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Livro - Atendimento Sistêmico de Famílias e Rede Sociais

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( 
( 
( 
Atendimento Sistêmico 
de Famílias e Redes Sociais 
Vol.11 o PROCEsso DE ATENDIMENTO s1sTÊM1co 
TOMO 1 
( 
Juliana Gontijo Aun 
Maria José Esteves de Vasconcellos 
Sônia Vieira Coelho 
mico de Famílias e Red~s Sociais 
50 DE ATENDIMENTO SIST!MICO 
ár as, atuando em diferentes contextos. 
v z mais, com situações em que se torna 
t nd r familias, como atendê-las inseridas em 
m nto ,stêmico de Famílias e Redes Sociais -
numa seqüência coerente e integrada, textos 
r o d profissionais de diferentes áreas de 
h r t ndimentos de famílias e de redes sociais. 
r v lum volume 1 - Fundamentos Teóricos e 
EOllllf'n,01i,101cc:,s. volum li O Processo de Atendimento Sistémico 
r tica , t~micas Novo-paradigmóticas. 
rlva da prática das autoras e tem sido amplamente 
r u alunos na fundamentação e realização de 
d t nd1mcnto sistêmico: de uma familia ampliada, 
r m orno do problema de uma familia, da rede em torno 
pr bl ma d várias familias, de grupos multifamiliares cm torno 
um pr I ma comum - que vêm sendo utilizados com sucesso. 
t 1s como adoção, guarda compartilhada, educação sexual, 
a 1ntra-fam1har, socialização de crianças e jovens, drogadicção, 
fnmento mental, prematuridade, assentamento de familias. 
ln tu o social, presença de portador de HN na familia etc. ~m 
ndo abordadas em variados contextos: hospitalar, judiciário, 
lar, comunitário ... 
O uso desse material contribuirá também para habilitar os 
profissionais não só para compreender e atuar sistemicamente, 
como para integrar equipes transdisciplinares de atendimento. 
Assim, certamente facilitará a professores e alunos essa longa 
travessia da mudança de paradigma que traz questionamentos. 
rd1cxões, revisões e que implica em sofridas perdas e prazerosos ganhos. 
Neste segundo volume, já começando a se preparar para a realização 
das práticas sistêmicas novo-paradigmáticas, os leitores encontrarão: 
- uma explicitação de como as autoras concebem o processo de 
atendimento sistêmico de famílias e redes sociais: a concepção do 
sistema a ser atendido, a nova identidade do profissional, a 
constituição de equipes de atendimento e os passos distinguidos 
nesse processo de atendimento; 
- uma breve exposição de alguns recursos teóricos e instrumentais 
para a c:omprcensão e o atendimento do sistema familiar- dcsenYoMdos 
em outros contextos de prática - de que o profi$ional sistemico novo-
paradigmático poderá se utilizar no atendimento sistêmico de familias 
e redes sociais: recursos desenvolvidos pelas abordagens transgcracional, 
estrutural e comunicacional do sistema familiar. 
Atendimento Sistêmico 
de Familias e Redes Sociais 
v. II - O processo de atendimento sistêmico 
TOMOI 
Atendimento Sistêmico 
de Famílias e Redes Sociais 
v. II - O processo de atendimento sistêmico 
TOMOI 
Juliana Gontijo Aun 
Maria José Esteves de Vasconcellos 
Sônia Vieira Coelho 
Ophicina de Arte & Prosa 
Belo Horizon te - 2007 
www.equipsis.com.br 
tcndim ·nt isrêmico de Famílias e Redes Sociais 
v. 2 - pr cesso de atendimento sistêmico 
pyright 2007 by JuLiana Gontijo Aun, Maria José Esteves de VasconceUos, Sônia 
Vieira Coelho. Direitos reservados para a língua portuguesa: Juliana Gontijo Aun, 
Maria José Esteves de Vasconcellos, Sônia Vieira Coelho. 
Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida, sejam quais forem os meios 
empregados, sem a permissão, por escrito, das Autoras. 
Capa: Danielle Parentoni 
Diagramação: Objeto de Arte Design Editorial 
Revisão: Rachel Kopit Cunha 
juLiana@aun.psc.br 
estevasc@terra.com. br 
soniavcoelho@terra.com.br 
equipsis@equipsis.com.br - www.equisis.com.br 
A926a 
2007 
Ophicina de Arte & Prosa 
Editores: Rachel Kopit - Fernando Poetta 
(31) 9128-7441 - 9197-1589 
Aun,Juliana Gontijo 
Atendimento sistémico de famílias e redes sociais / Juliana Gontijo 
Aun, Maria José Esteves de Vasconcellos, Sônia Vieira Coelho. - Belo 
Horizonte: Ophicina de Arte & Prosa, 2007. - (v.2., t.1. O processo de 
acendimento sistêmico) 
216p. 
ISBN: 978-85-88750-31-9 
1. Acendimento de familia. 2. Escudo da família. 3. Epistemologia 
sistémica. 4. Pensamento siscêm.ico novo-paradigmático. 5. Política 
social. 6. Redes sociais. 1. Aun, J uLiana G. II Vasconcellos, Macia José 
Esteves de. 111 . Coelho, Sônia Vieira .. Titulo. 
CDU: 364.044.24 
SUMÁRIO 
Apresentação ................. .... ...... .................. ........................................... ......... .. .... ...... 7 
TOMO I - O PROCESSO DE ATENDIMENTO SISTÊMICO 
DE FAMÍLIAS E REDES SOCIAIS 
• Introdução ................ ... ........ .... ........ .................... ..... ........... ... .. ... .... ..... ........ .... .. 11 
• Familia como sistema, sistema mais amplo que a familia, sistema 
determinado pelo problema - Juliana Gonttjo Aun, Maria José 
Esteves de Vasconce//os, Sónia Vieira Coelho ................................ ... ...... .. ...... ... ... 13 
• Uma nova identidade para o profissional que lida com as relações 
humanas: o especialista em atendimento sistêrnico -
Juliana Gontjjo A un ........ ............ ....... ..... ...... .................................. .. ................... 38 
• O profissional novo-paradigmático, sua prática, sua ética -
Maria José Esteves de Vasconce//os .. ...... ..... ....... ................................... ....... .. ........ 61 
• Valores: questões para a reflexão do profissional novo-paradigmático 
- Maria José Esteves de Vasconcellos ................................................................... 84 
• A questão da equipe interdisciplinar - Sónia Vieira Coelho .. ..................... ... 89 
• Pensando uma equipe interdisciplinar como um sistema: a partir do 
pensamento sistêmico novo-paradigmático - Juliana GontijoA1111 ......... 118 
• O processo de atendimento sistêrnico: passos para sua realização 
Juliana Gontijo A11n ..... .... .... ............ ........ ............. ........ .... .. ..... ............... .. ........ 138 
• A distinção do problema, no lugar do diagnóstico -
Juliana Gontijo Aun .... .... .. ... .. .................................. ... .. ............................ ... ..... 188 
Referências bibliográficas .. .. .......... .... ............................................ ... ...... .... ......... 207 
SUMÁRIO DO TOMO II 
RECURSOS TEÓRICOS E INSTRUMENTAIS PARA A 
COMPREENSÃO E ATENDIMENTO DO SISTEMA 
FAMILIAR 
• Introdução 
• Panorama das abordagens transgeracionais em terapia familiar -
Mmia José Esteves de Vasconcellos 
• A transmissão transgeracional de padrões familiares: 
conceitos teóricos - Sônia Vieira Coelho 
• A transmissão de padrões familiares: o ciclo de vida 
e recursos instrumentais - Sônia Vieira Coelho 
• A transmissão transgeracional da contabilidade familiar -
Juliana Gontijo A1m 
• Aspectos estruturais do sistema familiar - Sônia Vieira Coelho 
• A "teoria da comunicação humana" na abordagem 
sistêmica da família - Maria José Esteves de Vasconcellos 
• A presença e os efeitos da comunicação paradoxal 
nas interações humanas - Maria José Esteves de Vasconcellos 
• Permanência e mudança: formação e resolução de problemas -
Juliana Gontijo Aun 
• Compreendendo a dificuldade da mudança: "jogo sem fim" 
e política - Maria José Esteves de Vasconcellos 
• Paradoxo e intervenções para a mudança -
Maria José Esteves de Vasconcellos 
• Roteiros para entrevistas com a familia - Juliana Gontijo Aun 
e Sônia Vieira Coelho 
Referências bibliográficas 
APRESENTAÇÃO 
Esta obra se constitui de três volumes. o volume I - publicado em 
1005 (2 ed., 2006) - abordamos o que distinguimos como os fundamentos 
1rnricos e epistemológicos para os atendimentos sistêmicos de familias e 
1l·clcs sociais. Neste volume II, começamos a abordar alguns aspectos da 
,lluação do profissional sistêmico novo-paradigmático - o que ainda conti-
nuaremos a fazer no volume III. 
Nossa proposta para este volume era a de primeiro apresentar uma 
explicitação de como concebemos o processo de atendimento sistêmico de 
familiase redes sociais e, em seguida, fazer uma breve exposição de alguns 
recursos teóricos e instrumentais - já desenvolvidos em outros contextos 
de prática - de que o profissional sistêmico novo-paradigmático poderá 
utilizar-se, seja no atendimento sis têmico de familias, seja no atendimento 
de sistemas mais amplos do que a familia . 
Entretanto, dada a extensão do material que preparamos, foi necessá-
rio subdividir essa segunda parte, incluindo neste volume - além do proces-
so de atendimento sistêmico - apenas os recursos teóricos e instrumentais 
para a compreensão e atendimento de familias. D eixamos para o volume III 
os recursos teóricos e instrumentais para a compreensão e atuação em siste-
mas mais amplos que a familia, no qual também incluiremos uma descrição 
de práticas sistêmicas coerentes com a definição do processo de atendimen-
to sistêmico aqui apresentado. 
Então, este volume se constitui de dois tomos, cada um deles com 
textos das três autoras. 
O Tomo I contém os textos referentes às implicações da epistemo-
logia para a concepção do processo de atendimento sistêmico, abordando: 
nossa concepção de família como sistema e de sistemas mais amplos que a 
familia; a identidade do profissional novo-paradigmático e sua ética ao atu-
ar; a constituição e funcionamento de equipes sistêmicas interdisciplinares e 
transdisciplinares; e, finalmente, a descrição dos passos que constituem um 
processo de atendimento sistêmico de familias e redes sociais e a questão do 
diagnóstico, revista na perspectiva si têmica novo-paradigmática. 
