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Ana Beatriz Barbosa Silva Mentes e Manias

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MENTES e MANIAS 
ANA BEATRIZ BARBOSA SILVA 
 
ENTENDENDO MELHOR O MUNDO DAS PESSOAS SISTEMÁTICAS, OBSESSIVAS 
E COMPULSIVAS 
 
Editora: Rosely M Boschim 
Coordenação editorial: Elvira Gago 
Colaboradora: Débora Gil 
Projeto e produção gráfica: Marcelo S Almeida 
Capa: WG Comunicação 
Diagramação: JOIN Bureau 
Preparação: Márcia Melo 
Revisão: Márcio Araújo 
Impressão e acabamento: Paulus Gráfica 
Digitalização: Vítor Chaves 
Correção: Marcilene Aparecida Alberton Ghisi Chaves 
Copyright © Ana Beatriz Barbosa Silva 
 
Todos os direitos desta edição 
são reservados à Editora Gente. 
Rua Pedro Soares de Almeida, 114 
São Paulo, SP, CEP 05029-030 
Telefax-(11)3675-2505 
Site: http://www editoragente.com.br 
E-mail: gente@editoragente.com.br 
 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara 
Brasileira do Livro, SP, Brasil) 
Silva, Ana Beatriz Barbosa 
Mentes manias entendendo melhor o mundo das pessoas sistemáticas, 
obsessivas e compulsivas / Ana Beatriz Barbosa Silva. 
- São Paulo: Editora Gente, 2004 
Bibliografia 
1 Psiquiatria 2 Transtorno obsessivo-compulsivo - Obras de divulgação 
3.Transtorno obsessivo-compulsivo-Tratamento I Título 
04-0592 
CDD-616.85227 
NLM-WM 176 
1. Transtorno obsessivo-compulsivo :Neuropsiquiatria Medicina Obras de 
divulgação 616.85227 
 
 
Para Debinha: 
 
Nossa avó Zilda dizia que as pessoas boas nascem prontas. Você nasceu 
assim. É muito bom ser sua ”dinda”.
AGRADECIMENTOS 
 
A toda a equipe Napades, pelo carinho, sintonia e apoio incondicional. 
 
À equipe da Editora Gente, que, como eu, não sabe parar de trabalhar porque 
ama o que faz. Agradeço especialmente a Rosely pelas conversas tão 
estimulantes à criação, ao Anderson pela incansável determinação e confiança 
na busca de novas saídas e à querida Elvira, que pôs em risco sua sanidade 
mental ao topar me organizar em três meses por e-mail e telefone. Vocês são 
dez. Isso porque só Deus é mil. 
 
À minha família, por ser exatamente como ela é. Vocês me dão certeza de que 
tudo vale a pena. Agradeço à Gigi por me lembrar todos os dias que brincar 
deve ser um exercício cotidiano e, melhor ainda, faz bem à saúde. 
 
Agradeço ao Márcio pelas traduções-relâmpago; à Miriam pelas pesquisas de 
material; à Marcinha pelas críticas preciosas e sinceras; à Andréa pelo carinho 
sempre presente; ao Elson pelas palavras que alimentaram minha alma; à 
Graça pelos toques finais; à Fátima pelo apoio e estímulo para com todos nós; 
e à Ana Lúcia pelo seu jeito meigo e gentil de ajudar a qualquer momento. 
 
À dra. Cecília Gross pela ajuda na pesquisa de material científico e à 
historiadora Mônica Santos pela contribuição nas pesquisas de assuntos gerais. 
 
Aos meus amigos cariocas, pela paciência com meus ”furos” e ausências em 
2003, e aos meus amigos paulistas, pela acolhida tão carinhosa. 
 
E, por fim, a todos os leitores de Mentes Inquietas que me enviaram críticas, 
dúvidas, perguntas, desabafos, estímulos e palavras de carinho. 
 
O meu muito obrigada do fundo do coração. 
SUMÁRIO 
 
PREFÁCIO 11 
INTRODUÇÃO 15 
1 A NORMALIDADE DA IMPERFEIÇÃO HUMANA 20 
2 QUEM PENSA DEMAIS VIRA FILÓSOFO OU SOFRE: A QUESTÃO DAS 
OBSESSÕES 26 
3 TOC-TOC NA MADEIRA: NEM TUDO O QUE SE REPETE É MANIA 38 
4 AS FACES OCULTAS DO PENSAR E AGIR: CARACTERÍSTICAS DO TOC 48 
5 DE ONDE ISSO VEM? AS PROVÁVEIS CAUSAS DO TOC 60 
6 O TOC SOB A LUZ DA PSICOLOGIA EVOLUTIVA 72 
7 ESPECTRO TOC: ESTE ARCO-ÍRIS TEM MUITO MAIS DE SETE CORES 80 
Semelhantes e afins do transtorno obsessivo-compulsivo 
8 TOC EM CRIANÇAS: É DESDE CEDO QUE SE DEVE DESTORCER O PEPINO 
106 
 
9 O DESAFIO DA PAZ EM CAMPO DE GUERRA: A DELICADA RELAÇÃO TOC X 
FAMÍLIA X AMIGOS E AFINS 116 
 
10 COGNIÇÃO, ORGANIZAÇÃO E TRANSFORMAÇÃO 128 
11 AS PEQUENAS MANIAS NOSSAS DE CADA DIA 136 
12 TRATAMENTO POR MERECIMENTO: OS MEDICAMENTOS QUE AJUDAM NO 
TOC 142 
 
13 O QUE ARDE CURA: O TRATAMENTO PSICOTERÁPICO DO TOC 158 
 
14 DIFERENÇAS QUE SOMAM E MULTIPLICAM TALENTOS: A NOVA IDEOLOGIA 
DE TRABALHO 170 
 
BIBLIOGRAFIA 175
PREFÁCIO 
 
Conheci Ana Beatriz no dia do lançamento de seu livro anterior, Mentes 
Inquietas, em São Paulo. Conversei pouco com ela, pois num lançamento a 
autora é como noiva em casamento: tem de se dividir entre todos os 
convidados. Mas comecei a ler o livro ali mesmo. E continuei em casa, ainda 
que me tirasse horas de sono reparador. Gostei muito dele e o aproveitei 
muito bem. 
 
Em minhas palestras para pais e professores tenho indicado Mentes Inquietas, 
porque muitos estão sofrendo demais com filhos e alunos portadores do 
distúrbio do déficit de atenção (DDA). Não é expulsando um aluno impulsivo, 
agressivo, irritado, instável e distraído, o chamado ”líder negativo”, que se 
resolve o problema, como se o colocássemos num navio e o deixássemos à 
deriva no meio do oceano. Afastamos o problema, mas não o resolvemos. É 
preciso estar informado sobre o DDA para poder lidar bem com seu portador. 
Mentes Inquietas veio preencher essa lacuna. Se cada instituição de ensino o 
tivesse, os docentes poderiam ter melhores resultados com seus alunos. Se os 
pais compreendessem melhor os filhos, todos teriam mais qualidade de vida. 
 
Agora Ana Beatriz lança outro livro, o maravilhoso Mentes e Manias, que lhes 
apresento com muita honra. Assim que recebi seus originais, comecei a ler e 
não parei mais até terminar o livro. Você, leitor, corre o mesmo risco de não 
conseguir parar de lê-lo, pois Ana Beatriz desvenda grandes mistérios desses 
transtornos, seja em pensamentos obsessivos, seja em atos compulsivos, que 
judiam demais de quem os tem, sem poupar seus familiares e conviventes. 
Como ela mesma diz, os conhecimentos têm de sair das
prateleiras dos especialistas e chegar aos sofredores. Aliás, muitas coisas 
guardadas por falta de conhecimento passaram a ser encaradas de outra 
maneira com os recursos atuais da medicina. 
 
Há algumas décadas, estudava-se o cérebro usando-se cadáveres. Hoje, por 
meio de exames como ressonância magnética funcional e tomografias 
especializadas como SPECT e PET SCAN, percebe-se, pelo maior consumo de 
glicose, as áreas cerebrais que estão funcionando em determinado momento. 
Assim, sabe-se também quais áreas cerebrais e neurotransmissores estão 
comprometidos nesses transtornos. 
 
Podemos diagnosticar bem o TOC, mas buscar suas origens ainda é 
complicado. Das inúmeras hipóteses causais, ganham força a predisposição 
genética, o estresse, fatores neurobioquímicos, fatores psicológicos e a 
infecção por estreptococos beta-hemolíticos do grupo A (a febre reumática 
pós-infecção de garganta causa inflamações nas articulações, no coração e no 
cérebro). 
 
com os avanços dos estudos das medicações, hoje existem remédios mais 
específicos para obsessões e manias, que em doses adequadas aliviam os 
sofrimentos e levam à diminuição dos rituais e obsessões até mesmo nos 
portadores que já haviam perdido as esperanças de viver livremente. A 
doutora Ana Beatriz encontrou uma maneira superinteressante de transformar 
o sisudo campo das medicações em conhecimentos softs, sem perder a 
precisão científica, tornando o assunto atraente até para quem tem ojeriza a 
esse tema. 
 
Tragédia de uns, comédia para outros. Quantos não riram ao ver Jack 
Nicholson vivendo um personagem compulsivo no filme Melhor impossível? Até 
o seu cachorrinho pulava linhas... Mas quanto sofria o personagem? Quantos 
não o entendiam? Compreendendo o sofrimento que esses transtornos causam 
a seus portadores, a suas famílias e a pessoas bastante próximas, não se 
justificam mais as tentativas de negar, menosprezar, diminuir a sua 
importância, ”tapar o sol com a peneira”, esperar que eles melhorem 
espontaneamente ou qualquer outra atitude que não seja a de buscar 
tratamento especializado. A doutora Ana Beatriz desvenda os mistérios destas 
mentes e manias que detonam com 
 
12 
4% da população mundial. Sem contar as famílias, que também sofrem com o 
preconceito e a falta de informação. 
 
O mundo se abre aos seus portadores quando estes seabrem ao mundo. Eles 
não se sentem mais tão solitários, mergulhados num mundo próprio, cujo 
significado somente eles conhecem e ”nem às paredes confessam”. Tudo por 
vergonha de se exporem e serem ridicularizados, transformando-se em 
”solitários prisioneiros de si mesmos”. É interessante notar como as obsessões 
e as manias podem ser muito parecidas se vistas superficialmente, mas o 
quanto são ricas de particularidades que só os portadores conhecem. 
 
Assim como o pecador precisa do perdão de seu Deus para atingir a felicidade, 
os portadores desses transtornos necessitam da compreensão e da ajuda de 
profissionais especializados para seguirem seu caminho com excelente 
qualidade de vida. A doutora Ana Beatriz nos traz o bálsamo da saúde e da 
alegria para o alívio desses transtornos tão secretos e, às vezes, tão expostos. 
 
com prazer imenso recomendo a leitura deste livro. 
 
