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Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6594-3 9 7 8 8 5 3 8 7 6 5 9 4 3 Código Logístico 59228 Os contextos sociais se transformaram; logo, a sociedade precisa de profissionais preparados para atender às novas demandas surgidas com esses avanços. Nesse contexto, a formação de novos profissionais implica mudanças no processo formativo ofertado pelas universidades. Essas transformações, nos padrões de formação profissional e, até mesmo, no próprio perfil do estudante universitário, irão impor às universidades, especialmente ao professor universitário, a necessidade de uma remodelagem quanto às suas práticas pedagógicas e à sua forma de pensar sobre o ensino e a aprendizagem no nível superior. É nessa perspectiva que propomos a reflexão sobre a formação didática do professor universitário, partindo dos seus espaços de atuação e das especificidades de sua função docente, ontem e hoje: o que mudou na docência universitária? O que se espera como prática pedagógica do ensino superior na contemporaneidade? D ID Á TIC A D O EN SIN O SU PER IO R M A RY N ATSUE O G AW A Didática do ensino superior Mary Natsue Ogawa IESDE BRASIL 2020 Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br © 2020 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: PureSolution/Envato Elements CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ O28d Ogawa, Mary Natsue Didática do ensino superior / Mary Natsue Ogawa. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE, 2020. 74 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6594-3 1. Educação - Estudo e ensino (Superior). 2. Professores universitários - Formação. I. Título. 19-61937 CDD: 378.007 CDU: 378.026 Mary Natsue Ogawa Doutora e mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Especialista em Educação Especial pelo Centro Internacional de Pesquisa, Pós-graduação e Extensão (CIPPEX) e em Projetos Educativos em âmbito educacional e não educacional pela PUCPR. Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Atuou como coordenadora de cursos de pós-graduação; professora nos cursos de Pedagogia, Educação Especial e Psicopedagogia; formadora em cursos de formação continuada para professores e pedagogos escolares na Secretaria Municipal da Educação de Curitiba-PR. Desenvolve projetos de educação para a cidadania na Escola Judiciária Eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Paraná (TRE-PR), atuando também na capacitação de servidores e magistrados na área de educação para a cidadania. Videoaula em QR code! Agora é possível acessar nossas videoaulas por meio dos QR codes inseridos no livro. Note que existe, ao lado do início de cada seção de capítulo, um QR code (código de barras) para acessar a videoaula. Para acessá-la automaticamente, basta smartphone, tablet ou notebook para o QR code. Em algumas versões de smartphone, é necessário ter instalado um aplicativo para ler QR code, disponível gratuitamente na App Store e na Google Play. SUMÁRIO 1 O papel do professor universitário ontem e hoje 9 1.1 Novos contextos exigem novos saberes 10 1.2 A importância da formação pedagógica para o professor universitário 12 1.3 Prática pedagógica docente no ensino superior 14 1.4 O desenvolvimento de habilidades e competências no ensino superior 16 2 Andragogia: a contextualização do ensino e da aprendizagem 21 2.1 O que é andragogia? 22 2.2 Ensino superior: particularidades pedagógicas 26 2.3 A andragogia na prática 29 3 Organização do trabalho docente 35 3.1 Didática e ensino superior 36 3.2 O planejamento e seus componentes no ensino superior 39 3.3 O uso de tecnologias na educação superior 42 4 Metodologias ativas no contexto universitário 49 4.1 O que são metodologias ativas? 50 4.2 Aprendizagem baseada em problemas 52 4.3 Movimento maker, estudo de caso e sala de aula invertida 56 5 A avaliação como caminho para a aprendizagem 61 5.1 Avaliação a serviço da aprendizagem 62 5.2 Instrumentos de avaliação 66 5.3 Portfólio 70 Videoaula em QR code! Agora é possível acessar nossas videoaulas por meio dos QR codes inseridos no livro. Note que existe, ao lado do início de cada seção de capítulo, um QR code (código de barras) para acessar a videoaula. Para acessá-la automaticamente, basta smartphone, tablet ou notebook para o QR code. Em algumas versões de smartphone, é necessário ter instalado um aplicativo para ler QR code, disponível gratuitamente na App Store e na Google Play. A didática é a arte de ensinar, é o que dá forma e solidez ao processo de ensino e aprendizagem. É por meio dela que se organizam os elementos que compõem cada etapa do ensinar e do aprender. Seu objetivo maior está em estabelecer um caminho para que o professor construa a sua ação docente e para que o aluno se aproprie do conteúdo, reelaborando-o em forma de novos conhecimentos. Essa ação didática permeia o processo educativo como um todo, transpassando todos os níveis e todas as modalidades de ensino. Ela considera as particularidades de cada indivíduo para que – do entrelaçamento dos componentes didáticos, das particularidades e dos contextos – possa resultar em um aprendizado de qualidade, condizente com o que se espera do nível de ensino. No nível superior, a didática demorou para alcançar o merecido e necessário patamar para os processos formativos e as ações docentes, os quais foram grandemente impactados pelas transformações ao longo da história da educação, sobretudo no último século. Por isso, neste livro, propomo-nos a apresentar o papel do professor universitário ontem e hoje. Para tanto, o Capítulo 1 traz o contexto de surgimento da educação superior, compreendendo como esse cenário influenciou na sua estruturação e como se constituíram as concepções de ensino – dado o público ao qual atendia e a forma como os professores eram preparados para a docência nesse nível. O Capítulo 2 apresenta reflexões relacionadas à forma como o ensino se delineia no contexto universitário, abordando as particularidades de um processo voltado para adultos em busca de formação profissional. Portanto, a andragogia é o foco desse capítulo, buscando mostrar que os princípios andragogênicos e sua base teórica constituem o necessário suporte para o processo de ensino e aprendizagem no nível superior. Para compreendermos os processos didáticos e como eles se articulam no ensino superior, o Capítulo 3 explora as formas de organização docente, abordando o planejamento e suas diferentes dimensões. Analisa, também, de que forma as tecnologias podem contribuir para ampliar a ação didática do professor e dar maior significado à aprendizagem. APRESENTAÇÃO O Capítulo 4 retoma a necessidade de inovação nos processos e nas metodologias e apresenta as metodologias ativas como inovações nos processos de ensinar e aprender, pois elas trazem maior significado às aprendizagens, permitindo construções mais profícuas, uma vez que colocam o aluno como protagonista do próprio processo de aprender. Por último, mas não menos importante, emerge a avaliação, apresentada no Capítulo 5 como um caminho para o aprendizado, sendo compreendida como parte do processo. Ressalta-se também a avaliação como um elemento didático que dá ao professor possibilidades de pensar, refletir e repensar a sua prática, em um processo de autoformação, e proporciona ao aluno melhores condições de aprendizagem e, também, de autoavaliação de seu aprendizado. Esperamos que este livro possa contribuir para as reflexões sobre a ação docente e a didática no ensino superior, resultando em grandesaprendizagens! Boa leitura! O papel do professor universitário ontem e hoje 9 O papel do professor universitário ontem e hoje 1 Neste capítulo faremos uma breve retrospectiva do ensino superior no Brasil, na perspectiva de compreender os caminhos e as concepções de educação que foram se formando ao longo da história e que vão, gradualmente, constituindo o formato da docência universitária brasileira, dadas as características do seu alunado e dos modelos sociais. Modelos vão sendo superados à medida que a sociedade tem seus contextos e, particularmente, sua economia transformados pelos avanços tecnológicos e científicos. Essas mudanças exigem novas formas de atuar profissionalmente, de agir e de conviver em sociedade; assim, elas requerem, também, novos aprendizados, um novo formato para o aprender. Os contextos sociais se transformaram; logo, a sociedade precisa de profissionais preparados para atender às novas demandas surgidas a partir desses avanços. Nesse contexto, a formação de novos profissionais implica mudanças no processo formativo ofertado pelas universidades. Essas transformações, nos padrões de formação profissional e, até mesmo, no próprio perfil do estudante universitário, irão impor às universidades, especialmente ao professor universitário, a necessidade de uma remodelagem quanto às suas práticas pedagógicas e à sua forma de pensar sobre o ensino e a aprendizagem no nível superior. É nessa perspectiva que propomos a reflexão sobre a formação didática do professor universitário, partindo dos seus espaços de atuação e das especificidades de sua função docente, ontem e hoje: o que mudou na docência universitária? O que se espera como prática pedagógica do ensino superior na contemporaneidade? 