O Tomo II contém textos que pretendem fazer um resgate de algu-
mas contribuições teóricas para a c mpreensão do funcionamento do siste-
7 
ma familiar e de algumas propostas de intervenção desenvolvidas na pers-
pectiva istêmica de 1 ª ordem, oferecendo: uma visão geral das abordagens 
tran geraci nais da familia, focalizando especialmente as contribuições de 
Bowen e de Boszormenyi-Nagi; uma visão geral das abordagens estrutural 
e comunicacional do sistema familiar; as questões da mudança e das inter-
venções estratégicas para a mudança; e, finalmente, algumas orientações e 
roteiros para a realização de entrevi tas com a família. 
pesar de cada texto ser e cri to por uma de nós - cada uma manten-
do seu estilo próprio - preocupamo-nos com a unidade do conteúdo, com 
a coerência no uso dos conceitos e com a articulação dos diferentes temas. 
Trata-se de variados aspectos interligados do processo de atendimen-
to sistêmico. Como não podem ser apresentados todos simultaneamente, 
apesar de apresentá-los separadamente, em diferentes textos, procuramo 
evidenciar sua interligação, remetendo freqüentemente o leitor - por meio 
de notas de rodapé - a aspectos correlatos ou complementares ao tema, que 
e encontram em outros textos. 
Sendo esta obra o resultado de no sos trabalho conjuntos, que vêm 
se desenvolvendo há longo tempo, muitas referências bibliográficas são co-
muns a vários textos. Por isso, optamos por apresentá-las todas reunidas, 
no final de cada tomo. Além disso, cabe ressaltar que nos preocupamos em 
preservar a cronologia das publicações referidas, colocando duas datas jun-
to ao nome do autor citado: a primeira se refere à data de publicação da edi-
ção efetivamente consu.ltada, e a segunda, à data da publicação original do 
texto. Para facilitar a leitura, os útulos de artigos ou livros citados no texto 
estão todos em português, mesmo quando o material consultado, constante 
na seção de Referências Bibliográficas, esteja em outro idioma. esse caso, 
a tradução das citações li terais foi feita pelas autoras. 
Tendo sido muito boa a acolhida do volume 1, esperamos que tam-
bém este corresponda às expectativas dos professores e alunos interessados 
nestes temas, com os quais temos estado tão envolvidas. 
Belo Horizonte, maio de 2007. 
As aJJtoras 
TOMO I 
O Processo de Atendimento 
Sistêmico de Famílias 
e Redes Sociais 
Introdução 
Este tomo I do volume II reúne oito textos que ressaltam as-
1 •1 t s importantes do processo de atendimento sistémico, tal como o 
, ,111 ebemos. 
No primeiro deles, "Família como sistema, sistema mais amplo 
•111 · a familia, sistema determinado pelo problema", elaborado conjun-
t.11 ente pelas três autoras, apresentamos nossa concepção dos sistemas 
qu atendemos - a família e os sistemas mais amplos do que a família 
destacando como mudou essa concepção quando assumimos o pen-
samento sistémico novo-paradigmático. 
A seguir, o texto "Uma nova identidade para o profissional que 
lida com relações humanas: o especialista em atendimento sistémico" 
destaca as novas noções teórico-práticas de problema, de diagnóstico 
e de sistema a tratar ou sistema determinado pelo problema, coerentes 
com a visão sistémica de 2ª ordem. Aborda especialmente as implica-
ções da adoção dessa visão pelo profissional, definido como "constru-
tor de contextos". 
Caracterizando a prática do profissional novo-paradigmático 
como a participação em conversações transformadoras, o texto "O 
profissional novo-paradigmático, sua prática, sua ética" destaca alguns 
aspectos dessas conversações - sobre o quê? com quem? como? o pro-
fissional conversa - bem como a preocupação ética nelas implicada. 
Diretamente relacionado a essa dimensão ética da atuação do 
profissional, o texto ''Valores: questões para a reflexão do profissio-
nal novo-paradigmático" contrasta a concepção tradicional de valores 
em nossa sociedade contemporânea com sua concepção na perspectiva 
novo-paradigmática. 
Abordando a questão das equipes constituídas por profissionais 
de diversas especialidades, seguem-se dois textos - ''A questão da equi-
pe interdisciplinar" e ''Pensando uma equipe interdisciplinar como um 
sistema: a partir do pensamento sistémico novo-paradigmático". 
No primeiro, são abordadas as diferenças entre equipes multi-
disciplinares e equipes interdisciplinares, e ainda uma distinção entre 
11 
equipes sistêmicas em que os profissionais têm uma visão sistêmica de 
1 ª ordem e equipes sistêmicas cujos profissionais assumem uma postura 
sistêmica de 2ª ordem, as equipes transdisciplinares. 
No segundo, é descrito o atendimento de um caso por uma equi-
pe interdisciplinar tradicional, apontando suas dificuldades. Em segui-
da, abordando o mesmo caso, são sugeridas as possibilidades de seu 
atendimento por uma equipe sistêmica de 1 ª ordem e por uma equipe 
transdisciplinar. 
No texto "O processo de atendimento sistêmico de familias e 
redes sociais: passos para sua realização", é feita uma apresentação di-
dática do processo de atendimento, com descrições detalhadas sobre os 
passos que o profissional realiza, no atendimento sistêmico de familias e 
redes sociais. Para ilustrar o processo, é relatada uma pesquisa-ação, em 
que se identificam esses passos. 
Finalmente, o texto ''A distinção do problema, no lugar do diag-
nóstico" questiona o diagnóstico, tradicionalmente embasado no mode-
lo médico e propõe um outro modo de pensá-lo, coerente com o pen-
samento sistêmico novo-paradigmático. Exemplifica, com a descrição 
de alguns atendimentos sistêmicos, essa abordagem em que não ocorre 
uma etapa de diagnóstico ou de avaliação, tal como tradicionalmente 
definida. 
17 
FAMÍLIA COMO SISTEMA, SISTEMA 
MAIS AMPLO QUE A FAMÍLIA, SISTEMA 
DETERMINADO PELO PROBLEMA 
Juliana Gontijo Aun 
Maria José Esteves de Vasconcellos 
Sônia Vieira Coelho 
''A familia não existe: vemos a familia porque somos especialistas 
em vê-la". 
Pode parecer muito estranho iniciar com essa afirmação um ca-
pítulo cujo título anuncia uma proposta em que se começaria apresen-
tando ou definindo a familia como um sistema. Como definir como um 
sistema algo que não existe? 
Trata-se de uma afirmação que faz sentido, tendo-se assumido a 
visão sistêmica novo-paradigmática', ou uma visão sistêmica de 2ª ordem. 
Essa é a proposta deste capítulo: refletir sobre nossa concepção de famí-
lia - e de outros sistemas- a partir dessa nova postura epistemológica. 
Coerentes com essa visão, assumimos posturas que parecem mui-
to radicais para quem ainda não fez a ultrapassagem do paradigma tra-
dicional. Não se trata apenas de admitir que a familia pode ser vista ou 
concebida de diferentes modos, com diferentes lentes ou teorias, o que 
seria apenas repetir uma postura relativista. Trata-se de ir além do relati-
vismo e admitir que a familia não pré-existe ao olhar de um observador 
e que é este que a faz emergir. 
Consistente com essa postura de 2ª ordem e chamando-a de "tese 
construtivista", Sluzki afirma que 
vemos e tratamos a família nuclear, e em certas ocasiões, a família 
extensa, porque somos especialistas em vê-la e não porque exista 
assim, como uma forma claramente delineada. Estudamos a 
família porque a vemos, e a vemos porque a evocamos com nossos 
modelos e nosso interrogatório. ( ... ) Vivemos imersos em redes 
' Ver o texto "Pensamento sistêmico novo-paradigmático: novo-paradigmático, por quê?", no volume 1 
desta obra. 
múltiplas, complexas e em evolução, dentre as quais "extraímos" a 
família quando perguntamos, por exemplo, "Quem faz parte de sua 
farru1ia?" (Sluzki, 1997a, p. 28). 
Podemos ainda ir além dessa afirmação de Sluzki e dizer que essas 
redes, em que ele diz que vivemos imersos, também não existem: 
Constituímos a rede, quando perguntamos: "quem são as pessoas 
significativas para você, na família nuclear, na familia extensa, no 
trabalho, na escola, na vizinhança, na comunidade?" Se focalizamos 
a rede, nós o fazemos às custas de focalizar menos o indivíduo 
ou a família. ( ... ) A escolha da unidade em foco será sempre do 
"observador" e dependerá de seu "paradigma" (Esteves de 
Vasconcellos, 2000/1996). 
Vemos as redes porque nossa visão sistêmica nos permite vê-Ias ou 
porque nos tornamos especialistas em vê-las. Se continuarmos especialis-
tas em ver indivíduos, continuaremos vendo e tratando de indivíduos. 
Concebemos a família como um sistema porque desenvolvemos 
um olhar sistêmico e então, para nós, a familia emerge como um siste-
ma, para o qual orientamos nossas práticas e nossas intervenções, ao 
propor e realizar o "atendimento sistêmico de famílias e redes sociais". 
Acreditamos que, sem esse olhar sistêmico, o profissional, mes-
mo pretendendo trabalhar com a familia - como acontece, por exem-
plo, com os profissionais do Programa de Saúde da Familia e, de resto, 
com muitos outros profissionais e outros programas sociais - acaba 
"tratando do indivíduo na familia", sem conseguir deslocar seu olhar do 
indivíduo para a teia de relações entre os elementos do grupo familiar, 
as quais constituem o sistema familiar. 
Só com esse foco nas relações, o grupo familiar emergiria como 
um sistema para esses profissionais, possibilitando então planejar e diri-
gir sua atuação às relações familiares, desenvolvendo práticas sistêmicas, 
mesmo que ainda sistêmicas de 1 ª ordem. Seria já um primeiro passo, 
para então avançarem para a visão sistêmica de 2ª ordem, que temos 
procurado assumir e que embasa as práticas sistêmicas que temos pro-
curado desenvolver. 