Içami Tiba 
Psiquiatra, autor de catorze livros, entre eles Quem Ama, Educa e Disciplina: o 
Limite na Medida Certa 
 
13
 
INTRODUÇÃO 
 
A idéia de escrever este livro surgiu em setembro de 2003. Na época, fazia 
exatos três meses que lançara meu primeiro livro, Mentes Inquietas — 
Entendendo melhor o mundo das pessoas distraídas, impulsivas e hiperativas. 
A quantidade imensa de e-mails, cartas, fax e solicitações pessoais que recebi 
me deu o estímulo necessário para mais uma vez, impulsivamente, em 
conjunto com minha equipe, escrever um livro que pudesse cumprir o objetivo 
alcançado por Mentes Inquietas: informar sobre determinado comportamento 
advindo de um funcionamento mental específico, neste caso o distúrbio do 
déficit de atenção (DDA). 
 
Conforme lia atentamente as mensagens a mim dirigidas, uma imensa 
surpresa e alegria ia me invadindo a mente e tatuando a alma. Lá estavam 
depoimentos emocionantes de pessoas que relatavam o conforto de se sentir 
compreendidas por alguém e, enfim, por si mesmas. Ao final desses relatos 
duas palavras apareciam em 99% dos casos: ”obrigado” e ”ajuda”. Tornou-se 
claro para mim que os seres humanos buscam todo o tempo ser felizes, mas, 
na maioria das vezes, faltam-lhes o ”mapa” e o ”navio” que os levem até essa 
ilha chamada Felicidade. 
 
Pude entender que de alguma forma Mentes Inquietas tinha conseguido 
informar com linguagem relativamente acessível e despertar o desejo de 
melhora em muitos leitores. Tomada por esses sentimentos, comecei a refletir 
sobre o sofrimento daqueles que apresentam um quadro não tão incomum, 
mas na maioria das vezes vivenciado de forma solitária e oculta das pessoas 
de sua convivência: o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Ao contrário 
de quem sofre de outros transtornos do comportamento, quem vive com TOC 
costuma achar as próprias idéias e ações ”idiotas”, ”bobas”, ”ridículas”, 
”absurdas”, mas mesmo assim não consegue controlá-las. 
 
14 
 
Por apresentar uma visão bastante crítica sobre seu comportamento, a grande 
maioria desses indivíduos sente muita vergonha e por isso esconde seu 
problema das demais pessoas, inclusive familiares próximos. Isso impossibilita 
que parentes e amigos possam participar na busca de ajuda adequada. 
 
A pessoa com TOC em geral vive um intenso e solitário sofrimento, criando a 
falsa e desesperadora impressão de que ela é ”a única criatura na face da 
Terra que tem esse problema”. Tolo e doloroso engano: hoje sabemos que 
aproximadamente 4% da população mundial sofre de TOC, ou seja, uma em 
cada 25 pessoas apresenta esse transtorno. Pena que só muito poucos tenham 
a correta e esperançosa informação de que ele é tratável e vem se mostrando 
cada vez mais responsivo à terapêutica medicamentosa e psicoterápica de 
base comportamental. 
 
Ao começar a escrever Mentes e Manias, impus-me como objetivo principal 
tirar o TOC da estante (ele está presente quase somente em livros técnicos e 
acadêmicos) e colocá-lo na sala de estar como assunto de conversa, 
possibilitando aos indivíduos com TOC o melhor entendimento de seu problema 
e a busca de tratamento correto, o que pode abreviar e reduzir o sofrimento e 
as limitações advindas de sua condição. Além disso, é preciso fornecer 
subsídios aos familiares, para que possam entender a condição dos parentes 
que sofrem de TOC a fim de ajudá-los. 
 
Falaremos também sobre vários comportamentos que lembram o TOC e nem 
por isso precisam ser tratados, como hábitos, superstições e rituais presentes 
em nossa sociedade. No fundo, a diferença entre as pessoas, pelo menos em 
relação ao sofrimento mental, é quantitativa, e não qualitativa, como muitos 
gostariam que fosse. Entre você, mim e a pessoa com TOC existe apenas uma 
diferença: quem sofre de transtorno obsessivo-compulsivo pensa muito mais 
coisas desagradáveis e toma atitudes incontroláveis e 
 
16 
repetitivas para aliviar seus temores de que tais pensamentos venham a se 
materializar. 
 
As pessoas com TOC, na verdade, desejam possuir características de 
organização, asseio, meticulosidade e raciocínio analítico, mas o excesso e o 
desequilíbrio de comportamentos associados a essas características são tão 
grandes que elas acabam por se tornar, por vezes, desorganizadas, 
improdutivas e ”descuidadas”. Pensando nessa dicotomia entre o que se quer 
ser e o que se é, criamos a sigla COT (cognição, organização e transformação) 
numa clara referência ao que o TOC gostaria de ser caso conseguisse se 
desvencilhar do círculo destrutivo e vicioso de pensamentos e atitudes 
repetitivos. Uma vez que a sigla COT é a que vai designar aquelas pessoas 
cujas capacidades de organização, objetividade e meticulosidade, entre outras, 
estão equilibradas de tal maneira que as tornam aptas a transformar 
pensamentos e atitudes em realizações individuais e coletivas. 
 
Temos percebido inclusive que um parceiro COT é o melhor que pode desejar a 
pessoa DDA, quando se trata de trabalhos e projetos. Diferentes e, no entanto, 
complementares, eles precisam das características um do outro para se 
desenvolver plenamente. Como demonstraremos, essa é uma autêntica dupla 
dinâmica, ainda que entre tapas e beijos. 
 
Uma coisa é certa: todos nós possuímos deficiências ou falhas mentais. É claro 
que uns as apresentam mais sérias, outros menos, no entanto tudo indica que 
o barro divino de onde viemos já veio malhado antes de nascermos. 
 
E agora? Quem terá coragem de atirar a primeira pedra? Quem for perfeito 
pode começar! 
 
17 
 
CAPÍTULO 1 
 
Vaca das Divinas Tetas 
 
Teu bom só para o oco, minha falta 
 
E o resto inunde as almas dos caretas (...) 
 
Mas eu também sei ser careta 
 
De perto, ninguém é normal 
 
As vezes segue em linha reta 
 
A vida, que é meu bem/meu mal. 
 
"Vaca Profana" Caetano Veloso 
 
 
A NORMALIDADE DA IMPERFEIÇÃO HUMANA 
 
Quando penso na palavra gente, uma sensação boa e terna me invade a 
mente: eu gosto de gente, e esse gosto me faz ”fuçar” cada vez mais nosso 
motor central — o cérebro — na busca de respostas que me levem a detectar, 
compreender, criar empatia e, sempre que possível, ajudar as pessoas (nossa 
gente) a ter uma existência mais confortável consigo mesmas e, em 
conseqüência, com o mundo em redor. 
 
Mas, como boa amante da música popular brasileira, gente me lembra Caetano 
Veloso. Foi Caetano quem nos levou a refletir sobre o conceito de normalidade 
quando, em uma de suas músicas — ”Vaca profana” -, disse que, ”de perto, 
ninguém é normal”. 
 
Interessante como o conhecimento humano se manifesta em todas as áreas de 
expressão, pois no início do século passado Freud — pai da Psicanálise — 
afirmou a mesma idéia com as seguintes palavras: ”Toda pessoa só é normal 
na média”. 
 
Parece uma grande ”loucura”, no entanto Freud, Caetano e todas as pessoas 
do planeta temos algo em comum: nenhum de nós possui um cérebro perfeito. 
Entendendo-se como perfeito o cérebro que produza seus neurotransmissores 
— nossos ”combustíveis cerebrais” — em quantidades exatas ou iguais e faça 
com que cada parte exerça suas funções tão bem como as demais, obtendo 
assim um desempenhomáximo em todas elas. Se olharmos bem ao redor, 
constataremos facilmente essa realidade. Quem não conhece alguém genial na 
criação de complexos programas de computador, ou mesmo projetos 
inovadores de engenharia, que, por outro lado, apresenta profunda dificuldade 
em seus relacionamentos sociais, principalmente afetivos e emocionais? 
 
Podemos concluir que um cérebro perfeito é uma impossibilidade humana. 
Todos eles têm seus pontos fortes — talentos, dons ou aptidões — e seus 
pontos limitantes — inabilidades, inaptidões ou ”fraquezas” -, que, com o 
tempo e com empenho, aprendemos a administrar em nosso próprio benefício. 
 
20 
Outro aspecto — bem mais científico, apesar de menos visível que os exemplos 
anteriores — que reitera a imperfeição do cérebro humano é a sua idade. Isso 
mesmo. Para quem não sabe, nosso querido e poderoso cérebro não passa de 
um bebê na longa história da evolução das espécies. Ele completou 100 mil 
anos há pouco tempo. 
 
”Velho”, ”velhíssimo”, ”dinossáurico”, ”pré-histórico”... Provavelmente seriam 
esses os adjetivos usados por um adolescente para definir nosso baby. Mas, se 
dermos alguns passos, entrarmos em uma locadora e pegarmos o filme O 
parque dos dinossauros, de Steven Spielberg — um DDA confesso -, veremos 
que Hollywood, além de lazer, é cultura e informação. Lá se conta um pouco 
da história dessa geração de répteis fantásticos que habitaram e dominaram 
nosso planeta por 160 milhões de anos. . 
 
E agora, quem é velho? Nosso cérebro ainda é um bebê lindo e ”fofo” que 
começa a dar seus primeiros passos nessa tal de história evolucionária. Por 
isso temos de considerá-lo uma obra em andamento que com certeza será 
capaz de desenvolver novas funções adaptativas de caráter positivo, que nos 
tornarão mais eficientes em transcender dificuldades, limites ou mesmo 
impossibilidades atuais. 
 
Um dos sistemas que nosso cérebro elaborou para tornar a vida de nossos 
ancestrais mais fácil foi um circuito que lhes tornasse possível a detecção de 
erros especialmente relacionados à sobrevivência e ao convívio social. No 
estudo da biologia evolutiva, observamos que nossa espécie criou um sistema 
que faz com que o indivíduo, ao cometer um erro, seja tomado por uma 
sensação de grande desconforto. No entanto, com isso o ser humano aprende 
comportamentos e esquemas cognitivos que lhe possibilitam prever possíveis 
erros. Isso, aliás, é muito importante do ponto de vista da convivência social. 
Quem já não cometeu uma gafe e sentiu um terrível desconforto? Sejamos 
honestos, todos já fomos vítimas de nosso circuito detector de erros. 
 
Pois bem, a chave para entender a pessoa com TOC é saber que seu circuito 
detector de erros funciona muito mais do que deveria 
 
21 
 
ou do que é necessário. Ou seja, ele é hiperfuncionante e tende a não cessar 
sua atividade quando o erro é detectado e corrigido, deixando a pessoa com a 
constante sensação de que algo está errado. Dessa maneira, esse indivíduo se 
sente compelido a corrigir incessantemente seus erros (reais ou imaginários). 
 
