construída pelos homens para se evitar o caos e a barbárie e, uma vez alcançada, ela não será definitiva, pois há sempre, em germe, o seu trabalho em negativo, isto é, a ameaça de que seja desfeita (SADEK, 2006, p. 18). A política, a partir dessa visão, podia ser comparada a um feixe de forças, unidas sempre por conta de mecanismos racionais. Para se entender o poder, era necessário, portanto, assumir a incerteza, a contingência e a falta de estabilidade. Os traços humanos imutáveis eram aqueles associados à ingratidão, à covardia e à ganância. Por isso, a História encontrava-se repleta de conflitos, caos e anarquia. Segundo Maquiavel, o conhecimento das relações de causa e efeito entre os fenômenos se daria por meio do estudo dos fatos do passado; afinal, a História era cíclica. O poder político tem, pois, uma origem mundana. Nasce da própria “malignidade” que é intrínseca à natureza humana. Além disso, o poder aparece como a única possibilidade de enfrentar o conflito, ainda que qualquer forma de “domesticação” seja precária e transitória. Não há garantias de sua permanência. A perversidade das paixões humanas sempre volta a se manifestar, mesmo que tenha permanecido oculta por algum tempo (SADEK, 2006, p. 20). 18 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 1/ 10 /2 01 5 Unidade I Para Maquiavel, só havia duas respostas possíveis para a anarquia: o Principado e a República. A escolha de uma delas dependia de quão preparada uma sociedade estivesse para a vida republicana; afinal, a República requeria queo povo fosse virtuoso e que as instituições fossem estáveis. Caso a nação estivesse dividida e à mercê da corrupção ou de inimigos externos, só havia uma saída: “o surgimento de um homem virtuoso capaz de fundar um Estado. Era preciso, enfim, um príncipe” (SADEK, 2006, p. 21). [Há] a impossibilidade de manter o governo republicano em uma cidade corrompida, ou de estabelecê-lo aí. Em um e em outro caso seria melhor inclinar-se para a monarquia que para o estado popular, a fim de que esses homens, cujas únicas leis não conseguem reprimir a insolência, sejam ao menos subjugados por uma autoridade, por assim dizer, real (MAQUIAVEL, 1955 apud SADEK, 2006, p. 50). Nesses termos, o príncipe não era necessariamente o mais forte, mas o que conseguia manter o domínio adquirido e o respeito dos seus governados. O príncipe devia aparentar possuir as qualidades valorizadas pelos seus governados, porque a política tinha regras próprias e fazia parte do jogo a ambiguidade entre aparência e essência. Em outras palavras, o poder até podia emanar da força, mas sua sustentação dependia do controle e do domínio. Nem tudo aquilo que podia ser considerado uma virtude em se tratando de pessoas comuns também o era em relação ao Príncipe. Maquiavel era incisivo: alguns vícios poderiam ser, na verdade, virtudes. Esperava-se que o Príncipe, para manter-se no poder, tivesse a sabedoria de agir conforme as circunstâncias. Não tema, pois, se o príncipe que deseje se manter no poder “incorrer no opróbrio dos defeitos mencionados, se tal for indispensável para salvar o Estado”. [...] Os ditames da moralidade convencional podem significar sua ruína. Um príncipe sábio deve guiar-se pela necessidade – “aprender os meios de não ser bom e a fazer uso ou não deles, conforme as necessidades” (MAQUIAVEL, 1955 apud SADEK, 2006, p. 23). Maquiavel escreveu tendo a crise na Itália como pano de fundo, mas sua obra dizia respeito a todos os países em que a monarquia se estabelecia, naquele momento, como força absoluta. De fato, as monarquias absolutistas eram a forma de governo dos Estados nascentes. Esses Estados são mesmo imensos e constituídos por zonas de cidades, ou por grandes cidades isoladas, com arrabaldes férteis e povoados separados por vastos espaços semidesérticos, por florestas, pinhais ou estepes. Entre províncias e entre Estados estendem-se “fronteiras”. [...] Essa geografia, resultado da história humana, favorece certo aspecto federativo que os Estados apresentam em graus diferentes (MOUSNIER, 1995, p. 176-177). Os Estados menores e médios submetiam-se aos maiores. Por meio de casamentos ou alianças, casas imperiais se juntavam umas às outras, reunindo seus Estados a partir de uma única liderança, o rei. 19 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 1/ 10 /2 01 5 HISTÓRIA DO PENSAMENTO ECONÔMICO A maioria destes Estados evolui para a monarquia absoluta. É o regime em que o rei, encarnando o ideal nacional, possui, além disso, de direito e de fato, os atributos da soberania: poder de decretar leis, de fazer justiça, de arrecadar impostos, de manter um exército permanente, de nomear funcionários, de julgar os atentados contra o bem público e, em especial, a autoridade real por meio de jurisdições de exceção emanadas do seu poder de justiceiro supremo. A ideia de monarquia absoluta acrescenta-se, sem destruí-las, às velhas ideias de contrato e de costume que regulamentavam as relações dos reis com seus vassalos e súditos e que, ao mesmo tempo, a temperavam (MOUSNIER, 1995, 177-178). O sentimento patriótico gerou o nacionalismo exacerbado. O rei não