Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
ARTRITE REUMATÓIDE (AR) poliartrite periférica simétrica aditiva das pequenas e grandes articulações A AR é uma doença que leva, por um processo imunomediado, a hiperplasia da membrana sinovial por proliferação inflamatória (sinovite) – que passa a ser capaz de invadir tecidos (pannus). Esse “pannus” (tecido inflamatório sinovial em proliferação) passa a recobrir as estruturas intra-articulares levando a obliteração do espaço articular e causando lesões progressivas na cartilagem articular e o tecido ósseo subjacente. * doença sistêmica inflamatória crônica de etiologia desconhecida - por ser sistêmica pode levar a manifestações extra-articulares * atinge articulações e estruturas periarticulares (tudo que apresentar membrana sinovial) -> inflamação das articulações, tendões e bursas * frequentemente leva a lesão articular e incapacidade física -> dor e sofrimento ao paciente * a AR diminui a expectativa de vida -> pois aumenta o risco cardiovascular -> o quadro de inflamação crônica promove a formação de placas ateroscleróticas de forma acelerada * doença atinge 1% da população * o paciente típico da AR é uma mulher jovem (30-50 anos) tabagista - após os 65 anos a diferença de incidência entre os sexos diminui FATORES DE RISCO * sexo feminino (3:1) * predisposição genética -> existe uma forte associação da AR com algumas variantes do HLA (gene HLA-DRB1) - a presença de marcadores genéticos está associada também com a maior gravidade do caso (artrite mais erosiva) - a história de AR em um parente de 1° grau aumenta de 2-10 vezes o risco de desenvolver a doença O HLA é uma proteína da superfície dos leucócitos envolvida no processo de apresentação de antígenos, certos genes (ex: gene HLA-DRB1) apresentam uma sequência de aminoácidos chamada de “epítopo compartilhado” que estabelece relação de alta afinidade com peptídeos “artritogênicos” – como os peptídeos citrulinados (originados da degradação da argilina). -> Com isso há a apresentação de peptídeos citrulinados, ativação de linfócitos T autorreativos e consequente exacerbação da resposta imune adaptativa, liberação de citocinas inflamatórias (ex.: TNF, IL-6, IL-1) e maturação de linfócitos B em plasmócitos (que passam a produzir o fator reumatoide). * o fator reumatoide é um anticorpo (geralmente IgM) que reconhece a porção Fc de anticorpos do tipo IgG, formando imunoscomplexos. * há também a produção de autoanticorpos contra peptídeos citrulinados (anti-CCP, que se liga a peptídeos citrulinados cíclicos) * tabagismo - o cigarro é pró-inflamatório - maior fator de risco ambiental -> o cigarro promove a formação de proteínas citrulinadas nos pulmões o que corrobora com a formação de imunocomplexos com o “epítopo compartilhado” presente no HLA específico do paciente com predisposição genética (HLA-DRB1) * exposição à sílica * infecções (p. gengivalles, Parvovírus, Epstein-Barr, Micoplasma, Mycobacterium e bactérias da microbiota intestinal) CLÍNICA Manifestações articulares * dor articular e aumento articular * dor inflamatória: instalação insidiosa, rigidez matinal prolongada (>60minutos), que melhora com a movimentação e piora com o repouso e está associada com edema articular persistente. -> paciente tende a deixar a articulação em flexão para reduzir a dor (posição antálgica – mais comum no cotovelo) -> muitas vezes as dores podem ser acompanhadas de sintomas constitucionais - fadiga - mal-estar - anorexia - mialgia FORMA CLÁSSICA: artrite simétrica de pequenas articulações com início pelas articulações das mãos (metacarpofalangianas e interfalangianas proximais) e pés (metatarsofalangianas). Progredindo (de forma aditiva) para os punhos, joelhos, cotovelos, tornozelos, quadril e ombros. -> assim, geralmente, os ombros são afetados de forma tardia -> ATM, coluna cervical e cricoaritenóideas são afetadas raramente -> a AR não acomete coluna lombar ou torácica (maneira de diferenciar da espondilite) -> doença preserva interfalangianas distais - importante fator de exclusão - paciente com inflamação articular em interfalangianas distais não tem AR (pensar em diagnósticos alternativos: artrite psoriática ou osteoartrite) -> apesar da forma clássica o quadro clínico da AR é bastante variável * o padrão inicial pode ser monoarticular, oligoarticular (≤ 4 articulações) ou poliarticular (> 5 articulações), em