Como metáfora, podemos usar o mecanismo da sede: a falta de água nos dá a 
sensação de sede e somos levados, pela necessidade e pelo desejo, a consumir 
água. Uma vez restabelecido o equilíbrio hídrico, a sede desaparece. É o que 
chamamos de retroalimentação negativa, pois a necessidade que motivou o 
comportamento cessa, pelo menos temporariamente, ao ser atendida. Agora 
imaginemos que a pessoa sedenta, não tendo alternativa, beba água do mar. 
Esta, porém, não propicia a saciação da sensação de sede, pois o sal marinho, 
ao ser ingerido junto com a água, vai extrair mais água do organismo da 
pessoa. A sensação de sede não só não passa como aumenta, e a pessoa pode 
pensar que deve beber ainda mais água. É o que chamamos de 
retroalimentação positiva, pois, quanto mais o comportamento se realiza, mais 
será reforçado a ser repetido. Embora seja uma comparação simples, podemos 
dizer que o mecanismo é similar no TOC. 
 
Todo mundo tende a pensar coisas desagradáveis, a temer coisas 
desagradáveis. Todos temos também a tendência de tentar corrigir os erros e 
evitá-los. Sem isso seríamos incapazes de cuidar minimamente de nosso bem-
estar. Portanto é importante termos esta característica funcionando de 
maneira adequada, na intensidade e na freqüência corretas. Quando esse 
circuito degringola, passando a funcionar muito intensa e repetidamente, abre-
se o caminho para o desenvolvimento do TOC, uma vez que os erros 
cometidos — em especial os que se traduzem na forma de gafes sociais — se 
tornam motivos de ruminação mental, gerando as idéias obsessivas 
desencadeadoras de grande ansiedade e no fim produtoras de atitudes 
compulsivas que oferecem alívio momentâneo, mas resultam no 
aprisionamento da pessoa num círculo vicioso que tende a se cristalizar com o 
tempo. 
 
22 
O transtorno obsessivo-compulsivo constitui, com certeza, um dos quadros 
mais intrigantes e desafiadores da psiquiatria e psicologia atuais. Ele se 
caracteriza pela presença de obsessões e/ou compulsões. As obsessões seriam 
pensamentos ou idéias recorrentes de caráter intrusivo e desagradável que 
causam muita ansiedade e tomam uma parcela significativa do tempo dos 
indivíduos que sofrem desse distúrbio. As compulsões, conhecidas 
popularmente como ”manias”, são comportamentos, ações ou atitudes de 
aspecto repetitivo que a pessoa com TOC é levada a adotar em resposta a uma 
obsessão com o intuito de reduzir a ansiedade provocada por esta. 
 
Assim, podemos afirmar que as obsessões provocam intenso desconforto 
emocional na forma de ansiedade; já as compulsões tenderiam, pelo menos no 
início, a despertar a sensação de alívio. Como vemos, as obsessões são 
pensamentos da própria pessoa a desencadear atos (compulsões) que muitas 
vezes não fazem sentido. Aí está o aspecto tão instigante do TOC. Como 
entender que pessoas inteligentes, cultas e, muitas delas, profissionais 
responsáveis e de destaque em sua área de atuação acabem se tornando 
escravas das próprias idéias e ações? Como entender que essas pessoas se 
envergonhem e julguem seus pensamentos e atitudes absurdos e ridículos? 
 
Somente entrando nesse universo podemos tentar responder a estas e muitas 
outras perguntas que indivíduos com TOC ou pessoas que convivem com eles 
se fazem todos os dias. 
 
23 
 
 
CAPÍTULO 2 
 
Fixação, seus olhos no retrato 
 
Fixação, mera assombração 
 
 Fixação, fantasmas no meu quarto. 
 
”Fixação” Kid Abelha 
 QUEM PENSA DEMAIS VIRA FILÓSOFO OU SOFRE: A QUESTÃO DAS 
OBSESSÕES 
 
Muitos de nós sentimos um leve incômodo quando deparamos com um sapato 
virado de cabeça para baixo. É quase impossível que não nos venha à cabeça a 
idéia de que algo pode acontecer com nossa mãe. Embora achemos ridículo e 
deixemos o sapato virado do mesmo jeito, o próximo pensamento que pode 
nos assaltar é o de culpa, de que não nos importamos com nossa mãe, afinal 
estamos dando mais importância ao raciocínio lógico do que ao significado do 
famigerado sapato de sola para o ar. Por fim, com um resignado ”tá bom, não 
custa nada”, acabamos desvirando o sapato e explicamos para nós mesmos, a 
título de consolo, que isso não passa de ”desencargo de consciência”. 
 
Na hora de dormir, podemos passar de novo por uma situação parecida se 
percebermos que a porta do armário está aberta. A gente não quer sair 
debaixo da coberta, mas de vez em quando espicha o olho e dá de cara com a 
porta escancarada e tudo escuro lá dentro do armário. O que nos faz ficar 
espionando a inocente fresta é a lembrança de que ”porta de armário aberta 
chama...”. Mas você não quer pensar na palavra e nem espera para concluir a 
frase. Sai do aconchego, levanta-se, fecha a porcaria da porta e convence a si 
mesmo que o motivo que o levou a fazer isso é impedir que entrem baratas 
em seu armário. 
 
O fato é que sempre estamos imersos em numerosos pensamentos. 
Pensamentos bons, pensamentos ruins, bobos, grandiosos, de todos os tipos. 
Muitas vezesnem estamos conscientes deles, mas nós os temos o tempo todo. 
E é comum também termos pensamentos que nos incomodam, pois não 
condizem com nosso modo de ser, de pensar e de agir. Assim, acreditamos 
que não deveríamos tê-los ou que é errado tê-los, como se isso fosse 
indicativo de alguma falha de caráter sufocada ou de que temos um ”lado 
negro” escondido. Por exemplo, imaginar-se enchendo de algodão a boca de 
seu irmãozinho recém-nascido que não pára de berrar é um pensamento que 
pode vir a sua cabeça se você é um 
 
26 
adolescente impaciente que precisa acordar cedo no dia seguinte e ainda por 
cima não perdoa os pais por tê-lo desbancado da posição de caçula. 
 
É normal virem esses pensamentos doidos a nossa cabeça de vez em quando, 
meio agressivos, meio catastróficos, dando representação a nossos medos 
mais escondidos ou, no caso acima, não assumidos desejos de ”vingança”. O 
problema está em imaginar que não deveríamos tê-los de modo algum, que é 
proibido tê-los ou que eles podem trazer conseqüências funestas, tornando-se 
realidade. Se pensamos assim, o tiro sai pela culatra: quanto mais evitamos 
tais pensamentos ou nos preocupamos com eles, mais presentes e insistentes 
eles se tornam em nossa mente. Não querer pensar em algo já nos faz pensar 
neste algo. E, por dar tal importância a esses pensamentos, aumentamos 
muito o risco de tê-los repetidamente. Se existisse um ditado para isso, 
poderia ser algo assim: ”Quem seus pensamentos espanta, mais os acalanta”. 
 
Para testar esse ditado, você pode fazer o seguinte: feche os olhos e durante 
trinta segundos force-se a pensar em um camelo no deserto (você pode 
acrescentar palmeiras, cactos, pirâmides, mas o importante é o camelo). 
Obrigue-se a pensar só no camelo. Pode ser que durante esses trinta segundos 
outros pensamentos tenham invadido sua mente, isso é natural. Mas não deve 
ter sido tão difícil. Agora faça de forma diferente: feche os olhos e, durante 
trinta segundos, pense em qualquer coisa, menos no camelo. É proibido pensar 
no camelo. 
 
Desta vez você sentirá que foi mais difícil. Só pelo fato de tentar afastar o 
pensamento do camelo, acabamos sem querer tornando-o mais intrusivo e 
persistente. 
 
Foi o que aconteceu com Amaro, administrador de empresas de 49 anos, 
quando tentava afastar o pensamento do... Bem, ele vai partilhar conosco sua 
experiência: 
 
Quando eu era adolescente, ficava supernervoso quando começava a tocar 
”Sympathy for the devil” — algo como afinidade pelo demônio ou simpatia pelo 
demônio —, música dos Rolling Stones. 
 
27 
Na época eu estava completando o catecismo e achava terrível ouvir uma 
música daquelas. Mas não ficou só aí. Depois passei a ter medo de 
simplesmente pensar na música e cheguei a um ponto em que qualquer outra 
coisa me remetia a devil, como ver uma luz vermelha ou algum bicho que 
tivesse chifres. Daí, já tinha virado um martírio se eu visse um carro freando e 
se acendesse uma luz vermelha ou se, na TV, passasse algum desenho ou 
reportagem com animais. 
 
E esses são só alguns exemplos, porque muitas outras coisas mais eu 
associava àquela imagem, como o número 5, por causa do tal do pentagrama, 
A estrela de cinco pontas é um símbolo místico:com a ponta virada para cima, 
representa o bem;com a ponta virada para baixo, simboliza o mal... Adivinha 
em qual eu pensava? Olha que viagem! E, cada vez que me vinha à cabeça, e 
isso acontecia toda hora — porque descobri que, quanto mais a gente tenta 
não pensar, mais a gente pensa —, eu tinha de repetir mentalmente os nomes 
de alguns anjos: Gabriel, Miguel, Rafael... Eu achava que ia acontecer alguma 
coisa ruim, mas, puxa, ruim era passar por aquilo. Agora estou tranqüilo em 
relação a isso e — quer saber de uma coisa? — encho a boca quando vou 
mandar alguém ”para o diabo que o carregue”. 
 
Idéias indesejáveis invadem nossa mente 
 
O ser humano tem, em maior ou menor medida, a necessidade de manter as 
coisas sob controle, ainda que minimamente. Muitas coisas, porém, estão fora 
de nosso controle — e o conteúdo de nossos pensamentos é uma delas. 
Engajar-se numa luta inglória com derrota garantida é caminhar a passos 
largos para o desconforto e até para o adoecimento. Quando tentamos manter 
estrito controle sobre nossos pensamentos, estamos nos expondo ao risco de 
vê-los transformados em obsessões. 
 
Para que os pensamentos sejam considerados obsessivos, eles devem ser 
desagradáveis, intrusivos, indesejáveis e repetitivos. Quem os tem não os quer 
e, embora saiba que jamais concordaria com o conteúdo desses pensamentos 
obsessivos ou faria o que eles sugerem, sente uma pesada culpa por tê-los. 
Como exemplo, poderíamos pensar naquele adolescente enciumado do 
 
28 
irmãozinho de que falamos há pouco, que ainda por cima é alvo de chacota no 
colégio por parte de um colega que adora pegar no seu pé. Pode passar pela 
cabeça dele que seria melhor que esse colega estivesse morto ou como seria 
glorioso jogá-lo escada abaixo. Pensamento tétrico, não? O adolescente talvez 
sinta um pouco de alívio de suas frustrações fantasiando sua vingança 
espetacular e depois se desligar daquilo e voltar a sua rotina sem maiores 
problemas. Mas ele também pode começar a remoer a preocupação de que, se 
está pensando naquilo, é porque talvez seja mesmo capaz de fazer aquilo. A 
partir daí, pode tentar fazer um esforço tremendo para não voltar mais a 
pensar naquilo e, pior, desenvolver comportamentos como evitar subir ou 
descer a escada junto com seu desafeto. 
 