Antes mesmo de se desenvolver a concepção da "familia como 
sistema" - o que aconteceu por volta dos anos 50 do século passado 
muitas disciplinas, tais como sociologia, antropologia, demografia, 
direito, psicanálise, história, psicologia, já tinham se interessado pelo 
estudo da familia, propondo diferentes definições para o grupo familiar, 
embasadas em diferentes critérios (Coelho, 2005).2 
Apesar de evidenciarem aspectos importantes do funcionamento 
de uma família, esses estudos não oferecem, entretanto, fundamento 
teórico para se trabalhar com a família como uma unidade, uma vez que 
ainda não a concebem como um sistema. 
Com o surgimento da terapia familiar sistêmica, os terapeutas de 
familia conceberam "a familia como um sistema" e, colocando o foco 
nas interações, puderam trabalhar com ela como uma unidade. 
Surgem então as definições sistêmicas da familia, ou definições da 
familia como um sistema, quando se estendem para o sistema familiar 
os conceitos teóricos desenvolvidos para os sistemas em geral - seja 
pela Teoria Geral dos Sistemas, seja pela Teoria Cibernética.3 Essas teo-
rias - com uma pretensão transdisciplinar - se propuseram desenvolver 
princípios teóricos aplicáveis a todo e qualquer sistema, independen-
temente da natureza de seus componentes. Surgem então definições 
de familia focalizando as relações entre os elementos constituintes do 
sistema familiar. 
Acontece que a maior parte do que já se tem escrito sobre a 
"familia como um sistema" está conforme uma visão sistêmica de 1 ª 
ordem, de acordo com diversos modelos teóricos desenvolvidos, não 
só para se compreender o funcionamento do sistema familiar, como 
também para fundamentar as intervenções em terapia familiar sistêmi-
ca. O que as caracteriza como concepções de 1 ª ordem é exatamente 
o fato de não partirem do pressuposto - ou pelo menos de não o 
explicitarem - de que o sistema familiar emerge das distinções de ob-
servadores e de consensos construídos na linguagem sobre o que o 
constitui como tal. 
'Ver o texto "Introdução aos estudos da família", no volume I desta obra. 
' Ver o capítulo 6 - "Rastreando as origens das abordagens teóricas dos sistemas" do livro Pema111mlo 
1i1li111it0. O 11011/J porodig1110 da cii,rcia (Esteves de Vasconcellos, 2002). 
Nesse caso, essas definições sistêmicas de 1 ª ordem, adotadas por 
profissionais que, sendo sistêmicos, já assumiram apenas o pressuposto da 
complexidade, tendem a ser definições reificadas4 do sistema familiar. 
Entretanto essas definições foram importantes, por colocarem o 
foco nos padrões de interação do sistema familiar e por terem intro-
duzido a concepção sistêmica da família. Além disso, quando o profis-
sional se tornar novo-paradigmático, poderá resgatar essas definições, 
considerando-as como distinções do observador. Por isso - antes de 
apresentarmos nossa concepção de família na perspectiva novo-para-
digmática - destacamos duas delas, a título de exemplos, para constituir 
a seção que se segue. 
Faremos o mesmo, mais adiante, quando apresentarmos as defi-
nições de "sistema mais amplo que a familia". Abordaremos primeiro 
as concepções de sistema amplo desenvolvidas ainda na perspectiva sis-
têmica de 1 ª ordem e depois a concepção de "sistema determinado pelo 
problema", que consideramos coerente com a visão sistêmica novo-
paradigmática. 
1. Família como sistema, na perspectiva sistêmica de ia ordem 
Tomamos algumas definições de "família como um sistema", ela-
boradas no primeiro momento do desenvolvimento da terapia familiar 
sistêmica - tendo como epistemologia a cibernética de 1 ª ordem - por 
dois dentre os primeiros terapeutas de família sistêmicos, Jackson e Mi-
nuchin, representando respectivamente a abordagem comunicacional e 
a abordagem estrutural da família. Ambos enfatizam a visão da unidade 
do sistema familiar (pressuposto da complexidade). 
Para Jackson (1976/1968), a família é "um sistema governado 
por regras: ( ... ) seus membros se conduzem entre si de maneira organi-
zada e repetitiva e ( ... ) esta estruturação das condutas pode ser consi-
derada como um princípio que preside a vida familiar" (p. 139). Jackson 
• Rei ficado, usado como equivalente de coisificado, vem do latim res/ ni, que quer dizer coisa. Esse termo 
costuma ser usado para se referir à consideração, como coisa, de algo que poderia ser pensado como 
um processo, ou também à consideração, como realidade objetiva, de algo que se reconhece como uma 
distinção do observador. 
focaliza o "caráter organizado da interação familiar", a mudança na for-
ma de pensar a família a partir das relações entre seus membros e não os 
indivíduos ou a "soma dos indivíduos" para entender a organização do 
sistema. O sentido dado à forma de ver a organização é o de dedução 
das normas familiares, entendidas então como regras abstratas, conceito 
essedesenvolvido na "teoria da comunicação humana". Assim, a idéia 
de "regra" é a de padrões de relação que se repetem, inferidos da ob-
servação das relações e suas redundâncias, uma "metáfora" usada pelo 
observador para descrever e explicar as relações que observa, não se 
atendo exclusivamente às condutas individuais. 
Esse autor defende seu argumento sistêmico, mostrando a dife-
rença entre essa concepção e uma outra concepção de família que pre-
define papéis diferenciados na estrutura familiar (pai, mãe, fi lho). Para 
ele, a teoria de papéis se refere à descrição de "condutas do indivíduo", 
instituídas pela cultura, ficando as relações como secundárias e obscu-
recidos os processos de interação. O papel é predefinido socialmente, 
de acordo com a posição do indivíduo no modelo da estrutura social, 
estabelecendo o que é adequado ou não adequado no exercício das fun-
ções dos membros da familia. 
Além de mudar o foco para as relações, fazendo abstração do 
modelo cultural, sua visão sistêmica da família, neste momento, é a de 
seu funcionamento como um sistema homeostático, um sistema dota-
do de mecanismos auto-reguladores, os quais garantem a manutenção 
da estabilidade do sistema: "mecanismos homeostáticos são condutas 
que delimitam as Autuações de outras condutas ao longo da gama par-
ticular correspondente à norma", ou seja, à regra Gackson, 1976/1968, 
p.146). 
Jackson enfatiza os obstáculos de se pensar a familia como um 
sistema de interação, principalmente pela dificuldade de passar do pen-
samento linear para o circular e pela dificuldade de mudar o foco do 
indivíduo para a relação. Preocupa-se com a mudança epistemológica 
do pressuposto da simplicidade para o pressuposto da complexidade, 
mas não com a visão cultural da familia como parte do sistema social 
mais amplo. Exercitava sua mente sistêmica, ao deslocar o foco do indi-
víduo para a relação e, também, ao ultrapassar a concepção sociológica 
de papéis familiares, propondo uma definição abstrata de "regras de re-
lação". 
Já Minuchin parte da definição sociocultural de familia e a defi-
ne como um "sistema aberto", considerando-a como um todo em que 
as partes estão relacionadas, constituindo uma unidade organizada por 
padrões de relação recorrentes e previsíveis, indo além do indivíduo, 
estabelecendo conexões com o contexto social específico - vizinhança, 
instituições, comunidade: ''A familia é um grupo social natural, que go-
verna as respostas de seus membros aos inputs de dentro e de fora. Sua 
organização e sua estrutura peneiram e qualificam as experiências dos 
membros da familia" (Minuchin, 1982/1974, p.16). 
A família é um grupo natural que através dos tempos tem 
desenvolvido padrões de interação. Estes padrões constituem a 
estrutura familiar, que por sua vez governa o funcionamento dos 
membros da família, delineando sua gama de comportamento e 
facilitando sua interação (Minuchin; Fishman, 1990/1981, p. 21). 
Para ele, o conceito de estmt11ra se refere à dimensão funcional 
da instituição social, ao utilizar a idéia de "padrões repetitivos" de inte-
ração, entre os membros do sistema familiar. Essas duas definições de 
Minuchin ressaltam o aspecto sistêmico do funcionamento familiar, que 
é o relacional. 
A forma de ver a relação da familia com o contexto social mais 
amplo é a de considerá-la um subsistema da sociedade, sendo ao mesmo 
tempo ela própria constituída de subsistemas: ''As familias são sistemas 
multi-individuais de extrema complexidade, porém, são por sua vez, 
subsistemas de unidades mais amplas - a família extensa, a vizinhança, 
a sociedade como um todo" (Minuchin; Fishman, 1990/1981, p.25). 
O autor elabora conceitos correlatos como os de subsistema, co-
erção e fronteiras, usados como um esquema conceituai para compreen-
são do funcionamento familiar. Tendo a visão da família e da sociedade 
como unidades compostas, como todos constituídos de partes inter-re-
lacionadas, o subsistema se refere às partes desse todo, ora visto como 
uma unidade, ora como uma subunidade (holon)S, cada parte cumprindo 
o seu papel: "o todo é maior que a soma da partes. ( ... ) Parte e todo con-
1êm um ao outro num processo contínuo, atual e corrente de comunica-
ção e inter-relação" (Minuchin; Fishman, 1990/1981, p. 22-23). Embora 
1cndo urna visão sistêrnica, com estes conceitos teóricos mantém uma 
concepção hierarquizada da sociedade e da familia: por exemplo, os pais 
considerados como um subsistema de um nível superior; os filhos como 
um subsistema de nível inferior, na hierarquia familiar.6 
2. Familia como sistema, na perspectiva sistêmica novo-
paradigmática 
Na perspectiva novo-paradigmática, o sistema familiar - como de 
resto todos os demais sistemas - não pré-existe a uma distinção de um 
observador. Quem seria então esse observador que distingue a familia 
e a faz emergir como tendo "existência real"? Os próprios elementos 
que constituem o sistema familiar? Um estudioso/pesquisador da famí-
lia? Alguém que se dispõe a ajudar a familia em suas dificuldades - um 
especialista em atendimento sistêrnico de família ou um terapeuta de 
familia? 