geral em uma distribuição simétrica. Alguns pacientes com artrite inflamatória irão se apresentar com poucas articulações afetadas para serem diagnosticados como AR – artrite inflamatória indiferenciada. MÃOS * achado inicial: tumefação das interfalangianas proximais * com o avanço do processo inflamatório ocorre frouxidão dos tecidos moles periarticulares levando à desvio ulnar dos dedos * a tenossinovite do tendão flexor é uma característica frequente da AR e leva a uma redução na amplitude de movimento e na força de preensão, e a dedos “em gatilho” * a hiperextensão das interfalangianas proximais, em combinação com a flexão das interfalangianas distais, origina a deformidade tipo "pescoço de cisne" * a hiperflexão das interfalangianas proximais, com hiperextensão das distais, pode resultar na deformidade em "abotoadura" PUNHOS * é esperado o acometimento simétrico dos punhos em quase todos os pacientes com AR * as deformidades dos punhos, junto às metacarpofalangianas, determinam um aspecto peculiar conhecido como "punhos em dorso de camelo" * pode haver a compressão do nervo mediano levando a síndrome do carpo (parestesia do polegar, segundo e terceiro dedo e da metade radial do quarto dedo) JOELHOS * articulações frequentemente acometidas na AR * derrames articulares podem ser identificados pela compressão da patela (sinal da tecla) - paciente em decúbito dorsal e joelho estendido – a percepção de "flutuação" patelar (ou seja, a sensação que a patela afunda, toca a superfície femoral e "retorna à superfície") confirma a existência de líquido sinovial em excesso !! paciente com AR e acometimento de joelho, necessariamente precisa apresentar acometimento de outras articulações antes -> monoartrite de joelho não sugere AR Cisto de Baker Eventualmente a membrana sinovial da região poplítea desenvolve uma espécie de bolsa que pode invadir os planos musculares da panturrilha. * o rompimento de um Cisto de Baker pode simular uma trombose venosa profunda (principalmente se estiver infeccionado) -> realizar doppler do membro envolvido PÉ * Envolvimento de metatarsofalangianas é comum (na forma clássica são acometidas após o aparecimento da artrite nas mãos) * Hálux valgo (joanete) * Pé plano por abaulamento do arco anterior (metatarsiano); * Subluxação das cabeças metatarsianas; * Lesões plantares (pelas deformidades). COLUNA CERVICAL * o envolvimento cervical pela AR é potencialmente muito grave, podendo inclusive levar a óbito. * a subluxação atlantoaxial (C1 sobre C2) atualmente é encontrada em menos de 10% dos casos -> um acidente de carro com o movimento brusco cervical em um paciente com AR e subluxação atrantoaxial pode levar a compressão medular e a manifestações como tetraparesia ou tetraplegia, pode levar à paralisia diafragmática e compressão das artérias vertebrais, resultando em insuficiência respiratória e insuficiência vertebrobasilar (vertigens + síncope), respectivamente. COTOVELOS * causa de bursite olecraniana -> existem 4 causas de bursite olecraniana: gota, trauma, infecção e AR OMBROS * acometidos nas fases tardias da AR * quando acometidos podem apresentar grandes cistos sinoviais Manifestações extra-articulares CUTÂNEAS * nódulos reumatoides subcutâneos * eritema palpar * infartos acastanhados distais * vasculite necrosante hoje em dia tal complicação é rara devido ao tratamento OFTALMOLÓGICAS * Síndrome de Sjogren secundária- manifestação ocular mais comum * Episclerite - eritema ocular - manifestação autolimitada * Esclerite - condição dolorosa - emergência oftalmológica - pode levar a perda de acuidade visual PULMONARES -> infecções são as principais complicações pulmonares -> a pleurite é uma complicação sistêmica clássica da AR * Derrame pleural - geralmente pouco volumoso e oligossintomático ou assintomático - exsudato (LDH e proteínas alto) com queda do complemento, positivo para FR e redução acentuada dos níveis de glicose, pH baixo * Nódulos reumatoides no parênquima - podem estar presentes no parênquima pulmonar - pacientes: HIV, sinovite generalizada e nódulos em outros locais * Cavitação e pneumotórax - complicações dos nódulos reumatoides pulmonares * Fibrose intersticial difusa do parênquima - áreas de pneumonite e faveolamento * Bronquiolite constritiva * BOOP (bronquiolite obliterante com organização pneumônica) - sinaliza mal prognóstico * Síndrome de Caplan - combinação de nódulos reumatoides pulmonares + pneumoconiose - descrita em mineiros de carvão, mas também é associada com exposição à sílica CARDÍACAS * Pericardite - maioria é assintomática * IAM por vasculite coronária * Nódulos reumatoides no miocárdio - podem causar distúrbios de condução, arritmias e insuficiência valvar NEUROLÓGICAS * Nódulos reumatoides nas meninges * Síndrome do túnel do carpo/tarso * Neuropatia cervical (subluxação atlantoaxial) * Vasculite da vasa nervorum com mononeurite múltipla - perda sensitiva difusa de uma ou mais extremidades RENAIS * Nefropatia medicamentosa - nefropatia membranosa associada ao uso de medicamentos para AR NÓDULOS REUMATOIDES SUBCUTÂNEOS - ocorrem em 20-30% dos pacientes (particularmente naqueles com FR+) - refletem o nível de atividade da doença - surgem em áreas com maior pressão mecânica (cotovelo, mãos, pés e calcâneo) * Glomerulonefrite * Amiloidose - a AR é segunda causa mais comum de amiloidose na prática médica - pode levar a síndrome nefrótica, com rins de tamanho aumentado HEMATOLÓGICAS * Anemia normocítica e normocrômica - o grau de anemia tem relação direta com o grau de inflamação – correlaciona-se com os níveis séricos de PCR e com o VHS * Síndrome de Felty (<1% dos pacientes) - tríade clínica clássica -> neutropenia, esplenomegalia e AR nodular - costuma ocorrer no estágio final da doença grave DIAGNÓSTICO * o diagnóstico precoce é fundamental Critérios ACR-EULAR (novos critérios) (1) sinovite clinicamente evidente em três ou mais articulações periféricas típicas (ex.: mãos, punhos e pés) (2) positividade para fator reumatoide e/ou ACPA (3) aumento de VHS e/ou proteína C-reativa (4) exclusão de outros diagnósticos - a artrite deve ter > 6 semanas de duração -> excluído a possibilidade de síndromes articulares que cursam com produção de FR (ex: artrite viral) LABORATÓRIO Marcadores sorológicos Fator Reumatoide * autoanticorpo (geralmente IgM, mas pode ser IgA ou até IgG) que “ataca” a porção Fc das moléculas de IgG * encontrado em 70-80% dos pacientes com AR um resultado FR negativo jamais descarta o diagnóstico de AR * o FR tem baixa especificidade - diversas outras condições (autoimunes ou não) estimulam a produção de FR - contudo, um paciente com quadro sugestivo de AR e FR positivo apresenta grandes chances de ser portador da doença * FR também funciona como valor prognóstico - quanto maiores os títulos de FR maiores as chances de gravidade, complicações (nódulos reumatoides, vasculite necrosante e síndrome de Felty) Anti-CCP autoanticorpo antipeptídeo citrulados cíclicos * autoanticorpo que reage contra proteínas resíduos da argilina que foram transformadas em citrulinas sob ação da enzima PAD * o anti-CCP apresenta a mesma sensibilidade do FR, contudo sua especificidade é alta * Anti-CCP podem estar presentes por anos antes do início dos sintomas -> quadros de artrite indiferenciada tem mais chances de serem diagnosticados como AR na vigência de anti-CCP positivo * os níveis de anti-CCP também estão diretamente relacionados com o prognóstico da doença Cerca de 80% do dano articular causado pela AR se estabelece nos primeiros anos de atividade da doença Para evitar perda de funcionalidade e deformidades permanentes é necessário intervir de maneira precoce o tabagismo aumenta a taxa de citrulinização proteica *por isso é um o maior FR risco ambiental não se deve utilizar os valores dos títulos de FR e de anti-CCP para monitorar a resposta ao tratamento da AR a variação da atividade da doença não se relaciona com a variação nos títulos desses marcadores Marcadores sorológicos * VHS e PCR encontram-se aumentados na AR em atividade * a eletroforese de proteínas revela aumento das frações α-2-globulina (estado inflamatório) e γ- globulinas (estimulação antigênica inespecífica e policlonal) -> o acompanhamento do VHS e da PCR é útil como marcador de atividade da doença * anemia da doença crônica geralmente está presente (mediadores inflamatórios) * a trombocitose * a leucocitose - em casos de leucopenia esse será secundária ao uso de medicações Artrocentese * análise do líquido sinovial * não é essencial para o diagnóstico, mas pode ser útil em alguns casos (descartar artrite séptica e gota) - aspecto turvo com viscosidade reduzida, aumento de proteínas e concentração normal ou baixa de glicose - apresenta leucometria entre 5000-50.000/mm3 