10 Didática do ensino superior 1.1 Novos contextos exigem novos saberes Vídeo O ensino superior no Brasil foi criado por volta de 1808 (BORTOLANZA, 2017), com o objetivo de atender a um público específico, os filhos da nobreza portuguesa radicada no Brasil que, por conta do bloqueio continental imposto pela França à coroa portuguesa, já não podiam mais ir à Europa para ampliar seus estudos. Essa característica, isto é, o direcionamento aos poucos privilegia- dos, permaneceu como marca das instituições de ensino superior por muito tempo, sendo preservada também pela própria postura da uni- versidade e de seus professores, visto que se mantinham distanciados da sociedade, dos problemas sociais e pouco preocupados sobre a for- ma como seus estudantes aprendiam. Ora, em uma sociedade pouco letrada, em que a formação era prer- rogativa de uma parcela ínfima da população, aqueles que ensinavam na universidade não precisavam ter muito mais conhecimento do que os demais, mesmo porque eram poucos os cidadãos que tinham con- dições de exigir ou de cobrar tal nível de conhecimento à universidade; assim eram formados os professores da época. Nessa dinâmica, fechada à sociedade em geral, desenvolviam-se os estudos para os futuros professores. A organização pedagógica nas universidades compreendia o trivium (gramática, retórica e lógica) e o quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música) (ALMEIDA, 2012) e, ao fim do curso, o estudante que lograsse êxito nos estudos era titulado como bacharel. Caso se dispusesse a cursar mais dois anos de estudos, receberia o título de licenciado, estando, a partir de então, apto a lecionar (SIMÕES, 2013). Assim, alguns dos alunos passariam a ocupar cadeiras na própria universidade, sendo essa a formação exigida para o exercício do magistério. Essa estrutura de formação do professor permaneceu imutável e indiferente à dinâmica social por vários séculos. Somente no início do século XIX é que ocorreram mudanças significativas ensejadas por con- tundentes transformações sociais que puseram em xeque o isolamen- to da universidade, surgindo a necessidade de produção científica e a conquista da autonomia e, com isso, requerendo, também, mudanças na formação do professor universitário. ZABALZA, M. A. O ensino universitário: seu cenário e seus protagonistas. Porto Alegre: Artmed, 2004. Quer conhecer mais sobre a história do ensino superior do Brasil? Nessa obra, Miguel Zabalza aborda as diferentes dimensões do ensino superior e suas concepções, trazendo, ainda, algumas reflexões para entendermos os conflitos, contradições e, também, seu processo de evolução. Livro O papel do professor universitário ontem e hoje 11 Assim, na universidade moderna, lócus da ciência e do saber, que, aos poucos, irá consolidando as características da educação superior na contemporaneidade, ainda que timidamente, inicia-se a constitui- ção de um novo processo formativo para o professor. Esse processo é pautado na perspectiva de atender às necessidades impostas pelos avanços científicos e pelas inovações na sociedade – inovações estas que determinaram, também, mudanças sociais. Entre tais mudanças, a dimensão econômica é fortemente impac- tada e compõe a tônica quanto ao papel da universidade, em meados do século XX. Esse período é influenciado pela chamada globalização, a qual provoca alterações no processo produtivo, modifica relações co- merciais e vínculos empregatícios, além de ter “como meta a conexão da universidade com as grandes empresas” (ALMEIDA, 2012, p. 51). A universidade se vê, então, pressionada a adequar seus processos formativos. Essa necessidade motiva transformações, também, na for- mação do professor. Essas mudanças na formação docente passaram a ser sentidas mais significativamente no Brasil durante os anos de 1970, período em que a industrialização ganhava espaço e, por consequência, exigia-se uma melhor formação dos trabalhadores. Sendo assim, as universidades precisavam ampliar e qualificar seu quadro de educadores. Para tal, eram convidados profissionais que possuíssem curso de bacharelado e experiência profissional na área em que iriam lecionar (MASETTO, 2003), contando com o fato de que a prática da profissão e os conhe- cimentos técnicos seriam suficientes para formar bons profissionais. Apesar dessas transformações na formação do professor universi- tário, o processo pelo qual os estudantes eram selecionados para as universidades ainda se mantinha o mesmo, isto é, o conhecido “funil” dos concursos vestibulares, que assegurava a manutenção do perfil do aluno. Dessa maneira, o estudante universitário seria aquele com con- dições escolares suficientes para ser aprovado. Assim, embora houvesse real preocupação em adequar a prática docente, por meio de mudanças na formação do professor, o perfil do docente mantinha-se o mesmo, ou seja, tratava-se de um profissional detentor de conhecimentos técnicos que, segundo a lógica vigente, era o suficiente para ensinar e preparar profissionalmente estudantes que chegavam à universidade já com certo nível de preparo para a aprendi- lócus: lugar determinado, local específico. Glossário 12 Didática do ensino superior zagem, visto que, para tornarem-se acadêmicos, esses jovens tiveram que passar por um rigoroso processo seletivo. Portanto, a formação para ser professor universitário se resumia a dominar os conhecimentos técnicos e transmiti-los. Essa concep- ção, centralizada nos saberes profissionais e desprovida dos saberes pedagógicos como alicerce para o ensino e aprendizagem, abriu o mercado para que muitos profissionais passassem a atuar na univer- sidade como uma segunda profissão, encarando o trabalho docente como um “bico”, destituído da necessária profissionalidade que re- quer a prática docente. Entretanto, as mudanças econômicas e a ampliação pela procura de vagas nas instituições de nível superior, mais fortemente nos anos de 1990, pressionaram mudanças também na educação superior, as quais foram aos poucos sendo inseridas nesse cenário e que requeriam, tam- bém, inovação na prática docente do professor universitário. Ainda que a legislação educacional brasileira determine que o preparo parao exercício do magistério superior prioritariamente seja feito em programas de mestrado e doutorado, é importante atentar, no entanto, que a lei não especifica de que forma deverá ocorrer esse preparo, isto é, como o professor universitário deverá ser formado para a sua atuação docente. Durante a leitura do texto, percebemos que, no Brasil, não há uma regulamentação quanto à formação pedagógica do professor universitário. Quais elementos presentes nas origens do ensino superior brasileiro, em sua opinião, podem justificar o caminho formativo do professor universitário ao longo da história? Atividade 1 1.2 A importância da formação pedagógica para o professor universitário Vídeo As mudanças econômicas e sociais impulsionaram a busca por avanços nas mais diversas dimensões da vida social, e não poderia ser diferente com a educação. Assim, esses avanços e mudanças sociais possibilitaram a inúmeros jovens o sonho da formação superior. Por outro lado, essa crescente demanda fez com que diversos profissionais liberais, de diferentes áreas, acabassem optando pela docência no nível superior como trabalho complementar (PIMENTA; ANASTASIOU, 2014). Diante desse afluxo de profissionais que aden- trou as instituições de ensino superior, a preocupação com a formação desses professores passou a ocupar espaço no cenário educacional. afluxo: grande quantidade. Glossário Essa preocupação se pauta em diferentes fatores, sendo o mais impactante deles, certamente, a qualidade dos profissionais que se formavam no ensino superior brasileiro. Outro fator preponderante é, justamente, a falta de uma tradição de acompanhamento peda- gógico para a ação docente universitária, visto que o senso comum é de que o aluno que tem condições de adentrar a universidade é aquele que já dispõe dos critérios e conhecimentos necessários para acompanhar as demandas específicas desse nível. Ou seja, são os alunos, em geral, vindos de um nível educacional mais elevado, de uma classe econômica favorecida. Então, ao adentrarem a faculdade, já haviam, comumente, pas- sado por um grande “funil”, que selecionava os mais aptos para acompanhar o ensino universitário. Esse processo de seleção se dava, por vezes, além do ingresso pelo vestibular, pela própria di- nâmica de vida que os direcionava para o ensino acadêmico ou para um mercado de trabalho que não exigia tanta qualificação. Logo, os alunos que chegavam à faculdade, em sua maioria, conse- guiam acompanhar o curso, ainda que com pouca orientação peda- gógica durante seu desenvolvimento acadêmico. Contudo, após o intenso processo de ampliação do número de ma- trículas do nível superior, ocorrido nos anos de 1990, houve uma sensí- vel alteração no perfil dos alunos – o quais eram, em sua maioria, filhos da classe média, tendo frequentado colégios particulares e, geralmen- te, se dedicado exclusivamente aos estudos –, passando, então, para um perfil de jovens trabalhadores, oriundos da escola pública e que, passando por diversos obstáculos, esforçavam-se para dar continuida- de a seus estudos, agora no âmbito universitário. Esse contexto vai exigir do professor universitário mu- danças de postura, ino- vação em sua prática, atualização constante, renovação e acompanha- mento do seu processo de ensino e aprendiza- gem, requerendo, as- sim, uma formação mais sólida, voltada não apenas para as R ob er t K ne sc hke /Sh utters tock 13O papel do professor universitário ontem e hoje 14 Didática do ensino superior competências técnicas e específicas do curso, mas também para o processo pedagógico como um todo. É preciso pensar em uma docência universitária que possibilite um pensamento crítico e, ao mesmo tempo, competente, humano, que agregue as teorias do conhecimento, que envolva as especificidades de cada área e curso, mas que, acima