Se pedirmos aos vários membros de um grupo distinguido como 
uma família para responder individualmente à pergunta "quem são os 
membros de sua familia?", muito provavelmente obteremos respostas di-
ferentes. Alguns incluirão apenas as pessoas com as quais têm vínculos 
de consangüinidade; outros incluirão as pessoas que "entraram para a 
familia", tais como cunhados, genros, noras; alguns se limitarão à familia 
nuclear, enquanto outros incluirão a familia extensa e outros ainda inclui-
rão a familia do cônjuge como sendo sua. E haverá ainda os que incluem 
alguém que "não é da família, mas considero como se fosse, pois é como 
se fosse meu irmão". E, provavelmente, aparecerão também justificativas 
para as exclusões: "não o considero porque nunca convivi com ele" ou 
"depois do que aconteceu, não o considero mais: já morreu para mim". 
'O conceito de ho/on é usado por Minuchin para explicar a unidade individual e social. Significa tanto um 
todo como uma parte, dependendo de como essa é vista em relação ao todo maior. Usa-o para se referir 
à possibilidade de se considerar o sistema familiar simultaneamente corno todo (constituído de partes) e 
como parte (parte da sociedade). 
' Ver o texto "Aspectos estruturais do sistema familiar", neste volume. 
Numa conversação sobre a questão proposta, esse grupo familiar 
poderá chegar, por consenso, a uma definição sobre a constituição da 
sua própria familia e sobre o critério a adotar para defini-la: vínculos de 
consangüinidade, vínculos legais, vínculos de convivência, vínculos de 
afinidade ou emocionais. 
Ficará evidente que as distinções dos observadores - neste caso, 
dos próprios membros "da família" -poderão fazer emergir um sistema 
familiar ou sistemas familiares diversos. 
É isso o que podemos observar quando propomos a alguém a 
elaboração de seu próprio "mapa de rede" - uma representação gráfica 
dos vínculos afetivo-sociais, que constituem sua rede social.7 Num dos 
quadrantes do mapa de rede - delimitado por um círculo - a pessoa que 
o constrói é solicitada a localizar sua família e, noutro quadrante, seus 
parentes, havendo ainda os quadrantes para as relações profissionais 
(trabalho, escola) e para as relações na comunidade (vizinhos, amigos, 
profissionais de ajuda). 
Nesse caso, pedimos que a pessoa coloque cada um dos membros 
de sua rede mais próximo ou mais afastado de si próprio - que ocupa 
o centro do círculo - dependendo da maior ou menor intensidade do 
vínculo que ela distingue entre ambos: localizará mais próximo de si as 
relações mais significativas, cujo vínculo ela considera mais forte. 
No mapa de rede, tal como proposto por Klefbeck (1995), a pessoa 
deveria colocar no quadrante da familia as pessoas que moram juntas - o 
que pode corresponder, ou não, ao que geralmente se chama de familia 
nuclear - e no quadrante dos parentes, as relações significativascorrespon-
dentes à sua familia extensa ou família de origem e ainda os membros de 
sua familia nuclear que não moram mais na mesma casa em que ela mora. 
Nesse caso, não é apenas a própria pessoa que está definindo sua 
familia, mas também o profissional que, ao adotar as instruções de Kle-
fbeck, oferece ao sujeito uma definição sua, propondo uma distinção 
entre família e parentes. Porém continuam sendo do sujeito as decisões 
sobre quem incluir e onde incluir no gráfico (em que subgrupo e a que 
'Um texto, " Rede social: concei1Uação, importância e funções", encontra-se no volume Ili desta obra. 
'>n 
distância de si próprio). Provavelmente, em conformidade com o con-
texto cultural em que vivemos, o sujeito embasará suas decisões, como 
vimos, nos critérios referentes aos vínculos geralmente considerados 
definidores da existência de uma familia. Lembrando o que disse Slu-
✓,ki (1997a, p. 29), "vivemos imersos em redes múltiplas ( ... ) dentre as 
quais 'extraímos' a família quando perguntamos, por exemplo, 'Quem 
faz parte de sua familia?"' Enfim, nesse caso, são os próprios membros 
da familia que, com suas distinções, fazem emergir o(s) seu(s) sistema(s) 
familiar( es). 
Tendo assumido uma postura sistêmica de 2ª ordem, ou esco-
lhido o "caminho da objetividade entre parênteses", alguns terapeutas 
de familia também têm proposto uma compreensão teórica do sistema 
familiar que possa embasar práticas coerentes com essa postura. 
Num artigo em co-autoria com Maturana, dois terapeutas de fa-
milia chilenos (Méndez; Coddou; Maturana, 1998/1988), ao abordarem 
o emergir da patologia mental no sistema familiar, propõem uma in-
teressante concepção de familia, coerente com nossa visão sistêmica 
novo-paradigmática. 
Esses autores constroem um conceito de família como 
"um domínio de interação de apoio mútuo na paixão por viver 
juntos em proximidade física ou emocional, gerado por duas 
ou mais pessoas, seja através de um acordo explícito ou porque 
crescem imersos nele, no acontecer de seu viver. ( ... ) Como sistema, 
uma família existe no âmbito biológico,' através da realização do 
viver de seus componentes. Além disso, ( ... ) (a família) se realiza no 
linguajar e emocionar de seus membros como um caso particular 
da configuração de conversações recorrentes (organização) que a 
definem como membro de tal classe" (Méndez; Coddou; Maturana, 
1998/1988, p. 161-162). 
Para concebermos a familia dessa forma, precisamos retomar os 
conceitos de conversar, linguajar, emocionar e as distinções que Maturana 
propõe entre sistema social, sistema de trabalho e sistema de poder (Ma-
• Essa afirmação de que a farru1ia existe no âmbito biológico refere-se à existência dos membros da família 
como seres vivos individuais, o que não deve ser confundido com relações de consangüinidade. 
turana, 1997 /1988a), assim como os conceitos de organização e estrutura 
do sistema, da teoria da autopoiese de Maturana e Varela (1995/1983). 
O humano surge com o linguajar (definido como coordenação de 
coordenação de ações) que, fluindo entrelaçado com o emocionar, cons-
titui o conversar. A maneira de coexistir dos seres humanos é a de viver 
juntos, em coordenações recursivas de ações, constituindo redes de con-
versações, que coordenam constantemente o que fazemos nesse conviver. 
O humano se vive sempre num conversar: linguajar com emocionar. 
As diferentes emoções do ser humano o predispõem a di ferentes 
formas de responder aos eventos do meio, ou seja, a emoção especifica 
um espaço de ações possíveis. O emocionar-se humano - derivado da 
estrutura biológica que constitui o ser vivo humano - centra-se no pra-
zer da convivência, na aceitação mútua sem questionamentos, o que gera 
uma convivência harmoniosa. Porém diferentes emoções propiciam di-
ferentes formas de relação ou diferentes domínios de conversações, e 
nossa cultura ocidental tem cada vez mais propiciado o desenvolvimen-
to de redes de conversações contraditórias com a nossa biologia, con-
traditórias com a biologia do amor (Maturana, 1997 / 1985).9 
Tanto o bem-estar quanto o sofrimento humano dependem do 
conversar, ou seja, dos diferentes modos de fluir o entrelaçamento de 
linguajar e emocionar, dos diferentes tipos de conversação, os quais 
constituem diferentes sistemas de convivência. 
Maturana (1997 /1988a, p. 177) propõe uma distinção entre sistemas 
sociais e outros sistemas, como sistemas de trabalho ou sistemas de poder, 
com base na emoção que especifica o espaço básico de ações nessas dife-
rentes formas de conviver, ou seja, com base na emoção que especifica o 
espaço em que se dão as relações com o outro e consigo mesmo. Assim: 
Sistemas sociais - são sistemas de convivência constituídos sob a 
emoção do amor, que é a emoção que constitui o espaço de ações 
de aceitação do outro na convivência. A partir daí, sistemas de 
convivência fundados numa emoção que não seja o amor não são 
sistemas sociais. 
• Ver os textos "O profissional novo-paradigmático, sua prática, sua ética" e "Valores: questões para a 
reflexão do profissional novo-paradigmático", neste volume. 
22 
Siste111as de trabalho - são sistemas de convivência constituídos sob a 
emoção do compromisso, que é a emoção que constitui o espaço de 
ações de aceitação condicionada à realização de uma tarefa. Assim 
sendo, os sistemas de relações de trabalho não são sistemas sociais. 
Sistemas hierárquicos 011 de poder - são sistemas de convivência 
constituídos sob a emoção que configura as ações de autonegação 
e negação do outro na aceitação da submissão própria ou da do 
outro, numa dinâmica de ordem e obediência. Assim sendo, os 
sistemas hierárquicos não são sistemas sociais. 
É importante ressaltar que, mesmo que possamos distinguir ou-
tros sistemas de convivência, fundados em outras emoções, "cada um 
deles constitui uma rede particular de conversações que configura um 
modo particular de emocionar, a partir de uma emoção definidora bá-
sica" (p. 177). Um observador pode distinguir diferentes tipos de con-
versações, com distintas configurações de coordenações de condutas 
ocorrendo sob diferentes estados emocionais. 
Conversações que geram harmonia social, bem-estar, prazer de 
conviver, configuram-se no âmbito da "aceitação mútua, sem questiona-
mentos, que é a condição biológica constitutiva da coexistência, na qual 
as contradições emocionais são eventos transitórios, não um modo de 
vida" (Méndez; Coddou; Maturana, 1998/ 1988, p. 156). Esse modo de 
conviver, na aceitação incondicional do outro, requer abandonar a visão 
objetivista do mundo e se constitui como uma implicação da "objetivi-
dade entre parênteses": todas as formas de se comportar são igualmente 
legítimas, embora nem todas sejam igualmente desejáveis. Aceitar ge-
nuinamente o outro nas diferenças pode fazer com que os membros da 
familia preservem a paixão por viver juntos, rejeitando críticas a qualquer 
dos seus, vindas de quem não faz parte dessa rede de conversações. 
Entretanto há também outros tipos de conversações, tais como, 
aquelas que antecipam comportamentos futuros, trazendo à tona outros 
domínios emocionais. Dentre essas, destacam-se as conversações de ca-
racterização e as conversações de acusação e recriminação injustificadas 
(Méndez; Coddou; Maturana, 1998/ 1988). 
As conversações de caracterização decorrem de expectativas so-
bre as condutas dos participantes do sistema, correspondendo às defi-
ruções consensuais (implícitas ou explícitas) sobre "como o outro é" e, 
portanto, sobre "o que se pode esperar dele". 
