Baixe o app para aproveitar ainda mais
Esta é uma pré-visualização de arquivo. Entre para ver o arquivo original
SEMINARIO_IDOSO/~WRL0740.tmp1 http://www.proec.ufg.br/revista_ufg/idoso/imagens%20.html REVISTA DA UFG - Tema MELHOR IDADE Órgão de divulgação da Universidade Federal de Goiás - Ano V, No. 2, dezembro de 2003 RODRIGUES, M. C. - As novas imagens do idoso veiculadas pela mídia: transformando o envelhecimento em um novo mercado de consumo. Revista da UFG, Vol. 5, No. 2, dez 2003 on line (www.proec.ufg.br) AS NOVAS IMAGENS DO IDOSO VEICULADAS PELA MÍDIA: TRANSFORMANDO O ENVELHECIMENTO EM UM NOVO MERCADO DE CONSUMO Minéia Carvalho Rodrigues1 RESUMO: Este texto traz reflexões a respeito das novas formas de comportamento da pessoa idosa veiculadas pela mídia, abordando o papel do lazer na implantação destas novas formas de comportamento e na construção de novos estereótipos em relação ao envelhecimento, mostrando que o lazer não se constitui um bem acessível à todos, existindo algumas barreiras que limitam o acesso ao mesmo. PALAVRAS CHAVES: idoso, lazer, mídia. Nas últimas décadas, assistimos a um interesse crescente pelos estudos do lazer, hoje visualizamos este mesmo interesse voltado para o estudo do envelhecimento. Lazer e envelhecimento ganharam espaço no campo da investigação científica, entretanto estudos que abordem a relação entre estas duas áreas ainda são incipientes, necessitando de mais investigação. Procuraremos neste artigo lançar uma semente para instigar os estudos conjunto destas duas vertentes do conhecimento. O lazer direcionado às pessoas idosas emerge como aquilo que Debert (1999a), chama de “Reprivatização do envelhecimento”, em que os indivíduos são convencidos a assumir a responsabilidade pelo seu envelhecimento e, consequentemente, pela sua saúde, pela sua aparência e pelo seu isolamento: "se alguém não é ativo, não está envolvido em programas de rejuvenescimento, se vive a velhice no isolamento e na doença é porque não teve o comportamento adequado ao longo da vida, recusou a adoção de formas de consumo e estilos de vida adequados e, portanto, não merece nenhum tipo de solidariedade". (DEBERT, 1999 a:35) O lazer aparece neste contexto seguindo esta mesma ideologia, como sendo acessível a todos e como se todos pudessem usufruir de atividades de lazer, principalmente os idosos, possuidores de grande quantidade de tempo livre. De acordo com esta hipótese, o idoso que possui tempo livre mas não procuram uma vida de lazer porque é acomodados. Entretanto, este ideal de vida de lazer, que é acessível apenas a uma minoria, vem acompanhado de uma visão funcionalista, procura encobrir os problemas sociais e econômicos que atingem a população idosa. Como relata Magalhães (1989:37) é um mito pensar a aposentadoria "como início de uma época onde o indivíduo vai dispor livremente de sua vida e usufruir os bens e serviços que a natureza e a sociedade lhe oferece". Os bens e serviços de lazer não são acessíveis a todos os idosos, "existem barreiras inter e intraclasses sociais, formando um todo inibidor que dificulta o acesso ao lazer não só quantitativamente, mas sobretudo qualitativamente". (MARCELLINO, 2001:9) Dentre as barreiras que impossibilitam a concretização do ideal de lazer podemos citar: estereótipos, fator econômico, tempo disponível e o acesso ao espaço de lazer. Apesar dos esforços dos diversos estudiosos em demonstrar as possibilidades de desenvolvimento e as potencialidades das pessoas idosas, alguns estereótipos persistem e outros surgem no cenário contemporâneo. Foge ao escopo de nosso trabalho traçar um histórico sobre o aparecimento e a construção desses preconceitos, porém se torna importante situar alguns dos principais mitos sobre o tema. Podemos verificar duas formas de compreensão da velhice no contexto brasileiro: numa delas a velhice é entendida como um momento de perdas, decrepitude, inutilidade. BEAUVOIR (1990) discorrendo a respeito das sociedades e as imagens construídas pelas em relação aos velhos, relata que, nas sociedades ocidentais, a velhice foi (e continua sendo) ligada a uma imagem estereotipada. Em nossa sociedade, a velhice também tende a ser vista como um período dramático, associada à pobreza e invalidez. Na segunda forma de compreensão da velhice, a visão contemporânea traz o entendimento da velhice como sendo uma fase de realizações, negando os estereótipos acima relacionados. Esta nova visão do envelhecimento vem associada ao lazer, como aborda Debert (1999 a: 61) , os signos do envelhecimento são invertidos e assumem novas designações: "nova juventude", a "idade do lazer". A aposentadoria deixa de ser um momento de descanso e recolhimento para tornar-se um período de atividades de lazer. Neste contexto, o lazer aparece como possibilidade de evitar o envelhecimento, dentro de uma visão funcionalista mas também compensatória, vem sob as vestes da saúde, trazendo a idéia da necessidade de manter uma vida ativa, adotar novas formas de comportamento levantando a bandeira da eterna juventude. As novas formas de comportamentos veiculadas pela mídia criam um novo estereótipo, de um idoso, ativo, jovem que, de acordo com DEBERT (1999b), rejeitam a própria idéia de velhice, ao considerar que a idade não é um marcador pertinente da definição das experiências. Se anteriormente os idosos eram homogeneizados por uma visão de invalidez e perdas, hoje o são através da imagem de um idoso ativo, saudável, em busca de atividades de lazer. Ambas as imagens afastam os idosos do lazer, a primeira por desconsiderar as potencialidades da pessoa idosa e a segunda por negar a velhice, trazendo novas formas de comportamento com as quais os idosos não se identificam. Estas novas formas de comportamento trazem como pano de fundo a melhoria da qualidade de vida dos idosos, contudo, na realidade têm como objetivo a busca de soluções para alguns dos problemas encontrados em nossa sociedade e buscam atender a um novo mercado em expansão; a indústria do rejuvenescimento. A indústria do rejuvenescimento, em grande expansão, vende mercadorias por meio de imagens que prezam a juventude, saúde e beleza, apresentando um ideal de corpo a ser atingido. A idéia da eterna juventude é a bandeira levantada pelos mercados de consumo, que a cada dia lançam um novo produto, visando combater o envelhecimento. O lazer não fica de fora. Junto à mídia, tende a impor idéias a serviço do capital, veiculando informações que tendem também a impor novas formas de comportamento, apagando o que previamente era considerado o comportamento adequado à pessoa idosa. Segundo Debert (1999b:43), este segundo modelo, também sem pretender, acaba fazendo coro com os discursos interessados em transformar o envelhecimento em um novo mercado de consumo, prometendo que a velhice pode ser eternamente adiada através da adoção de estilos de vida e formas de consumo adequadas. É papel do lazer atender à lógica de produção do mercado e do Estado? Esta gama de atividades de lazer que vem surgindo para pessoas idosas como: atividades de turismo, bailes, bingos e excursões são realmente carências sociais e individuais ou novas formas de gerar lucro em uma sociedade que necessita de aumentar seu consumo para manter o equilíbrio? O consumismo no campo do lazer tende a gerar falsas necessidades. Não podemos permitir que o lazer se torne uma necessidade inventada pela sociedade do consumo, e que a indústria cultural, dentro de uma abordagem consumista influencie, interfira e se aposse do tempo disponível das pessoas com práticas de lazer consumistas. O lazer não é um produto a mais de consumo que se vende e se compra, não é uma mercadoria. O acesso aos bens culturais de lazer é muito mais complexo que uma simples relação de aquisição consumista. Este lazer, visto apenas como produto lucrativo deve ser repensado pela sociedade, uma vez que amplia as diferenças entre as pessoas e gera exclusão. Uma definição de envelhecimento mais adequada à realidade do é a que vê o envelhecimento como um período de perdas propício a novas conquistas. Contudo, ver o envelhecimento dessa forma não soluciona todos os problemas, é necessário um olhar crítico voltado para a sociedade para que as novas conquistas dos idosos não sejam apenas novas formas de consumo. Além dos estereótipos, o fator econômico se constitui outra barreira de acesso ao lazer, sendo, segundo Marcellino (1996), socialmente determinante desde a distribuição do tempo disponível entre as classes sociais até as oportunidades de acesso à escola e contribui para uma apropriação desigual do lazer. Com relação aos idosos, as condições econômicas são um entrave para o lazer, uma vez que há uma queda em sua renda a partir do momento em que se aposentam. As pessoas idosas que possuem apenas a aposentadoria como recurso financeiro, vivem em dificuldades econômicas sem acesso ao lazer, pois os gastos com atendimento médico e remédios consomem boa parte de sua renda. Esse acesso se torna ainda mais difícil quando consideramos a mercadorização do lazer dominado pela iniciativa privada. A quantidade de tempo livre é outro problema, apesar de alguns estudiosos2 considerarem os idosos como tendo tempo de sobra, esta realidade não abrange a todos. Não podemos esquecer que estas pessoas em sua maioria possuem algumas obrigações familiares, religiosas e sociais que limitam o tempo que poderia ser destinado ao lazer. Além das obrigações as condições econômicas desfavoráveis fazem com que muitos idosos busquem trabalhos informais como: vendedor de sorvete, vendedor de pipoca, e outros serviços braçais, não dispondo de tempo livre para o lazer. O acesso aos espaços de lazer é outro fator limitante. Ainda que o lazer, a partir da Constituição de 1988, passou a ser direito de todos os cidadãos brasileiros e uma das obrigações do Estado, o acesso da população aos diversos interesses do lazer ainda está muito longe do ideal. Com isso surgem, com força total os mais diversos empreendimentos privados na área que, mesmo não satisfazendo as necessidades humanas criam novas. Conforme Marcellino (1996), no caso dos equipamentos de lazer, dos espaços de convívio, parece haver uma tendência à privatização, na qual, os espaços, inclusive as áreas verdes e o lazer propriamente dito tornaram-se produtos do mercado. "Quem não pode pagar pelo estádio, pela piscina, pela montanha, pelo ar puro, pela água, fica excluído do gozo desses bens que deveriam ser públicos porque essenciais”.