de tudo, possibilite a educação inte- gral, dando espaço a uma formação profissional e cidadã. Entretanto, a ação de formar esse profissional crítico, interativo e reflexivo não pode ser fundamentada em uma educação tradicional, engessada e presa a tradições acadêmicas estanques, que não acom- panham a dinâmica da atual sociedade, uma vez que esta se transforma constantemente e requer, portanto, aprendizados contínuos e perma- nentes, além de um novo olhar sobre a prática pedagógica docente. Por que o processo de amplia- ção do ensino superior trouxe mudanças tão significativas para a docência universitária? Atividade 2 1.3 Prática pedagógica docente no ensino superior Vídeo No Brasil, a formação do professor universitário não é especifica- da pela legislação, que determina o ingresso do professor nesse nível a partir dos cursos de pós-graduação strictu sensu (mestrado e dou- torado), conforme descrito na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) n. 9.394/1996. Outro dispositivo legal que legitima o acesso à docência na universidade por meio da titulação é o Decreto n. 9.235/2017, o qual determina percentuais mínimos de docentes ti- tulados no quadro de professores, levando a uma maior procura pelos cursos de mestrado e doutorado. Contudo, embora o professor, mestre ou doutor, esteja legalmente ha- bilitado para a docência em nível superior, ele, muitas vezes, não está pre- parado para as especificidades da atividade docente, pois os programas de pós-graduação priorizam a pesquisa e a produção do conhecimento, entretanto “ os aspectos relativos à preparação pedagógica para o ensino raramente são parte desses cursos” (ALMEIDA, 2012, p. 63). Assim, é comum que alguns profissionais tragam como bagagem as aprendizagens do mestrado e doutorado e o seu conhecimento da área de atuação. Partindo do princípio de que “quem sabe fazer, sabe ensinar” (MASETTO, 2003), esses profissionais vão “tateando”, e a sua maior fonte O papel do professor universitário ontem e hoje 15 de informação sobre como um professor deve ser vem dos modelos que obteve enquanto aluno; assim, o professor acaba reproduzindo a postura de seus professores, muitas vezes tradicional e pouco reflexiva. Logo, a titulação, embora necessária, não assegura a qualidade do trabalho docente. São os saberes pedagógicos que coadunam os elementos necessários à transposição didática, momento em que o bacharel se transforma em professor e em que o profissional liberal cede espaço ao docente que irá mediar a relação entre os conheci- mentos técnicos, os conteúdos curriculares e o estudante, fazendo da sala de aula um espaço de formação, de construção de saberes e de desenvolvimento pessoal e profissional. No entanto, esse movimento não ocorre em um passe de mágica, uma vez que precisa de formação e engajamento do professor (CUNHA, 2010), na perspectiva de tornar-se protagonista do seu aprendizado e de sua formação; porém, também implica o envolvimento da instituição em aprender coletivamente, tornando-se lugar de formação para todos que compõem o ambiente educativo. A criação desse lugar de formação exige a significação dos atores desse cenário e requer a intencionalidade educativa para pensar e pla- nejar a formação do professor em diversos aspectos (CUNHA, 2010). É também a intencionalidade que dá forma e concretude ao ato de ser professor, pois, quando o profissional opta por se formar para a docência, não se trata mais de uma profissão secundária, mas de uma mobilização em direção ao fazer-se professor. Tal mobilização envolve diversos elementos, pois demanda que a instituição promova ações congruentes ao seu projeto pedagógico e propicie as condições para o aprendizado docente que se constrói na coletividade, nas trocas, no diálogo e, sobretudo, na formação sistematizada e planejada para atender ao contexto e às necessida- des do professor, entendendo esse conjunto de ações como parte de um movimento maior: o desenvolvimento profissional docente. Nesse momento, o professor assume para si a identidade docente e sua prática pedagógica se torna sinônimo de profissão, devendobuscar na didática e nas especificidades da docência do a base para formar futuros cidadãos e profissionais para uma sociedade melhor, mais justa e democrática. coadunam: juntam, incorpo- ram, combinam. Glossário 16 Didática do ensino superior 1.4 O desenvolvimento de habilidades e competências no ensino superior Vídeo O professor universitário é responsável por formar outros profis- sionais, e esse compromisso não pode ser resumido em fragmentos de conhecimentos que se somam na tentativa de formar uma prá- tica docente, mas, sim, na exigência de uma formação sistematiza- da, que oportunize ao professor construir a sua profissionalidade docente e o auxilie a refletir sobre sua prática, incorporando ele- mentos aprendidos e dando contornos sólidos ao seu processo de desenvolvimento profissional educador. Segundo Garcia (1999), o desenvolvimento profissional docente (DPD) é um processo evolutivo, visto que envolve todo o percurso de aprendizagem do professor e todo o contexto que circunda o seu tra- balho. Esse processo não diz respeito somente ao profissional, mas à instituição como um todo, que deve ter como tarefa propiciar recursos e condições adequados para que o professor se desenvolva profissio- nalmente. Portanto, à medida que o corpo docente se desenvolve, a instituição também evolui. Assim, melhorar as condições para o desenvolvimento do traba- lho docente prescinde da formação e requer a articulação de todos os profissionais universitários, concebendo-a como parte intrínse- ca, mas não única, ao desenvolvimento do profissional (IMBERNON, 2011), sendo a formação vista, ainda, como elemento articulador e motivador do desenvolvimento profissional docente e, ao mesmo tempo, consequência deste. Ao envolver todo o cotidiano educativo, o DPD compreende um con- junto de ações sistematizadas e intencionalmente planejadas, podendo ser percebido por meio das formações ofertadas e da organização do espaço, seja na sala de aula ou, até mesmo, na sala dos professores, com o objetivo de melhorar a prática pedagógica. Assim, o desenvolvimento profissional docente não existe senão vin- culado ao contexto do cotidiano profissional, tanto nas relações com seus pares, com os gestores, estudantes e em condições materiais, que perpassam a estrutura disponível para o seu exercício docente, como também em questões salariais, ou seja, envolve “todos os processos que melhoram a situação do trabalho” (IMBERNON, 2011, p. 47). O romance O espelho tem duas faces tem como pano de fundo a carreira do professor Gregory, que não consegue envol- ver seus alunos. Em suas aulas de matemática, a princípio, Gregory utiliza uma metodologia que dis- tancia o aluno do conhe- cimento, não estimulando a participação da turma. Entretanto, com a aju- da de outra professora, passa a visualizar pouco a pouco que existem inú- meras possibilidades di- dáticas na relação ensino e aprendizagem. Barbara Streisand. EUA: Tristar Pictures, 1996. Filme O papel do professor universitário ontem e hoje 17 A aprendizagem da docência é a combinação dos fatores externos, coletivos e, também, individuais que envolvem a intencionalidade do aprender a ser professor e a opção por desenvolver a prática peda- gógica como parte de identidade profissional. Para tanto, torna-se necessária a mobilização das instituições em direção à qualificação das condições para que o fazer-se professor se consolide tanto nas concepções para o pensar a educação quanto na prática do fazer pedagógico. Esse fazer pedagógico exige do professor preparação, seriedade e compromisso, visto que, ao adentrar a sala de aula de uma universida- de, o docente está ajudando a dar concretude aos sonhos de centenas de jovens, pois os cursos de graduação representam, em várias socie- dades, principalmente em meio à população de menor poder aquisiti- vo, a possibilidade de melhorar as condições de vida, de ascender na estratificação social. Dessa forma, o professor universitário ocupa um lugar de destaque e prestígio, uma vez que cabe a ele a responsabilida- de por formar futuros profissionais. Assim, é necessário ter em mente que o trabalho do professor é resultado de uma série de fatores que permeiam os espaços e a cultura institucionais, como estrutura física da instituição, condições de trabalho, aspectos políticos, econômicos e sociais que impactam o contexto, projeto político pedagógico e muitos outros que, quando estruturados, podem contribuir para qualificar sua atuação, propi- ciando suporte ao trabalho docente. Essa estruturação passa por diversos elementos e, particularmente, pela disponibilização de tempo e espaço formativos para o professor. É preciso lembrar que muitos professores vêm de cursos de bacharela- do, não dominam os conhecimentos pedagógicos e, mesmo os que cur- saram licenciatura, não receberam conhecimento para a docência. Isso porque as licenciaturas direcionam a formação para a educação básica, o que pode ajudar, mas não é o suficiente para qualificar a docência universitária, dadas às especificidades desse nível de ensino (FRAGELLI; AZEVEDO, 2016, p. 140). Os padrões acadêmicos no contexto atual suplantam as memoriza- ções e repetições, implicando em movimento, adaptação, reinvenção, reestruturação e aprendizado constante. Para isso, requerem novos contornos ao ensino e, consequentemente, novas habilidades e com- petências do professor, aqui definidas como a capacidade de mobilizar 18 Didática do ensino superior um conjunto de recursos cognitivos (saberes, capacidades, informa- ções, conhecimentos