era apenas alguém com o direito de governar, mas era um “herói”, um semideus que dominava de forma sábia e absoluta. Era dele que se esperava a gestão dos constantes conflitos entre os burgueses e a nobreza. Afinal, a monarquia defendia os burgueses, porque deles vinha o dinheiro tão necessário para a manutenção de soldados e funcionários; em contrapartida, a burguesia desejava um status social parecido com a nobreza, e para o rei pedia títulos e cargos. Por outro lado, a nobreza, para defender o seu espaço na sociedade, precisava de favores do rei. Assim, cada vez mais, o rei era pressionado pelo choque entre os interesses antagônicos da burguesia e da nobreza, sendo necessário considerar que: tais monarquias absolutas, aliás, possuem menos força efetiva, menos influência real sobre a vida quotidiana de seus súditos do que os governos democráticos liberais do século XIX. A lei divina cristã, as leis fundamentais do reino, que exprime algumas dessas condições de existência, as leis do direito das gentes, como as que garantem a propriedade, os corpos e as comunidades, seus contratos, costumes e privilégios, tudo isso limita o poder do rei (MOUSNIER, 1995, p. 184-185). Do ponto de vista econômico, o rei praticava o mercantilismo, conjunto de estratégias que tinham como principal objetivo excluir a concorrência das indústrias estrangeiras em solo nacional e criar mais empregos com a renda advinda da exportação de bens. O Estado ou a nação (a polity) representam a esfera de ação do rei, sua jurisdição, o espaço de que está incumbido de cuidar. A economia é a forma de organização deste espaço. Os dois domínios não podem ser tratados separadamente, quando mais não fosse porque ocupam o mesmo espaço (CERQUEIRA, 2001, p. 396). Segundo os pressupostos dessas estratégias, as estratégias mercantilistas constituíam o mecanismo necessário para a obtenção de uma balança comercial favorável, sinal de saúde e vitalidade do sistema econômico da Nação. A ênfase conferida às virtudes do aumento da exportação esperava pelo aparecimento de um poderoso interesse manufatureiro, distinto do 20 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 1/ 10 /2 01 5 Unidade I comercial, pois era benéfico para o fabricante que o mercado para seu produto se mostrasse tão amplo quanto possível, como também redundava em sua vantagem que a importação dos artigos competitivos fosse reduzida. É verdade que ele tinha ainda interesse em incentivar a barateza de suas matérias-primas e da subsistência dos trabalhadores: fato que vimos a doutrina mercantilista levar inteiramente em conta ao reservar sua recomendação de exportação às manufaturas e restringir sua condenação às importações do que não fosse matéria-prima ou mercadorias acabadas, destinadas ao consumo de luxo (DOBB, 1986, p. 151). Segundo Hobson (1985), o mercantilismo se apoiava em três premissas: • o país deveria apenas importar aquilo que não podia ser vantajosamente produzido no país; • o saldo favorável da balança comercial (resultante de um volume maior de exportações em comparação às importações) significava um maior estoque de ouro e de metais; • o Estado deveria chamar para si a tarefa de estimular as exportações e encontrar novas fontes de extração de metais preciosos. Tanto de uma forma quanto de outra, aumentar-se-ia o estoque nacional de ouro e prata, desde que também fossem criados mecanismos que impedissem a saída desses metais do país. Para Cerqueira (2001, p. 395): o mercantilismo propõe a regulação da vida econômica da sociedade pelo Estado, pois esta não se organiza por si só. A ordem econômica e a ordem política, neste sentido, estão mutuamente relacionadas, pois ao Estado compete a oikonomia, a organização daquele espaço que é entendido como a propriedade, a casa do rei. A boa administração da economia é benéfica para o Estado e para seus membros. Ela depende de assegurar que a população esteja adequadamente distribuída entre as diferentes ocupações, que cada um ocupe o lugar que lhe cabe. Nesse caso, o sentido da palavra “economia” não está referido às “leis de administração da casa” (da maneira como hoje falaríamos em leis de administração da economia ou em princípios de política econômica), mas sim à responsabilidade de cuidar da propriedade, de preservar cada coisa em seu justo e devidolugar (CERQUEIRA, 2001, p. 395). Lembrete O mercantilismo é o conjunto de estratégias conduzidas pelo Estado para promover a exportação e estimular a formação de estoque de moedas. 