Há uma distância muito grande entre pensar, fantasiar e realmente fazer. Se 
ele de fato fosse um adolescente com desvio de conduta, já estaria planejando 
e implementando sua vingança — como infelizmente vimos acontecer naquele 
massacre de estudantes e professores feito por dois alunos da escola 
Columbine, numa cidade do Colorado, Estados Unidos, em 1999, tema do 
documentário Tiros em Columbine, de Michael Moore —, e não se 
preocupando, sentindo-se envergonhado e culpado por ter esses pensamentos, 
evitando até se aproximar do colega por medo de fazer-lhe algum mal. 
 
No entanto, pelo sofrimento e pelo desconforto que trazem, causando até 
alterações no comportamento do adolescente, podemos dizer que esses 
pensamentos já adquiriram um caráter obsessivo. O jovem sente angústia e 
culpa ao tê-los, pois são desagradáveis e vão contra o que considera correto. 
São repetitivos, intrusivos e causam tremenda ansiedade. Quanto mais ele luta 
para não tê-los, mais os tem, e acaba se sentindo na obrigação de mudar seu 
comportamento para aliviar a angústia que sente. 
 
Isso precisa ficar bem claro: é a partir desse ponto que se pode dizer que esse 
pensamento deixou de ser um daqueles pensamentos doidos e pouco usuais 
que todo mundo tem para transformar-se num pensamento obsessivo, que 
traz grande apreensão. 
 
29 
Um dos pensamentos obsessivos que provocam mais sofrimento é aquele cujo 
conteúdo envolve ferir alguém a quem amamos. A arquiteta Analice, de 36 
anos, nos relata seu problema: 
 
Eu já era um pouquinho ”sistemática” desde nova... Gostava das coisas bem 
guardadinhas e alinhadas. Depois que tive o Pedro, minha mania de só fechar 
as gavetas de talheres quando eles estivessem arrumadinhos piorou bastante. 
Mas meu martírio mesmo começou quando passei a pensar que, se fechasse a 
gaveta e alguma faca se deslocasse lá dentro, seria capaz de pegá-la e ferir 
meu filho. O mais desesperador é que sempre fui uma mãe paciente, super 
apaixonada por meu filho, que foi um bebê bem tranqüilo. Como, quando eu 
fechava a gaveta das facas, não conseguia ter certeza de que nenhuma faca 
tinha saído do lugar lá dentro, ficava abrindo e fechando a gaveta muitas 
vezes, porque, se não fizesse isso, me vinha à mente minha imagem, com a 
faca na mão, ferindo meu filho. Era horrível, horrível! 
 
Hoje em dia ele é adolescente e não pára de fazer chacota desde que soube 
dessa história. De vez em quando ele me chama de Mamãe Jason. Mas quer 
saber? Agora que jáestou livre disso também me junto a ele e dou boas 
gargalhadas. 
 
Os pensamentos obsessivos estão intimamente relacionados com o medo. No 
entanto, o medo é um sentimento natural e saudável, cuja função é nos 
resguardar de maiores problemas. É bom que tenhamos medo de atravessar a 
rua com o sinal aberto para os carros, por razões óbvias. É esse medo que nos 
impede de arriscar nossa vida em um trânsito caótico, povoado de motoristas 
alucinados. Mas ter receio de sair de casa e andar na calçada por causa da 
remota probabilidade de ser atropelado no portão do próprio prédio é entregar-
se a um medo irracional e infundado, que limita nossos movimentos e cerceia 
nossa liberdade de ação. Nesse caso, o medo deixa de ser útil e passa a ser 
irreal e nocivo. Não serve mais à função de proteção e ainda nos faz o desfavor 
de entravar nossa vida. 
 
30 
A pessoa que tem pensamentos obsessivos sofre deste último tipo de medo. 
Portanto, não podemos confundir as obsessões com medos comuns. Os medos 
da pessoa obsessiva podem ser semelhantes aos medos comuns e plausíveis, 
como o medo de bater o carro, mas ganham uma dimensão muito mais ampla 
se são erroneamente avaliados pela pessoa como tendo probabilidade muito 
maior de ocorrer, a ponto de fazer com que ela evite não só dirigir como entrar 
em qualquer veículo. A pessoa obsessiva pode também ter pensamentos e 
medos que consideramos bizarros, como o de ter engolido uma agulha quando 
estava pregando um botão. Ela sabe que não a engoliu, pois isso é impossível, 
mas ainda assim fica atormentada com a repetição desse pensamento, 
ganhando um medo irracional de lidar com quaisquer instrumentos de costura. 
 
Superstições versus obsessões 
 
Uma coisa importante é diferenciar as obsessões das superstições. No início 
deste capítulo descrevi dois casos típicos de superstições em nossa cultura 
apenas com o intuito de demonstrar como é comum que nos preocupemos 
com o significado que damos às coisas, com o que pensamos delas e como isso 
pode influenciar nosso comportamento. Contudo, as superstições não são 
indicativos de nenhum problema, pois são respaldadas e até reforçadas por 
nosso ambiente cultural. Algumas das mais comuns, símbolos de verdadeiro 
azar para a pessoa, envolvem cruzar com gato preto, passar debaixo de 
escada, quebrar espelhos, entrar com o pé esquerdo em algum lugar, ter os 
pés varridos, entre outras. São manifestações de comportamentos ritualísticos 
comuns a toda a humanidade, que variam de cultura para cultura. Mas o 
importante é que elas não tomam o tempo da pessoa nem a paralisam, não se 
tornam algo imprescindível de fazer, sem o qual a pessoa se sentiria 
intensamente angustiada e ameaçada. 
 
Por outro lado, se a pessoa passa a checar a toda hora seus sapatos, que além 
de estarem na posição correta precisam ficar 
 
31 
perfeitamente alinhados, e mesmo após checá-los continua ansiosa e 
agoniada, voltando a conferir outras vezes, sob pena de algo ruim acontecer 
por causa do desalinhamento dos calçados, deve-se desconfiar de um 
pensamento obsessivo. Principalmente se a pessoa chega a perder tempo com 
isso, a ponto de atrasar-se para o trabalho e sentir-se angustiada, quase em 
pânico, se não conseguir certificar-se da posição dos sapatos. Aqui podemos 
afirmar que já deixou de ser superstição. 
 
Para reforçar a diferença, lembremos o caso da pessoa que não conseguia 
dormir em paz enquanto a porta do armário estava aberta. O pensamento que 
ela teve não era obsessivo, na verdade era uma idéia supersticiosa, que 
causou um leve incômodo. Ela levanta, sentindo-se meio boba, fecha a porta, 
logo esquece aquilo e volta para o sono dos justos. Agora imaginemos que, ao 
fechar os olhos, ela comece a ser assaltada pela idéia de que a porta não foi 
bem fechada. Levanta e resolve passar a chavinha que tranca a porta. Volta 
para a cama e... começa a duvidar se realmente passou bem a chave. Levanta, 
destranca e tranca de novo a porta, para se certificar. Pode ser que ela esteja 
passando por uma fase estressante, com problemas no trabalho, e isso se 
reflita em comportamentos esquisitos assim, que com certeza ela não voltará a 
ter. Mas, se esses pensamentos voltarem a aparecer todo o tempo e ela se 
sentir assustada, temendo que alguém de sua família possa morrer, e a partir 
daí passar a verificar freqüentemente a porta do armário, não só à noite como 
também de dia, já podemos cogitar num caso de pensamentos obsessivos. 
 
Obsessões mais freqüentes 
 
É fundamental entender que existe uma grande variedade na forma de 
apresentação do TOC. Assim, observamos na prática clínica que as obsessões 
tendem a se apresentar em alguns grupos bem característicos. Para facilitar a 
compreensão desse transtorno, sua identificação e possibilitar que o máximo 
de pessoas possam ser ajudadas no alívio do intenso sofrimento que sua vida 
se 
 
32 
tornou, minha equipe e eu elaboramos um quadro das principais e mais 
comuns obsessões com exemplos fáceis de visualizar. Algumas envolvem 
medo de contaminação, dúvidas persistentes, blasfêmias religiosas e desejos 
agressivos, entre outros. Vamos a elas. 
 
Obsessão de agressão: preocupação em ferir os outros ou a si mesmo, 
insultar, impulsos de agredir (como vimos no exemplo do adolescente irritado 
com o irmão e com o colega da escola), machucar o próprio filho (como era o 
caso de Analice) etc. 
 
Obsessão de contaminação: preocupação constante com sujeira, germes, 
contaminação por vírus e bactérias, pó, apertos de mão, medo de ser 
contaminado em visitas hospitalares, velórios, cemitérios etc. 
 
A pessoa se preocupa com a possibilidade de infectar-se e adquirir doenças 
como Aids, pneumonia asiática e leptospirose, entre outras. É claro que existe 
a possibilidade de contrair tais doenças, e é essa possibilidade que nos motiva 
a usar camisinha e evitar andar descalços por águas de aspecto sujo. Por outro 
lado, essa preocupação deixa de ser normal quando evitamos apertar as mãos 
das pessoas por medo de pegar Aids ou corremos loucamente de todo e 
qualquer cachorro, pois ele poderia ter brigado com um gato, que poderia ter 
brigado com um rato, que poderia ser transmissor da leptospirose. Como uma 
pessoa com pensamentos obsessivos exagera todas as probabilidades 
catastróficas, ela pode até deixar de sair de casa, uma vez que, seguindo esse 
raciocínio tortuoso, qualquer um poderia transmitir Aids e outras doenças 
fatais (só de estar no mesmo recinto que ela) e qualquer cachorro poderia 
carregar microorganismos causadores de doenças infecciosas, representando 
um risco mesmo se estiver passando do outro lado da rua. 
 
Obsessão de conteúdo sexual: pensamentos persistentes de fazer sexo com 
pessoas impróprias ou em situações estranhas, pensamentos obscenos, 
imagens pornográficas recorrentes, impulsos incestuosos. Há casos em que o 
indivíduo evita sair de casa porque teme ficar olhando para a região genital 
das pessoas com 
 
33 
quem se encontra na rua ou fazer propostas indecorosas em voz alta a 
qualquer pessoa atraente que cruze seu caminho. 
 
Obsessão de armazenagem e poupança: idéia fixa em colecionar ou não se 
desfazer de vários tipos de objeto. A pessoa não quer se desfazer de nada por 
achar que tudo poderá ser útil no futuro (embalagens, papéis velhos, jornais, 
revistas, tampinhas de refrigerantes etc.). 
 
Obsessão de caráter religioso: pensamentos recorrentes de 
escrupulosidade, blasfêmias, pecado, certo/errado, de falar obscenidades na 
igreja. Como exemplos, podemos citar a criança que, após ter iniciado seu 
aprendizado em inglês, passou a ter pensamentos obsessivos de que God 
também é Dog, ou a mulher que não consegue parar de pensar que a imagem 
de São Sebastião, seminu e preso a uma tora de madeira, é bastante sensual. 
 