etc.), para solucionar, de modo eficiente, situa- ções-problemas quando demandadas (SCALLON, 2014). Essas situações-problemas, que passam pelas competências e habi- lidades do professor universitário, não estão necessariamente postas, mas passam pela relação com o aluno, pela compreensão da avaliação como processo de aprendizagem e pela didática como elemento nor- teador da relação ensino e aprendizagem. No entanto, os conhecimen- tos necessários para tais competências não podem ser considerados receitas prontas e acabadas, e a capacidade do professor em mobi- lizá-los para cada ocasião e contexto está intimamente relacionada à forma como aprende a gerir a sua sala de aula, às suas relações com os alunos e com os seus pares, e às suas competências docentes, técnicas e emocionais. Portanto, ser docente é tornar-se professor constantemente, apren- der sempre, investir em formação e capacitar-se, além de mover-se em direção ao conhecimento e, especificamente no universo acadêmico, com compromisso e responsabilidade com a formação da sociedade. CONSIDERAÇÕES FINAIS A história do ensino superior no Brasil – em sua origem criado para ofe- recer escolaridade superior aos filhos da elite colonial e que, aos poucos, foi avançando para atender outras parcelas da população – é reflexo de uma transição política e social. Essa transição vai se materializando nos avanços tecnológicos, que irão requerer maior aprofundamento de conhecimentos, melhor formação e profissionais mais qualificados, exigindo adequações às universidades que, até então, ainda formavam dentro de um contexto tradicional e catedrático. Esse espaço de inovação para as práticas formativas trouxe, no entanto, a necessidade de repensar a ação didática do professor universitário, que agora precisa atingir um alunado diferenciado, amplo, vindo de diferentes raízes e vertentes sociais, devendo prepará-lo para o mercado de trabalho e para a sociedade. Essa nova prática pedagógica para o professor exige, também, uma nova formação docente, pensada com base em competências, habilidades e co- nhecimentos didáticos e pedagógicos que, até esse momento, tinham me- nor peso em relação aos conhecimentos específicos da área de formação. O desenvolvimento de compe- tências e habilidades para a do- cência do ensino superior passa pelo aprendizado constante. De que maneira a formação constante do professor contribui parao ensino e aprendizagem e como as instituições podem contribuir para ela? Atividade 3 O papel do professor universitário ontem e hoje 19 REFERÊNCIAS ALMEIDA, M. I. de. Formação do professor do ensino superior: desafios e políticas institucionais. 1. ed. São Paulo: 2012. BORTOLANZA, J. Trajetória do ensino superior brasileiro – uma busca da origem até a atualidade. In: XVII COLÓQUIO INTERNACIONAL DE GESTÃO UNIVERSITÁRIA, 17, nov. 2017. Mar del Plata, Anais [...] Mar Del Plata: UNMdP, 2017. Disponível em: https://repositorio. ufsc.br/bitstream/handle/123456789/181204/101_00125.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 16 dez. 2019. CUNHA, M. I. (Org.). Trajetórias e lugares de formação da docência universitária: da perspectiva individual ao espaço institucional. Araraquara; Brasília: Junqueira & Marin; CAPES, CNPq, 2010. GARCIA, M. C. Formação de professores para uma mudança educativa. Porto: Porto Editora, 1999. IMBERNON, F. Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a incerteza. 9. ed. São Paulo: 2011. FRAGELLI, C. M. B.; AZEVEDO, M. A. R. Formação do professor universitário em cursos de licenciatura: a experiência da docência qualifica o ensino? Rio Claro, 2016. 170f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Instituto de Biociências de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/144550. Acesso em: 12 fev. 2020. PIMENTA, S. G.; ANASTASIOU, L. das G. C. Docência no ensino superior. 5. ed. São Paulo: 2014. SCALLON, G. Avaliação da aprendizagem numa abordagem por competências. Tradução de: Juliana Vermelho Martins. Curitiba: PUCPRess, 2015. SIMÕES, M. L. O surgimento das universidades no mundo e sua importância para o contexto da formação docente. Revista Temas em Educação, v. 22, p. 136-152, 2013. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/index.php/rteo/article/view/17783/10148. Acesso em: 16 dez. 2019. ZABALZA, M. A. O ensino universitário: seu cenário e seus protagonistas. Porto Alegre: Artmed, 2004. GABARITO 1. Por ser um ensino pensado para filhos de uma elite, que já possuíam bons subsídios para o prosseguimento no ensino, o professor universitário não carecia da utilização de metodologias inovadoras, pois o ensino convencional bastava. Assim, o conteúdo era trabalhado por meio de aulas expositivas, nas quais o professor explicava o assunto e esperava que os alunos o compreendessem. Como, em geral, não havia posicionamento crítico, não existia, também, questionamentos contrários a tais práticas, assim, todos aprendiam por esse método. 20 Didática do ensino superior 2. A exigência de mais mão de obra qualificada para a indústria e a posterior massificação do ensino superior trouxe maior procura por vagas. Muitos trabalhadores buscavam se especializar, contudo, sem conhecimentos básico suficientes, tinham mais dificuldade para acompanhar a tradicional dinâmica metodológica das aulas universitárias, o que trouxe a preocupação em rever as práticas docentes no nível superior. 3. A formação constante de um professor amplia a qualidade à toda instituição, pois, com o professor possuindo melhor formação didático-pedagógica, os alunos aprenderão mais, com perspectivas de serem melhores profissionais. Por isso, a formação do professor universitário é responsabilidade de toda a instituição, a qual deve disponibilizar tempo e espaços formativos para o professor, sobretudo aos professores que vêm de cursos de bacharelado, os quais não dominam os conhecimentos pedagógicos. Andragogia: a contextualização do ensino e da aprendizagem 21 Andragogia: a contextualização do ensino e da aprendizagem 2 As atuais configurações da sociedade são marcadas pelos avanços tecnológicos e científicos cada vez mais contundentes na dinâmica social, perpassando diversas áreas, como economia, saúde, empregabilidade e indústrias, além de, é claro, influir fortemente na educação, que é a força motriz de uma sociedade. Por meio da educação, a sociedade se estrutura, consolida seus valores éticos, morais e culturais, prepara seus cidadãos e seus profissionais, aprimora seus processos e molda as vivências sociais. Assim, a educação cumpre o papel de perpetuação das sociedades. Esse movimento de perpetuar a cultura, os pensamentos e o modo de vida de uma sociedade implica a formalização dos processos educacionais e formativos. Processos estes que, há algumas décadas, eram tidos como prescritos, findados e com tempo para conclusão, envolvendo uma quantidade de anos referente a determinada etapa de escolarização e, também, finalizando a formação escolar – ou, até mesmo, a profissional. Entretanto, a nova dinâmica de constituição social implica estar aprendendo constantemente, pois os conhecimentos se renovam e se alteram muito rapidamente. O conhecimento não é imutável como se acreditava; novos saberes são produzidos e requerem que diferentes competências e habilidades estejam em constante ebulição. Logo, os processos formativos devem transpassar a vivência profissional ao longo de toda a vida, não havendo mais conclusão, terminalidade ou encerramento para o ato de aprender. Dessa forma, estamos aprendendo sempre, mesmo após a idade escolar e a adulta. São aprendizados específicos, selecionados para atender necessidades também específicas, que remetem às diferentes dimensões da vida, seja no âmbito pessoal ou profissional. 22 Didática do ensino superior 2.1 O que é andragogia? Videoaula O processo de aprender na vida adulta é denominado andragogia e diz respeito à forma estrutural, cognitiva e biopsicossocial com que a pessoa aprende, ou seja, refere-se ao processo de ensino e aprendi- zagem na perspectiva de um adulto aprendente, buscando as nuances desse processo, que tem no professor e no aluno copartícipes do mo- vimento de aprender e de ensinar. O aprender e o ensinar se pautam na ciência da educação, a peda- gogia, que articula os elementos para que se estabeleçam o ensino e a aprendizagem como processos formativos e educativos. Assim, ao passo que a pedagogia se preocupa com todos os processos para o aprender, a andragogia se constitui como um braço da pedagogia, que apresenta como especificidade o aprendizado da pessoa em idade adulta, uma vez que apresenta particularidades e contextos que devem ser considerados para um melhor aproveitamento do processo. Embora faces de um mesmo processo, pedagogia e andragogia têm cada qual a sua particularidade. Por isso, é importante perceber os aspectos relativos a cada uma (Quadro 1), conforme elencadas por DeAquino (2007): Pedagogia (centrada no professor) Andragogia (centrada no aprendiz) Os aprendizes são dependentes. Os aprendizes são independentes e autodirecionados. Os aprendizes são motivados de forma extrínseca (recompensas, competição etc.). Os aprendizes são motivados de forma intrínseca (satisfação gerada pelo que aprendeu). A aprendizagem é caracterizada por técnicas de transmissão de conhecimentos (aulas, leituras designadas). A aprendizagem é caracterizada por projetos inquisi- tivos, experimentação e estudo independente. O ambiente é formal e caracterizado pela com- petitividade e por julgamento de valor. O ambiente é mais informal e caracterizado pela equidade, respeito mútuo e cooperação. O planejamento e a avaliação são