(SANTOS apud MARCELLINO, 1996:32). Aumentando ainda mais a lista dos entraves está a falta de informação em relação à localização dos espaços e equipamentos de lazer. Além disso, a localização destes espaços nem sempre oferece fácil acesso aos idosos. Em muitos casos o tranporte coletivo como única forma de locomoção se torna um grande obstáculo para a pessoa idosa chegar ao local desejado. Grande parte das pessoas idosas não tem acesso aos espaços de lazer, desconhecendo a importância e os benefícios que este pode lhe oferecer. Abrir possibilidades de acesso é fundamental, uma vez que, por meio das experiências de lazer o idoso aprenderá a gostar tanto do lazer como de si mesmo. Desta forma, faz-se necessário minimizar para o idoso as barreiras de acesso ao lazer buscando, neste trabalho, uma participação de todas as camadas da sociedade de diferentes sexos, idades, etnias etc. Ações concretas são imprescindíveis para que a população idosa sinta os benefícios do lazer. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BEAUVOIR, Simone de. A velhice. 2.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. DEBERT, Guita Grin. A reinvenção da velhice: socialização e processos de reprivatização do envelhecimento. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Fapesp,1999a. DEBERT, Guita Grin. A construção e a reconstrução da velhice: família, classe social e etnicidade. In: NERI, Anita Liberalesco; DEBERT, Guita Grin (orgs.). Velhice e sociedade. Campinas- SP: Papirus, 1999b. MAGALHÃES, Dirceu Nogueira. A invenção social da velhice. Rio de Janeiro: Papagaio, 1989. MARCELLINO, Nelson Carvalho. Estudos do lazer: uma introdução. Campinas: Autores Associados, 1996. ___________________________, Políticas de lazer: mercadores ou educadores? Os cínicos bobos da corte. In: MARCELLINO, Nelson Carvalho. Lazer e esporte: políticas públicas. Campinas, SP: Autores Associado, 2001. OLIVERIA, Yeda Aparecida Duarte de. O lazer do idoso. In: RODRIGUES, Rosalina A. P; DIOGO, Maria José D. (orgs.). Como cuidar dos idosos. Campinas- SP: Papirus, 1996. SANTINI, Rita de Cássia Giraldi. Dimensões do lazer e da recreação: questões espaciais, sociais e psicológicas. São Paulo: Angelotti, 1993. NOTA 1 Coordenadora do Projeto de Atendimento ao Idoso e docente do curso de Educação Física do Campus Avançado de Jataí - UFG 2 Para alguns autores o tempo livre é constante na vida dos idosos, o tempo de não trabalho considerado livre. A título de exemplo podemos citar OLIVEIRA (1996:113):"o aumento do tempo livre que as pessoas adquirem com o advento da aposentadoria, ocorrência freqüente nesta etapa da vida” e SANTINI(1993: 88): "Em geral as pessoas aposentadas enfrentam o problema do que fazer com todo o tempo de que dispõem”. SEMINARIO_IDOSO/IDOSO/3_IDOSO_CONCEITO.docxRESENHA DE LIVRO Fonte: http://www.faac.unesp.br/pesquisa/idosomidia/docs/talita/ideologiavelhice.pdf HADDAD, Eneida Gonçalves de Macedo. A ideologia da velhice. São Paulo. Cortez Editora, 1986. A obra de Eneida Haddad traça uma análise de como é vista a velhice e o que é considerado velhice na sociedade brasileira. Através dela é possível enxergar caminhos para uma inclusão de todo o povo através da cidadania, visto que essa ideologia da velhice está profundamente ligada à foram de organização de nossa sociedade. Dessa foram a compreensão de tal característica se faz necessária para que a ideologia da velhice seja entendida por completo. Tal objetivo é expresso no início de sua obra. Compreendo que a ideologia da velhice é elemento fundamental à reprodução das relações capitalista na medida em que a produção capitalista implica a reprodução de idéias, valores, princípios e doutrinas, o conjunto de representações sobre a etapa final da vida humana é organizado segundo as determinações básicas do modo capitalista de produção. As sociedades capitalistas, transformando as pessoas em mercadorias, condenam o trabalhador à degradação durante toda a trajetória de sua vida. Paradoxalmente, são crescentes as propostas de reparos para a tragédia dos velhos que vêm, na realidade, escamotear a problemática da exploração da mão-de-obra. A ideologia da velhice é, pois entendida como parte essencial do funcionamento das sociedades capitalistas, cuja contradição principal é sua divisão em classes sociais. (p.16) Assim, a resposta do porque a velhice mantém essa ideologia no nosso país, será encontrada através de um estudo sobre onde ela é formda.“Mas, tratando-se de um estudo compreensivo todas as referências ao modo de produção, luta de classes, alienação e outras categorias próprias das sociedades capitalistas, encontram razão de ser na análise do objeto de estudo em questão” (p.16). Portanto, da mesma forma, a ideologia da velhice encontrará explicação em si mesma, mostrando o porquê é formada de tal forma no Brasil. 1 Também da mesma forma que outras características sociais ou as ideologias de cada sociedade, principalmente nas sociedades capitalistas, os pensamentos dominantes mantém uma série de regras e características que se equilibram para manter um sentido, mesmo que seja com características contraditórias. Assim, vemos “(...) igualmente que a ideologia média sobre a velhice constituiu uma unidade de contrários na medida em que, no seu interior, identificam-se as contradições que a tornam a um só tempo ilusão e visão de mundo” (p.20). Ou seja, essa ideologia pode apresentar uma visão errada do que realmente a velhice é, a tornando mais assustadora do que é para que já a vive. Mas embora essa visão seja a errada, é ela que se mantém como sendo a visão que o mundo – ou a sociedade brasileira, no caso – tem como a correta, a verdadeira. Por isso é tão importante a representação clara pelos órgãos responsáveis de mostrar a verdade, tentando desligá-la da verdade da ideologia. Principalmente os responsáveis pela parte médica, ou seja, a geriatria e gerontologia, porque, Segundo os teóricos do assunto, dentre as funções da gerontogia-geriatria está a de prestar esclarecimentos e orientações ao geronto: ele precisa estar ciente das modificações fisiológicas pelas quais vai passar, precisa estar informado das suas possibilidades físicas e psíquicas. (p.27) Através desses especialistas é que as mentiras começam a ser desmontadas. Uma delas é a perda de memória e capacidade intelectual completa. Mas, “Embora o geriatra informe que na velhice a capacidade intelectual é mais aguda, na sociedade brasileira tal característica não é possível de ser encontrada em toda a população idosa” (p.29). Mas, apesar disso, vê-se cada mais a utilidade da sabedoria acumulada, o que ajuda na produção da felicidade na terceira idade. Dessa forma, o conhecimento pela parte médica do que acontece no organismo mais idoso vem permitindo com que as pessoas enfrentem o que está por vir de uma forma mais calma, mais amena. Isso porque “... graças ao acúmulo de conhecimentos dos efeitos da idade nos sistemas biológicos e da elaboração de razoáveis hipóteses explicativas dessas alterações, impõem-se, cada vez mais nos últimos, a certeza de que é possível retardar o envelhecimento” (p.30) É visto que o conhecimento individual melhora a situação do idoso. Mas, isso por si só não é o suficiente. É necessário uma mudança profunda nas cidades, coisa que deve ser elaborada pelo governo e a sociedade em conjunto. Mas, são necessárias mudanças específicas, que “...visam diminuir as tensões e sobre-cargas do meio ambiente (...) as mudanças urbanísticas, que teriam por objetivo oferecer espaço e condições de locomoção às pessoas velhas, mudanças que estão sendo discutidas na Europa” (pp.31-32, grifo da autora). Essas mudanças já foram discutidas pelos profissionais da área no Brasil, e segundo eles um grande número de mudanças seriam necessárias na nossa sociedade, tudo para oferecer uma velhice mais agradável para os já idosos e os novos, Essas mudanças compreenderiam a implantação obrigatória de grandes áreas verdes; a criação de espaços para pedestres; a supressão de ruídos; o ordenamento do tráfego, ajustando-o a um ritmo de vida mais lento; a eliminação dos desníveis das ruas; a substituição de escadarias por rampas nos edifícios públicos e clínicas, e maior educação social ao cidadão para fazê-lo respeitar os idosos. (FERRARI, 1984: 27 in. HADDAD, p.32) Além disso, com o crescimento acelerado de idosos no nosso país, esse estudo vem se tornando cada vez mais urgente. Através dele vem-se observando uma mudança no perfil dos idosos brasileiros, mas apesar disso, observa-se que é colocada em questão, em regra geral, a relação idoso-família, ao mesmo tempo em que são exaltados o trabalho – como a melhor terapia para o envelhecimento – e a educação para a velhice, ligada à aprendizagem da arte de saber envelhecer (p.33) Essa visão, apresentada pela gerontologia e geriatria, mostra que o Brasil precisa ensinar seus jovens a terem uma boa relação com os idosos, além de educa-los para serem idosos. Isso, se tornar-se um objetivo do país, será uma tarefa árdua. Mas que trará contribuições significativas para o desenvolvimento do IDH – Índice de Desenvolvimento Humano – brasileiro. Pois, é visto que a grande maioria dos idosos do país deixam de contribuir com o mercado de trabalho – o que acarreta sobrecarga na previdência –, embora muitos ainda tenham capacidade física e mental e ainda sintam vontade de contribuir. Assim, por