Luciana, uma professora de 26 anos, conta os insistentes pensamentos que 
tinha quando se reunia com o grupo jovem de sua igreja: 
 
Quando eu passava em frente ao altar onde havia uma imagem de Jesus 
crucificado, com apenasum pano enrolado em seu corpo, ficava tendo 
pensamentos se ele era como a gente, se ele tinha pênis, se fazia xixi... Aí, 
para meu desespero, me vinham todas aquelas imagens, ele fazendo xixi e 
”sacudindo” depois, como os caras fazem. Ou com o que ele se limpava, se 
ficava com resto de comida entre os dentes... Desse pensamento já vinha 
outro: se ele comia fazendo barulho. Esses pensamentos me perseguiam, e eu 
ficava esperando pelo castigo que pudesse acontecer. A culpa ainda era maior 
porque eu não conseguia confessar isso ao padre, e eu achava que tinha 
obrigação de falar tudo. O que lembro é que ficava repetindo pra mim mesma: 
”Perdão, meu Deus; perdão, meu Deus; perdão, meu Deus; perdão, meu 
Deus...”, uma infinidade de vezes. 
 
Agora que estou melhorando, só penso de vez em quando assim: ”Obrigada, 
meu Deus; obrigada, meu Deus”. Mas meu terapeuta me dá altas broncas, diz 
que basta uma vez. Sei que ele está certo, mas esses pensamentos são mais 
teimosos que mula empacada. 
 
34 
Obsessão de simetria: idéias constantes de exatidão ou alinhamento de 
objetos, roupas, decoração etc. A pessoa tem uma sensação vaga de que é 
”errado” ou ”incômodo” ver coisas desarrumadas e desalinhadas. 
 
Obsessão somática: preocupação excessiva com doenças. Como as pessoas 
que sentem alguma dor no peito e já começam a pensar obsessivamente em 
alguma cardiopatia grave ou que sentem uma dor abdominal e têm 
pensamentos obsessivos de estar com um tumor intestinal. 
 
Obsessão ligada a dúvidas: preocupação constante com o fato de não 
confiar em si mesmo, como não ter certeza se fez algo direito ou questionar-se 
se realmente realizou determinada tarefa (fechar a janela, deixar uma 
encomenda etc.). 
 
Quem tem esse tipo de pensamento não consegue confiar em nada e precisa 
certificar-se repetidas vezes de que está tudo bem. Podemos citar como 
exemplo aquelas pessoas que checam várias vezes as fechaduras das portas e 
as bocas do fogão. Mesmo que já as tenham verificado algumas vezes, a 
dúvida persiste e elas não conseguem acreditar em si mesmas, começam a 
pensar que se enganaram ou não foram cuidadosas o suficiente — e, pronto, lá 
vão mais uma vez checar tudo de novo. 
 
Essas checagens podem se repetir dezenas de vezes, impedindo a pessoa de 
ter uma boa noite de sono ou fazer outras coisas e causando atrasos e 
transtornos em sua vida cotidiana. 
 
Afinal, imaginemos o tempo que ela perde quando está saindo de casa para o 
trabalho e se atrasa porque retornou inúmeras vezes para conferir se 
realmente a porta estava fechada... Os pensamentos obsessivos envolvidos 
aqui são de cunho catastrófico. Checar a porta serve para certificar-se de que 
nenhum ladrão invadirá a casa e verificar os botões do fogão serve para 
garantir-se de que a casa não vai explodir. 
 
Pessoas com pensamentos obsessivos nem sempre têm mais de um tipo deles. 
Algumas costumam ter apenas de determinado tipo, que sempre estará 
relacionado a seus maiores medos e dúvidas. E é comum que o conteúdo dos 
pensamentos obsessivos 
 
35 
mude ao longo do tempo, passando por períodos de enfraquecimento e de 
intensificação. 
 
Uma coisa muito importante que precisamos saber é que o fato de ter tais 
pensamentos não significa que seremos capazes de concretizá-los. Na verdade, 
eles se tornam obsessivos e nos perseguem justamente porque nos sentimos 
tão desconfortáveis e culpados de tê-los. Uma pessoa com obsessões 
agressivas sofre exatamente porque considera condenáveis a agressão e o 
conflito. Ela se sente tão mal com esses pensamentos e luta tanto para afastá-
los da cabeça que acaba por tê-los repetidas vezes, apesar de saber que é 
incapaz de fazer mal a quem quer que seja. 
 
O problema é que essa pessoa supervaloriza a importância dos pensamentos, a 
ponto de considerar que é tão grave tê-los quanto praticá-los, quando 
sabemos que do pensar ao agir há uma distância muito grande. Nesse ponto, o 
conceito religioso de que ”se peca mesmo em pensamento” é um desserviço à 
humanidade. Uma idéia como essa fará sofrer muito mais as pessoas que 
tendem a ter pensamentos obsessivos do que as efetivamente inescrupulosas, 
que não estão ”nem aí” se estão pecando e se o que fazem é certo ou errado. 
 
O que é certo ou errado é algo que preocupa muito as pessoas que tendem a 
ter pensamentos obsessivos. Elas costumam ser conscienciosas, responsáveis, 
perfeccionistas e preocupadas com o bem-estar dos outros. Por isso sofrem 
tanto ao ter pensamentos que consideram tão alheios a si próprias e temem 
intensamente que o fato de tê-los poderá levá-las a causar dano a alguém. Na 
verdade, a pessoa com pensamentos obsessivos deveria se preocupar menos 
com eles e não lhes dar tanto crédito, pois não são eles que vão dizer o que 
ela é, e sim suas ações. 
 
36 
 
CAPÍTULO 3 
 
Não pensei que me fizessem falta umas poucas palavras. 
 
Dessas coisas simples que dizemos antes de dormir 
 
De manhã o bom-dia na cama, a conversa informal. O beijo depois do café, o 
cigarro e o jornal. 
 
"Costumes” Roberto e Erasmo Carlos 
TOC-TOC NA MADEIRA: NEM TUDO O QUE SE REPETE É MANIA 
 
No capítulo anterior vimos que os pensamentos obsessivos causam 
desconforto, culpa e ansiedade nas pessoas por eles invadidas. Às vezes, o 
desconforto é tão grande, assim como o receio de que venham de fato a 
ocorrer, que a pessoa com pensamentos obsessivos acaba por desenvolver 
comportamentos, rituais ou ”manias” na esperança de que neutralizem a 
possibilidade de que venha a acontecer o que ela teme. 
 
Como vimos também, os pensamentos obsessivos são repetitivos e, se forem 
acompanhados de comportamentos ritualísticos, estes do mesmo modo serão 
em conseqüência repetitivos, infelizmente. Isso fica bem claro quando 
pensamos no caso de uma pessoa que tem pensamentos obsessivos em 
relação à contaminação. Para afastar esses pensamentos da cabeça e 
certificar-se de que não será contaminada, ela trata de lavar as mãos, 
demorada e meticulosamente. Não uma nem duas vezes, mas dezenas de 
vezes ao dia. Tais comportamentos repetitivos, cujo objetivo é diminuir a 
ansiedade causada pelas obsessões, recebem o nome de compulsões. 
 
Esses comportamentos podem ser tanto manifestos, como no caso da pessoa 
que lava as mãos ou checa as fechaduras, quanto encobertos, na forma de 
atos mentais, como recitar rezas ou pensar em palavras e frases que 
neutralizem os pensamentos obsessivos. As pessoas em geral chamam esses 
comportamentos de ”manias” e costumam dizer: ”Fulano é cheio de manias, 
tem mania de limpeza, mania de arrumação”. Em psiquiatria, mania é um 
estado mental marcado por intensa agitação, irritação, impulsividade e por 
vezes euforia. No entanto, neste livro usaremos o termo ”mania” na acepção 
popular, significando coisas esquisitas que a gente faz e têm de ser sempre 
daquele mesmo jeito. 
 
Por mais extenuantes e chatos que sejam esses comportamentos, a pessoa 
com pensamentos obsessivos ainda os prefere a ter de remoer o medo de, ao 
deixar de repeti-los, ser ”responsável” 
 
38 
pelas conseqüências funestas que venham a ocorrer. E, como vimos, as 
pessoas que tendem a ter pensamentos obsessivos possuem um grande senso 
de responsabilidade, exagerado até, e são cuidadosas e conscienciosas a ponto 
de não suportar a idéia de que possam prejudicar a outros e a si mesmas por 
culpa dos próprios pensamentos — que já sabemos que não podemos nem 
devemos ter a pretensão de controlar. Mas para os que sofrem de 
pensamentos obsessivos a história é diferente: não só acreditam que devem 
tentar controlar e afastar tais pensamentos como se sentem na 
responsabilidade de fazer algo para evitá-los. 
 
Catarina, uma advogada de 36 anos, relata sua mania, que manteve até cerca 
de dois anos atrás, quando iniciou um bem-sucedido tratamento: 
 
Eu levava ao pé da letra aquela história de que não se podia entrar em lugar 
nenhum com o pé esquerdo. Só que minha versão era muito mais dramática... 
Vinha a minha cabeça que determinada pessoa poderia morrer se entrasseem 
algum lugar com o pé esquerdo. E, como só eu sabia disso —porque também 
só estava na minha cabeça —, me obrigava a fazer alguma coisa para evitar o 
pior. Não podia suportara idéia de que alguém pudesse morrer por minha 
causa. Aí, o que eu fazia? Se um colega de trabalho fosse entrar em algum 
lugar — em nossa sala, no elevador, no banheiro — eu tinha de passar na 
frente dele e pisar na linha demarcatória da porta com os dois pés, esquerdo e 
direito, perfeitamente alinhados: paralelos entre si e perpendiculares à linha. 
 
Se você me perguntar por que eu achava que tinha de ser daquele jeito, não 
vou saber responder, porque lógica não tem. Só sei que eu acreditava que isso 
impediria um desastre. Claro que o pessoal achava que eu era mal-educada, 
”entrona” etc. Alguns pareciam perceber e diziam que eu tinha essas manias 
esquisitas. Eu já achava super absurdo fazer essas coisas na época, hoje chego 
a pensar que é hilário... Imagina, eu tinha o poder de causar a morte de 
alguém com meu pensamento e impedi-la com aquele gesto com os pés! Deve 
ser muito chato ser Deus. 
 
39 
É importante saber que a pessoa com obsessões e compulsões tem consciência 
de que elas são irreais e ilógicas (a bem da verdade, existe uma minoria que 
não tem essa consciência, mas não é a regra), e muitas vezes se acha idiota e 
tola por ter de fazer seus rituais, mas acaba fazendo-os do mesmo jeito por 
não suportar a ansiedade que sente. Ela sabe perfeitamente que, caso tivesse 
”bons” pensamentos repetitivos, como ganhar na Mega Sena, por exemplo, e 
fizesse rituais com o intuito de torná-los realidade, seria quase impossível que 
isso acontecesse. 
 