conduzidos pelo professor. A aprendizagem pressupõe ser baseada em expe- riências. A avaliação é realizada basicamente por meio de métodos externos (notas de testes e provas). As pessoas são centradas no desempenho de seus processos de aprendizagem. Quadro 1 Principais diferenças entre pedagogia e andragogia Fonte: Adaptado de DeAquino, 2007, p. 12. copartícipes: que participam juntos. Glossário Andragogia: a contextualização do ensino e da aprendizagem 23 Diferentemente da pedagogia, que tem como público as crianças, a andragogia está centrada nos adultos. A terminologia andragogia re- mete ao grego andros, que significa homem e gogia,no sentido de guiar liderar, levar ou conduzir (DRAGANOV et al., 2011), o que emprega ao termo o sentido de condução ou direção de adultos na perspectiva de aprender. Desse modo, buscam considerar as características da fase adulta, suas necessidades e seus contextos de vida. Embora “o termo Andragogia tenha surgido pela primeira vez em 1833, quando o professor alemão Alexander Kapp a relacionou à Teo- ria de Educação de Platão” (LITTO; FORMIGA, 2009, apud MENDES, 2014, p. 105), foi em 1921, por meio dos escritos de Rosenstock (apud MENDES et al., 2012), que ela ganhou significado quanto ao desenvol- vimento da prática de ensino e aprendizagem. Rosenstock (1921 apud MENDES et al., 2012) empregou o termo an- dragogia para referir-se às características filosóficas e, ainda, à articu- lação entre métodos e especialidade no fazer pedagógico, necessária aos professores para atender às necessidades relativas à educação de adultos, conferindo contornos às primeiras sistematizações para caracterizar essa aprendizagem. Contudo, a andragogia ainda cami- nhava a passos lentos, e o seu reconhecimento viria somente na dé- cada de 1970, quando Malcon Knowles publica o seu livro The modern practice of adult education. Segundo Mendes et al. (2012, p. 1.370) na obra citada, Knowles (1970) introduz no universo educativo o conceito de andragogia, apresentando-o “como a arte e a ciência de orientar os adultos a aprender”, detalhando as especificidades próprias do aprender na vida adulta e delineando o conceito, de modo que se abriu um espa- ço para outras publicações, as quais viriam a popularizar o termo e a ampliar a perspectiva do aprender na vida adulta. Essa perspectiva ganha ainda mais força a partir do século XX, im- pulsionada pelas transformações tecnológicas no mercado de traba- lho, que alavancaram mudanças tanto nos aspectos culturais quanto nos processos formativos, levando os profissionais à constante busca por aperfeiçoamento e atualização de seus conhecimentos. Esse processo de aprender na vida adulta, necessário e cada vez mais intenso, requer das instituições pensar em um processo educati- vo que abarque a forma como o aluno adulto vive, trabalha e aprende, Embora não haja uma asso- ciação direta entre Paulo Freire e andragogia – pois naquele momento histórico o conceito ainda não era aplicado – o que Freire fez com seu método de alfabetização foi considerar, em uma perspectiva androgênica, a vivência, a experiência e o contexto de vida dos alunos adultos. Ao utilizar-se da palavra geradora, Paulo Freire trazia o mundo do aluno para o processo de ensino e aprendiza- gem, exatamente o que defende a andragogia. Saiba mais+ 24 Didática do ensino superior suas potencialidades, seus conhecimentos prévios e, até mesmo, os possíveis obstáculos que precisa enfrentar. Essas barreiras, nesse caso, por vezes, passam justamente pelo fato de o aluno ser uma pessoa já inserida no mercado de trabalho, que tem compromissos, trabalho, família e diversas demandas que podem lhe causar dificuldades para organizar seu tempo e seus estudos, podendo ter, ainda, alguma resistência em apresentar trabalhos e em se concen- trar (NOGUEIRA, 2004), o que torna necessária a utilização de metodo- logias inovadoras e atraentes específicas para esse público. A formulação dessas metodologias encontra na andragogia o espaço para caracterizar o aprender na vida adulta, com base nas especificida- des de como o adulto aprende, fundamentando as práticas pedagógicas e estabelecendo possibilidades didáticas ao ensino e à aprendizagem, as quais precisariam considerar a história de vida do educando e a sua tra- jetória profissional, além de valorizar a sua bagagem cultural e vivências sociais como aporte (BUENO, 2010). Nessa direção, os estudos de Knowles, Holton III e Swanson (2009), que se fundamentaram em Kapp, de modo a ampliar suas ideias, apon- tam que a andragogia tem como objetivo promover o aprendizado para o adulto, contudo, partindo da premissa de que esse adulto deve querer aprender, o que requer, também, engajamento do aluno. Para isso, é preciso que o aprendente se engaje e se comprome- ta, compreendendo a importância do conhecimento para a sua vida. Logo, é necessário que o aprender seja uma escolha, uma opção clara e consciente do estudante, tendo a clareza do motivo pelo qual está estudando determinado conteúdo e qual a função social deste em sua vida, seja ela cultural, pessoal e/ou profissional. Com isso, o aprendizado se torna um processo ativo, que busca no professor a parceria para que se efetive. Assim, é preciso que o docente compreenda o momento de vida do estudante, conheça os princípios da andragogia e tenha, a partir dela, condições de pro- mover um trabalho coerente com o perfil do aluno e que coadune com os princípios da andragogia (Figura 1), propostos por Knowles, Holton III e Swanson (2009). A proposta do documentá- rio Paulo Freire Contempo- râneo, publicado pelo canal Davis Franco, é apresentar a obra de Paulo Freire, des- tacando as experiências de alfabetização realizadas a partir da prática pedagó- gica, a qual ficou conhe- cida como método Paulo Freire de alfabetização. O documentário traz, ainda, algumas entrevistas com pessoas que eram ligadas ao educador. Disponível em: https://www.you- tube.com/watch?v=5y9KMq6G8l8. Acesso em: 30 dez. 2019. Vídeo Andragogia: a contextualização do ensino e da aprendizagem 25 Figura 1 Princípios da andragogia 1º 4º 2º 5º 3º 6º A NECESSIDADE DE SABER DO ESTUDANTE PRONTIDÃO PARA APRENDER AUTOCONCEITO DO APRENDIZ ORIENTAÇÃO PARA A APRENDIZAGEM EXPERIÊNCIA ANTERIOR DO APRENDIZ MOTIVAÇÃO PARA APRENDER O aluno precisa compreender qual é o sentido, a lógica e o porquê de saber determinados conteúdos. A aprendizagem do adulto é estimulada pela sua necessidade de conhecer o mundo, de adaptar-se à sociedade em que vive. Necessidade de decidir e se autodirigir, sendo autônomo e responsável por suas decisões e escolhas. É preciso que os conteúdos sejam contextualizados; para isso, envolvem-se elementos do cotidiano e resolução de problemas, isto é, elementos que possam ser aplicados na prática em situações do dia a dia. É preciso considerar as vivências e experiências dos estudantes como aporte para a construção de novos conhecimentos. Ultrapassa os fatores externos, pois incide sobre a satisfação do conhecer na autorrealização e no reconhecimento, ou seja, os fatores intrínsecos. Fonte: Elaborada pela autora com base em Knowles, Holton III e Swanson, 2009. Compreendendo as confluências desses princípios, é possível per- ceber a teoria andragógica como uma possibilidade de que o ensino e o aprendizado sejam contextualizados de modo a atender às necessida- des do educando e suas perspectivas sociais, profissionais e pessoais, que vão sendo formadas ao longo da vida. É preciso ter em mente que a andragogia percebe o estudante como um sujeito ativo e responsável pelo próprio processo de aprendizagem, o que exige dele criticidade, autonomia, reflexão e compreensão de como se processam os fatores externos a esse processo. Essa percepção crítica e reflexiva da sociedade, do conhecimento e das relações sociais serão mediadas pelo professor, que, conhecendo a andragogia, irá se utilizar das vivências e percepções do aluno para alavancar a construção de novos conhecimentos. Atividade 1 Qual é a importância de trazer a experiência do aluno para o contexto educativo? 26 Didática do ensino superior 2.2 Ensino superior: particularidades pedagógicas Videoaula Os processos formativos nos dias atuais, nos quais o aluno tem um vasto arcabouço de pesquisa, podendo buscar informações em diver- sas fontes, conferem ao professor uma função muito forte de media- dor do conhecimento, pois, ao contrário do que pregava a pedagogia tradicional, o docente não mais transmite conhecimento, mas, sim, au- xilia o aluno a compreender e se apropriardesse conhecimento. Quando se fala em andragogia, isso se torna ainda mais verdadeiro, visto que, nesse contexto, o aluno não se trata de uma criança despro- vida de vivências, experiências e conhecimentos profissionais. Nessa perspectiva, o estudante é um ser social, que trabalha, tem relações sociais diversas e inúmeras vivências que devem ser consideradas em seu processo educativo. Além disso, nesse processo, os objetivos irão delinear a abordagem pedagógica para que se efetivem o ensino e a aprendizagem, buscando também os elementos didáticos que irão alimentá-lo. Por isso, a impor- tância de se conhecer o aluno, o contexto e os seus objetivos. Na educação superior, os objetivos do estudante são bem definidos, pois trata-se da formação para o exercício de uma profissão, do prepa- ro para atuar na área escolhida. Assim, o processo de ensino e aprendi- zagem, na graduação, deve resultar dos elementos fundamentais para uma formação que atenda às necessidades do aluno e às expectativas da sociedade para a qual ele se prepara profissionalmente. É preciso considerar, ainda, que o aluno fez a