serem que tem o direito e a responsabilidade de enxergar o mundo da terceira idades, “A gerontologia e a geriatria apresentam-se como as principais instâncias produtoras da ideologia da velhice” (p.33) Permitir uma velhice com produção seria permitir uma velhice apenas cronológica, sem os danos mentais de sentir que a pessoa não tem mais utilidade. As ciências da velhice apontam esse caminho como o caminho saudável para o envelhecimento do Brasil. Assim, “A educação para a velhice ocupa lugar de destaque no conjunto de normas que a gerontologia social aponta como fundamentais para se buscar o envelhecimento sem velhice” (pp.33-34) Mas, é preciso lembrar que “ ‘A educação para a velhice’, integrante das representações sobre a velhice, enquanto parte da cultura capitalista, é condição fundamental à reprodução das relações capitalistas” (p.36) Ela mostra modos contraditórios, como nas relações de mercado, que apontam para dois caminhos opostos com propostas diferentes, mas que levam ao mesmo lugar: proporcionar uma velhice agradável, para que estas pessoas continuem fazendo parte do mercado, produzindo ou consumindo. Isso deverá acontecer em um estágio mais evoluído da sociedade, porque a preocupação social deverá levar a população a contribuir para que os idosos mantenham suas vidas autônomas por um período cada vez mais longo – chegando a idades cada vez mais avançadas sendo os únicos responsáveis por si mesmos. “Segundo os ideólogos da velhice, os ‘maiores abandonados’ conseguirão ‘autonomia’ na medida em que puderam contar com o apoio dos notáveis portadores de um saber específico sobre o estágio de vida em que se encontram e sobre as dificuldades que enfrentam nas relações sociais” (p.40) Assim, funcionam todas as relações capitalistas, “Verifique-se, portanto, uma contradição imanente ao discurso: enquanto a causalidade identificadora pelo saber médico é biológica , ligada ao individual, a superação dos obstáculos a uma velhice feliz vai buscar no social suas razões de ser” (p.37) Apesar de promissora, essa proposta não se faz absoluta, porque A questão social da velhice é formulada desconsiderando os fundamentos materiais da sua existência, vista como ameaça que parira sobre todos os homens, independentemente do lugar que ocupam no processo produtivo, camuflando o fato de que é a classe trabalhadora, formada pelos homens-mercadoria, que aciona o processo produtivo, a protagonista, historicamente constituída, da tragédia do fim da vida. (p.42) É aí que se percebe a importância da “educação para a velhice”, que pode permitir a permanência de mais tempo com a sensação de que a vida tem sentido, evitando a depressão e outros de saúde problemas decorrentes dela. As três propostas: educação, trabalho e família – tripé onde se assentam as idéias, noções, valores e normas, isto é, o conjunto de representações sobre a velhice –, formuladas pela geriatria e pela gerontologia, estão articuladas contraditoriamente, porém, de tal maneira que formam um todo integrado. Configuram um ‘modelo’ a ser utilizado pelo homem para relacionar-se com seu corpo, com os outros homens e com a vida (p.53) Percebe-se então a grande importância de se manter o idoso em contato com a família e com o trabalho, com atividades que lhe tragam satisfação. Assim, chega-se à conclusão de que há mais do que as relações capitalistas envolvidas na exclusão das pessoas idosas do processo produtivo. Segundo a autora, “o grande número de idosos internados em asilos é decorrência da marginalização a que são submetidos: o problema dos ‘maiores abandonados’ se insere no problema mais amplo dos preconceitos sociais” (p. 52) Nessa relação de deveres para com o idoso, o Estado tem grande papel ao tomar o discurso das áreas especializadas como modelo das soluções a serem encontradas para a sociedade. Na sociedade capitalista brasileira, “a gerontologia e a geriatria se propõem a exercer o monopólio da velhice, lutando pela saúde do ‘corpo capitalista’, defendendo a ideologia capitalista do homem sadio, do homem produtivo” (p.53) Assim, as propostas que o Estado apresenta para a velhice – seja pela Previdência Social ou por órgãos que lançam campanhas regulares – não são nada mais do que afirmam a gerontologia e a geriatria ser o necessário para um envelhecimento sem velhice. Embora a universalidade da velhice só exista a nível de discurso, o Estado serve-se do “saber médico” – o único autorizado, enquanto “saber legitimo” – na sua tentativa de amortizar as contradições referentes ao fim da vida dos indivíduos na sociedade de classes brasileira. O poder, levando à produção de um tipo de saber necessário à dominação, dele se serve para a sua própria reprodução (...) o Estado busca difundir a crença de sua preocupação com a prevenção da marginalização e promoção da integração do idoso (p.68) Desta mesma forma, ao longo da evolução dos direito humanos no Brasil, os idosos ganharam representatividade e normas próprias, o que contribui para a formação da consciência coletiva de respeito e responsabilidade. Atualmente, As normas baixadas dizem respeito à assistência aos idosos, à prestação direta e indireta e aos acordos para a internação custodial considerando que: já é prestada assistência médica ao beneficiário idoso da Previdência Social através de postos, ambulatórios e hospitais próprios e por meio de serviços contratados ou credenciados; a velhice condiciona o aparecimento de fatores diversos, sendo que os componentes, predominantemente sociais, não configuram casos exclusivos de assistência médica; verifica-se incidência de segurados idosos que ocupam leitos hospitalares do INPS por abandono da família; medidas de proteção devem ser oferecidas pelo INPS para evitar a marginalização dos idosos (p.63) Essas propostas vêm-se refletidas em atividades específicas para idosos, desenvolvidas por órgãos como o SESC – Serviço Social do Comércio – que busca a melhoria da qualidade de vida da população e da velhice, mas do ponto de vista da ideologia da velhice, porque A gerontologia e a geriatria, presas ao cientificismo, são cooptadas pelo Estado burguês; alheias à história, desconsidera as condições objetivas da vida na sociedade de classes brasileira; autoritariamente buscam disciplinar os velhos em nome do que consideram “a arte de saber envelhecer” (p.69) Embora, tanto o estado, os estudos científicos e o próprio SESC busquem alguma solução para o “problema do idoso” ou dos “maiores abandonados”, todos eles seguem os ensinamentos – distorcidos pelas relações capitalistas e pela sociedade de classes – da geriatria e da gerontologia, principais construtoras da ideologia da velhice, que tem reforço do Estado. “Assim, ‘ciência’ e Estado, numa proposta, se não efetivamente única, perfeitamente articulada, defendem aparentemente os interesses dos idosos, ocultando o mundo real, o mundo da práxis humana”. (p.69) SEMINARIO_IDOSO/IDOSO/3_IDOSO_CONCEITO_2.pdf 1 Sobre alguns conceitos e características de velhice e terceira idade: uma abordagem sociológica Gilberto Pinheiro Junior∗ Resumo: Definir o que é ser idoso nos dias atuais contribui para quebrar alguns preconceitos sociais. Este artigo procura redelinear os termos velhice e terceira idade como objeto de estudo das Ciências Sociais, definindo algumas abordagens que guiam as discussões sobre as relações sociais envolvendo o idoso. Depois de delinear alguns aspectos relevantes da literatura sobre velhice e terceira idade, o trabalho destaca em especial a contribuição dos nove apontamentos de Debert (1998) sobre os estudos etnográficos a respeito do tema, situando-os diante de outros referenciais de análise para estes estudos, com ênfase ao último item sobre a ciência e a análise cultural, no tocante aos indicadores nacionais de envelhecimento populacional. Palavras-chave: Velhice. Terceira idade. Sociologia. Antropologia. Estudos etnográficos. Concepts and characteristics of aging and old age: a sociological approach Abstract: Clarification of what it is to be old helps to remove social prejudices. This article seeks to redefine the terms aging and old age as an object of the Social Sciences, analyzing some approaches that help form an understanding about the social relations that involve the elderly. After reviewing some important concepts about aging and old age, the study highlights the contribution of the nine factors discussed by Debert (1998) in relation to ethnographic studies about the issue and compares them to other analyses. Key words: Aging. Old Age. Sociology. Anthropology. Ethnographic studies. 