Já as "conversações de acusação e recriminação injustificadas 
representam protestos por não se cumprirem condutas esperadas em 
circunstâncias em que não existiu acordo prévio sobre elas" (p.160), 
correspondendo a cobranças sobre "o que o outro deveria ter feito" ou 
sobre "o que o outro não deveria ter feito". 
Tanto as conversações de caracterização quanto as conversações 
de acusação e recriminação mútuas contêm afirmações de qualidadesou defeitos permanentes do outro, embasadas no pressuposto de uma 
realidade independente do observador (objetividade sem parênteses). 
Esses padrões de conversação, contendo uma contradição emocional 
- de acusar em vez de aceitar o outro - podem se tornar recorrentes, 
causar infelicidade e sofrimento, sendo a desarmonia social atribuída ao 
comportamento inadequado de um de seus membros. 
Então, voltando à concepção de família como um domínio em que 
as interações se dão na paixão de viver juntos, uma familia existe e se rea-
liza no linguajar e emocionar de seus membros, como um caso particular 
dessa configuração de conversações recorrentes, que a definem como 
membro dessa classe de sistemas, ou seja, como um sistema social, cujos 
participantes vivem a aceitação incondicional do outro, legitimando-o na 
convivência. As condutas de seus membros, ou seja, as interações entre 
eles - que constituem suas conversações recorrentes - realizam essa or-
ganização de sistema familiar, distinguida pelo observador. 
No domínio humano, a configuração de relações e interações 
entre os componentes de um grupo, que o realizam como sistema de 
uma dada classe, constitui a organizaçãa1° desse sistema. A organização 
do sistema familiar, ou seja, a configuração de interações que o reali-
" Em Marurana, as noções de organização e eslmt11ra têm definições bem específicas e bem 
diferentes de outros sentidos em que esses termos costumam ser usados. A organização é a 
configuração de relações entre os componentes do sistema, a qual, ao ser distinguida pelo 
observador, define a identidade do sistema, ou seja, define-o como sistema de determinada 
classe. A estrutura é a configuração de relações concretas que caracteriza aquele sistema como 
um caso particular claque.la classe, com aquela identidade ou organização. A estrutura do sistema 
pode alterar-se sem que se perca a organização distinguida pelo observador. 
?,1 
zam, seria uma rede de conversações em que as coordenações de ações 
aconteceriam sem contradições emocionais, vivendo seus membros na 
objetividade entre parênteses, sem conversações de caracterização, acu-
sação e recnrrunação. 
Com essa concepção de sistema familiar, um observador pode 
distinguir uma família quando distingue uma rede de conversações que 
se desenvolvem sob uma paixão de viver juntos, em harmonia, de forma 
prazerosa. 
Quando mudanças nos membros dessa família e em suas inte-
rações - mudanças na estmtura do sistema - são tais que já não per-
mitem participar na geração dessas conversações, elas se interrompem 
ou deixam de ser recorrentes e, perdendo-se a paixão de viver juntos, 
desaparecendo essa configuração de conversações, a família se desinte-
gra como familia dessa classe, ou seja, deixa de realizar a organização 
distinguida pelo observador. 
Por outro lado, o observador pode distinguir, num grupo que se 
apresenta a si próprio como uma família, uma rede de conversações de 
caracterizações, acusações e recriminações, sendo essa a organização 
dessa família. Como "essa organização tanto realiza como gera uma 
contradição existencial", essa é uma condição de sofrimento e infeli-
cidade que pode levar o sistema a solicitar a ajuda de um profissional 
(Méndez; Coddou; Maturana, 1998/ 1988, p 163). 
Sendo solicitada a ajuda de um profissional novo-paradigmático, 
ele distinguirá a possibilidade de resgatar uma convivência harmoniosa, 
já que ainda existe a paixão de viver juntos, que é exatamente o que está 
implícito no pedido de ajuda. 
Esse profissional acredita genuinamente que o viver humano se 
dá em conversações: conversando fazemos emergir problemas; conver-
sando, podemos dissolver problemas. Portanto, participando nessa rede 
de conversações, o profissional, utilizando habilmente a linguagem, po-
derá ajudar a gerar outras conversações que provoquem mudanças es-
truturais tais que desintegrem esse sistema caracterizado pela condição 
de sofrimento, de infelicidade. O fato de os membros da familia passa-
rem de uma postura objetivista para uma postura de "objetividade entre 
parênteses", criará as condições para se restabelecer uma convivência 
harmoniosa, antes que eles percam a paixão por viver juntos. 
3. Sistema mais amplo que a familia, na perspectiva sistêmica de 
1ª ordem 
Assim como a familia, o sistema amplo ou mais amplo que a famí-
lia, foi definido segundo a visão sistêmica prevalente em cada momento. 
Desde o início do movimento da Terapia de Família, terapeutas de fa-
mília, como Bowen (1989 / 1978) e Boszormenyi-Nagy (1983/1973), se 
interessaram em pensar a sociedade como um sistema e em descrever os 
fenômenos sociais - referentes a âmbitos além das famílias - segundo 
uma visão sistêmica. No entanto, poucos se aventuraram a abordar na 
prática esses sistemas sociais, que depois vieram a ser chamados de "sis-
temas amplos" ou de "sistemas mais amplos que a familia" (SMAF). 
Um dos primeiros grupos que desenvolveu esse tipo de trabalho 
foi uma das equipes coordenadas por Selvini-Palazzoli, composta por 
seus alunos formados num curso sobre "teoria geral dos sistemas e prá-
ticas da comunicação humana", ministrado no ano acadêmico de 1971-
1972, na Escola de E specialização em Psicologia da Universidade Cató-
lica de Milão (Selvini-Palazzoli et al., 1985/ 1976). Tinham o objetivo de 
verificar se "os instrumentos oferecidos pelos modelos conceituais ( . . . ) 
para induzir mudanças no microssistema da família" também podiam 
ser de utilidade para a intervenção em sistemas mais amplos. Escolhe-
ram a escola para realizar "um primeiro experimento" (p.13). 
Esses autores não utilizaram ainda o termo sistemas amplos, mas 
propuseram definir "a comunidade escolar como um sistema". Para 
isso, basearam-se na definição clássica de sistema, de Hall e Fagen (apud 
Watzlawicketal., 1993/ 1967,p.109): 
um sistema é um conjunto de objetos e de relações entre os objetos 
e entre seus atributos, ( ... ) no qual os objetos são os componentes 
ou partes do sistema; os atributos são as propriedades dos objetos; 
e as relações mantêm unido o sistema". 
Selvini-Palazzoli et ai. (1985/1976) acrescentaram a essa concep-
ção a noção de que só se constituem como sistemas "grupos com histó-
21\ 
1i.1", isto é, grupos cujos membros evoluíram juntos e compartilharam 
t't'rtos objetivos comuns, durante um período de tempo suficientemente 
prolongado para se constituírem "como unidades funcionais regidas por 
11ormas próprias" - regras especiais, válidas só para seus membros. 
Com base nessa concepção de sistema, esses autores propõem a 
,cguinte definição da escola como um sistema: 
em sua acepção de complexo escolar submetido a uma administração 
unitária, (a escola) constitui um amplo sistema dentro do qual 
podem-se identificar muitos subsistemas que se entrecruzam e 
comunicam entre si e em relação com os quais a escola constitui o 
ambiente (1985/ 1976, p. 63). 
Essa é uma definição reificada de sistema amplo, pois o define 
como uma entidade concreta, objetiva - "uma escola". A familia tam-
bém foi, inicialmente, definida como um sistema reificado, o que não 
impediu que fosse atendida em conjunto, mantendo sua unidade. Porém 
o mesmo não aconteceu, quando se pretendeu desenvolver uma inter-
venção nos sistemas amplos. Devido à sua amplitude, torna-se impossí-
vel atender o sistema amplo em conjunto, mantendo sua unidade - to-
dos seus elementos juntos, ao mesmo tempo, como se pôde fazer com 
a familia. Isso traz para o profissional o problema de dividir o sistema 
amplo em subunidades, sem perder sua complexidade. 
A estratégia utilizada pela equipe coordenada por Selvini-Pala-
zzoli para realizar uma intervenção sistêmica na escola foi dividi-la em 
subsistemas para que cada um deles pudesse ser atendido como uma 
unidade. Os autores se propuseram a identificar os subsistemas que 
melhor representassem a escola como um todo11 e identificaram como 
mais representativo o subsistema "classe", seguido imediatamente pelo 
"corpo docente (reitor+ educadores)" (p. 63). 
Se cada um desses subsistemas foi atendido separadamente, en-
tendemos que os profissionais viram a escola como um sistema amplo, 
mas no momento da ação prática perderam a complexidade do sistema, 
um problema que permaneceu sem solução por muito tempo. Como 
"Segundo suas palavras, os subsistemas que apresentassem "características de maior estabilidade temporal 
e de redundância" cm relação à escola como um todo (p. 63). 
77 
se verá a seguir, mesmo autores que questionam a reificação do sistema 
amplo e tentam uma abordagem a partir de uma perspectiva constru-
tivista, compreendem o sistema amplo em sua complexidade, mas, ao 
atuar, fracionam o sistema. Evitar esse problema requer a definição do 
sistema amplo como um "sistema determinado pelo problema", concei-
to que será desenvolvido mais adiante. 
Em um levantamento bibliográfico sobre intervenções em "siste-
mas mais amplos que a familia" (SMAF), realizadas nos anos seguintes 
à pesquisa descrita acima, Imber-Black (1995/1991) classifica em duas 
categorias os artigos encontrados. Com base nessa classificação, identi-
ficamos duas concepções de SMAF: 
(1) sistema específico, predefinido como tal - qualquer "organização 
social" ou instituição, que não a familia. Por exemplo, a escola, tal 
como foi considerada por Selvini-Palazzoli, na pesquisa/intervenção 
acima citada; 
(2) sistema constituído de uma família e um ou mais serviços 
profissionais com os quais ela se relaciona. Por exemplo: uma familia 
multiproblemática e os serviços profissionais; uma família e o sistema 
de atenção médica; uma família e o médico que a encaminha; uma 
família e o hospital psiquiátrico; uma família e a escola. 