escolha por uma área específica, contudo, muitas vezes, já atua profissionalmente, estando inserido no mercado de trabalho (FERREIRA; STEINER, 2017). Esse é um aluno que, provavelmente, trabalha e estuda; alguns têm família sob sua responsabilidade, e os problemas e o cansaço do dia a dia podem ser obstáculos para o aprendizado. Por outro lado, como já vimos, esse aluno tem um objetivo bem definido: o de tornar-se um profissional graduado. É esse objetivo que irá mobilizar seus esforços e que irá direcionar o seu interes- se em aprender e saber o porquê de estar estudando os conteúdos selecionados. Andragogia: a contextualização do ensino e da aprendizagem 27 Logo, a aprendizagem no nível superior perpassa os princípios da andragogia. Esses princípios, portanto, devem ser considerados quan- to à formação didática do curso, na elaboração curricular e, principal- mente, na escolha das metodologias pelo corpo docente. Outro cenário a ser considerado na questão didática, para esse nível de ensino, é o número cada vez maior de estudantes adultos em busca de uma segunda graduação (MENDES et al., 2012); nova- mente se tem um público especializado, com conhecimentos, vivências e, também, experiência profissional. Nesse caso, também não deve ser descon- siderada pelas universidades a capacitação de seu corpo docente, pois é comum que os profes- sores, alguns bacharéis e não licenciados, tenham ainda como modelo de docência os seus próprios professores do passado, os quais exerciam uma práti- ca condizente com um contexto e com um público que já não existem mais (CUNHA, 2010). O professor de algumas décadas atrás era visto como o detentor do conhecimento, transmissor de conteúdos aos alunos, com pouca preocupação em relação ao aprendizado real desse conteúdo. Sua postura era reflexo de sua prática: fechada, com pouco espaço para diálogo ou questionamentos. Stokke te/Sh utter stoc k Como o professor era visto antigamente. f zk es/ Sh utt ers toc k Como o professor é visto hoje em dia. 28 Didática do ensino superior No entanto, os contextos atuais trazem um aluno mais questio- nador, crítico, que busca informação em diferentes fontes, procu- rando no professor uma possibilidade de diálogo para compreender os conceitos e formular ele próprio os seus conhecimentos. O do- cente, nesse momento, é mais mediador e menos transmissor, uma vez que ele propicia os caminhos para a aprendizagem. Portanto, torna-se importante buscar na andragogia e nos seus princípios elementos que possam corroborar com o trabalho do docente universitário, em direção a uma aprendizagem significa- tiva que fomente no aluno o desejo de aprender, implicando, por fim, na formação de um profissional competente e bem preparado, não apenas no aspecto técnico, mas, também, do ponto de vista da cidadania e da participação social. Os contextos atuais exigem profissionais mais competentes, capazes de se adaptar a diferentes situações, humanos e éticos. Logo, somente a formação técnica, embora ainda importante, não é suficiente. É nessa perspectiva formativa que as instituições de nível superior devem atuar, refletindo sobre sua prática docente e reformulando-a quando necessário, para que dela se resulte um novo processo formativo. Nessa perspectiva, a andragogia é um alicerce para a efetivação de aprendizados significativos que se traduzam em formação efi- caz e competente, frutos de uma prática pedagógica voltada para as expectativas, necessidades e contextos dos alunos, pois, con- forme anunciam Knowles, Holton III e Swanson (2009, p. 2), “nossa posição é de que a andragogia apresenta princípios fundamentais para a aprendizagem de adultos, que permitem àqueles que de- sempenham e conduzem esse tipo de aprendizagem construir pro- cessos mais eficazes”. Esses processos mais eficazes, contudo, precisam de uma prá- tica pedagógica diferenciada, que remeta a um novo olhar do pro- fessor, compreendendo o discente como parte ativa da própria formação e, ainda, entendendo que essa aprendizagem do aluno adulto perpassa os conteúdos curriculares, sendo parte, também, de uma formação integral que o prepara para a atuação profissio- nal e para o exercício da cidadania. Andragogia: a contextualização do ensino e da aprendizagem 29 2.3 A andragogia na prática Videoaula Considerando tudo o que vimos até aqui sobre andragogia, você já pôde perceber que ela não se trata apenas de uma metodologia, mas, sim, de uma concepção de edu- cação, ou seja, trata-se de uma forma de conceber o processo educativo do estudante adulto, compreen- dendo-o pelas suas especificidades. As práticas andragógicas entendem que cada estudante é único, que cada um tem sua forma de aprender, seu ritmo, suas vivências e experiências, que impactam diretamente no processo formativo. Assim, não é somente adaptar a prática aos prin- cípios da andragogia, mas, também, entender que o aluno adulto tem particularidades em seu contexto, que influenciam no seu desempenho acadêmico. A realidade desse aluno pode trazer alguns impactos negativos, como cansaço, faltas decorrentes do vo- lume de trabalho, entre outras; mas, também, traz a perspectiva de que possui muitas vivências que po- dem ser exploradas. Ao inserir as vivências do aluno no processo, o professor não apenas valorizará o caminhar desse estudante, como também estará trazendo maior significação a esse processo de ensino, uma vez que, ao associá-lo às vivências, os docentes em- pregam sentido aos conhecimentos e saberes, que são elaborados e reelaborados em novos saberes. Por isso, torna-se importante que na prática edu- cativa do adulto os conhecimentos não sejam tra- balhados de modo isolado; é preciso que o aluno perceba qual é a relação daquele conteúdo com o seu mundo, apropriando-se de tais conhecimentos, saberes e conteúdos. Assim, as experiências de vida dos adultos devem ser incluídas no processo educativo, posicionamento que é também defendido por outros investigadores (FREIRE, 1970). O filme O sorriso de Mona- lisa já se tornou um clás- sico da educação. Entre os diversos temas que compõem a obra, podem ser percebidas algumas tendências andragógicas. Assim, na história, o pri- meiro contato da pro- fessora com as alunas é bastante negativo, pois ela não conhece o perfil da turma, não sabe quem são suas alunas. Após conhecê-las melhor, a professora vai modifican- do a sua prática e, então, passa a criar estratégias de ensino e aprendiza- gem que despertam nas alunas a curiosidade e, gradualmente, tendem a torná-las mais críticas, en- volvendo-as de modo ati- vo no processo de cons- trução do conhecimento. Mike Newell. EUA: Columbia Pictures, 2004. Filme 30 Didática do ensino superior Ao trazer o mundo do educando para dentro do processo educativo, evidencia-se um compartilhamento da responsabilidadepelo aprendi- zado, haja vista que a construção do conhecimento se dá de maneira conjunta, envolvendo o olhar atento e direcionado do docente e a par- ticipação ativa do aluno, engajado em seu próprio aprender. Nessa relação, há a necessidade de que o professor busque alter- nativas pedagógicas e metodológicas que atendam às necessidades e às características do aluno adulto. Para isso, ele deve pautar-se na an- dragogia, como articuladora do ensinar e aprender na perspectiva da vida adulta. É preciso ter em mente que o professor, ao ser facilitador, na pers- pectiva andragogênica, não deve esperar passivamente os indicativos do aluno para, a partir das experiências daquele, estabelecer a sua prá- tica pedagógica (NOGUEIRA, 2004); o docente deve buscar alimentar a sua ação didática por meio de elementos concretos trazidos pelos estudantes sobre o seu dia a dia. Logo, a andragogia gera um movimento que implica analisar a prá- tica docente e reestruturá-la frente às experiências, às vivências e ao contexto do estudante, o que confere ao professor um papel ativo na busca por estratégias que possibilitem reestruturar a sua prática na perspectiva de atender às necessidades do aluno. Figura 2 Movimento de reelaboração da prática 01 04 02 03 Andragogia Prática docente reelaborada Prática docente Experiências e contexto do aluno Fonte: Elaborada pela autora. Por outro lado, há também a responsabilidade do aluno em buscar compreender e se empenhar em relação ao que lhe é ofertado, tendo Atividade 2 De que forma a prática do professor universitário pode ser aperfeiçoada na perspectiva androgênica? Andragogia: a contextualização do ensino e da aprendizagem 31 consciência de que aquele conhecimento é uma necessidade para ele (1º princípio da andragogia) e, portanto, deve mobilizar diversos me- canismos cognitivos para apropriar-se e construir, com a mediação do professor, os conhecimentos e saberes necessários à sua formação. Entretanto, para que se efetive essa relação entre professor e aluno, pautada no compartilhamento de experiências e mediada por metodologias que permitam o envolvimento ativo do aluno, é necessário confiança. Desse modo, torna-se imprescindível que o aluno confie no professor, pois só assim poderá abrir-lhe o seu mundo; ainda, é preciso que “o aprendente desenvolva uma rela- ção de igualdade com o professor/facilitador, ainda que os papéis sejam diferenciados” (NOGUEIRA, 2004). Portanto, na prática da andragogia é necessário que o professor es- teja disposto a conhecer o aluno, suas vivências e forma de aprender, para, por meio desse conhecimento, estabelecer as estratégias que melhor se adequem aos objetivos estabelecidos. Nesse contexto, têm sido bastante exploradas e utilizadas, articula- damente à andragogia, as metodologias ativas, que, pelas suas carac- terísticas de movimento e inovação, trazem uma grande contribuição, principalmente para o público adulto. As metodologias ativas possibilitam ao aluno maior envolvimento com seu aprendizado, tornando-o mais autônomo e desempenhando um papel mais ativo no processo de ensino e aprendizagem (GODOI; FERREIRA, 2016). Assim, o aluno não é mais aquele que permanece sentado, esperando o conhecimento vindo do professor; agora, ele participa da construção dos saberes e conhecimentos. Por isso, compreendemos que a metodologia ativa propicia ao alu- no um lugar no processo, antes ocupado somente pelo professor. O discente torna-se ator, e também autor, de sua história como apren- dente, sendo envolvido no processo de aprendizagem. É preciso, no entanto, ter a clareza de que não se trata somen- te de escolher determinada metodologia ativa, por estar em voga, ou porque traz dinamismo à aula. É necessário que a metodologia escolhida esteja de acordo com os objetivos pedagógicos estabe- lecidos para aquisição daquele conteúdo em especial, estando de acordo, também, com o perfil dos estudantes. 