1 Introdução As primeiras abordagens científicas sobre a velhice começam a surgir no século XVI e cientistas como Bacon e Descartes já se preocupavam em analisar aspectos referentes ao envelhecimento. Contudo, o médico francês Jean Marie Charcot, em 1867, foi o primeiro a apresentar um trabalho científico sobre a terceira idade. Seu Estudo clínico sobre a senilidade e doenças crônicas procurava destacar a relevância dos estudos sobre o envelhecimento, centrando-se ∗ Professor da Rede Estadual de ensino. Bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-CAMPINAS). E-mail: gpj@uol.com.br. 2 em suas causas e conseqüências para o organismo humano. Na década de 1970, as novas abordagens começam a se preocupar com os reflexos deste fenômeno para a integração de pessoas idosas à sociedade, em estudos envolvendo não somente aspectos físicos e mentais, como as transformações sociais advindas desse processo. Embora não faça parte do escopo deste artigo, é relevante ressaltar que o primeiro modelo de universidade da terceira idade, como é conhecido, foi implantado em 1974, por Pierre Vellas, em Toullose (França). Originou-se a partir de várias alternativas educacionais criadas para recém-aposentados, sendo a expressão “terceira idade” (troisième âge) elaborada a partir das iniciativas francesas (CACHIONI, 1999). Regressivamente, a segunda idade seria aquela fase do pleno desenvolvimento, em que o indivíduo está integrado às atividades sociais, e a primeira seria a infância. Contudo, várias dúvidas ainda pairam sobre o significado deste termo e suas implicações sociais para a atualidade. Quem é este indivíduo a quem se dirige o termo terceira idade? A primeira idéia que vem à cabeça quando perguntamos a alguém sobre o que é ser idoso é uma tênue alusão a aspectos como doenças, fragilidade, invalidez e, principalmente, perda de memória. Não é raro perceber o afloramento do preconceito com a velhice mesmo quando alguém diz que o outro está ficando velho pelo fato de não conseguir se lembrar, por exemplo, de onde deixou a chave do carro. Por outro ângulo, quando os primeiros fios de cabelo branco começarem a emergir em nossas cabeças, certamente, iremos ouvir a afirmativa: “você está ficando velho!” De início, podemos dizer que definir o que é ser idoso nos dias atuais contribui ainda para quebrar alguns preconceitos sociais sobre a condição do idoso no Brasil, além de ser uma tarefa difícil, dada as alterações nos padrões sociais e, principalmente, culturais que contribuem para que, a cada geração, novas características venham se juntar ao rol de situações que definem o que é ser idoso (MASCARO, 1997). A aposentadoria seria uma delas, mas, este aspecto não faz parte do escopo desse trabalho. Que semelhanças guardam os termos idoso e terceira idade? Seria a mesma coisa para definir um indivíduo que chegou a uma idade fronteiriça, ou há distinções que marcadamente modificam o modo como percebemos a realidade do envelhecimento humano e o nosso próprio envelhecimento? O ponto de partida talvez seja procurar delimitar a idade em que se começa a ser considerado idoso em nossa sociedade. Uma argumentação que, de imediato, já indica o grau de complicação com que nos deparamos nesta tarefa é oferecida por Mascaro (1997, p. 35): “Em nossos dias, uma pessoa de 60 anos, saudável, interessada na vida, produtiva, pode ser considerada velha? [...] Mas, por outro lado, quantas pessoas aos 40 ou 50 anos já estão desgastadas, doentes, e parecem tão velhas?” O comentário da autora demonstra uma tendência em se criar uma confusão quando se procura definir 3 essa faixa etária e estabelecer padrões para o envelhecimento. Nosso desafio, aqui, é procurar vencer algumas barreiras impostas pelo estereótipo projetado pela sociedade para lançar um olhar mais atento e desmitificante sobre o objeto em estudo e sobre a forma como este é percebido pela sociedade e por si mesmo. Isto é: como o idoso é visto e como este se vê, diante desse quadro social. 2 Parecer e ser idoso: algumas questões de interesse Ser considerado e parecer velho são duas facetas que apontam para mecanismos complexos no cerne de nossa sociedade e que procuraremos abordar neste artigo a partir das seguintes indagações: Que linha divisória, se é que existe uma, marca o momento em que começa o envelhecimento? Que situações contribuem para dar o pontapé inicial em direção à velhice? Seriam aspectos psicológicos muito bem definidos ou contextos sociais pré-estabelecidos por uma convenção da própria sociedade, que procura colocar em patamares distintos os jovens e velhos? As orientações de organismos internacionais que procuram balizar um momento específico para se considerar a fase da velhice. Para a Organização Mundial de Saúde - OMS por exemplo, 65 anos é o limite inicial dessa fase, enquanto a Organização das Nações Unidas - ONU considera os 60 anos o marco dessa tênue fronteira. A classificação de uma pessoa como sendo velha, para Neri (1991, p. 79), começa de forma ambígua, com a questão cronológica a partir do nascimento, visto que “[...] idades funcionam como ‘relógios sociais’, estabelecendo agendas para o tempo e o ritmo esperados”. A autora, citando pesquisa realizada por Neri e Wagner (1985), também aponta a velhice como um “estado de espírito”, condicionada a fatores diversos, como personalidade, por exemplo. Como em quase todos os textos que se iniciam com a tentativa de definir velhice ou terceira idade, chegando ao final quase sempre como uma volta ao ponto de partida, embora de forma mais bem sustentada, em Neri isso também parece ocorrer. Após discutir os resultados da pesquisa, conclui que, “[...] em suma, a questão é polêmica. Conhecê-la melhor talvez permita adentrar os complexos caminhos da estrutura e da dinâmica das relações sociais, bem como seus intercâmbios com a identidade das pessoas” (NERI, 1991, p. 81). Mais adiante, após a apresentação dos resultados da pesquisa sobre significados de velhice, realizada em 1997 a partir de categorias etárias, e cuja pretensão, segundo a autora, não é nem antropológica, nem sociológica, a autora acrescenta: “Essa pesquisa foi motivada pelo desejo de saber que tipo de definição etária os sujeitos utilizavam para avaliar velho, velhice e envelhecimento. Agora sabemos que eles o fazem segundo os critérios sociais predominantes” (NERI, 1991, p. 88. Grifo meu). A crítica de Neri recai sobre a vasta tentativa, nas pesquisas já existentes, de se procurar estabelecer um conceito fechado para a velhice e restringir seu significado ao âmbito do interesse 4 pessoal do pesquisador. Na sua opinião, este entendimento acaba por delinear um quadro predominantemente ideológico que reforça o caráter mitificante, estereotipado e preconceituoso sobre a velhice. Sua crítica torna-se mais acirrada, sobretudo quando transportamos para o campo da pesquisa em Ciências Humanas as tentativas de se definir esse objeto. Então, o que há em relação ao que significa ser velho no Brasil são opiniões. E muitas. De leigos e profissionais. Se quem responde à questão tiver uma pitada de informação ou de sofisticação intelectual, poderá repetir Simone de Beauvoir (1970), e dizer que o velho brasileiro vive uma situação de escândalo. Poderá apoiar-se no discurso sociológico para indicar a situação de marginalidade a que o sistema econômico lança seus membros não produtivos; [...] Apoiado num discurso antropológico, nosso informante um pouco mais sofisticado poderá referir-se aos efeitos da urbanização e da industrialização sobre o status do velho, lembrando que em sociedades primitivas, ele merece mais consideração do que nas que viveram ou vivem o processo de modernização. (NERI, 1991, p. 32. Grifos da autora) De fato, algumas dessas carapuças terminam por servir em cada uma das tentativas de estudar esse grupo, mas, usualmente, é preciso traçar um caminho: esse é o objetivo perseguido no resgate da literatura deste trabalho. Particularmente interessa em Neri (1991) a sua perspectiva sobre a eficácia desses estudos, quando aponta a dependência do modo como são produzidos e a quem se destinam. A partir daqui, o significado de velhice tomaria múltiplas facetas em confronto com a diversidade de elementos a serem relevados neste tipo de pesquisa: fatores individuais, interindividuais, grupais e socioculturais Todavia, o envelhecimento também não pode ser considerado como um processo homogêneo, pois “[...] cada pessoa vivencia essa fase da vida de uma forma, considerando sua história particular e todos os aspectos estruturais (classe, gênero e etnia) a ela relacionados, como saúde, educação e condições econômicas”. (MINAYO; COIMBRA JR., 2002, p. 14). Agregando-se ao rol daqueles que indicam as controvérsias dessa discussão, Salgado (1996) apresenta a possibilidade de se deparar com uma conceituação de cunho individual, ou seja, que começa a se formar a partir do senso comum e especifica-se diante das representações pessoais sobre a velhice ao longo da existência e do convívio social. Para o autor, o conceito individual “[...] é um critério que, muito embora nada tenha de científico, deve ser levado em consideração, pois dele resulta a autoconfiança necessária à auto-imagem, determinante que é de comportamentos mais integrativos, ou menos integrativos”. (SALGADO, 1996, p. 4). Nota-se, desde já, uma preocupação em se considerar aspectos múltiplos na busca de um conceito sobre o que é a velhice, ao que o autor complementa: Ao lado da indagação sobre o que é velhice, podemos lançar outras questões como, por exemplo: o que vem a ser infância, a juventude e, mesmo, a idade adulta? As ciências que por longo tempo já vêm desenvolvendo amplos estudos sobre essas etapas da vida ainda não conseguiram compor definições que satisfaçam integralmente a natureza especulativa dos homens, pois, para qualquer proposta apresentada, sempre serão descobertos aspectos 5 não considerados, mais ou menos importantes segundo as diferentes óticas de análise, convertendo as definições em simples aproximações, de caráter absolutamente temporal. (SALGADO, 1996, p. 5). Resgatar aqui algumas considerações sobre a velhice a partir de Beauvoir (1990) torna-se oportuno, senão imprescindível. A compreensão do fenômeno do envelhecimento depende de um olhar sobre o todo desta questão que tanto vem preocupando os estudiosos, não somente como um fator biológico, como também cultural. Do ponto de vista da etnologia, vale considerar que o problema da exclusão do idoso encontra ressonância nas heranças ancestrais do homem, passando por diversos tipos de sociedades humanas ao longo da história. Entretanto, comparando as atitudes perante o idoso nos homens e em outras espécies de animais, Beauvoir (1990, p. 66) afirma que [...] a maior parte das sociedades não deixa os velhos morrerem como bichos. Sua morte é cercada de um cerimonial para o qual se reivindica, ou se finge reivindicar, seu ‘consentimento’. Por outro ângulo, muitas sociedades respeitam as pessoas idosas enquanto estão lúcidas e robustas, mas livram-se delas quando se tornam decrépitas e senis. Afirma-se, com isso, que o fenômeno da exclusão do idoso, além de um cuidado global durante a busca pelo seu entendimento, depende também de uma observação relativizada sobre as culturas que o engendram. Além, é