21 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 1/ 10 /2 01 5 HISTÓRIA DO PENSAMENTO ECONÔMICO As mercadorias necessárias à atividade comercial e o metal que representava a riqueza da nação teriam a mesma origem: a exploração de um novo mundo encontrado além-mar. A solução parecia incrivelmente lógica: se era proibido exportar metais, a exportação de mercadorias deveria ser estimulada. Assim, mercadorias atraentes para o mercado europeu deveriam ser encontradas e trazidas de seus locais de origem para os grandes centros de troca na Europa. Mais: era necessário encontrar territórios até então inexplorados e que pudessem conter minas de ouro e prata. Essa estratégia fez surgirem os grandes investimentos da monarquia na exploração marítima. Com os recursos dos cofres imperiais, grandes embarcações foram construídas, e empreendedores e aventureiros seguiram para os oceanos em busca de fontes de matérias-primas e metais. Colombo e Vasco da Gama, Cabral e Magalhães não se aventuraram em suas viagens que marcaram época como mercadores (embora esperassem fazer fortuna com a aventura). Eles se aventuraram em embarcações compradas e equipadas com o dinheiro real, com o selo real de aprovação, e foram enviados para longe com a esperança de acréscimos aos tesouros dos reis (HEILBRONER; MILBERG, 2008, p. 61). Assim, as colônias estabelecidas nos novos territórios descobertos e conquistados foram inseridas no modelo preconizado pelos reis e pelas monarquias em favor da burguesia comerciante. Dessas colônias chegavam açúcar e especiarias e eram retirados ouro e prata das minas. Ainda, essas colônias serviam de mercado consumidor para os produtos fabricados nas metrópoles: o arranjo era simplesmente perfeito. Rei Estado Metropolitano Burguesia Colonização Figura 2 – A colonização correspondeu aos interesses do Estado Absolutista e da burguesia mercantil europeia, fortalecendo o primeiro e enriquecendo a segunda A conquista de novas terras era a peça que faltava para a consolidação do que ficou conhecido como Antigo Regime (Ancien Régime, em francês): o absolutismo, o capitalismo comercial, o mercantilismo, a sociedade estamental e o sistema colonial. 22 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 1/ 10 /2 01 5 Unidade I Sistema colonial M ercantilism o Colônia Metrópole Pacto colonial Escravos, manufaturados Gêneros tropicais, metais preciosos Saldo favorável Figura 3 – O tripé econômico do Antigo Regime (Capitalismo Comercial, Mercantilismo e Sistema Colonial) É importante salientar que, embora não se pudesse ainda falar de capitalismo industrial ou de economia de mercado, o cenário para o surgimento desses fatores já estava pronto. O mundo feudal havia se desintegrado e já havia uma nova atitude em relação ao lucro; a ética católica havia sido substituída pela ética protestante, que defendia o trabalho e a parcimônia; o comércio crescia a olhos vistos, sob a proteção da monarquia; a atividade econômica encontrava-se cada vez mais monetizada; a urbanização havia estimulado a mobilidade social. Não havia ainda capitalismo, mas existiam atos econômicos sobre os quais os estudiosos e defensores do mercantilismo iriam falar. Ainda não se tratava de um “sistema de pensamento”, mas não é possível ignorar essas marcas deixadas pelos primeiros textos sobre os negócios e a administração das finanças públicas. De forma mais específica, é importante investigar os textos que se dedicaram ao estudo das condições da acumulação primitiva de capital que, posteriormente, sustentaria o processo de industrialização e o desenvolvimento capitalista. Segundo Cerqueira (2001, p. 394): Alguém poderia objetar, porém, que é possível encontrar este tipo de discurso na obra de autores do século XVII e inícios do XVIII, tais como Thomas Mun, Petty, Barbon, Child, Cantillon etc. Nelas, haveria uma reflexão sobre a moeda, o comércio, os juros e a riqueza, que parece prefigurar a ciência econômica. De modo geral, é deste modo que os textos de história do pensamento econômico apresentam os autores do período mercantilista: como representantes de um momento em que emergem os conceitos e uma nova maneira de pensar, que redundariam no surgimento da economia política clássica. Ainda que se lamente a ausência de rigor e sistematicidade, a presença de conceitos como valor, renda e produção é quase sempre tomada como o sinal inequívoco de uma certa forma de entender os fenômenos da produção material que autoriza a inclusão dos mercantilistas no grupo 23 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 1/ 10 /2 01 5 HISTÓRIA DO PENSAMENTO ECONÔMICO seleto dos “primeiros economistas”: “Talvez os teóricos de hoje distorçam os processos de pensamento de seus predecessores, ao reformularem os problemas, conceitos e análises de ontem em termos modernos; mas, ao fazê-lo, ainda podem clarear suas próprias ideias e aguçar sua mensagem. Olhando-se para trás dessa maneira, não é difícil aceitar Sir William Petty, digamos, como um economista na expressão moderna [...]. É verdade que os economistas do século XVII herdaram ou desenvolveram uma base de teoria econômica no sentido moderno, ainda que fosse muitas vezes apenas esboçada [...]. 