32 Didática do ensino superior Essa articulação entre a escolha da metodologia ativa e o perfil dos estudantes implica a competência do docente em conhecer o funcionamento cognitivo de seus estudantes, o modo como eles trabalham em equipe e qual a melhor estratégia para abordar o conteúdo escolhido. Esse movimento implica uma postura andragogênica, logo evidencia-se que a andragogia requer não apenas tratar o aluno adulto de modo diferenciado, mas, também, propiciar-lhe práticas pedagógicas diferenciadas que atendam às especificidades de seu contexto formativo. Buscar práticas pedagógicas diferenciadas requer do professor constante capacitação e, ainda, sensibilidade para saber que mais im- portante do que considerar as práticas diferenciadas é conhecer o seu aluno, saber que tipo de atividade o atrai, como ele funciona do ponto de vista cognitivo, pois a prática, por melhor que seja, pode não alcançar os objetivos se for escolhida aleatoriamente. Logo, constata-se que não é preciso ter um arsenal de ativida- des dinâmicas, mas, sim, ter a clareza dos objetivos propostos em cada conteúdo, conhecer o perfil do discente e buscar envolvê-lo no desenvolvimento da prática, trazendo-o para o centro do pro- cesso, para que, com a mediação do professor, o aluno possa ser o protagonista de seu aprendizado. No entanto, essa postura não é inerente ou mesmo automática para o docente; ele também tem que aprender. Assim, é preciso que o professor conheça os princípios da andragogia, compreen- dendo-a como suporte para a sua prática pedagógica e, sobretudo, como uma aliada no processo de ensino e aprendizagem. Ainda nessa perspectiva, cabe às universidades propiciar capa- citação aos professores e espaço para que discutam, debatam e compreendam o que é andragogia e como os princípios desta se articulam na prática educativa para, desse modo, ampliar o apren- dizado e qualificar a prática de ensino. Atividade 3 É possível afirmar que, ao utilizar metodologias ativas, o professor está trabalhando em uma perspectiva da andragogia? Andragogia: a contextualização do ensino e da aprendizagem 33 CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste capítulo conhecemos um pouco mais sobre o que é andragogia, seus princípios, seu impacto no processo formativo e na prática do pro- fessor, compreendendo-a como um importante elemento da didática a ser incorporada na prática pedagógica do ensino superior. O aluno, em geral, está na instituição porque tem objetivos profissio- nais já definidos. Assim, cabe a ela prepará-los para o desempenho de sua função profissional, propiciando-lhe os conhecimentos necessários. A andragogia rege exatamente a forma como a instituição fará esse pre- paro para o mundo do trabalho, indicando os caminhos metodológicos e estratégias que podem surtir melhor resultado para o aluno adulto, que apresenta particularidades na sua forma de aprender e que traz expecta- tivas, vivências e experiências a serem incorporadas em seu processo de ensino e aprendizagem. É preciso ter em mente que a andragogia não diz respeito somente às metodologias de ensino – embora também diga respeito a elas –, mas a uma concepção de educação, ou seja, não é só uma forma de ensinar, mas de conceber todo o processo, de pensar sobre o papel do professor e do aluno na construção do conhecimento. Concluímos, então, que para a andragogia poder orientar os pro- cessos de ensino e aprendizagem, torna-se necessária a constituição de vínculo entre professor e aluno, envolvendo confiança mútua e uma relação de igualdade, que permita o envolvimento ativo e autô- nomo do aluno no processo; contudo, mantendo o valor do trabalho docente na mediação, a fim de realizar uma construção conjunta de conhecimentos e valores formativos. REFERÊNCIAS BUENO, S. M. V. Tratado de Educação para a Saúde. Ribeirão Preto: FIERP/EERP-USP, 2010. CUNHA, M. I. (Org.). Trajetórias e lugares de formação da docência universitária: da perspectiva individual ao espaço institucional. Araraquara; Brasília: Junqueira & Marin; CAPES,CNPq, 2010. DeAQUINO, C. T. E. de. Como Aprender: andragogia e as habilidades de aprendizagem. 1. ed. São Paulo: Pearson, 2007. DRAGANOV, P. B.; FRIEDLÄNDER, M. R.; SANNA, M. C. Andragogia na saúde: estudo bibliométrico. Esc. Anna Nery, v. 15, n. 1, p. 149-156, 2011. FERREIRA, J. 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O professor deve buscar conhecer o aluno, seu contexto, trabalho, dinâmica de vida, formação anterior etc., para fazer com que essas vivências possam potencializar outros aprendizados, à medida que servirão de alicerce para a construção de novos conhecimentos. O professor deve estabelecer vínculos com o aluno no sentido de levá- lo a se envolver ativamente no aprendizado, sendo guiado pelo docente, que irá ser o facilitador do processo de aprendizagem. Para tanto, o professor deverá estabelecer estratégias de ensino que favoreçam o aprendizado, de acordo com o perfil do aluno e com os objetivos pedagógicos estabelecidos. Isso requer formação e investimento em novas estratégias pedagógicas. 3. As metodologias ativas fazem parte do contexto da andragogia, que considera as características e o perfil do aluno e os utilizam para potencializar a aprendizagem. No entanto, somente utilizar as metodologias, sem a clara percepção do porquê de sua escolha e se estas estão de acordo com os objetivos e o perfil do aluno, vão na contramão do que defende a andragogia, pois é preciso partir da vivência do aluno para a escolha de um método de trabalho que possibilite a construção conjunta do conhecimento. Somente após estabelecidos os vínculos, objetivos e após conhecer as experiências do aluno é que se torna possível a escolha das metodologias. Organização do trabalho docente 35 Por muito tempo a didática foi compreendida meramente como uma técnica de ensino. Hoje, ela ocupa espaço central no processo de ensino e aprendizagem, pois abarca os elementos que devem nortear a prática do professor na perspectiva da construção da aprendizagem. O termo didática descreve o conjunto de ações e elementos que se entrelaçam para dar concretude ao processo. De nada adianta você ter um planejamento, objetivos, métodos e conteúdos, se eles não dialogam entre si. Se não há alinhamento entre os elementos, ou seja, sem a didática, o processo não se completará e o ensino não irá, necessariamente, resultar em aprendizagem. Logo, os elementos da didática – relação entre professor e aluno, conteúdos, objetivos, planejamento, avaliação, metodologias – requerem um fio condutor, que possibilite conferir sentido à prática de ensino e à aprendizagem do aluno. É a didática, que conduz o professor, apontando-lhe caminhos para se chegar a como o aluno aprende (LIBÂNEO, 1990). Para orientar esses caminhos em direção ao processo de ensino e aprendizagem, a didática ordena os elementos didáticos e os articula, entrelaçando-os aos contextos em que ocorre a docência e carregando consigo os conhecimentos científicos que serão transformados em saberes escolares. Esse complexo processo, do qual o professor deve se apropriar intimamente, resulta no aprendizado do aluno e na formação de diretrizes orientadoras para a atividade docente, as quais devem reger a educação em seus diferentes níveis, modalidades e formatos. Organização do trabalho docente 3 36 Didática do ensino superior Na educação básica, didática e formação docente caminham juntas há algum tempo, buscando, nesse diálogo, aperfeiçoar a prática docente e qualificar a aprendizagem do estudante. No entanto, no ensino superior, pelas suas especificidades e, até mesmo, pela falta de tradição em se ter tal profissional, o pedagogo, que orienta didaticamente o professor, pouco tem sido discutido acerca da didática. Essa falta de tradição em orientar pedagogicamente o professor universitário se sustenta na velha máxima de que “quem sabe, ensina”, encontrando, até pouco tempo atrás, eco na premissa de que, para ser um bom professor universitário, era suficiente ser um profissional reconhecido na área em que iria lecionar (MASETTO, 2003). Contudo, os contextos mudaram e ter um amplo conhecimento sobre aquilo que irá ensinar é considerado importante. No entanto, é preciso, também, dispor da competência de mediar, junto ao aluno, o entendimento sobre os conteúdos, para que ele tenha condições de elaborar os próprios saberes. Para isso, os conhecimentos técnicos não são suficienteS, tornando-se necessários os conhecimentos pedagógicos. Ora, a didática se constitui em conhecimento pedagógico, sendo um ramo da pedagogia que se centra nos elementos do processo de ensino e aprendizagem. Além disso, busca estabelecer diretrizes, de modo a orientar o olhar crítico do professor para a sua própria prática com vistas a aperfeiçoá-la e, assim, resultar em um melhor aprendizado para o aluno. Agora que você sabe que a ação docente no nível superior também requer didática, vamos conhecer um pouco mais a relação entre didática e educação superior? 