claro, de um olhar mais atento sobre as diferenças de gêneros. “A velhice não tem o mesmo sentido nem as mesmas conseqüências para os homens e para as mulheres.” (BEAUVOIR, 1990, p. 104). As representações sociais sobre a velhice, ao longo da história, indicam os níveis de relações entre idosos e os interesses dessa coletividade no que se refere ao seu destino. Significa dizer, segundo Beauvoir, que É o sentido que os homens conferem à sua existência, é seu sistema global de valores que define o sentido e o valor da velhice. Inversamente: através da maneira pela qual uma sociedade se comporta com seus velhos, ela desvela sem equívoco a verdade – muitas vezes cuidadosamente mascarada – de seus princípios e de seus fins. (BEAUVOIR, 1990, p. 108). Beauvoir foi uma das primeiras estudiosas a perceber e tentar desembaralhar as dificuldades em se definir as representações sobre a velhice na sociedade contemporânea. Atravessando a confusão, a incerteza e as contradições que cercam esta tarefa, ela apresenta dois sentidos distintos para a palavra “velhice”: É uma certa categoria social, mais ou menos valorizada segundo as circunstâncias. É, para cada indivíduo, um destino singular – o seu próprio. O primeiro ponto de vista é a dos legisladores, dos moralistas; o segundo, o dos poetas; quase sempre, eles se opõem radicalmente um ao outro. [...] Os ideólogos [referindo-se aos primeiros] forjam concepções da velhice de acordo com os interesses de sua classe. (BEAUVOIR, 1990, p. 109). Emerge então o idoso como o “outro”, já que, como categoria social, nunca interveio no percurso do mundo. A velhice, desta forma, é desvendada somente a partir da perspectiva das 6 classes privilegiadas, tornando-a também uma questão de poder (BEAUVOIR, 1990). O aspecto da reciprocidade social também precisa ser observado. Sendo a sociedade uma “totalidade destotalizada”, verifica-se uma separação entre seus membros, embora estes estejam unidos por uma relação recíproca, por conta da diversidade de sua práxis. Aqui começa a gênese do processo de exclusão, já que “[...] o velho aparece aos indivíduos ativos como uma 'espécie estranha', na qual eles não se reconhecem”. (BEAUVOIR, 1990, p. 266). Apropriando-se do conceito de antinomia de Russell para tratar do problema da exclusão do outro, Souza e Gallo (2002) expõem a questão do estranhamento social, partindo de um paradoxo que diz “[...] que um elemento estranho deveria, pois, pertencer ao conjunto, ser parte constitutiva dele, ser um elemento logicamente necessário ao todo – embora, vale enfatizar, paradoxalmente extraneus a ele”. (SOUZA; GALLO, 2002, p. 42. Grifos dos autores). A categoria idoso é concebida pela sociedade como sinônimo de gastos e complicações principalmente nos setores da previdência e saúde pública. Se, em muitos casos, a violência dessa exclusão não se manifesta de forma concreta, em tantos outros ela se faz simbólica, ou seja, revestida de um caráter assistencialista que, em muitas situações, obriga o idoso a se “retirar para morrer na montanha”, como em algumas sociedades históricas. Entender o processo de Alteridade parece ser um dos caminhos para a compreensão do mecanismo de exclusão social a que o idoso está sujeito, para assim se extrair do fenômeno do envelhecimento algumas respostas sobre a sua inserção, por exemplo, nas universidades da terceira idade e sua relação com a (re) inclusão desse grupo (PINHEIRO JUNIOR, 2003). Como este OUTRO é visto pelo outro, ou seja, por aquele que ainda não ultrapassou a tênue fronteira do envelhecimento e que, por isso também, não o reconhece mais como parte do sistema de trocas sociais? Segundo Souza (2002), boa parte das representações sociais sobre o idoso é fruto de uma atuação da imprensa, que trata de fomentar a formação de uma opinião pública sobre esta realidade. É o OUTRO visto a partir da exposição pública de sua identidade visando, muitas vezes, a institucionalização da exclusão: Responsáveis, em grande parcela, pela formação de uma 'opinião pública' e de um imaginário social, a imprensa poderia afirmar a necessária postura de positividade em relação ao idoso para que este fosse reconhecido como produtivo, capaz, experiente, mas também como portador de necessidades específicas e, sobretudo, digno de respeito como pessoa e como cidadão. (SOUZA, 2002, p. 208). Retomando as discussões sobre a complexidade desse tema, Minayo e Coimbra Jr. (2002) acenam para um panorama ideal em que as ações sociais contribuíssem para a formação de atitudes outras sobre a velhice, que não as estereotipadas pelos aspectos biológicos e funcionais (este último 7 no sentido de produtividade). A velhice poderia então encontrar outros referenciais para a sua definição, que se distanciassem de pechas como “inválido”, “oneroso”, “incômodo” ou mesmo “inconveniente”. Se, por um lado, vimos a questão do não-reconhecimento por parte daqueles que não aceitam a velhice inserida na reciprocidade da práxis, apresentada anteriormente por Beauvoir, por outro, temos um processo de autonegação de sua própria identidade, como forma de escapar à exclusão, “[...] pois é esta discriminação internalizada que freqüentemente leva os idosos a uma atitude de negação, buscando parecerem mais jovens para serem aceitos e acolhidos, obscurecendo suas características, seus atributos e sua identidade”. (MINAYO; COIMBRA JR., 2002, p. 14). 3 Estudos antropológicos relativos à velhice segundo Debert A respeito das dificuldades de se delinear este objeto de estudo, situação com que vários pesquisadores se deparam, retomam-se, aqui, algumas considerações de Debert (1998, p. 7) sobre a pesquisa etnográfica, apontando o que a autora chama de “armadilhas que seu estudo traz para os antropólogos que pesquisam as representações e as práticas ligadas ao envelhecimento”. Após uma breve descrição dessas etapas poder-se-á entender melhor a postura que se deveria tomar ao estudar um grupo social com características que sugerem uma relação bem mais estreita entre o pesquisador e seu objeto. Sem percorrer este caminho, perder-se-ia a chance de melhor delimitar o rol de significados sobre a terceira idade. Os nove tópicos elencados por Debert para se pensar este tipo de pesquisa e as principais dificuldades que ela apresenta podem ser resumidos em algumas afirmações que indicam, primeiro, que a velhice não é uma categoria natural. Vejamos: [...] as representações sobre a velhice, a idade a partir da qual os indivíduos são considerados velhos, a posição social dos velhos e o tratamento que lhes é dado pelos mais jovens ganham significados particulares em contextos históricos, sociais e culturais distintos. A mesma perspectiva orienta a análise das outras etapas da vida, como a infância, a adolescência e a juventude. [...] A pesquisa antropológica demonstra, assim, que a idade não é um dado da natureza, não é um princípio naturalmente constitutivo de grupos sociais, nem um fator explicativo dos comportamentos humanos. (DEBERT, 1998, p. 8-9. Grifos meus) Como se percebe, não é possível partir dos estudos voltados às Ciências Médicas, por exemplo, para delinear o que se chama velhice. Para Debert, há outros fatores que contribuem para algum sucesso nos resultados das pesquisas etnográficas e que estão longe de se vincular a aspectos meramente biológicos para se lançar a uma busca muito mais profunda por respostas nos meandros da sociologia. Mais adiante, ela demonstra que “[...] um processo biológico é elaborado simbolicamente com rituais que definem fronteiras entre idades pelas quais os indivíduos passam e que não são necessariamente as mesmas em todas as sociedades”. (DEBERT, 1998, p. 9). 8 Para Bosi (2001), por exemplo, a velhice pode e deve ser considerada uma categoria social, além de ser um “destino do indivíduo”. O fato de o declínio do ser humano ter significados distintos, em sociedades distintas, torna o conceito de velhice um tanto difícil de precisar, se não resgatarmos alguns procedimentos importantes na pesquisa antropológica, que é a intenção de Debert demonstrar. Bosi (2001) já aponta para as relações de produção na sociedade industrial como um dos fatores que orientam as posturas sociais com relação ao velho: A sociedade industrial é maléfica para a velhice. [...]. A sociedade rejeita o velho, não oferece nenhuma sobrevivência à sua obra. Perdendo a força do trabalho ele já não é produtor nem reprodutor. Se a posse e a propriedade constituem, segundo Sartre, uma defesa contra o outro, o velho de uma classe favorecida defende-se pela acumulação de bens. Suas propriedades o defendem da desvalorização de sua pessoa. (BOSI, 2001, p. 77). O segundo tópico apresentado por Debert aponta para as categorizações sobre a idade, que, segundo ela, são construções históricas e sociais. Elias (1990, apud DEBERT, 1998, p. 10) indica que a modernidade “[...] teria alargado a distância entre adultos e crianças, não apenas pela construção da infância como uma fase de dependência”, situação que pode ser observada somente a partir do século XIII. Esse fenômeno também começa a categorizar o adulto como um ser independente, sujeito às pressões sociais resultantes principalmente das relações de trabalho (DEBERT, 1998). A segunda armadilha para a qual a autora chama a atenção demonstra que: As formas como a vida é periodizada e a definição das práticas relacionada a cada período apresenta também variações, de acordo com os grupos sociais no interior de uma mesma sociedade. [...] Os recortes de idades e a definição de práticas legítimas associadas a cada etapa da vida não são, portanto, conseqüências de uma evolução científica marcadas por formas cada vez mais precisas de estabelecer parâmetros no desenvolvimento biológico humano. (DEBERT, 1998, p. 10-11). A busca por referenciais categóricos universais é a preocupação da terceira assertiva de Debert, que procura, nos estudos das diversas culturas, o que poderia haver de comum