1.2 A moeda, o câmbio e a riqueza a partir dos pressupostos mercantilistas Para que possamos entender melhor a contribuição dos autores mercantilistas para a compreensão das práticas preconizadas pelo Estado no sentido de criar e manter a riqueza dentro da nação, devemos considerar as principais características do modo de funcionamento do sistema monetário e comercial do período. Segundo Suprinyak (2009, p. 572): As primeiras décadas do século XVII configuraram um período conturbado na história da Europa, em especial na Inglaterra – presságio de um século marcado por contínuas e profundas turbulências. Ao início da década de 1620, várias tendências confluíam para deflagrar uma crise econômico-social que causou comoção pública nos domínios britânicos. As contingências bélicas associadas à eclosão da Guerra dos Trinta Anos deram origem ao célebre fenômeno do Kipper-und Wipper-Zeit, uma série de desvalorizações metálicas nas moedas dos diversos principados do Sacro Império Romano-Germânico que visavam aumentar os recursos disponíveis para as despesas de guerra. O resultado foi um fluxo massivo de moedas de toda a Europa Ocidental em direção à região dos conflitos, atraídas pela possibilidade de ganhos na arbitragem entre valores nominais e metálicos. A Inglaterra, que vinha sofrendo com o aumento da concorrência no mercado internacional de tecidos e com o recente fracasso do Cockayne Project (que amplificou a crise na manufatura têxtil do país), sentiu de forma particularmente severa os efeitos da escassez de moeda. Nada mais natural, portanto, que autores se dispusessem a discorrer sobre questões pragmáticas e que envolvessem alternativas e estratégias políticas a serem seguidas pelos nascentes (e em franco crescimento e consolidação) Estados europeus. Esses autores nada mais fariam do que discorrer a respeito de condições necessárias para o surgimento de saldos favoráveis da balança comercial, mecanismo ideal para o estoque da moeda, símbolo do fetiche mercantilista pela economia monetária. Além disso, ao considerar o consumo apenas uma atividade da destruição da riqueza gerada, esses autores, de bom grado, abandonaram a investigação do comércio interno, mecanismo pelo qual a riqueza apenas mudava de mãos. Assim, para esses autores, é o comércio internacional o mecanismo ideal para gerar estoque de moedas. Segundo Suprinyak (2009, p. 578), 24 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 1/ 10 /2 01 5 Unidade I Se as transações internasnão são capazes de criar riqueza, cabe ao comércio internacional a tarefa de garantir a prosperidade nacional. É importante ressaltar que estes autores não são adeptos de um ascetismo radical. Pelo contrário, acreditam que a prosperidade se manifesta, entre outras coisas, no conforto e no bem-estar dos súditos; que a natureza distribuiu as riquezas por todo o globo, de forma a induzir os povos a comerciar entre si para satisfazer suas necessidades; e que não é possível exportar muito sem importar nada, pois o comércio internacional requer certo equilíbrio nos fluxos. Entretanto, frugalidade e laboriosidade são as principais maneiras de garantir que, no âmbito do comércio internacional, a riqueza doméstica seja incrementada. A receita é clara: transformar o consumo estrangeiro em riqueza nacional. Compreender tais ideias a partir da perspectiva de aversão ao consumo também permite iluminar sob outro ângulo a noção de comércio internacional como jogo de soma-zero, característica do período. Incapazes de perceber a potencialidade do mercado interno para a prosperidade, os autores do período vislumbraram de forma distorcida a dinâmica do sistema econômico. Se o consumo é transferência de riqueza, o consumo de mercadorias importadas é transferência de riqueza entre nações – a única forma possível de incremento da riqueza doméstica. A moeda surge do comércio internacional e irriga o mercado interno de vitalidade. Assim, esse sistema monetário bimetalista (no qual ouro e prata eram cunhados sob a forma de moedas) será objeto de análise dos estudiosos mercantilistas. Afinal, embora de aparente simplicidade, o sistema monetário funcionava à base de uma taxa de conversão entre ouro e prata, taxa essa que variava dentro de cada região da Europa. Cada moeda tinha seu valor nominal (valor de face) determinado por uma estampa real que recebia na cunhagem. Em termos ideais, este valor corrente deveria representar seu conteúdo metálico – seu valor “intrínseco”. Na prática, este frequentemente não era o caso. Donos da prerrogativa da cunhagem, os soberanos com frequência utilizavam-na para obter recursos financeiros extraordinários ou mesmo para aumentar a oferta de moeda em circulação. Isto poderia ocorrer por meio de uma alteração no valor de face – o valor nominal da moeda era alterado sem mudança correspondente no conteúdo metálico; ou então adulterando a liga metálica das moedas – adicionando metais não preciosos na composição da moeda sem alterar seu valor de face. No âmbito do comércio internacional, este sistema monetário abria inúmeras vias para atividades especulativas e de arbitragem entre moedas (SUPRINYAK, 2009, p. 580). No contexto mercantilista, a moeda serve como padrão de valor, e o seu valor, portanto, é determinado pelo soberano. No entanto, os metais preciosos a partir dos quais as moedas eram cunhadas continuam sendo mercadorias; “enquanto mercadorias, tinham seu valor determinado no mercado, pela interação entre oferta e demanda. Esta ambiguidade na natureza do valor das moedas 25 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 1/ 10 /2 01 5 HISTÓRIA DO PENSAMENTO ECONÔMICO criou algumas dificuldades que obscureceram as análises do período” (SUPRINYAK, 2009, p. 581), o