Em ambas as concepções, o SMAF é considerado como uma rea-
lidade objetiva, sugerindo uma visão reificada do sistema. Apesar clisso, 
Imber-Black destaca a importância de se considerar e abordar o con-
texto social mais amplo que a familia, ressaltando que, desconsiderar os 
SMAFs - a relação família e serviços que a atendem - "faz com que, 
às vezes, esses sistemas mais amplos perpetuem os próprios problemas 
que deveriam resolver" (p. 36). 
Assim como Imber-Black, Fruggeri e Matteini(l 991/1988) tam-
bém identificaram dois tipos de sistemas tradicionalmente definidos 
como sistemas amplos: 
(1) "aqueles sistemas interativos que podem ser denominados de 
organizações sociais diferentes da família (por exemplo: o serviço 
de saúde, uma instituição acadêmica etc.)"; 
(~) e, mais freqüentemente, "sistemas interativos que crescem em torno 
de uma familia entrelaçada por relações com diversas instituições 
externas com o propósito de 'receber ajuda' na solução de seus 
problemas" (p. 33). 
Note-se que esses dois tipos de sistemas amplos correspondem 
.1os descritos por Imber-Black. Porém Fruggeri e Matteini se interessam 
cm definir também as bases epistemológicas em que se fundamentam 
:is definições e a forma de abordagem dos sistemas amplos. Ressaltam 
que os sistemas amplos podem ser definidos ou segundo uma "pers-
pectiva reificante" ou segundo uma "matriz construtivista" e que há 
uma diferença significativa entre as definições, segundo uma ou outra 
perspectiva. 
Então, consideram explicitamente a primeira modalidade de 
descrição dos sistemas amplos - "sistemas interativos que podem ser 
denominados de organizações sociais diferentes da familia" -, como 
típica de uma "perspectiva reificante", uma vez que o sistema é con-
siderado um objeto, isto é, é visto como "uma coleção de elementos 
interativos dentro de fronteiras que o separam do ambiente e que são 
concretas, tal como o próprio sistema" (p. 34). Entretanto, segundo 
nossa concepção, qualquer das duas formas - identificadas por esses 
autores - de descrever os sistemas amplos, independentemente de seu 
tamanho e de sua composição, pode se dar dentro de uma "perspectiva 
reificante", correspondente à Cibernética de 1a ordem. 
Considerando que o mundo não se apresenta dividido em siste-
mas amplos, sistemas, subsistemas, ambiente etc., mas que um sistema 
específico existe apenas a partir da operação de distinção pelo obser-
vador, Fruggeri e Matteini propõem a "perspectiva construtivista" para 
fundamentar a descrição dos sistemas amplos: "o sistema não é um 
dado, mas sim uma forma de organizar os dados que o observador 
decide tomar como elementos do sistema", o que implica que a relação 
do observador com o sistema observado é parte constitutiva do sistema 
amplo. Consideramos que se trata de uma perspectiva correspondente 
à Cibernética de 2' ordem. 
Além disto, questionam o uso do termo "sistema amplo", por 
corresponder a "qualquer coisa além da família" e, então, manter a mes-
ma característica de reificação que acompanha o uso do termo subsiste-
ma para se referir a "qualquer coisa menor que o sistema familiar" - in-
divíduo, casal etc. Com base nessa argumentação, os autores propõem 
que, assumindo-se uma perspectiva epistemológica construtivista, se 
substitua o termo "sistema amplo" pelo termo "sistema complexo". 
Concordamos com a preocupação dos autores quanto à tentativa de 
encontrar uma definição não reificante para os sistemas amplos, mas 
não consideramos que a mudança de rótulo seja suficiente para evitar a 
reificação. 
Quanto à abordagem prática dos "sistemas complexos" segundo 
uma "perspectiva construtivista", os autores descrevem uma consultoria 
dada a uma psicóloga e a uma assistente social, membros de um "siste-
ma complexo", constituído conforme a definição dos próprios autores, 
como "sistemas interativos que crescem em torno de uma família entre-
laçada por relações com diversas instituições externas com o propósito 
de 'receber ajuda' na solução de seus problemas". Apesar da interessan-
te forma de conduzir a consultoria com o emprego de perguntas reflexi-
vas, evitando-se interações instrutivas, de se considerar as relações entre 
a família e as instituições externas, e dos resultados alcançados, a atua-
ção descrita ainda continua sendo fracionada. Cada parte do sistema é 
atendida por sua vez: o consultor atende às técnicas demandantes; estas 
atendem ora ao casal, ora à família toda, ora introduzindo uma freira do 
orfanato onde a mãe viveu até os 18 anos; as técnicas atendem também 
o juizado em sua relação com a família. 
Embora cada um desses atendimentos seja feito segundo uma 
posição construtivista, que inclui uma atitude auto-reflexiva e considera 
o significado e os efeitos recursivos do atendimento, segue-se propondo 
pensar o "sistema complexo", mas sua atuação em partes fracionadas 
do sistema mantém a concepção de que ele existe objetivamente. Assim, 
apesar da substituição dos termos, a prática se dá a partir de uma visão 
fracionada do sistema. Concluímos, portanto, que a definição do sistema 
amplo segundo uma "perspectiva construtivista" não é suficiente para 
,n 
1csolver o problema proposto anteriormente, o de atender o sistema 
amplo ou "complexo" - mantendo sua complexidade. A nosso ver, 
., solução para esse problema requer um salto qualitativo na concepção 
de sistema a abordar: requer concebê-lo como um "sistema determina-
do por um problema". Porém, antes de abordar essa nova concepção, 
vamos tratar das redes sociais como sistemas. 
Paralelamente ao desenvolvimento da noção de sistemas amplos 
ou de sistemas mais amplos que a família, mas talvez com menos vi-
sibilidade, foi desenvolvida a noção de rede social, outra tentativa de 
superar a reificação. Consideramos a rede social como um sistema am-
plo. No entanto, como a metáfora de rede não inclui limites definidos, 
a definição da rede social como um sistema poderia torná-la menos 
propícia à reificação. 
Uma brilhante exceção à concepção reificante de sistema amplo 
foi desenvolvida nas décadas de 60 e 70, no Leste dos Estados Unidos, 
por Auerswald (1976/1968). Nessa época, o autor propôs que se abor-
dasse o serviço (a política) de assistência médica como um ecossistema, 
segundo uma abordagem "ecológica". Ilustra,por meio da descrição 
de um caso, a diferença que ele faz entre a atuação tradicional de uma 
equipe "interdisciplinar" em que cada profissional é especialista em sua 
área, e a atuação de uma equipe interdisciplinar segundo a "abordagem 
ecológica", em que todos os profissionais têm uma visão sistêmica. 
Trata-se de um caso em que o profissional responsável, um psi-
quiatra com visão sistêmica, colheu informações sobre uma paciente 
em diferentes ambientes sociais, ampliando sua visão para além do in-
divíduo e de sua família. 12 Naquele momento, não foi realizado o aten-
dimento da rede social da paciente em conjunto, mas o autor ressalta 
a importância, para o atendimento no serviço de saúde mental, de se 
considerarem todos os ambientes sociais em que a paciente está en-
volvida - igreja, família nuclear, família extensa, polícia, até mesmo o 
próprio serviço de saúde. Entendemos que Auerswald concebia, desde 
"Ver no texto " Implicações do pensamento sistêmico cm diverscs contextos de práticas profissionais", no 
volume I desta obra, uma descrição desse caso. 
aquela época, a política de assistência médica como um sistema amplo, 
organizado em rede, e que assim lançava as bases para o atendimento 
da rede em conjunto. 
Pouco tempo depois, trabalhando na Califórnia, Speck e Attneave 
(1974/1973), reconhecendo a influência de Auerswald, relatam suas pri-
meiras experiências de atendimento da rede social de pacientes psiqui-
átricos e suas famílias. A partir do trabalho em hospitais psiquiátricos, 
deslocam o atendimento para a residência do cliente, aproximando-se 
de sua rede social e valorizando-a, o que torna possível atender em tor-
no de 40 a 50 pessoas ao mesmo tempo e no mesmo local. Esses auto-
res salientam que, nesse caso, a rede social é o cliente, o que deixa claro 
que a concebem como uma unidade. Para atendê-la, desenvolvem um 
interessante procedimento de intervenção, constituído de seis etapas.13 
Em seu trabalho, adotam a definição de rede social do antropólogo bri-
tânico Barnes, a qual pode ser vista como uma definição não reificada: 
Cada pessoa está, por assim dizer, em contato com certo número 
de pessoas, algumas das quais estão em contato direto entre si e 
outras não ( ... ) Creio ser conveniente denominar de rede a um 
campo social deste tipo. A imagem que tenho é a de uma rede de 
pontos, dos quais alguns estão unidos por seguimentos de retas. As 
pessoas, ou às vezes os grupos, seriam os pontos desta imagem e 
os seguimentos de reta indicariam que interatuam entre si (Barnes, 
1954, ap11d Speck; Attneave, 1974/1973, p. 19). 
Ao adotarem essa definição, que não inclui fronteiras para a rede 
social, esses autores trouxeram a possibilidade de se trabalhar com sis-
temas amplos não reificados. E, de fato, eles o fizeram ao atender a 
rede de seus pacientes e suas familias. Entretanto, ao tentarem utilizar 
o mesmo procedimento para atender associações profissionais e ou-
tras instituições, tendem novamente a reificar o sistema. Descrevem o 
atendimento de uma associação, utilizando o mesmo procedimento de-
senvolvido com as redes sociais das famílias, porém sem incluir no aten-
dimento a rede social da associação (por exemplo, a sua matriz) nem a 
rede social dos associados. 
"Esse procedimento encontra-se descrito de forma detalhada no volume III desta obra. 
·~ 
É curioso notar que, ao ampliar sua concepção teórica da rede 
social de um indivíduo ou de urna familia para um "sistema amplo", no 
caso uma associação, os autores deixaram de considerar o aspecto não 
reificado da rede. Ficaram presos a uma pré-definição da associação e 
perderam a possibilidade de trabalhar com um sistema não reificado. 