nas diversas sociedades, independente das variações culturais, e que serviria de modelo para o entendimento acerca das representações sobre a velhice em nossa sociedade. O que a autora chama de busca de universais é um instrumento que permite lançar algumas generalizações a partir de características comuns detectadas nas observações. Debert, entretanto, alerta para as complicações que podem surgir a partir da aplicação dessa técnica, principalmente no que se refere à relação entre pesquisador e pesquisado: Na pesquisa antropológica, muitas vezes é a impressão que o pesquisador tem sobre a aparência do pesquisado que o leva a caracterizar os indivíduos como velhos. Outras vezes, é a autodefinição do informante, e na maioria das vezes, uma determinação aproximada de sua idade cronológica. (DEBERT, 1998, p. 14) Três conceitos, essenciais para o entendimento dos estudos antropológicos sobre a velhice, passam pela idade cronológica, idade geracional e níveis de maturidade. Trata-se de princípios 9 organizadores do curso da vida inerentes aos referencias culturais de cada sociedade. Debert (1998) defende, com base nos estudos de Meyer Fortes, o estabelecimento de distinções entre os conceitos apresentados acima. O cuidado com a observação das diferenças é fonte de preocupação da autora. Sobre os estágios de maturidade, ele sugere que O ritual de passagem de um estágio para outro não se orienta pela idade cronológica dos indivíduos, mas pela transmissão de status sociais, tais como poder e autoridade jurídica, através de rituais específicos cujo momento de realização depende, na maioria das vezes, da decisão dos mais velhos. (DEBERT, 1998, p. 15). Para cada sociedade, como se pode entender, há alterações de padrões culturais que provocam um distanciamento entre as idades cronológicas, de geração e maturidade. Em uma dada cultura, a primeira pode não definir o status da maturidade no indivíduo, por exemplo. A autora cita o caso das sociedades primitivas, como a dos Tallensi, onde “[...] o estágio de maturidade e a ordem do nascimento nada têm a ver com a geração”. (DEBERT, 1998). As diferenças de categorização entre essas sociedades e as sociedades ocidentais são marcadas por padrões que, no mínimo, oferecem oportunidade de se relativizar o grau de dificuldade em se relacionar as “universais” de que tratou Debert. O questionamento de Mascaro (1997), no início deste artigo, exemplifica bem as distinções que se deve procurar fazer entre esses conceitos de idade nas diversas culturas: “[...] quantas pessoas aos 40 ou 50 anos já estão desgastadas, doentes, e parecem tão velhas?” (MASCARO, 1997, p. 43) Agora partimos para o quinto elemento, mais um alerta para as armadilhas no desenvolvimento dos estudos etnográficos sobre a velhice, no que se refere à cronologização da vida e modernidade. Aqui se discute a intervenção estatal na redefinição dos espaços doméstico e familiar e a vida como instituição social, ou seja, não apenas nas transformações na forma como a vida é periodicizada. O termo “cronologização da vida”, segundo Deber (1998, p. 18), indica que [...] o processo de individualização, próprio da modernidade, teve na institucionalização do curso da vida uma de suas dimensões fundamentais. Uma forma de vida, em que a idade cronológica era praticamente irrelevante, foi suplantada por outra, em que a idade é uma dimensão fundamental na organização social. Aqui começa a inserção das discussões sobre o mundo do trabalho interferindo nas representações sociais sobre a idade e, em conseqüência, na definição do que é a velhice. A intervenção do Estado começa a se manifestar, inclusive, quando se fala em políticas públicas para a terceira idade, como bem aponta a autora. As esferas pública e privada (no tocante ao aumento do número de idosos e aposentados no Brasil, por exemplo) começam a se aproximar sob a égide estatal quando se fala em aumento populacional e elevação da expectativa de vida. Uma resposta a 10 estas mudanças na esfera familiar, privada, provocadas pela intervenção estatal referente à categorização etária, pode estar no fato de que A padronização da infância, adolescência, idade adulta e velhice pode ser entendida como respostas às mudanças estruturais na economia, devidas sobretudo à transição de uma economia que tinha como base a unidade doméstica para uma economia baseada em mercado de trabalho. Inversamente, pode ser dada ênfase ao papel do Estado moderno (...). A regulamentação estatal do curso da vida está presente do nascimento até a morte, passando pelo sistema complexo que engloba as fases de escolarização, entrada no mercado de trabalho e aposentadoria. (DEBERT, 1998, p. 18-20). O elemento seguinte, o sexto, discute o papel das gerações nas mudanças sociais e, principalmente, na forma como passam a ser caracterizadas durante o curso da vida, sobreposto por diferentes gerações, mas com aspectos semelhantes que, no fundo, são fruto dos mecanismos engendrados, também, pelo mundo do trabalho. As mudanças sociais na modernidade colocam o significado do termo “geração” a partir de contextos históricos que redefinem uma ordem de agrupamento social em torno de características comuns, que contribuem para a “[...] produção de uma memória coletiva e na construção de uma tradição”. (DEBERT, 1998, p. 19). Um fato interessante a se destacar sobre a memória é apresentado por Bosi (2001) quando esta indica o percurso social que a engendra: Quando um grupo trabalha intensamente em conjunto, há uma tendência de criar esquemas coerentes de narração e de interpretação dos fatos, verdadeiros ‘universos de discurso’, ‘universos de significado’, que dão ao material de base uma forma histórica própria, uma versão consagrada dos acontecimentos. O ponto de vista do grupo constrói e procura fixar a sua imagem para a história. Este é, como se pode supor, o momento áureo da ideologia com todos os seus estereótipos e mitos. (BOSI, 2001, p. 67. Grifos da autora). É preciso entender as relações sociais no tocante aos aspectos geracionais muito mais pelo viés da construção coletiva da memória do que pelas características meramente etárias, como observam as autoras. Fazer parte de uma geração, desta forma, significa compartilhar representações sociais comuns relativas às fases históricas por que cada pessoa passa, a partir de uma coletividade que reúne as idéias e valores resultantes dos conflitos gerados nesse contexto. Para Debert, não é meramente um agrupamento por ordem etária, como a geração dos 50 anos, dos 60 anos, mas uma vinculação a mecanismos comuns de interação social, como a geração pós-1964 e a geração Internet, por exemplo. Esta atitude de grupo é um dos fatores que contribuem para o desenvolvimento das propostas das universidades da terceira idade, por exemplo, entendendo-se que a interação social, por meio da educação, é um dos seus principais objetivos. A investigação antropológica e o problema social são apontados por Debert como o sétimo item dessa relação que resgatamos aqui. A velhice como um problema social seria o próximo grande problema que enfrenta o pesquisador dessa área. Contudo, como podemos caracterizar um 11 “problema social” e sua relação com a análise antropológica? Para a autora, “O objetivo do estudo antropológico não é a resolução dos conflitos envolvidos na luta pelos direitos dos idosos”. (DEBERT, 1998, p. 20). A questão da idade ideal para se aposentar, para se afastar do mercado de trabalho ou de posições sociais de liderança, os programas e atividades ideais para a adaptação do indivíduo ao envelhecimento (como as propostas de cursos para a terceira idade), nada disso, segundo Debert, faz parte do trabalho do antropólogo. O interesse do antropólogo por esses problemas deveria começar, por exemplo, pela análise das seguintes questões: quem são os agentes envolvidos nessa luta em torno de definições?, qual o tipo de arma que utilizam?, que estratégias põem em ação e como definem as relações de força que estabelecem?, quais são as representações dominantes na organização das práticas legítimas associadas à definição das idades e como a partir delas definem-se os comportamentos corretos ou adequados?, como os indivíduos de mais idade, vivendo em condições distintas, reelaboram essas representações e redefinem novas práticas? (DEBERT, 1998, p. 21). Apontar caminhos para o entendimento do fenômeno estudado, detectar, analisar e entender a maneira pela qual se manifesta, direcionando o olhar para a definição de uma atitude mais reflexiva que paternalista sobre a velhice: estes são alguns dos pressupostos que devem orientar a busca por respostas, não respostas que resultam em solução dos problemas, até porque seria um tanto arrogante afirmá-las, mas que apontam para a tentativa de se compreender o outro, a partir das condições que determinam suas características. Enfim, como afirma Debert (1998, p. 21), “não cabe ao antropólogo a resolução de um problema social”. Continuando as considerações sobre a velhice como problema social, a autora apresenta-nos o oitavo aspecto determinante para esta busca pelo entendimento sobre a definição desse fenômeno humano. Ela critica o uso das estatísticas, geralmente apontadas como parâmetros para a definição dos problemas relativos aos idosos em nossa sociedade, equivocadamente usadas como justificativas para o interesse pela pesquisa desse grupo: “Para Remi Lénoir (1989), um problema social é uma construção social e não o puro resultado do mau funcionamento da sociedade”. (DEBERT, 1998, p. 22). Continuando as considerações sob a perspectiva de Lénoir, a autora elenca quatro dimensões que contribuem para a definição de um problema social, quais sejam: O reconhecimento implica tornar visível uma situação particular. É a conquista de uma atenção pública, e supõe a ação de grupos socialmente interessados em produzir uma nova categoria de percepção do mundo social, a fim de agir sobre ele. A legitimação não é conseqüência automática do reconhecimento público do problema. Ao contrário, supõe o esforço para promovê-lo e inseri-lo no campo das preocupações sociais do momento. [...] As formas de pressão envolvem o estudo dos atores sociais que podem tanto representar certos grupos de interesses quanto um interesse geral, que deve ser explicitado enquanto tal. São porta-vozes empenhados em denunciar determinadas questões e que ocupam uma posição privilegiada para torná-las públicas. [...] As formas de pressão se traduzem em formas de expressão. Na transformação do envelhecimento em problema social estão envolvidas novas definições de velhice e do envelhecimento, que ganham dimensão com a expressão Terceira Idade [...]