que criou ambiguidades e dificuldades na interpretação e análise do mecanismo financeiro por parte dos autores mercantilistas. Ainda, devem-se considerar as dificuldades criadas pela diferença entre o valor arbitrado pelo soberano e o valor da moeda conforme o metal que continha. [...] as moedas correntes de cada nação têm seu valor nominal determinado pelo soberano, frequentemente não correspondendo ao seu conteúdo metálico. Desta forma, no mercado de câmbio – o mercado de letras de câmbio – surge uma cotação entre as diversas moedas internacionais, uma taxa de conversão idealmente relacionada à equivalência metálica entre elas, porém sujeita às flutuações do mercado. Além disto, certas modalidades de letras de câmbio não eram descontáveis à vista, possuindo um vencimento determinado. Neste caso, encobriam não apenas uma especulação em relação à cotação futura da moeda, mas também a cobrança de juros, em uma época em que a usura ainda era condenada moral e legalmente. Previsivelmente, as modalidades especulativas viabilizadas por este mercado internacional de divisas foram inúmeras (SUPRINYAK, 2009, p. 583). 2 O MERCANTILISMO: AUTORES, OBRAS E IDEIAS Os autores que escreveram sobre atos e fatos econômicos, na maior parte das vezes com a preocupação de sugerir estratégias para a gestão pública das finanças, tiveram como objeto de estudo aquilo que, para o mercantilismo, era essencial: os meios de pagamento, a quantidade de moeda circulante, as questões de comércio internacional, os interditos à importação de bens, as vantagens das trocas internacionais etc. Richard Cantillon (168?-1734) foi um desses autores. A sua obra, Ensaio sobre a Natureza do Comércio em Geral (1730), é tida como um dos tratados mais sistemáticos e originais do período anterior a Adam Smith (COUTINHO, 2004). Brilhante homem de negócios, filho de uma família irlandesa proprietária de terras, Cantillon exerceu atividades nos setores financeiro e bancário, atuando em todas as partes da Europa e amealhando uma fortuna com a especulação nas Bolsas de Valores (IORIO, 2014). Quais são os temas discutidos por Cantillon? Basicamente, suas áreas de interesse foram as seguintes: a) a estrutura social e a natureza do excedente econômico; b) a natureza dos problemas monetários e de circulação; c) a propriedade privada; d) a distribuição espacial da população e das atividades econômicas. De forma resumida, os pressupostos de Cantillon são os seguintes: i) as decisões (de cultivo, de consumo, de localização) dos proprietários determinam o tamanho da população, sua dispersão pelo território e a configuração da rede urbana; ii) os custos de transporte ocupam um papel decisivo na definição da estrutura de preços e na alocação de atividades produtivas no território; iii) os custos de transporte moldam, em conjunto 26 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 1/ 10 /2 01 5 Unidade I com outros elementos, os processos de mercado, as trocas internacionais e a circulação monetária. A visão naturalista e agrícola de economia que marca o sistema, no entanto, afeta até mesmo seu componente espacial. Esta visão se faz sentir na centralidade da relação social de propriedade da terra – a despeito do destaque concedido à produção manufatureira e ao capital mercantil – e na importância concedida à produção de subsistência. Isso muitas vezes se dá em detrimento de uma concepção mais refinada de produtividade e vantagens comparativas, e implica: i) no alcance limitado da análise das economias de aglomeração, uma vez que a renda é determinada em última instância na agricultura; ii) o recuo a posições de sabor mercantilista e dirigista, que se revelam na identificação de trocas internacionais recomendáveis e não recomendáveis, e na aspiração a que se promova uma redistribuição das manufaturas pelo território como modo de nivelar a distribuição de meio circulante, elevar a renda e baixar os custos de produção (COUTINHO, 2004, p. 10). É importante ressaltar que, para Cantillon, independentemente da origem da propriedade, ela será sempre o resultado que irá gerar a concentração da terra nas mãos de poucos. De fato, Cantillon afirma a ideia de inevitabilidade da má distribuição da riqueza e o fato de a estrutura social da atividade econômica estar assentada sobre essa má distribuição. Segundo Coutinho (2004, p. 3): O sistema de Cantillon compreende três classes sociais básicas – proprietários fundiários, trabalhadores agrícolas, arrendatários capitalistas – e contempla diversas variações, ao reconhecer as figuras dos trabalhadores manufatureiros, do artesão urbano independente, do comerciante, do artesão na construção civil. Ao trocaremo produto social, que emana da agricultura, estas classes são protagonistas de um modelo de circulação, que é o núcleo do Ensaio e abrange as discussões sobre dinheiro, meio circulante e preços. No sistema de Cantillon, as decisões (de consumo e de como utilizar a terra) do proprietário rural é que determinam a capacidade de sustentação da população e o progresso da nação. Em todos os sentidos, os proprietários, ou a classe cujos direitos são primários e