Apesar de a pessoa apresentar comportamentos compulsivos com a intenção 
de aliviar a ansiedade e afastar o medo, o prejuízo por eles causado pode ser 
muito maior do que o aparente benefício. Primeiro, porque o alívio é apenas 
temporário e a ansiedade ressurgirá assim que a pessoa voltar a ser assaltada 
pelos pensamentos obsessivos, tendo portanto de executar os rituais outra 
vez. Segundo, porque essa pessoa é acossada pela dúvida interminável, e 
assim, por mais cuidadosamente que tenha executado o ritual, sempre ficará 
em dúvida se esqueceu alguma coisa, obrigando-se então a fazer tudo de 
novo. Terceiro, porque em geral o conteúdo de suas obsessões se refere a 
acontecimentos improváveis de se concretizar, mas, em vez de agarrar-se a 
isso como fator mais importante, ela acaba acreditando que seus pensamentos 
obsessivos só não se tornam reais por executar os rituais, o que não deixa de 
ser uma atribuição de poder fantasiosa e irreal aos próprios pensamentos e 
ações. 
 
Augusto, estudante de 19 anos, dá um exemplo justamente deste ponto: 
 
Eu tinha um monte de manias — e ainda estou tentando me livrar de algumas 
— para evitar a morte de meu pai. Ele viaja muito por causa do trabalho, pega 
muito avião, E eu tinha aqueles pensamentos pirotécnicos de que o avião ia 
explodir ou cair. Como não conseguia parar de pensar nisso, tirava os dias em 
que ele ia embarcar pra não fazer nada. Ficava numa quarentena, ou 
”resguardo”, como minha irmã mais nova gosta de dizer pra me zoar. Daí, eu 
não 
 
40 
podia tomar banho naquele dia, nem pentear o cabelo, nem usar mais de três 
vezes determinada coisa, como rádio, computador ou mesmo o interruptor de 
luz. Se estourasse minha cota, tinha de pedir para alguém fazer ou, em último 
caso, usar uma luva. 
 
Bem, meu pai não morria, e eu achava que isso não acontecia por causa das 
minhas manias. Não me passava pela cabeça que meu pai não tinha morrido 
simplesmente porque não tinha de ser. Muito bobo... Se eu morresse antes do 
meu pai, então meu pai ia morrer logo em seguida? Eu achava que sim... E 
pensava que era o único lesado que tinha isso. Descobrir que muita gente se 
sente assim também foi importante para mim, porque passei a acreditar que 
tinha jeito... E, ah, meu pai está bem vivo até hoje! 
 
Compulsões mais comuns 
 
Embora o conteúdo de nossos medos e pensamentos varie de uma pessoa 
para outra, sendo quase tão diferentes quanto são os indivíduos, alguns tipos 
de pensamento são bastante comuns no conjunto de pensamentos obsessivos, 
como vimos no capítulo anterior. Em conseqüência disso, os rituais, 
compulsões e manias quase sempre vão se enquadrar nos mesmos tipos, 
sendo o elemento comportamental de sua contraparte mental (os 
pensamentos). Assim, há rituais e compulsões de limpeza ou desinfecção, de 
checagem ou verificação, de contagem, de organização ou simetria, de 
colecionamento, de repetição e de atos mentais. Vamos falar um pouco de 
cada um deles: 
 
Compulsão ou mania de limpeza e lavagem: lavar as mãos em excesso, a 
ponto de irritar e ferir a pele, tomar banhos intermináveis, executados com 
uma seqüência própria e predeterminada, usar em excesso produtos de 
limpeza como álcool, água sanitária, detergente etc. 
 
Os rituais de limpeza estão relacionados às obsessões de mesma natureza 
(embora haja raros casos de compulsões puras, sem relatos de pensamentos 
repetitivos). Muitas vezes a pessoa 
 
41 
até evita tocar objetos significativos, pois ao tocá-los eles estarão 
automaticamente contaminados. Se tentar lavar o objeto, ainda ficará em 
dúvida: ele foi limpo ou contaminou também o pano e o detergente usados? E 
assim sucessivamente, até não restar nada que possa ser considerado ”puro”. 
Uma pessoa que faz rituais de limpeza pode, com facilidade, perder o dia 
inteiro em uma busca frenética de assepsia. Quando os rituais são executados 
na hora do banho, que pode durar horas, todo o processo de limpar-se precisa 
seguir regras rígidas, contadas por freqüência, por tempo ou outros marcos de 
referência. Por exemplo, lavar o cabelo com determinado xampu, que deve ser 
deixado na cabeça por meia hora, e depois fazer uma segunda lavagem, já 
com outro frasco de xampu, pois o primeiro foi contaminado pelo manuseio. 
Todas as partes do corpo devem ser limpas dessa maneira rígida e, caso a 
pessoa tenha alguma dúvida sobre se deixou de executar um passo — o que é 
quase certo, dadas a tendência a duvidar e a complexidade do ritual de 
limpeza —, pode ter de começar tudo de novo, desperdiçando enorme tempo e 
dinheiro e prejudicando a saúde, já que são comuns os problemas de pele 
causados por exposição demasiada à água e a produtos de limpeza. 
 
Compulsão ou mania de ordenação e simetria: rituais desgastantes são os 
que envolvem ordenação e organização. A pessoa que sofre com isso se obriga 
a guardar ou arrumar determinados objetos sempre da mesma forma, na 
mesma posição e, com freqüência, mantendo alguma proporção ou simetria 
em relação a outros objetos. Ser organizado e sistemático é uma característica 
útil, só devemos desconfiar de que se trata de uma ritualização se a pessoa 
consumir muito tempo e experimentar grande sofrimento se não puder fazê-lo 
(ou duvidar de tê-lo feito ”perfeitamente”). Para uma pessoa com tendência a 
desenvolver comportamentos de ritualização e ordenação, a prática do Feng 
Shui pode se tornar um problema. Não pelo Feng Shui em si, que é bastante 
interessante, mas porque ela certamente ficará em dúvida sobre a perfeição da 
posição de móveis e objetos e sentirá intensa ansiedade por medo de atrair 
maus fluidos. 
 
42 
Pode haver também a simetria do toque: a pessoa esbarra com o braço direito, 
ainda que por acaso, em um local e se vê obrigada a fazer o mesmo com o 
braço esquerdo. 
 
Compulsão ou mania de verificação ou checagem: conferir inúmeras 
vezes janelas, portas, botões de fogão, torneiras, bicos de gás, se o filho já 
chegou da escola, se o ferro está desligado, se o despertador está programado 
para tocar na hora certa etc. 
 
Nos rituais de checagem é que verificamos as proporções dramáticas que o 
componente de dúvida pode assumir. Como exemplo, imagine uma pessoa 
que, à hora de se deitar, começa a ser assaltada pelo pensamento de que o 
gás de cozinha pode estar escapando porque ela esqueceu um dos botões do 
fogão aberto.Logo pensa que alguma faísca improvável causará uma explosão 
ou que ela e outras pessoas da casa podem morrer pela inalação do gás. Esse 
pensamento é assustador, e a pessoa não consegue deixar de pensar nisso 
repetidas vezes. E, quanto mais pensa, mais ansiosa fica. E, quanto mais 
ansiosa se sente, maior é a urgência de fazer alguma coisa que impeça a 
tragédia. E, muito embora saiba que na verdade os botões do fogão estão 
fechados, porque ela mesma já tinha se certificado disso antes de se deitar, 
não é suficiente. Ela se levanta e verifica cuidadosamente os botões. Não uma 
vez, mas nove vezes, pois o número 3 é muito importante para ela, e ela se 
sente mais segura se checar os botões em três grupos de três. Agora menos 
ansiosa, porque tem certeza de que tudo está bem vedado, volta para a cama. 
 
Em pouco tempo, porém, os mesmos pensamentos tornam a incomodá-la e a 
ansiedade aumenta outra vez. Sua certeza de tudo estar fechado se esfarela 
por completo. Ela precisa ir à cozinha de novo, embora saiba que isso é 
completamente irracional, e verificar tudo mais uma vez, daquele mesmo jeito. 
E essa cena pode se repetir um sem-número de vezes durante a noite, 
deixando-a exausta e prejudicando seu desempenho profissional no dia 
seguinte. 
 
Esse é um caso típico de rituais de checagem, incluindo até mesmo alguns 
componentes de contagem. Para tal pessoa, desde criança o número 3 tem um 
significado especial, embora não consiga 
 
43 
 recordar por quê. Ela imagina que seja por causa do costume antigo de isolar 
na madeira três vezes. Mas, para efeito de compulsão, poderia ser outro, como 
um número de sorte abstrato, a data de nascimento, o número de letras do 
próprio nome ou qualquer outra coisa que tenha um significado e à qual a 
pessoa atribua propriedades quase mágicas. Existem casos em que a pessoa 
só pega o terceiro ônibus que passar, só aceita dar determinado número de 
passos na calçada etc. 
 
Compulsão ou mania de contagem: contar até dez em ordem crescente e 
decrescente, até cem a cada pensamento intruso e de conteúdo ruim que 
venha à mente etc. Pode ocorrer também a obrigatoriedade de uma ação 
(lavar as mãos, por exemplo) ter de ser repetida cinco, dez, dezoito, vinte 
vezes, ou qualquer outra quantidade, dependendo do pensamento mágico do 
paciente em relação a determinado número. 
 
Compulsão ou mania de colecionamento: entulhamento da casa com 
caixas, jornais, vidros, contas pagas, manuais, agendas antigas, livros, laços 
de presente, restos de lápis, borrachas etc. Muitas vezes o espaço livre ou de 
circulação da casa fica extremamente restrito, para desespero dos familiares. 
 
Esse é um dos rituais que temos visto surgir com mais freqüência em nossa 
prática clínica. Podemos dizer que são aquelas pessoas ”lixeiras”, ”entulhonas”, 
que não conseguem se desfazer de nenhum objeto, mesmo de jornais velhos 
ou latas já abertas e enferrujadas, pois acreditam que podem precisar delas. 
Em verdade, o componente maior envolvido seria o medo de vir a precisar de 
alguma coisa e não tê-la por perto. Muitas dessas pessoas ocupam todo o 
espaço disponível de sua casa com objetos velhos e usados os mais variados, a 
ponto de terem dificuldade de se locomover. E não podemos deixar de pensar 
que, caso algum dia elas realmente venham a precisar de algo que está no 
meio da mixórdia, é bem provável que não o encontrem. 
 
Os riscos de manter compulsões como essa são enormes, abarcando desde a 
proliferação de ratos e insetos até o perigo de incêndios. Na pessoa com traços 
obsessivos apenas, isso pode ser vislumbrado no hábito de ter pena de usar ou 
gastar algum objeto 
 
44 
novo. Se é que a pessoa irá algum dia usá-lo, provavelmente já estará 
devorado pelas traças. 
 