com predomínio de polimorfonucleares (diferente da osteoartrite, onde o número de leucócitos não ultrapassa 2.000/mm3) Exames de imagem Raio-X * achados de osteopenia justarticular, perda da cartilagem articular (diminuição do espaço sinovial), ciscos subcondrais e erosões ósseas marginais. O RX auxilia: - estimar a extensão da doença - monitorar o efeito do tratamento - avaliar necessidade de intervenção cirúrgica !! não faz parte dos critérios de diagnóstico * a RM pode detectar inflamação sinovial de forma mais precoce que o RX Fatores de Mau Prognóstico Mulheres; Idade precoce; Tabagismo; Anti-CCP e/ou FR reagentes; Manifestações extra-articulares; VHS e/ou PCR elevados; Erosões articulares; HLA-DRB1 positivo; Grande número de articulações acometidas; Índice de atividade de doença elevado; Acompanhamento Utilizam-se métricas compostas para acompanhar a doença e avaliar resposta ao tratamento ou reativação de doença; As mais conhecidas são: - DAS28; - CDAI; - SDAI; DAS28 1 e 2 – Dor e inchaço em 28 articulações: ombros, cotovelos, punhos, MFP’s, IFP’s e joelhos; 3 - PCR ou VHS; 4 - Avaliação Global do Paciente (Escala visual analógica) DAS28- VHS= 0.56 × √(TJC28) + 0.28 × √(SJC28) + 0.70 × lognat(VHS) + 0.014 × EVA; DAS28 - PCR= 0.56 × √(TJC28) + 0.28 × √(SJC28) + 0.36 × lognat(CRP + 1) + 0.014 × GH + 0.96 Níveis de atividade: Alta > 5.1 Moderada 3.2 – 5.1 Baixa < 3.2 Remissão <2.6 TRATAMENTO O objetivo do tratamento é obter a remissão da doença ou, se não foi possível, a baixa atividade de doença; →ausência de edema e dor articular; →percepção adequada do paciente quando à doença; → normalização dos marcadores inflamatórios; → tratamento das manifestações extra-articulares quando presentes; O cumprimento disto reduz o dano articular cumulativo e a incapacidade física a longo prazo, melhorando a dor e qualidade de vida. Drogas modificadoras de atividade da doença reumática (DMARDs) → Metotrexato ⇒ primeira escolha (mais utilizada) → Leflunomida; → Sulfassalazina; → Hidroxicloroquina; * Cada uma com mecanismos de ação específicos agem como imunossupressores/imunomoduladores a de reduzir a resposta autoimune; * Fármacos de ação lenta (30-45 dias para início de ação). - Pode-se utilizar cursos autolimitados de corticosteróides (prednisona <15mg/dia) para alívio dos sintomas; * Os medicamentos devem ser iniciados assim queo diagnóstico da doença for obtido; * Preferencialmente, utilizar, sempre que possível, o metotrexato * A instituição precoce do tratamento visa a prevenir o dano articular e a incapacidade a longo prazo; * Os escores compostos de atividade de doença devem ser aplicados a cada 1-3 meses. Quando melhor controle houver, a cada 6 meses; Efeitos colaterais Metotrexato: efeitos gastrointestinais, alopécia, mucosite, citopenias, hepatite medicamentosa, cirrose hepática, pneumonite, imunossupressão; teratogênico; * Lab: AST/ALT; hemograma; * Lembrar do bloqueio da via do ácido fólico * Não usar na gravidez e pneumopatias Leflunomida: hipertensão arterial, citopenias, efeitos gastrointestinais, hepatite medicamentosa, pneumonite, neuropatia periférica, imunossupressão, teratogênico; Sulfassalazina: efeitos gastrointestinais, imunossupressão, reações alérgicas, leucopenia. Pode ser usado na gravidez; -> Se após 3-6 meses, o alvo terapêutico não for atingido, o tratamento deverá ser reavaliado; Opções: - metotrexato + leflunomida; - methotrexate + sulfasalazine + hidroxicloroquina; - DMARDs + terapia-alvo; Terapias-alvo: * realizar sorologia antes de iniciar (HBV, HCV, PPD/tuberculose) * Risco aumentado de tuberculose (especialmente com Anti-TNF alfa) - sempre fazer PPD pré-tratamento e, se > 5mm, tratamento de tuberculose latente com isoniazida por 6-9 meses para prevenir reativação da doença; * Ausência na resposta ao tratamento inicial (falha primária) * Perda da resposta obtida no decorrer do tempo (falha secundária) Cuidados Anti-TNF alfa: tuberculose, insuficiência cardíaca, infecções bacterianas e fúngicas, doenças desmielinizantes, lúpus droga-induzido; Rituximabe: infecções, hipogamaglobulinemia, reativação de infecções crônicas (especialmente hepatite B), leucoencefalopatia multifocal progressiva, reações infusionais; Anti-IL6: dislipidemia, hepatopatia, perfuração intestinal, infecções; Anti-JAK: dislipidemia, hepatopatia, infecções (especialmente herpes-zóster), trombose;
Compartilhar