naturais, detêm um poder efetivo de decisão, que flui de sua posição privilegiada na percepção de um segmento do produto nacional. Nessa exata medida os proprietários de terra constituem a “classe independente”. As demais classes sociais – trabalhadores agrícolas, produtores manufatureiros, arrendatários capitalistas – são, por contraste, “dependentes” (COUTINHO, 2004, p. 3). Dessa forma, a necessidade faz que os trabalhadores e fazendeiros vivam próximos ao plantio. As vilas serão ocupadas por eles – pelos arrendatários e trabalhadores – e pelos artesãos que trabalharão para eles. As cidades, os burgos, por sua vez, representarão os mercados, servindo de moradia para os proprietários e artesãos mais especializados e que dependem de uma maior clientela. Também servirão de entreposto para o comércio agrícola. 27 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 1/ 10 /2 01 5 HISTÓRIA DO PENSAMENTO ECONÔMICO No sistema de Cantillon, as trocas de produtos agrícolas dão-se em uma primeira etapa nos burgos. Os produtores levam as mercadorias aos burgos, ao invés de os comerciantes mercadejarem pelo campo, de vila em vila. Essa pode ser uma descrição de como se dava o comércio no início do século XVIII, mas constitui, preponderantemente, um artifício para mostrar como se formam os preços, já que o processo de oferta e demanda e a formação de apenas um preço por mercado depende de informação. O burgo é o local onde circulam as informações sobre preços e onde se obtém economia nos custos de transação. O burgo, portanto, é uma abstração econômica do mercado de produtos agrícolas (COUTINHO, 2004, p. 4). A cidade sobrevive em função da demanda dos nobres e dos proprietários. Por sua vez, é da capital que emanam o poder e a riqueza do soberano e da nobreza que o cerca. A capital, finalmente, que se situa no topo da escala dos aglomerados urbanos, é simplesmente a cidade em que o soberano decidiu estabelecer-se. A presença do soberano atrai a nobreza e os proprietários mais ricos, determina a fixação das principais cortes de justiça e estimula o estabelecimento de produtores de manufaturas e de serviços. A capital é o foco em torno do qual gravitam os homens de dinheiro e os que lhes prestam serviços. No tratamento da economia das cidades e da capital, o Ensaio dá um destaque especial aos artesãos dedicados à construção civil. Convém insistir que estamos diante de um tratamento econômico da aglomeração bastante limitado porque, apesar das externalidades urbanas, a renda nunca é gerada na cidade. A concepção natural e agrícola de economia é inteiramente dominante (COUTINHO, 2004, p. 5). Cantillon vai além: ao descrever o locus da atividade econômica, ele observa que a população se distribui no espaço territorial em função do cultivo; por sua vez, o tamanho da população depende da disponibilidade de meios para o plantio e para a subsistência. Outra grande preocupação de Cantillon tem relação com a estrutura de preços e a circulação monetária. De acordo com o contexto da época, no qual a questão da quantidade de metal é fundamental, Cantillon se indaga a respeito da quantidade necessária do meio circulante. Na medida em que nas cidades concentra-se metade da população, pode-se dizer que uma proporção similar dos produtos agrícolas enfrenta custos de transporte. Combinam-se aqui custos de transporte e circulação monetária, já que dois fatores – os custos de transporte e a maior disponibilidade de meio circulante - contribuem para que os preços sejam maiores nas cidades do que nas províncias. Em face disso, as questões que Cantillon passa a enfrentar são: a) levando-se em consideração os custos de transporte, qual a estrutura de preços de equilíbrio?; b) em que medida a “desigualdade de circulação” afeta a distribuição das atividades econômicas e o balanço campo/cidade? A primeira questão envolve dois mecanismos complementares de equilíbrio, 28 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 1/ 10 /2 01 5 Unidade I associados ao custo de transporte. Um dos mecanismos é o de arbitragem no sentido estrito. Para Cantillon, a estrutura de preços de equilíbrio é aquela em que o diferencial de preços se explica pelos custos de transporte. Fora desta estrutura, os comerciantes obteriam ganhos de arbitragem levando as mercadorias de um local a outro. O outro mecanismo amplia a dimensão dos custos de transporte no modelo, pois remete a seu papel como elemento de reorganização da distribuição espacial (COUTINHO, 2004, p. 7). De fato, e inclusive antecipando algumas das ideias de Smith, Cantillon busca desenvolver o conceito de mercado. No mercado que ele descreve, “produtos que não concorrem entre si, devido à impossibilidade de transporte, [...] participam de mercados distintos; mercados distintos não nivelam os preços; custos de transporte muito elevados criam mercados distintos para o mesmo produto” (COUTINHO, 2004, p. 10). Entretanto, de forma diferente da que Smith fará, o equilíbrio desse mercado não emana de algum mecanismo mágico invisível: são as barganhas e as trocas realizadas por todos os agentes que mantêm o mercado funcionando. Outra grande preocupação