. O discurso sobre a Terceira Idade, assim, não acompanha 12 simplesmente processos de mudanças objetivas. Pelo contrário, ele deve ser entendido como parte constitutiva dessas mudanças. (DEBERT, 1998, p. 23. Grifos meus) Com relação à terceira dimensão, a pressão, vale resgatar aqui uma passagem de Chauí (2001) na “Apresentação” da obra Memória e sociedade: lembranças de velhos, de Bosi (2001), que descreve a transformação da velhice em problema social, indicando o fato de que os idosos não possuem as armas necessárias para lutar por seus direitos: ‘O velho não tem armas. Nós é que temos de lutar por eles’. Esta, acredito, é sua tese, Ecléa.[...] Por que temos de lutar pelos velhos? Porque são a fonte de onde jorra a essência da cultura, ponto onde o passado se conserva e o presente se prepara [...]. Mas, se os velhos são os guardiões do passado, porque nós é que temos de lutar por eles? Porque foram desarmados. [...] Que é ser velho?, pergunta você. E responde: em nossa sociedade, ser velho é lutar para continuar sendo homem. (CHAUÍ apud BOSI, 2001, p. 18) Finalmente, a autora nos apresenta o nono item. A velhice, que até a pouco foi discutida como problema social, agora se torna objeto do discurso científico, por intermédio da Gerontologia: o caráter de especialidade envolve-a como objeto desse discurso. Para a autora, com essa transposição, colocam-se em questão múltiplas dimensões que, de um certo modo, oferecem alguma relevância para as pesquisas antropológicas sobre o envelhecimento: “do desgaste fisiológico e o prolongamento da vida ao desequilíbrio demográfico e o custo financeiro das políticas sociais”. (DEBERT, 1998, p. 25). Com base no discurso científico e na análise cultural acerca do envelhecimento, pode-se entender o papel da Gerontologia nesta procura por respostas, e não de solução para os problemas, como se discutiu no sétimo item. Entretanto, essa disciplina termina por abarcar os problemas demográficos advindos do aumento de idosos, a partir dos índices apresentados pelas pesquisas, deixando de lados outros aspectos que poderiam ser melhor explorados: Já não se trata apenas de melhorar as condições de vida do velho pobre, ou de propor formas de bem-estar que deveriam acompanhar o avanço das idades [...]. Trata-se agora de apontar os problemas que o crescimento da população idosa traz para a perpetuação da vida social, contrapondo-o à diminuição das taxas de natalidade. Ou seja, o envelhecimento se transforma em um perigo, em uma ameaça à vida social. (DEBERT, 1998, p. 25). Inserem-se, aqui, as análises culturais sobre o envelhecimento, com base no viés antropológico que, segundo a autora, são uma nova frente que se abre para essas investigações, a partir da organização das representações sobre a velhice nos discursos científicos. (DEBERT, 1998). 4 Considerações finais Depois de delinear alguns aspectos relevantes da literatura sobre velhice e terceira idade, destacaria em especial a contribuição dos nove apontamentos de Debert para estes estudos, com ênfase ao último item sobre a ciência e a análise cultural, no tocante aos indicadores nacionais de 13 envelhecimento populacional. Como a velhice é apresentada pelos números estatísticos e de que forma isto é recebido pelos especialistas e pelo Estado? Até que ponto dados do IBGE, por exemplo, poderiam oferecer subsídios para a investigação antropológica, a efeito do que acontece na Gerontologia, e de que maneira a Antropologia se orienta a partir desses índices para oferecer propostas de entendimento sobre este fenômeno? Mais ainda, quais as relações entre as alterações demográficas e os princípios legais que devem resguardar os direitos individuais no tocante ao envelhecimento digno e saudável? De que forma o mundo se prepara para cuidar de seus velhos? São questionamentos que precisam ser perseguidos e discutidos à exaustão, seja em forma de debate sobre as políticas públicas para a terceira idade no Brasil e no mundo, seja em forma de estudos científicos que forneçam pistas para um mundo com qualidade de vida, que acompanhe o indivíduo nas suas diversas fases sociais. Como forma de fomentar este debate, seu objetivo primeiro, esse artigo finaliza retomando as palavras de Simone de Beauvoir sobre o que toca a consciência universal da condição humana diante do envelhecimento: A sociedade só se preocupa com o indivíduo na medida em que este rende. Os jovens sabem disso. Sua ansiedade no momento em que abordam a vida social é simétrica à angústia dos velhos no momento em que são excluídos dela. Neste meio tempo, a rotina mascara os problemas. O jovem teme essa máquina que vai tragá-lo e tenta, por vezes, defender-se com pedradas; o velho, rejeitado por ela, esgotado, nu, não tem mais que os olhos para chorar. Entre os dois, a maquina gira, esmagando homens que se deixam esmagar porque nem sequer imaginam que podem escapar. Quando compreendemos o que é a condição dos velhos, não podemos contentar-nos em reivindicar uma ‘política da velhice’ mais generosa, uma elevação das pensões, habitações sadias, lazeres organizados. É todo o sistema que está em jogo e a reivindicação só pode ser radical: mudar a vida. (BEAUVOIR, 1990, p. 665). Referências bibliográficas BEAUVOIR, S. A velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. BOSI, E. Memória e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. DEBERT, G.G. Pressupostos da reflexão antropológica sobre a velhice. In: DEBERT, G.G. (Org.). Antropologia e velhice. Campinas: IFCH/UNICAMP, 1998, p. 7-27. (Textos Didáticos). CACHIONI, M. Universidade da terceira idade: das origens à experiência brasileira. In: NERI, A.L.; DEBERT, G.G. (Org.). Velhice e sociedade. Campinas: Papirus, 1999, p. 141-178. CHAUÍ, M.S. Apresentação: os trabalhos da memória. In: BOSI, E. Memória e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 17-33. MASCARO, S.A. O que é velhice. São Paulo: Brasiliense, 1997. (Coleção Primeiros Passos). 14 MINAYO, M.C.S; COIMBRA Jr., C.E.A. (Org.). Antropologia, saúde e envelhecimento. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2002. NERI, A.L.; WAGNER, E.C.A.M. Opiniões de pessoas de diferentes faixas etárias sobre velhice: um estudo exploratório. Estudos de Psicologia, Natal, v.2, n. 2-3, p. 81-104,1985. NERI, A.L. Envelhecer num país de jovens. Significados de velho e velhice segundo brasileiros não idosos. Campinas: Editora da UNICAMP, 1991. PINHEIRO JUNIOR, G. O Brasil de cabelos brancos: dos conceitos e números sobre a velhice a universidade da terceira idade. 2003. 100 f. (Monografia de Conclusão de Curso em Ciências Sociais). Pontifícia Universidade Católica de Campinas - Instituto de Ciências Humanas. Campinas, 2003. SALGADO, M.A. Conceituação de velhice. Terceira Idade, São Paulo, ano VI, n. 11, mar. 1996. , SESC. SOUZA, E.R. et al. O idoso sob o olhar do outro. In: MINAYO, M.C.S; COIMBRA Jr., C.E.A. (Org.). Antropologia, saúde e envelhecimento. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2002, p. 191-209. SOUZA, R.M.; GALLO, S. Porque matamos o barbeiro? Reflexões preliminares sobre a paradoxal exclusão do outro. Educação & Sociedade, Campinas, ano 23, n. 79, p. 39-63, ago. 2002. Endereço: Rua Heitor Diniz Capello 27, Jardim das Oliveiras, CEP 13044-110, Campinas /SP Fone: (019) 3276-0569/9782-5004 Recebido: Julho/2004 Aprovado: Outubro/2004 SEMINARIO_IDOSO/IDOSO/3_IDOSO_CONCEITO_3.doc1 FONTE: ANPOCS: http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_34/rbcs34_03.htm A INVENÇÃO DA TERCEIRA IDADE E A REARTICULAÇÃO DE FORMAS DE CONSUMO E DEMANDAS POLITICAS (*) Guita Grin Debert Terceira Idade é uma expressão que recentemente e com muita rapidez popularizou-se no vocabulário brasileiro. A expressão, de acordo com Laslett (1987), originou-se na França com a implantação, nos anos 70, das Universités du T'roisième Âge, sendo incorporada ao vocabulário anglo-saxão com a criação das Universities of the Third Ate em Cambridge, na Inglaterra, no verão de 1981.