Compulsão ou mania de repetição: trata-se de repetições de ações menos 
específicas, como ligar e desligar o interruptor de luz, entrar e sair pela mesma 
porta, escrever a mesma frase várias vezes, apagar e reescrever, sair do 
quarto, ir até a cozinha e voltar diversas vezes. Quase sempre ocorrem em 
conjunto com outras, como ter de repetir a checagem certo número de vezes, 
a lavagem certo número de vezes, e assim por diante. 
 
Compulsão ou mania mental: por serem encobertos, esses rituais são 
praticamente impossíveis de detectar, a menos que a pessoa que os tenha 
concorde em falar sobre eles. São atos mentais voluntários realizados para 
tentar neutralizar os pensamentos que geram intensa ansiedade, como rezar 
por horas a fio para evitar que algo ruim ocorra a alguém querido, pensar em 
coisas boas previamente determinadas para afastar as idéias desconfortáveis 
ou pensar em frases, palavras, números ou símbolos aos quais a pessoa 
atribuiu arbitrariamente significados de proteção e neutralização. Podem se 
apresentar ainda na forma de ruminações existenciais sem nenhum objetivo 
real de resposta (Como será Deus?, Qual o som do universo?, Como e em que 
exato momento a vida se extingue?). 
 
Compulsões ou manias diversas: atos supersticiosos como só vestir roupas 
de determinada cor, só usar branco em dias santos, não usar roxo, marrom ou 
preto; cuspir ao passar por esquinas com velas; usar a mesma roupa em 
véspera de provas ou concursos; comprar carros da mesma cor etc. 
 
Assim, podemos ver que as pessoas com TOC sofrem duplamente: não só 
consideram inaceitáveis determinados pensamentos como se obrigam a 
executar ”neutralizações” que lhes tomam tempo, paciência e saúde, sob pena 
de, segundo sua ótica ansiosa, serem responsabilizadas por algum 
acontecimento terrível. Mal comparando, é como estar preso em um trem-
fantasma de pensamentos ininterruptos, levando sustos a cada um deles e 
tendo de fazer o máximo possível para proteger a si mesmo e aos outros. 
 
45 
 
CAPÍTULO 4 
 
Pavão misterioso, pássaro formoso 
 
Tudo é mistério nesse teu voar 
 
Ah, se eu corresse assim, 
 
Muita história eu tinha para contar. 
 
"Pavão misterioso" Ednardo 
 
 
AS FACES OCULTAS DO PENSAR E AGIR: CARACTERÍSTICAS DO TOC 
 
Até recentemente o transtorno obsessivo-compulsivo só era reconhecido em 
sua forma clássica, que, em outras palavras, corresponde às pessoas com um 
quadro de TOC grave. Como vimos, todas as alterações de comportamento que 
trazem limitações sociais, pessoais ou profissionais para as pessoas devem ser 
tratadas, independentemente da extensão e da intensidade dessas limitações. 
No caso do TOC, iremos encontrar sintomas desconfortáveis desde sua forma 
mais leve, passando pela moderada, até a mais grave. Esse espectro de 
intensidade de apresentação do TOC pode ser comparado a uma iluminação 
feita pelo sistema dimer, no qual a intensidade da luminosidade das lâmpadas 
é graduada por um pequeno botão giratório que confere ao ambiente desde 
um tom ”à meia-luz” até o brilho do ”sol do meio-dia”. Entretanto, apenas os 
TOC do ”sol do meio-dia” costumavam ser diagnosticados e tratados. Por isso 
as estatísticas sobre o TOC eram bastante distorcidas até bem pouco tempo 
atrás. Para ter uma idéia, no final da década de 1980 estimava-se que apenas 
0,2% da população americana sofria com pensamentos impostos e repetitivos 
e ações ritualizadas realizadas de forma incontrolável. Segundo o psiquiatra 
norte-americano John Ratey, professor da Harvard Medicai School, quase 4% 
da população em geral sofre de TOC e ele atinge igualmente homens e 
mulheres de diferentes países, culturas e níveis socioeconômicos. Os homens 
parecem levar uma pequena desvantagem quanto ao início dos sintomas e 
costumam apresentá-los mais precocemente, na infância. Assim, na faixa 
etária entre 4 e 10 anos, é mais freqüente ver meninos com sinais do 
transtorno do que meninas. 
 
com essas estatísticas mais fidedignas, podemos dizer que o TOC não é um 
transtorno raro, pois, se recorrermos a um dado comparativo, veremos que de 
2% a 3% da população mundial sofre de asma e diabetes. Isso significa que o 
TOC, anteriormente tido 
 
48 
como um quadro raro, é na realidade mais comum que doenças clínicas de 
maiorvisibilidade e reconhecimento popular. 
 
Para ilustrar a importância da divulgação desse transtorno, transcrevemos o 
depoimento do médico dermatologista Marcondes, de 52 anos, que passou a se 
informar sobre o TOC depois de tentar insistentemente curar um paciente que 
não respondia a um tratamento para múltiplas lesões na pele: 
 
Quando comecei a tratar esse paciente, em um hospital público, julgava ser 
um problema simples. Sem entrar em minúcias técnicas, estabeleci um 
tratamento medicamentoso tópico que resolveria o problema em relativo pouco 
tempo, se ele seguisse as recomendações. Mas ele voltava todo mês, trazido 
pela mãe, apesar de já ter seus 22 anos, e não havia melhora. Sempre fui um 
dermatologista orgulhoso de meus conhecimentos. Fiquei surpreso, mas mudei 
o programa de tratamento. 
 
No quinto retorno desse paciente, sempre arrastado pela mãe, eu já estava 
abalado em minha autoconfiança, duvidando de minha competência e nutrindo 
uma abafada hostilidade em relação a ele, pois comecei a desconfiar que ele 
não seguia o tratamento. Nessa quinta consulta, pedi para conversar a sós 
com a mãe dele. Nunca tinha feito isso, porque no serviço público as filas são 
imensas e não podemos nos dar ao luxo de ficar mais de 15 minutos com um 
paciente. Mas precisava saber mais, mesmo que depois os outros pacientes na 
fila me olhassem atravessado. 
 
Fiquei sabendo que o rapaz não trabalhava e evitava sair de casa. A mãe não 
sabia o que ele fazia durante o dia, pois ela trabalhava fora. Mas assegurava 
que ele usava os medicamentos, pois via as embalagens abertas e usadas. 
Aquela mãe não desconfiava de nada, mas eu pressentia que havia algo mais 
ali e encaminhei-o para o setor de psiquiatria. 
 
Ele nunca mais voltou para a consulta comigo, mas uma colega psiquiatra me 
contou que ele mesmo se escoriava, coçando e apertando as feridas, retirando 
o que ele chamava de ”casquinhas”, que e/e costumava guardar. Diagnóstico: 
TOC. Passei a me informar mais 
 
49 
sobre esse transtorno e agora estou bem atento a sinais que sugiram que a 
pessoa toma banhos prolongados ou tem outros comportamentos típicos do 
TOC. 
 
Vergonha dos rituais 
 
Vários fatores têm contribuído para a identificação de novos casos de TOC, 
como os avanços no conhecimento da bioquímica cerebral, a popularização do 
conhecimento científico na forma de literatura médica com linguagem 
acessível, o advento de exames sofisticados que possibilitam a observação do 
cérebro em funcionamento — a tomografia por emissão de fóton único (SPECT) 
e a tomografia por emissão de pósitron (PET SCAN) — e até a paixão de 
Hollywood pelos transtornos do comportamento (no caso do TOC, um bom 
exemplo é o filme Melhor impossível, ganhador do Oscar de 1998, em que o 
personagem de Jack Nicholson tinha manias de limpeza e medo de 
contaminação) e sua conseqüente divulgação para o grande público. 
 
Recentemente, a atriz Luciana Vendramini relatou, em entrevistas, o drama 
pessoal de conviver seis anos com o TOC e o tratamento bem-sucedido que a 
livrou dos sintomas da doença. Com essa atitude ela incentiva aquelas pessoas 
que sofrem em silêncio, sem ao menos saber que existe tratamento, a buscar 
ajuda. Nos piores momentos de seu transtorno, Luciana chegou a tomar 
banhos de dez horas de duração e costumava ficar muitas horas calçada e 
imóvel na mesma posição para evitar nova contaminação. Luciana passou um 
ano sem sair de casa, três sem namorar e outros tantos sem trabalhar. Em 
uma declaração ao jornal O Globo de 7 de dezembro de 2003, ela relata um 
momento dramático e de grande sofrimento: ”Cheguei a ficar 26 horas em pé, 
parada na frente de meu prédio, sem conseguir entrar porque, quando eu 
passava embaixo de um fio, fazia barulho. E aquilo era um sinal de ameaça: se 
eu desobedecesse ao aviso, algo de muito ruim iria acontecer. Era uma não-
lógica que eu criei”. Luciana buscou tratamento e hoje está recuperada, de 
volta à vida. 
 
50 
Apesar dessa maior divulgação, não é fácil, para quem tem TOC, contar que 
possui idéias e ações repetitivas e desagradáveis. Essas pessoas em geral têm 
consciência de que suas obsessões e compulsões são esquisitas e desprovidas 
de racionalidade ou lógica, e isso faz com que se sintam ridículas. Do ridículo à 
vergonha é um pulo, e essa vergonha de pensar e fazer coisas ”estranhas” traz 
o medo do que ”os outros possam pensar” e, em conseqüência, a ocultação 
dos sintomas. Em um grande número de casos de TOC, pessoas muito 
próximas do paciente (cônjuge, amigos, pais, irmãos etc.) não têm 
conhecimento de seus sintomas e do sofrimento produzido por eles. 
 
Um exemplo da dificuldade de buscar ajuda por causa da vergonha é o 
depoimento de Lívia, de 40 anos, professora e escritora, que descreve como 
começaram seus sintomas, relatando-os na forma de um conto: 
 
Era um lindo dia de sol. Estava um pouco cansada, mas era um cansaço 
gostoso, Passara a manhã no clube nadando e tomando sol com minha prima e 
mais duas amigas. Deitada na cama depois do banho, ainda enrolada na 
toalha, sentia as minhas pálpebras pesarem, enquanto olhava um raio de sol 
que escapava por uma fresta da cortina. Saindo daquele torpor agradável, fui 
invadida por um medo estranho ao observar pequenas partículas suspensas no 
ar, tornadas visíveis pela luz do sol. Comecei a pensar na quantidade de 
micróbios e bactérias que eu poderia estar respirando sem saber. Pensei na 
piscina onde nadara pela manhã, temendo estar sem cloro suficiente. Entrei de 
novo debaixo do chuveiro e fiquei lá pelo menos umas duas horas. A partir daí, 
mesmo consciente de meus exageros, não consigo controlar meus 
pensamentos e acabo limpando e desinfetando tudo o que vejo pela frente. 
 