3.1 Didática e ensino superior Videoaula O final do século XX trouxe mudanças em todos os setores da so- ciedade, particularmente quanto à produção de conhecimentos, impul- sionando transformações também nas instituições responsáveis por produzir e disseminar novos conhecimentos. Organização do trabalho docente 37 As transformações nas instituições de ensino superior ocorreram, em especial, a partir do aumento expressivo de procura por matrículas. Somente no período de 2001 a 2010 houve um aumento de 100% nas matrículas, que chegaram à marca de 6,5 milhões de novos estudantes, segundo o Censo da Educação Universitária, divulgado pelo Ministério da Educação em 2011 (SANTO; LUZ, 2013). O acesso massivo de milhares de estudantes, antes excluídos da possibilidade de cursar o nível superior, traz às universidades não so- mente um novo público, mas também um novo profissional, que, pelas demandas, tem a oportunidade de lecionar nas universidades. Contu- do, ele não é um professor, ou mesmo um licenciado, tratando-se de um profissional autônomo, um bacharel que agora vai aprender a do- cência (ZABALZA, 2004). Aprender a ser professor e a compreender as nuances do processo pedagógico, articulando cada elemento que constrói a relação de ensinoe aprendizagem, implica conhecer os elementos didáticos e se apropriar dos saberes pedagógicos que permitem articular tais elementos. Essa apropriação dos saberes pedagógicos, mesmo àqueles que cursaram uma licenciatura, é necessária, pois refere-se às especifici- dades do ensino superior e do ambiente universitário e, por isso, re- quer uma didática e uma pedagogia próprias, tornando-se essencial conhecer o universo acadêmico e entender como ocorrem as relações didáticas nesse contexto. Essas relações didáticas passam por alguns desafios que devem ser considerados quanto à escolha das estratégias metodológicas, da definição dos objetivos, da avaliação e de outros elementos didáticos, colocando ao professor premissas básicas para a efetivação do pro- cesso de ensino e aprendizagem (ALMEIDA, 2015). A seguir, descreve- mos tais desafios: • Conhecer o aluno: mais do que a área do curso escolhido pelo estudante, que é um indicativo a ser considerado, o percurso for- mativo do estudante até ali, suas experiências profissionais, suas vivências, seu estilo de vida e seus objetivos são importantes para compor a escolha dos demais elementos didáticos. Tratando-se de alunos do ensino superior, esse quesito assume maior impor- tância ainda, pois seus objetivos e vivências, por vezes, são justa- mente as suas motivações para o aprender. Atividade 1 De que forma o contexto da expansão do ensino superior impacta a ação docente? 38 Didática do ensino superior • Atrair o aluno: não é raro o estudante universitário ser também um trabalhador, que vai para a aula cansado. Portanto, é preciso atrair o aluno e estimular a sua participação, o que requer a esco- lha de recursos e metodologias adequados, o saber fazer uso das tecnologias sem, no entanto, abrir mão do diálogo, envolvendo o estudante em uma aula agradável e estimulante, que o torne parte do processo e não mero espectador. • Postura do professor: o professor precisa estar aberto ao diá- logo e às indagações, o que nem sempre é fácil, pois muitos se sentem intimidados e, até mesmo, questionados quanto ao seu conhecimento e autoridade, particularmente pela facilidade dos alunos em acessar informações em tempo real e, algumas vezes, pelas suas vivências profissionais. Logo, o professor precisa estar seguro para discutir, debater e saber que o seu papel não é o de detentor do conhecimento, mas, sim, o de mediador, enten- dendo que não ter todas as respostas faz parte do processo de mediar a construção de novos conhecimentos. • Postura do aluno: apesar de na educação básica o professor fa- zer a mediação e colocar o aluno em movimento de aprender, no ensino superior essa ação deve ser muito mais intensa. Assim, diferentemente da educação básica, o processo é mais centrado no aluno, na sua capacidade de apreender, de buscar mais co- nhecimentos, de pesquisar e de sistematizar seus saberes, ainda que mediados pelo professor, pois trata-se da formação de um profissional para atuar na sociedade e, com isso, tais saberes de- vem ser sólidos e competentemente apreendidos. • Metodologias: é preciso buscar metodologias que atendam às necessidades didáticas estabelecidas para aquele proces- so formativo. Não se trata de pensar em atividades ditas mo- dernas, inovadoras ou que deem movimento às aulas, mas é necessário considerar a perspectiva formativa que se pre- tende empreender, adequando-se aos objetivos propostos e, também, ao perfil dos alunos. Tais obstáculos são, em parte, reflexos de uma tradição universitária em que os professores, detentores dos conhecimentos, se isolam na cá- tedra, indiferentes aos processos sociais, assim como também eram, por vezes, indiferentes ao processo, considerando apenas o primeiro elemen- to e entendendo que a sua parte era o ensino, uma vez que o aprendizado seria responsabilidade somente do aluno. No filme Gênio Indomável, que se passa em Boston, um jovem de 20 anos (Matt Damon), que já teve algumas passagens pela polícia e trabalha como servente de uma universi- dade, revela-se um gênio em matemática. Devido a seu comportamento, precisa fazer terapia, por determinação legal. No entanto, nada funciona, ele continua encrenquei- ro e problemático. Porém, a vida do rapaz começa a ter rumo ao co- nhecer um professor que descobre o seu talento matemático e que deseja investir nele, ainda que o jovem resista muito. O filme nos permite per- ceber que a relação entre professor e aluno é um importante condutor do processo de aprendiza- gem. Gus Van Sant. EUA: Miramax Films, 1998. Filme Organização do trabalho docente 39 Dado o novo cenário da educação superior, em que as universidades interagem mais ativamente com a sociedade, estas, ao mesmo tempo em que influenciam os processos produtivos e o mercado de trabalho, também são influenciadas, o que requer a adequação de seus processos formativos. Logo, torna-se preciso avançar em relação aos obstáculos elencados, e a principal estratégia para esse avanço é a formação docente. Formar melhor o corpo docente, qualificando sua prática e os processos didáticos nos cursos superiores, é o caminho para que o ensino resulte em aprendizagem e, consequentemente, em profis- sionais melhor formados, o que traz impactos na sociedade, assim como na própria estrutura das instituições de ensino superior, as quais passam a ser, de fato, um espaço de aprender e conhecer, tanto para os alunos quanto para os professores. 3.2 O planejamento e seus componentes no ensino superior Videoaula Cada componente didático apresenta sua especificidade e sua função dentro do processo de ensino e aprendizagem. Contudo, esses componentes, isoladamente, não configuram um caminho didático, isto é, não tornam possível orientar a ação docente em direção ao aprendizado. Portanto, na perspectiva de fomentar os caminhos para o aprender, é preciso entrelaçar o conjunto de elementos que compõe a prática di- dática, preservando a natureza de cada um, visto que é a soma desses elementos que direciona o olhar do professor para o seu propósito formativo, considerando conteúdos, objetivos, perfil do estudante, a necessidade de se estabelecer uma relação com o aluno, a escolha das metodologias e a maneira como irá avaliar o aprendizado. Organizar esses elementos de modo que essa organização per- mita ao professor conduzir e, principalmente, ter o controle sobre o processo constitui parte essencial da didática e de um dos seus fundamentais componentes: o planejamento. Para compreender a importância do planejamento na didática do ensino superior, é preciso primeiramente que compreendamos também o seu conceito, podendo levantar questões como: o que é 40 Didática do ensino superior um planejamento? Ele diz respeito à instituição? À sala de aula? Ao conteúdo especificamente de uma aula? O planejamento é de um professor, ou é de todos? Todos esses questionamentos indicam que o planejamento ocupa um importante espaço dentro do processo educativo. Dessa forma, torna-se importante abordar as suas particularidades. O planejamento tem em suas raízes o sentido de antever, prever e, diante dessa previsão, selecionar quais estratégias e recursos pode- rão contribuir para a construção dos saberes propostos e, ainda, quais conteúdos deverão ser selecionados para atender o objetivo didático estabelecido. Assim, o planejamento diz respeito ao caminho didáti- co escolhido pelo professor para ensinar, tendo como perspectiva o aprender do aluno. Sendo assim, planejar implica tomar decisões com vista ao ensino e à aprendizagem (SANT’ANNA, 1998). O planejamento, como elemento didático, atende a diferentes obje- tivos e perspectivas, logo ele é amplo e se desdobra de modo a atender as particularidades de cada etapa do processo, apresentando diferen- tes dimensões, mas, ainda, mantendo sua natureza organizativa. Figura 1 Dimensões do planejamento Plano institucional Plano de ensino Plano de aula Fonte: Elaborada pela autora com
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