(1) Seu uso corrente entre os pesquisadores interessados no estudo da velhice não é explicado pela referência a uma idade cronológica precisa, mas por ser essa uma forma de tratamento das pessoas de mais idade, que não adquiriu ainda uma conotação depreciativa. A invenção da terceira idade é compreendida como fruto do processo crescente de socialização da gestão da velhice: durante muito tempo considerada como própria da esfera privada e familiar, uma questão de previdência individual ou de associações filantrópicas, ela se transformou em uma questão pública. Um conjunto de orientações e intervenções foi definido e implementado pelo aparelho de Estado e outras organizações privadas. Como conseqüência, tentativas de homogeneização das representações da velhice são acionadas e uma nova categoria cultural é produzida: as pessoas idosas, como um conjunto autônomo e coerente que impõe outro recorte à geografia social, autorizando a colocação em prática de modos específicos de gestão. Assim, a universalização do direito à aposentadoria garantiu que a última etapa da vida correspondesse à inatividade remunerada. A partir dos anos 70, os velhos - que nos anos 40 e 50 eram tidos como um dos setores mais desfavorecidos das sociedades européias - já não podiam ser considerados um segmento populacional destituído de recursos econômicos. A terceira idade, mostra Guillemard (1986), exprime metaforicamente essa nova situação; não é sinônimo de decadência, pobreza e doença, mas um tempo privilegiado para atividades livres dos constrangimentos do mundo profissional e familiar. Com o prolongamento da esperança de vida, a cada um é dado o direito de vivenciar uma nova etapa relativamente longa, um tempo de lazer em que se elaboram novos valores coletivos. Por isso, para autores como Dumazedier (1974), a aposentadoria permitiria vislumbrar o que seria civilização do lazer. Para Laslett (1987), a invenção da terceira idade indicaria uma experiência inusitada de envelhecimento, cuja compreensão não pode ser reduzida aos indicadores de prolongamento da vida nas sociedades contemporâneas. De acordo com esse autor, essa invenção requer a existência de uma "comunidade de aposentados" com peso suficiente na sociedade, demonstrando dispor de saúde, independência financeira e outros meios apropriados para tornar reais as expectativas de que essa etapa da vida é propícia à realização e satisfação pessoal. O pressuposto deste artigo é de que as práticas relacionadas com a terceira idade são indicadoras de um novo tipo de sensibilidade em relação à vida adulta e à experiência de envelhecimento e de que as utilizações da terceira idade permitem a discussão do caráter possivelmente libertário e das lógicas de exclusão que dão uma configuração específica à organização de mercados de consumo e à articulação de demandas políticas. O argumento central é que os conteúdos investidos nessa expressão - que foi entendida como resultado da socialização crescente da gestão do envelhecimento - são, hoje, elementos ativos no que tenho chamado de processo de reprivatização da velhice, que envolve transformação desta em uma responsabilidade individual. Esse processo é resultado de uma interlocução intensa entre o discurso gerontológico, o público mobilizado nos programas para a terceira idade e a mídia. A Gerontologia, como um campo de saber específico, aborda cientificamente múltiplas dimensões que vão desde a Geriatria como especialidade médica, passando pelas iniciativas da psicologia e das ciências sociais voltadas para discussão de formas de bem-estar que acompanham o avanço das idades, até empreendimentos voltados para o cálculo dos custos financeiros que o envelhecimento da população trará para a contabilidade nacional. Como abordagem multidisciplinar, a Gerontologia contribuiu para a constituição do idoso em um problema social e se empenhou na sensibilização da sociedade brasileira para os dramas do envelhecimento. A tendência do discurso gerontológico, entretanto, é hoje desconstruir seu objeto de estudo e intervenção, transformando os gerontólogos em agentes no combate à velhice. Essa transformação é devida ao sucesso mobilizador dos programas para a terceira idade que, como mostrarei a seguir, produziram um discurso empenhado em rever os estereótipos negativos da velhice e, congregando um público relativamente jovem, abriram espaços para que experiências de envelhecimento bem-sucedidas pudessem ser vividas coletivamente. Nesses programas o envelhecimento deixa de ser um processo contínuo de perdas; as experiências vividas e os saberes acumulados são ganhos que propiciariam aos mais velhos oportunidades de explorar novas identidades, realizar projetos abandonados em outras etapas da vida, estabelecer relações mais profícuas com o mundo dos mais jovens e dos mais velhos. Essas novas imagens do envelhecimento que acompanham a construção da terceira idade ocupam um espaço cada vez maior na mídia que - respondendo ao interesse crescente da sociedade pelas tecnologias de rejuvenescimento - desestabiliza mecanismos tradicionais de diferenciação no interior do mundo dos experts e, ao mesmo tempo, abre novos campos para a articulação de demandas políticas e para a constituição de novos mercados de consumo. As iniciativas voltadas para a terceira idade transformam o envelhecimento em uma experiência mais gratificante; contudo, esse sucesso surpreendente é proporcional à precariedade dos mecanismos de que dispomos para lidar com os problemas da velhice avançada. A imagem do envelhecimento, associada à terceira idade, não oferece instrumentos capazes de enfrentar os problemas envolvidos na perda de habilidades cognitivas e de controles físicos e emocionais que estigmatizam o velho e que são fundamentais, na nossa sociedade, para que um indivíduo seja reconhecido como um ser autônomo, capaz de um exercício pleno dos direitos de cidadania. A dissolução dos problemas da velhice avançada, nas representações gratificantes da terceira idade, coloca no centro do debate a questão da solidariedade entre gerações, especialmente num contexto em que o envelhecimento populacional se transforma em um risco para a perpetuação cia vicia social. Como mostraram Douglas e Wildavsky (1983), cada sociedade tem seu portfolio de riscos e estabelece uma combinação específica de confiança e medo. Na seleção dos perigos que merecem ser temidos, está envolvida uma estratégia de proteção e exclusão de valores e estilos de vida particulares. Nas sociedades ocidentais contemporâneas, o prolongamento da vida humana é um ganho coletivo, mas tem se constituído também numa ameaça, num perigo para a reprodução da vida social, na medida em que os custos da aposentadoria e da cobertura médico-assistencial da velhice indicam a inviabilidade de um sistema que, em futuro próximo, não poderá arcar com seus gastos sociais. Meu interesse, portanto, é descrever o modo pelo qual uma interlocução intensa entre o discurso gerontológico, a mídia e os movimentos sociais organizados em tomo da terceira idade acabam por transformar a velhice em uma responsabilidade individual, desarmando a Gerontologia na sua tarefa de combinar estudos rigorosos dos problemas da velhice com a defesa dos direitos e dos interesses dos mais velhos. As novas representações sobre o envelhecimento e a construção da terceira idade Quatro condições inter-relacionadas são partes constitutivas de mudanças que dão uma configuração específica à terceira idade e às representações sobre o envelhecimento nas sociedades contemporâneas. A primeira delas tem a ver com o fato de que os aposentados não podem ser considerados o setor mais desprivilegiado da sociedade, quer nos países de capitalismo avançado, quer em países como o Brasil. Até muito recentemente, tratar da velhice nas sociedades industrializadas era traçar um quadro dramático de perda de status social dós velhos; a industrialização teria destruído a segurança econômica e as relações estreitas entre as gerações na família, que vigoravam nas sociedades tradicionais. Dessa perspectiva, a situação atual, em que os velhos se transformam em um peso para a família e para o Estado, opunha-se a uma Idade de Ouro em que eles, dada sua sabedoria e experiência, eram membros respeitados na família e na comunidade. O empobrecimento, a perda de papéis sociais e os preconceitos marcariam a velhice nas sociedades modernas, que abandonam os velhos a uma existência sem significado. Pesquisas recentes sobre a velhice exigiram uma revisão dessas concepções. Hoje há um acordo entre os historiadores, considerando-se que, dada a precariedade dos dados disponíveis, é muito limitado o conhecimento que se pode obter da situação dos velhos, em períodos históricos distantes ou mesmo em épocas relativamente próximas, de modo que a idéia de uma Idade de Ouro da velhice não se sustenta. As etnografias sobre a experiência de envelhecimento, em sociedades ditas primitivas, mostram que nelas a solidão não é um aspecto da experiência de envelhecimento; contudo, não se pode dizer que a velhice, nessas sociedades, seja uma experiência gratificante para todos os velhos, mas dependerá das posições de poder e prestígio ocupadas pelas pessoas ao longo da vida. Da mesma forma, estudos comparativos sobre renda, grupos etários e ciclo de vida nas sociedades ocidentais contemporâneas rediscutem a idéia de que a pauperização caracteriza a experiência de aposentadoria, especialmente nos momentos em que o desemprego ou o subemprego atingem proporções alarmantes. A universalização das aposentadorias e da pensão na velhice garantiria aos mais velhos direitos sociais dos quais é excluída a população em outras faixas etárias, sobretudo os jovens. (2) A segunda condição está relacionada com o modo pelo qual as concepções sobre o corpo e a saúde são reelaboradas nas sociedades ocidentais contemporâneas. A cultura do consumidor, de acordo com Featherstone (1992), prende-se a uma concepção autopreservacionista do corpo que encoraja os indivíduos a adotarem estratégias instrumentais para combater a deterioração e a decadência (aplaudida pela burocracia estatal, que procura reduzir os custos com a saúde educando o público para evitar a negligência corporal) e agrega a essa concepção a noção de que o corpo é um veículo do prazer e da auto-expressão (p. 170). Disciplina e hedonismo combinam-se na medida em que as qualidades do corpo são tidas como plásticas, e os indivíduos são convencidos a assumir a responsabilidade pela sua própria aparência. A publicidade, os manuais de auto-ajuda e as receitas dos especialistas em saúde estão empenhados em mostrar que as imperfeições do corpo não são naturais nem imutáveis, e que, com esforço e trabalho corporal disciplinado, pode-se conquistar a aparência desejada. Os indivíduos não são apenas monitorados para exercer uma vigilância constante do corpo, mas são responsabilizados pela sua própria saúde, através da idéia de doenças auto-inflingidas, resultantes de abusos corporais como a bebida, o fumo, a falta de exercícios. A suposição de que a boa aparência seja igual ao bem-estar, de que aqueles que conservam seus corpos
Compartilhar