de Cantillon diz respeito às formas por meio das quais as diferenças de meio circulante afetam os níveis de preços, o comércio internacional e o desenvolvimento das nações. A localização do país passa a ser um fator estratégico de competitividade internacional, atenuando ou intensificando os efeitos do aumento do nível de meio circulante provocados pelo superávit comercial. Nesse ponto, a localização interage com o specie flow mechanism. É importante assinalar que o modelo de comércio internacional do Ensaio leva em consideração preços de mercadorias e de fatores e, preponderantemente, o nível dos salários. A mobilidade dos fatores é um dos mecanismos de equilíbrio dos preços no mercado internacional, considerados os custos de transporte. Assim sendo, vantagens em custos de transporte podem também retardar o gatilho da mobilidade fatorial (COUTINHO, 2004, p. 10). Coubert foi outro grande nome entre os que buscaram refletir sobre as práticas governamentais associadas ao ideário mercantilista. Segundo Souza ([s.d.], p. 5): Na França, o Mercantilismo manifestou-se pelo Colbertismo, ideias derivadas de Jean Baptiste Colbert (1619-1683), segundo as quais as disponibilidades de metais preciosos poderiam aumentar pelas exportações e pelo desenvolvimento das manufaturas. Colbert foi Ministro das Finanças de Louis XIV e chegou a controlar toda a administração pública. Protegeu a indústria e o comércio. Trouxe para a França importantes artesãos estrangeiros, criou fábricas estatais, reorganizou as finanças públicas e a justiça, criou empresas de navegação e fundou a Academia de Ciências e o Observatório Nacional da França. Com a proteção à indústria, as exportações seriam mais regulares e com maior valor. Com esse objetivo, os salários e os juros passaram a ser controlados pelo Estado, a fim de não elevar os 29 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 1/ 10 /2 01 5 HISTÓRIA DO PENSAMENTO ECONÔMICO custos de produção e poder assegurar vantagens competitivas no mercado internacional. O Colbertismo implicava [a] intervenção do Estado em todos os domínios e caracterizava-se pelo protecionismo, ou seja, pela adoção de medidas pelo governo para proteger as empresas nacionais contra a concorrência estrangeira. Seu pensamento encontra-se na sua obraCartas, Instruções e Memórias, 1651 a 1669. Finalmente, Souza ([s.d.], p. 5) cita outros importantes nomes e significativas obras representativas do pensamento mercantilista. a) Malestroit (Paradoxos sobre a Moeda, 1566): segundo ele, o aumento do estoque de metais preciosos não provocava inflação; b) Jean Bodin (Resposta aos Paradoxos do Sr. Malestroit, 1568): para ele, maior quantidade de moeda gerava aumento do nível geral de preços; c) Ortiz (Relatório ao Rei para Impedir a Saída de Ouro, 1588): ele afirmava que, quanto mais ouro o país acumulasse, tanto mais rico ele seria; d) Montchrétien (Tratado de Economia Política, 1615): ensinava que o ouro e a prata suprem as necessidades dos homens, sendo o ouro muitas vezes mais poderoso do que o ferro; e) Locke (Consequências da Redução da Taxa de Juro e da Elevação do Valor da Moeda, Londres, 1692): argumentava que os metais preciosos precisavam permanecer no país. f) Thomas Mun (Discurso sobre o Comércio da Inglaterra com as Índias Orientais, 1621). Através dessa obra, Mun exerceu grande influência sobre o colonialismo inglês. Por sua vez, Corazza (2009, p. 112) percebe no período mercantilista uma discussão antecipada do que viria a ser tema frequente de debates na área das Ciências Econômicas. Assim, do ponto de vista metodológico, podemos considerar como precursores de um confronto metodológico, que perdurará longamente na história da ciência econômica, os autores William Petty e Dudley North. Petty, ao propor só aceitar conhecimentos baseados nos sentidos e causas que tenham fundamentos naturais, antecipa o uso do método empírico, indutivo ou experimental. Os argumentos devem basear-se em números, pesos e medidas. Sua “aritmética política” se confunde, de certo modo, com a futura estatística econômica. Em contraposição, North, em seu Discurso sobre o Comércio (1691), propõe um método oposto, baseado na dedução, de explícita inspiração cartesiana. Para ele, só devem ser aceitos os conhecimentos baseados em ideias claras e evidentes, a partir das quais se poderiam deduzir logicamente outros conhecimentos, também claros e evidentes. 30 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 1/ 10 /2 01 5 Unidade I Saiba mais Sugerimos fortemente a leitura do texto do Professor Nali de Souza, já que proporciona uma visão ampla e resumida das principais ideias da história do pensamento econômico: SOUZA, N. J. Uma introdução à história do pensamento econômico. [s.d.]. Disponível em: <http://www.nalijsouza.web.br.com/introd_hpe.pdf>. Acesso em: 14 out. 2015. As ideias mercantilistas, paulatinamente, seriam abandonadas. Ainda, por influência do ambiente do despotismo esclarecido e da Ilustração, os ares iluministas provocariam profunda influência no pensamento filosófico, que, a partir dali, fazia surgir uma corrente preocupada única e exclusivamente com os aspectos do comportamento econômico e do funcionamento do próprio sistema capitalista. 