Meu senso de ridículo é hipertrofiado, pois os sintomas começaram há dois 
anos e consegui escondê-los da família e dos amigos. E, mesmo sabendo que 
precisava de ajuda, só procurei tratamento quatro meses atrás, pois até do 
médico eu temia o julgamento... Não atinava que o problema era tão comum 
que não suscitaria nenhuma reação negativa ou galhofeira por parte de 
psiquiatras e psicólogos, 
 
51 
Familiarizados com o que descobri ser o problema: TOC. Ainda pretendo 
escrever sobre isso, de como é estar presa em uma cela que nós mesmos 
erguemos ao redor de nossa mente. 
 
Os portadores de TOC fazem de tudo para manter seus rituais e manias sob 
controle na frente de outras pessoas. Por isso é bastante comum que eles os 
limitem a ambientes onde tenham total privacidade, como seu quarto ou 
banheiro. No entanto, quando o quadro vai se agravando ou é agudizado por 
algum acontecimento gerador de ansiedade ou angústia (falecimento de um 
ente querido, término de relacionamento, perda de emprego etc.), os rituais 
saem totalmente do controle e as limitações trazidas pelo transtorno ficam 
evidentes, facilitando o diagnóstico e a busca de ajuda médica adequada. 
 
Isso aconteceu com Bernardo quando ele tinha 15 anos: 
 
Olha, eu fazia minhas maluquices na hora do banho. Fazia gestos de ”isola”, 
gestos que eu achava que protegeriam minha família de acontecimentos ruins, 
porque eu tinha uns pensamentos de que alguém podia ser atropelado, 
assaltado, baleado. Meus gestos ”mágicos” iam aumentando cada vez mais — 
pois os pensamentos ruins não cediam e eu tinha medo de que eles 
acontecessem mesmo —, a ponto de quase se tornarem uma ”dança”. 
 
Depois que minha irmã mais velha caiu da bicicleta quando passeava, aí piorou 
de vez. Minhas ”mágicas” ainda não estavam suficientemente fortes, eu 
pensava. Eram vários movimentos e por fim meus pais ou irmãs espancavam a 
porta do banheiro. A gente só tem um banheiro. Daí, mesmo sabendo que era 
um baita micão, eu tentava completar os gestos no quarto de meus pais, para 
protegê-los. Minha irmã mais nova uma vez ficou observando, escondida, 
fazendo força para não rir: eu girava, me ajoelhava, esticava os braços para 
cima, esquerda, direita, para baixo, encostava a testa no chão... Era tanta 
coisa que nem me lembrodireito. Eu sei que minha irmã saiu correndo, contou 
pra todo mundo. Minha mãe queria saber se eu estava usando drogas, se 
estava fazendo alguma simpatia. 
 
52 
Acho que eu nunca teria confessado se minha irmã não tivesse feito isso, e fico 
imaginando agora como a coisa poderia ter piorado. Resolvi contar tudo, 
porque não estava agüentando mais, e fui levado a um psicólogo. Eu me sentia 
o maior ”prego” do mundo, mas o psicólogo me contou que já tinha lidado com 
vários casos semelhantes. Fiquei ”bolado”: ou eu não era tão doente quanto 
pensava, ou tinha muito mais gente ”lesada” pelo mundo. 
 
Calcula-se que o paciente com TOC possa levar em média sete anos, a partir 
do início dos sintomas, para receber tratamento específico. Em alguns casos 
extremos esse tempo pode chegar a vinte, trinta anos, e não raro o tratamento 
pode jamais ocorrer. 
 
É o que nos conta Luísa, de 63 anos, sobre sua irmã mais velha, já falecida: 
 
Só depois que Amália morreu descobri o que acontecia com ela. Ela sempre foi 
meio sistemática, chata, não gostava que mexessem nas coisas, tínhamos de 
entrar descalços na casa dela. Parece que a coisa piorou muito depois que se 
aposentou. A partir daí, empregada nenhuma parava com ela por mais de seis 
meses. Todas, ela dizia, eram ”sujismundas” e relapsas. Viúva e sem filhos, ela 
morava sozinha. Então a gente não sabia muito o que acontecia por lá, mas 
desconfiava que o problema era com ela. 
 
Depois que Amália se foi, de um ataque cardíaco, uma das meninas que 
trabalhavam lá contou que ela tomava banhos de três, quatro horas... Queria 
que elas limpassem as coisas repetidamente, mas sem encostar a pele. Elas 
tinham de vestir luvas, máscara, roupão. E tinham de tomar banho com 
detergente quando chegavam, entre outras coisas absurdas. Eu me sinto mal 
por ter considerado por tanto tempo que minha irmã era uma pessoa enjoada 
e esnobe. Se eu soubesse antes que era uma doença, nós poderíamos ter 
tentado ajudá-la. Quem sabe até ela não teria tantos problemas cardíacos e 
estaria viva se não levasse uma vida tão miserável, perseguida pelo medo de 
doenças e sujeira? 
 
53 
Como podemos constatar, o psiquiatra ou psicólogo nunca deve esperar que o 
paciente com TOC revele de pronto seus pensamentos e suas ações mais 
ocultas. No entanto existem indícios indiretos que podem ser decisivos no 
diagnóstico do transtorno. Entre eles podemos citar: longa permanência em 
banhos, mãos avermelhadas e pele descamativa, cabelos sempre molhados, 
gasto exagerado de sabonetes, xampus, produtos de limpeza e papel higiênico, 
demora em se vestir, atrasos constantes, repetição de algumas perguntas 
aparentemente sem sentido, lentidão na execução de tarefas cotidianas, 
alteração no rendimento escolar, profissional, social e afetivo, conferência 
constante de gás, portas, janelas, luzes, bicos do fogão, interesse exagerado 
por determinadas doenças. 
 
É importante enfatizar que na maioria absoluta dos casos de TOC o indivíduo 
mantém sua capacidade de insight preservada, ou seja, ele tem noção da total 
falta de sentido de suas idéias e ações. Muitas vezes essa consciência leva a 
pessoa a uma enorme sensação de isolamento, chegando mesmo, como 
muitos pacientes relatam, a se sentir ”a única criatura na face da Terra” a 
pensar e agir desse modo. 
 
Solidão do pensar e agir 
 
Ficar sozinho muitas vezes se torna o destino certo dos pacientes com TOC 
grave, uma vez que eles passam a evitar ou mesmo eliminar de sua vida 
situações ou locais que tenham o poder de despertar pensamentos ruins que 
geram intensa ansiedade e, dessa forma, acionam as tão desconfortáveis 
manias. Esse comportamento pode ocasionar incapacidade para executar até 
mesmo as tarefas mais corriqueiras do dia-a-dia, como cuidar dos filhos, 
cozinhar, ligar a TV, pegar em talheres, assistir a um programa sobre saúde, 
lavar roupa etc. Isso tende a provocar uma enorme dependência de outras 
pessoas, o que resulta em sérios desgastes nas relações cotidianas e em uma 
auto-estima muito negativa. 
 
54 
Elisa, de 33 anos, fonoaudióloga, relata como foi se isolando devido a seus 
medos e à vergonha de ser vista por alguém ao praticar os rituais: 
 
Quando pequena costumava ficar atenta às conversas dos adultos. Ia para a 
sala quando minha mãe recebia visitas, prestava atenção quando minha avó 
falava ao telefone ou quando a empregada fazia comentários com todos da 
casa a respeito dos últimos crimes e tragédias acontecidos. Lembro que, 
apesar de fontes e temas variados, o que mais me impressionava de tudo o 
que ouvia era que as pessoas podiam sentir e fazer coisas que me pareciam 
estranhas. Quando, por exemplo, uma amiga de minha mãe dizia ”Eu odeio o 
meu marido, seria capaz de matá-lo se ele aparecesse agora na minha frente”, 
eu pensava: ”Nossa! Logo ela que parecia tão legal”. Várias vezes na hora do 
jantar eu comentava algum assunto que me surpreendia e era repreendida por 
estar me metendo em conversa de adultos. 
 
Não lembro exatamente quando, já moça, comecei a temer que algum ato 
meu pudesse prejudicar alguém, mas sei que aos poucos meus pensamentos 
passaram a ficar rodopiando em minha cabeça fixados na mesma idéia. Nessa 
época eu lembrava das conversas que ouvia na infância e temia que, mesmo 
não querendo, pudesse ferir alguém. A primeira vez que me aborreci com um 
namorado tive medo que ele ficasse perto de mim e acabei dizendo: Ӄ melhor 
terminarmos tudo, pois não sei o que sou capaz de fazer com você”. Ele, claro, 
nunca mais apareceu. Afinal, a briga tinha sido por um motivo muito tolo. 
Minha vida social foi ficando bastante prejudicada e meus medos aumentavam 
cada vez mais. Comecei então a cercar minha vida de cuidados, temendo que 
algum descuido fosse fatal. Acabei indo morar sozinha, não queria que 
ninguém me visse conferindo os botões do fogão, se a porta estava trancada, 
se os legumes estavam limpos de agrotóxicos e mais uma infinidade de 
etcetera! 
 
Ampliação dos estímulos 
 
Na maioria dos casos de TOC constatamos obsessões associadas a 
compulsões. No entanto podemos encontrar ainda apenas 
 
55 
 idéias, imagens e impulsos obsessivos sem nenhuma associação com 
compulsões. O mais raro de ocorrer é a pessoa com TOC apresentar só 
compulsões, sem nenhum tipo de pensamento obsessivo elaborado. Nesses 
casos, as manias são desencadeadas por intensa e incontrolável sensação de 
imperfeição, desconforto e falta de completude. Por esses motivos, as ações 
são repetidas até que a pessoa experimente a sensação de que aquilo que ela 
está fazendo está ”correto”, ”perfeito” e ”completo”. 
 
É importante destacar que, na evolução do TOC, habitualmente ocorrem 
mudanças dos tipos de sintoma, ou seja, um indivíduo pode apresentar idéias 
fixas de contaminação (Aids, por exemplo), com manias de assepsia e 
desinfecção, e vir a apresentar manias de colecionamento (embalagens, bulas 
etc.) ou de verificação (portas, janelas, bicos de gás). Nesses casos, os 
primeiros rituais podem desaparecer em definitivo ou apenas 
temporariamente. 
 
Como já dissemos, a gravidade dos casos de TOC é bastante variável. Em 
nossa prática clínica deparamos com casos desde bem leves até muito graves 
e limitantes. Nos leves, a pessoa consegue trabalhar, embora sofra 
desconfortos devido a algumas limitações cotidianas, como não conseguir 
freqüentar restaurantes, não receber visitas em casa, não ir a banheiros 
públicos. Os casos graves ocasionalmente apresentam aspecto incapacitante, 
uma vez que os sintomas podem interferir de forma maciça na capacidade 
produtiva do indivíduo, bem como na qualidade da vida pessoal, por consumir 
uma quantidade de tempo espantosa na realização de determinados rituais. 
 
Um aspecto também muito interessante que na maioria das vezes acaba 
ocorrendo na evolução do quadro de pessoas com TOC é a ampliação ou 
generalização dos estímulos que desencadeiam as idéias indesejadas com as 
compulsões. Assim, uma pessoa com TOC que tenha idéias obsessivas de ser 
contaminada

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