4. Sistema determinado pelo problema - perspectiva sistêmica 
novo-paradigmática 
No final da década de 1980 e durante a de 1990, vários autores 
retomam o trabalho com as redes sociais, desenvolvendo-o em seus 
respectivos países, principalmente no atendimento a familias multi-pro-
blemáticas: na Argentina, Dabas (1993; 1995), Dabas e Najmanovich 
(1995); na Bélgica e na França, Elkaim (Elkaim et al., 1989/1987); na 
Suécia, Klefbeck (1995/s.d.; 1996); nos Estados Unidos, Sluzki (1990) e 
Minuchin (Minuchin et al., 1999/1998). 
D entre eles, de grande importância para nosso trabalho foi tomar 
conhecimento de duas experiências realizadas na Suécia, relatadas por 
Klefbeck (1995/ s.d.; 1996). Em uma delas, Klefbeck, um psiquiatra, re-
toma o processo de atendimento da rede social de pacientes com sofri-
mento mental - tal como descrito por Speck e Attneave - para atender 
os pacientes que o procuram em uma unidade de crise de um hospital 
geral. Como primeiro passo, ainda na unidade de crise do hospital, com 
a ajuda da pessoa demandante da consulta, ele monta um mapa da rede 
social. D aí em diante, desenvolve o atendimento da rede identificada 
na casa da família do demandante ou em local próximo a essa. Numa 
outra experiência relatada, ele amplia ainda mais a rede a ser atendida: 
num programa de mobilização da rede social de famílias previamente 
definidas como incapacitadas para cuidar de seus filhos - desenvolvido 
por uma equipe de saúde, da qual Klefbeck é membro, na comunidade 
de Botkyrka, na periferia de Estocolmo - com o atendimento da rede 
busca-se evitar a retirada das crianças de suas famílias e o rompimento 
de seus vínculos afetivos. 
O contato com essas experiências de Klefbeck se deu em 1995, 
num workshop do qual nós três - autoras deste livro - participamos. 
",'\ 
Exatamente naquele ano, uma de nós estava finalizando uma pesquisa-
ação e redigindo seu relato, parte de sua dissertação de mestrado sobre 
a política de assistência à pessoa com deficiência, em Belo Horizonte 
(Aun, 1996)14, e considerou que o conceito de rede social seria útil para 
descrever os sistemas com os quais tinha trabalhado e que tinham sido 
constituídos a partir da noção de "sistema determinado pelo problema" 
de Goolishian e Winderman (1989 /1988). Percebeu também que a for-
ma de Klefbeck coordenar a assembléia de rede - no atendimento da 
rede de uma familia simulada - poderia ser utilizada na coordenação de 
grandes assembléias em políticas sociais que pretendiam ser participa-
tivas. Desde então, associando esses dois conjuntos de noções - redes 
sociais e sistema determinado pelo problema - temos trabalhado com 
grandes sistemas, mantendo sua complexidade. 
A contribuição teórica de Goolishian e Winderman trouxe uma 
diferença significativa para nossas práticas sistêmicas. Goolishian e 
Winderman (1989 /1988) propõem um conjunto de noções coerentes 
com os três pressupostos do pensamento sistêmico novo-paradigmáti-
co - complexidade, instabilidade e intersubjetividade - conforme o qua-
dro de referência organizado por Esteves de Vasconcellos (1992; 1995; 
2002). As noções propostas por esses autores propiciam uma alterna-
tiva de solução ao problema que vem sendo colocado: como dividir o 
sistema amplo para atendê-lo, sem perder sua complexidade. 
Referindo-se ao processo de terapia, Goolishian e Winderman 
(1989/1988) definem o sistema terapêutico - assim como qualquer sis-
tema social - como um sistema lingüístico, o que lhes permite prescindir 
de definições diferentes para sistema familiar, sistema amplo, sistema 
mais amplo que a família. Segundo esses autores, é a 
estrutura da ecologia de significados que determina quem faz o que a 
quem, nos sistemas humanos. O sistema interacional relevante para 
qualquer problema em estudo está determinado na linguagem, não 
na estrutura social ou no papel. A dinâmica organizacional destes 
sistemas de significados, que existem na linguagem, determina 
"A pesquisa-ação relatada na dissertação da autora está resumidamente apresentada no texto "O processo 
de atendimento sistêmico: passos para sua realização", neste volume. 
"'ª 
os diversos comportamentos e problemas pelos quais a consulta 
terapêutica é demandada. E isto é assim, desde o momento em que 
trabalhamos com indivíduos que têm problemasconsigo mesmos, 
ou também com vários indivíduos que consultam em função de um 
problema (p. 22). 
É importante ressaltar que Goolishian e Winderman estão con-
cebendo os sistemas sociais humanos como "sistemas lingüísticos". A 
nosso ver, isso corresponde à concepção da familia e de outros sistemas 
sociais como sistemas cuja organização é distinguida como uma "rede 
de conversações", conforme proposto por Méndez, Coddou e Matura-
na (1998/1988). 
Com o objetivo de uma abordagem terapêutica, Gooloshian e 
Winderman pretendem ultrapassar os "sistemas predeterminados a par-
tir de definições sociais tradicionais consensuais" e, assim, abandonar os 
modelos de tratamento tradicionalmente "definidos por conceitos tais 
como individual, conjugal, familiar e outros sistemas sociais mais am-
plos" (p. 23). Propõem, então, a noção de Sistema Determinado pelo 
Problema - SDP para o sistema a tratar, com o que, ultrapassando as re-
lações de "consangüinidade e os limites organizacionais e legais", evitam 
a perspectiva reificante e mantém a complexidade do sistema abordado. 
O SDP é definido "a partir daqueles que estão ativamente com-
prometidos em uma interação lingüística ( .. . ),enfrentando um proble-
ma, ou estando em posição antagônica" (p. 23). Assim, podemos afir-
mar que o SDP se constitui de todos aqueles que estão envolvidos na 
definição do problema como um problema, inclusive o profissional ou 
a equipe de atendimento. Isso significa que o SDP constitui-se de uma 
variedade de pessoas em posições diferentes com relação ao problema, 
que, quando participam de uma conversação em conjunto, enriquecem-
na e contribuem com diferentes pontos de vista. Como se vê, a definição 
do sistema a partir do problema considera a complexidade do sistema. 
Como se trata de um sistema lingüístico composto pela interseção 
dos campos de experiências subjetivas de seus diversos participantes, 
ele está em constante evolução; podem ocorrer mudanças no número e 
tipo de atores que o compõem, segundo evolui também a definição do 
problema em torno do qual se constitui o sistema, ao longo do processo 
·~ 
de atendimento. Como se vê, essa definição permite que o profissional 
acompanhe a instabilidade do sistema. 
Por sua vez, o problema é definido como uma "experiência em 
comum de desacordo sobre um fenômeno condutual percebido" pelos 
diversos participantes que compõem o SDP. Note-se a coerência com 
a dimensão da intersubjetividade: o problema é co-construído ao longo 
de todo o processo. Enquanto percebido como tal, o problema mantém 
os atores unidos na conversação e quando considerado como não mais 
existindo como problema, dissolve-se o SDP, acompanhando o ritmo 
de evolução do sistema.15 
Goolishian e Winderman se preocupam em definir o SDP "indepen-
dentemente de qualquer convenção social a priori, limite ou agrupamento 
de indivíduos (por exemplo: familia nuclear, familia extensa, comunidade, 
associação etc.)" (p. 23). Ao contrário, sua definição depende do observa-
dor, ou melhor, dos observadores - profissionais ou equipe de atendimen-
to, clientes e todos os outros atores sociais que compartilham o problema. 
Como se pode ver, esse conceito evita a reificação do sistema e é coerente 
com a "perspectiva construtivista" proposta por Fruggeri e Matteini para 
se definirem os sistemas amplos, a qual corresponde à dimensão da intersub-
jetividade do quadro de referência de Esteves de Vasconcellos. 
Enfim, devemos responder à pergunta proposta: como atender 
os sistemas amplos mantendo sua complexidade? 
Usaremos um exemplo fictício de uma "intervenção" em uma es-
cola. A direção, os professores e vários pais de alunos de uma escola do 
segundo grau queixavam-se de indisciplina dos jovens. Os profissionais 
responsáveis pelo atendimento, juntamente com a escola e alguns pais, 
definiram de forma positiva16 o problema como "elaboração de regras 
de conduta para a escola e para a familia". A partir deste problema, 
definiram o SDP como constituído pelos pais, os alunos, a direção da 
"Ver o texto "Uma nova identidade para o profissional que lida com as relações humanas: o especialista cm 
atendimento sistêmko", neste volume. 
"Os termos "definir de forma positiva o problema" ou "definir positivamente o problema" não devem ser 
confundidos com as noções de "redefinição do sintoma" ou "positivaçào do sintoma", apresentadas no texto 
"Paradoxo e intervenções para a mudança", neste volume. O texto "O processo de acendimento: passos para 
sua realização", também neste volume, explica o que significa "definir de forma positiva o problema". 
escola, os professores, os funcionários administrativos, o que cria um 
sistema muito amplo. Em vez de atender a cada "subsistema", perdendo 
a complexidade do sistema amplo, os profissionais, juntamente com al-
guns membros da escola, dividiram o sistema em vários SDPs pequenos, 
a partir das classes de alunos. Assim, foram constituídos vários SDPs 
como o seguinte: os alunos de uma classe, seus pais, seus professores, um 
ou dois membros da diretoria da escola, os funcionários administrativos 
diretamente envolvidos com aquela classe. Cada um destes pequenos 
SDPs foi atendido em um certo número de encontros conversacionais. 
Em cada um dos pequenos SDPs, foi mantida a complexidade corres-
pondente à do SDP completo. No texto "O processo de atendimento 
sistêmico: passos para sua realização", neste volume, encontra-se uma 
descrição detalhada desse procedimento de divisão do sistema amplo em 
sistemas menores do que o original, mantendo sua complexidade. 
Na E quipSIS, temos integrado a noção de Sistema Determinado 
pelo Problema às noções de rede social e de grupos de multifamilias, 
constituindo sistemas a abordar tais como: rede em torno de um pro-
blema de uma familia, rede em torno de um problema comum a várias 
familias, grupo de multifamilias em torno de um problema comum a 
todas as familias. 