2.1 O Despotismo Esclarecido e o Século das Luzes Para os mercantilistas, a origem da riqueza estava no acúmulo de ouro e prata. Com as exportações, conseguia-se metal; as importações, ao contrário, significavam o envio de metal para outras nações. Como uma nação poderia conseguir o superávit? Quanto mais poderosa ela fosse, quanto mais rotas comerciais estivessem sob o seu domínio, quanto maior a dependência de suas colônias em relação à metrópole, tanto maiores seriam as possibilidades de acumular ouro e prata (BRUE, 2006). Essa política requeria um Estado forte e um conjunto de instituições militares capazes de realizar a ação expansionista. Segundo Brue (2006), as frotas mercantes, desde que armadas e poderosas, eram um requisito absoluto para o sucesso dessa estratégia expansionista. Um governo centralizado bastante forte era outra exigência: fazia-se necessário um controle governamental bastante rigoroso para dar conta das políticas e das metas mercantilistas. Esse controle era visível por meio da concessão de monopólios, da edição de leis protecionistas e da elaboração e fiscalização de normas que regulamentassem a produção e a distribuição de mercadorias. As importações eram rigorosamente controladas, quando não proibidas, e a fixação de preços dos produtos nacionais no mercado interno obedecia às exigências da política mercantilista. Pedágios, impostos e regulamentações eram instrumentos de ação do Estado, tendo em vista o acúmulo de metal. É importante salientar que os mercantilistas não eram defensores do livre-comércio. Ao contrário, o ideário mercantilista se apoiava na concessão de monopólios e privilégios, mesmo porque essa era uma forma de manter o controle sobre a atividade econômica (BRUE, 2006). Em consonância, o sistema político absolutista estabeleceria seus próprios limites na versão mais popular do despotismo esclarecido, modelo monárquico em que a autoridade absoluta do rei era utilizada para distribuição de mais justiça social aos seus súditos. O despotismo estaria associado, portanto, ao 31 Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : F ab io - 2 1/ 10 /2 01 5 HISTÓRIA DO PENSAMENTO ECONÔMICO poder autoritário dos monarcas; o esclarecimento estaria associado a projetos de cunho mais liberal, sob a inspiração ou não dos ideais iluministas da Ilustração. Como exemplos desse Absolutismo “bem-intencionado”, podemos mencionar, na Prússia, Frederico II (1740-1786), que estimulou o ensino e a liberdade de culto entre seus súditos, aboliu a tortura e estabeleceu um novo código de justiça. Na Áustria, José II (1780-1790) aboliu a escravidão, estimulou a liberdade de culto e buscou racionalizar a administração do Estado. Claro que, na maioria dos casos, o esclarecimento ocupava menos espaço que o despotismo, pouco tendo influência, tanto do ponto de vista de mudanças radicais quanto do ponto de vista dos resultados concretos. Segundo Falcon (2009), temos como traço marcante dos setecentos essa associação entre a busca de governos mais populares e as ideias de uma série de pensadores e filósofos que defendiam uma postura intelectual madura, moderna e autônoma: Locke, Voltaire, Montesquieu e Rosseau surgiram como os arautos de um movimento filosófico que assumiu uma crítica implacável ao Absolutismo. Afinal, naquele momento, o capitalismo se disseminava, e o absolutismo político esbarrava nos anseios da burguesia em relação à liberdade de agir e à maturidade concreta. Essa análise explica, inclusive, a herança que o Iluminismo nos deixou, no que se refere a uma proposta individualista da cidadania com base na liberdade e na propriedade privada e a uma proposta filosófica racionalista e otimista quanto ao valor da ciência. Aliás, o próprio termo Iluminismo irá disputar espaço com outro, Ilustração, dependendo do lugar em que se disseminou. Na França, correspondeu ao sentido de uma filosofia de história e a um ato de fé, sentido resumido na palavra Luzes. Na Alemanha, o Iluminismo significará esclarecimento, descobrimento, e estará fortemente vinculado ao Despotismo Esclarecido de Frederico II e José II. Na Escócia, o Iluminismo ganhará contornos mais definidos em questões de natureza moral e econômica (e Adam Smith será o grande representante dessa vertente a partir das suas considerações sobre a natureza da riqueza das nações e da moral centrada no individualismo, no autointeresse e no egoísmo que, a partir de um movimento natural, acabam por gerar o bem-estar de todos). Em outras palavras, o Iluminismo, escola de pensamento fruto da ascensão da burguesia e da classe média, teria como foco de sua reflexão o debate sobre o papel do Estado e do rei, bem como o fortalecimento do primado da razão. Assim, nada mais natural que as obras mercantilistas, meras explanações das estratégias governamentais para a obtenção de saldos comerciais favoráveis, fossem dando espaço para obras mais reflexivas e que buscavam a compreensão do funcionamento da atividade econômica em sua totalidade.
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