Trabalhando no contexto de atendimento, temos adotado essa 
concepção de Sistema Determinado pelo Problema - SDP. Ao longo 
do tempo, temos sistematizado as especificidades de nossas práticas, 
integrando a noção de SDP à de "atendimento sistêmico", tal qual o 
temos definido.17 Assim, temos desenvolvido práticas que distinguimos 
como coerentes com os três pressupostos do novo paradigma da ciên-
cia - complexidade, instabilidade, intersubjetividade-, o que as consti-
tui como práticas sistêmicas novo-paradigmáticas. 
"Ver definição de "acendimento sistêmico", no texto "Psicoterapia/terapia de família/atendimento 
sistêmico à família: propondo uma diferenciação", no volume 1 desta obra. 
UMA NOVA IDENTIDADE PARA O 
PROFISSIONAL QUE LIDA COM 
AS RELAÇÕES HUMANAS 
O Especialista em Atendimento Sistêmico 
Juliana Gontijo Aun 
O reconhecimento da impossibilidade do acesso a uma realidade 
objetiva do mundo, pela ciência, implicou a necessidade de reformula-
ção de nossa prática profissional, assim como dos conceitos teóricos 
que a embasam. Pois, se consideramos a realidade como uma constru-
ção social, isso significa que cada um de nós participa da construção da 
realidade, segundo as possibilidades de sua estrutura, no sentido de Ma-
turana. Então, tanto nós, profissionais, como nossos clientes (aqueles 
que nos procuram, pedindo ajuda), os usuários de programas ou políti-
cas que lhes oferecemos, os membros das comunidades que abordamos, 
participam desta construção. De fato, esta visão de mundo construtivis-
ta1 questiona a própria idéia de que a ciência possa encontrar verdades 
absolutas nas quais nós, os profissionais, pudéssemos embasar nossa 
prática e definir o que é bom, correto, saudável, aconselhável para aque-
les com os quais trabalhamos. Diante dessa evolução da ciência, a iden-
tidade do profissional que trabalha com as relações humanas ficou for-
temente abalada. Se não temos mais como fazer essas definições, qual 
é nossa tarefa? Se não temos mais a crença na objetividade científica, 
nem a esperança de chegar a uma verdade absoluta, objetiva,por meio 
de mais e mais pesquisas científicas, e se ainda queremos permanecer 
rigorosamente científicos, qual é o nosso rumo? 
Em novembro de 1998, escrevi um texto que pretendia oferecer 
uma resposta às perguntas acima2• Tratwa-se de um resumo comentado 
'Mantenho o termo "construtivista" para ser fiel ao texto de Goolishian e Winderman (1989/1988) que uso 
como fundo para colocar minhas idéias. Considero que o construtivismo como epistemologia corresponde 
à 3• dimensão do pensamento sistêmico novo-paradigmático. Por isso, o adjetivo "construtivista" pode ser 
lido como "novo-paradigmático", 
' Texto preparado para o Workshop "Formas de Perguntar", realizado pela EquipSIS, Belo Horizonte, 
1998, sob o título "Uma nova identidade para o profissional que lida com as relações humanas: resumo 
comentado de um texto de Goolishian e Winderman", 
de um artigo de Goolishian e Winderman3, do qual transcrevi vários e 
extensos trechos intercalados com comentários. Hoje, neste texto, evito 
tantas transcrições, mas o mesmo artigo continua sendo o fundo sobre 
o qual elaboro uma concepção de identidade para o profissional espe-
cialista no atendimento sistêmico. De fato, as idéias desenvolvidas por 
Goolishian e seus colaboradores continuam sendo fundamentais, entre 
outras, para os trabalhos que tenho desenvolvido desde então. 
Quando escrevi o primeiro texto, já me sentia incomodada em 
usar o termo "terapeuta" de familia para me referir ao profissional que 
trabalha com sistemas amplos, mesmo que incluindo famílias em sua 
constituição. Na falta de um termo específico, passei a usar a expressão 
"profissional que lida com as relações humanas". Por ocasião do lança-
mento de nosso curso de especialização em "Atendimento sistêmico às 
famílias", em 2000, insatisfeita também com os termos "terapia" (por 
seu caráter clinico) e "intervenção" (por seu caráter instrutivo), propus 
uma definição de "atendimento sistêmico", diferenciando-o de "terapia 
de familia", a partir da caracterização dos diferentes contextos que se 
formam, em um e outro caso, ao se iniciar o trabalho e ao se definir um 
contrato (Aun, 2005/2003). Tendo então proposto uma definição do 
"contexto de atendimento sistêmico", proponho aqui uma definição de 
identidade para o especialista em atendimento sistêmico, segundo uma 
visão sistêmica novo-paradigmática. 
Em 1998, uma outra razão, que permanece atual, me levou a escre-
ver aquele texto: a preocupação com o risco de uma falta de discriminação 
entre a ação do profissional e a do cliente, a partir da disseminação das 
idéias do construtivismo e/ ou do construcionismo social no ambiente da 
terapia de familia no Brasil. Confusão esta que poderia levar o profissional 
a uma posição amorfa. Como disse, a adoção de uma posição construti-
vista implica a revisão de nossas práticas. Se a realidade é entendida como 
uma construção social, trata-se de um acordo entre as pessoas sobre o que 
é real - correto, desejável, bom etc. - para elas. Tanto o especialista em 
atendimento quanto os outros membros do sistema participam da cons-
~~~ 
'GOOLISHIAN, H.; WINDERMAN, l. Constructivismo, autopo1es1s y sistemas determinados por 
problemas. Sist,111111 Fa111iliam, Buenos fures, v. 5, n. 3, p.19-29, 1989. Original inglês, 1988. 
trução desse acordo. Se assim é, em que a participação do especialista em 
atendimento é diferente da participação dos outros membros do sistema, 
quando o objetivo é construir um acordo que crie uma nova realidade que 
não inclua mais o problema inicialmente experimentado pelo sistema? 
Autores que se autodefinem como partidários de uma posição 
construtivista ou construcionista social questionam a atuação interventi-
va estratégica, considerando-a fundamentada nos pressupostos da ciber-
nética de 1 ªordem.Esses autores propõem que o "terapeuta" desenvolva 
ações não instrutivas e assuma uma "posição colaborativa" (Goolishian; 
Winderman, 1989 / 1988), ou uma posição de "não saber", afirmando 
que o "cliente é o especialista" (Anderson; Goolishian, 1993/ s.d.). Sen-
do assim, em que é especialista o profissional? Esta é uma questão à qual 
não podemos deixar de oferecer uma resposta neste livro. 
Neste texto, como se verá adiante, proponho uma resposta defi-
nindo o profissional como "expert em contexto" e os outros membros 
do sistema como "experts em conteúdo". Antes disso, vou dialogar com 
o texto de Goolishian e Winderman. Na maioria das vezes, vou fazer 
uma citação do artigo, vou comentá-la e relacioná-la com a noção de 
atendimento sistêmico: 
- inicialmente, vou contextualizar o artigo de Goolishian e Winderman 
e resumir as noções nas quais eles se basearam para desenvolver suas 
idéias - construtivismo radical, autopoiese e linguagem; 
- em seguida, resumo e comento as noções que esses autores 
desenvolveram - terapia, Sistema Determinado pelo Problema, 
definição colaborativa de problema (diagnóstico), mudança - nas 
quais me baseio para desenvolver minhas idéias; 
- finalmente, resumo a descrição dos autores da atuação do terapeuta na 
realização de sua tarefa - "dirigir a conversação"-, seguida de minha 
descrição da atuação do profissional especialista em atendimento 
sistêmico, a qual eu chamo de "coordenação da conversação no 
contexto de autonomia". 
Depois de tudo isso, coerentemente com as idéias apresentadas 
e desenvolvidas, defino a identidade do "profissional que lida com as 
•n 
,dações humanas" - especialista em atendimento sistêmico - como um 
", .. ,pert em criar e manter contextos conversacionais de autonomia". 
1. O artigo de Goolishian e Winderman - noções básicas 
Apesar de esse artigo• ter sido escrito para a área da terapia fami-
liar, é perfeitamente aplicável na abordagem de qualquer outro sistema 
social como demonstra o trabalho por mim realizado na área das políti-
cas sociais (Aun, 1996). Escolhi-o porque, do meu ponto de vista, traz 
um conjunto de noções teórico-práticas, em torno do conceito de Sis-
tema Determinado pelo Problema - SDP, altamente estimulantes para 
se pensar e abordar sistemas mais amplos do que a família. Convido o 
leitor a estudá-lo integralmente e, por sua própria reflexão e criativida-
de, fazer uma transposição para sua área de interesse. Para o objetivo 
imediato, enfocarei especialmente os conteúdos referentes à atuação do 
profissional especialista em atendimento sistémico. 
Segundo os próprios autores, esse artigo foi escrito a partir de um 
pedido de que discutissem "a pertinência, a aplicabilidade e a utilidade 
dos pressupostos fundamentais do construtivismo radical e do conceito 
de autopoiese, em psicoterapia". Para isso, os autores definem breve-
mente esses conceitos e vão estabelecendo sua relação com a "psicote-
rapia" (p. 19)5. 
Quanto ao constmtivismo radical esses autores assumem uma posi-
ção definida como um questionamento à 
nossa noção de um mundo composto por propriedades estáveis 
que existem independentes da observação. Assim, o mundo torna-
se um mundo de sistemas observantes• ( ... ) caracterizado, por um 
fluxo caleidoscópico de eventos; padrões (redes) de relações nos 
quais todos os que o percebem são, ao mesmo tempo, partes deles, 
[aos quais] damos significado através da linguagem (p.20). 
Dessa mesma forma, o mundo cienófico também é visto como 
um mundo de sistemas observantes, de forma que os autores podem 
• As referências bibliográficas usadas por Goolishian e Winderman serão citadas no rodapé, para se 
diferenciarem das referências desta autora. 
' Para evitar excessivas repetições, as citações rcuradas do arúgo básico de Goolishian e Winderman 
(1989/1988) serão idenúficadas apenas pelo n,,mcro da p,ígina, entre parênteses. 
•VON FOERSTER, H. (1981) ObsmingI.Jsltms. Scas1dc: lntersystcms Publication. 
afirmar que "Todo conhecimento, inclusive a realidade cientifica, é uma 
construção mental (no sentido de Bateson~ dentro do campo social" (p. 
20). Citando Gergen8 afirmam que o conhecimento, e isto inclui a pro-
dução cientifica, "não é

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