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14. A orientação e suas alterações Este capítulo e o próximo (“As vivências do tempo e do espaço e suas alterações”) tratam de temas que se sobrepõem: a orientação temporoespacial e as vivências de tempo e espaço. Esses capítulos poderiam ter sido agrupados em um só; entretanto, como o capítulo presente é de maior relevância prática para o estudante, e o seguinte, sobre “vivências do tempo e espaço”, tem um conteúdo e desdobramentos um tanto mais complexos, optou-se por mantê-los separados, sobretudo por questões didáticas. DEFINIÇÕES BÁSICAS A capacidade de situar-se quanto a si mesmo e quanto ao ambiente é elemento básico da atividade mental e fundamental para a sobrevivência do indivíduo. A avaliação da orientação é um instrumento valioso para a verificação das perturbações do nível de consciência, da percepção, da atenção, da memória e de toda a cognição. As alterações da orientação também podem ser decorrentes de déficits cognitivos graves (como nas demências) e de qualquer transtorno mental grave que desorganize de modo marcante o funcionamento mental global (Quadro 14.1). Quadro 14.1 | Os distúrbios da orientação na psicopatologia de Carl Wernicke (1848-1905) Foi o grande neuropsiquiatra alemão Carl Wernicke que propôs que, na base de todas as psicoses, sobretudo as agudas, haveria algum grau, mesmo que sutil, de perturbação da orientação. Wernicke postulou que, para cada dimensão da vida consciente, a saber, a corporal ou somatopsíquica, a ambiental ou alopsíquica e a referente ao próprio psiquismo e personalidade, a autopsíquica, haveria também um tipo específico de desorientação. Assim, uma pessoa pode estar desorientada quanto a si mesma (desorientação autopsíquica), quanto ao seu próprio corpo (desorientação somatopsíquica) e quanto ao tempo e espaço (desorientação alopsíquica). Quando o paciente está desorientado em uma ou em todas essas dimensões da orientação, é frequente surgir concomitantemente um afeto marcante. Tal afeto, para Wernicke, é captado pela noção de perplexidade. Assim, desorientação e perplexidade seriam dois fenômenos mentais que caminhariam juntos. Fonte: Wernicke, 1996 (edição original em alemão: Grundriss der Psychiatrie in klinischen Vorlesungen, 1900). Muitas vezes, verifica-se que um paciente com nível de consciência aparentemente normal está, de fato, desorientado. Assim, ao examiná-lo melhor, verifica-se que, na realidade, ele está com a consciência ligeiramente turva e rebaixada, o que se revela pela sua desorientação. Desse modo, investigar a orientação é também um recurso útil para aferir o nível de consciência dos pacientes. A capacidade de orientar-se requer, de forma consistente, a integração das capacidades de nível de consciência preservado, atenção, percepção e memória. Alterações de atenção e retenção (memória imediata e recente), moderadas ou graves, costumam resultar em alterações globais da orientação. Além disso, a orientação é excepcionalmente vulnerável aos efeitos da disfunção ou do dano cerebral. A desorientação é um dos sintomas mentais mais frequentes e sensíveis das doenças cerebrais. Apesar disso, cabe lembrar que a orientação preservada não significa necessariamente que o sujeito não apresente qualquer alteração cognitiva ou atencional (Lezak; Howieson; Bigler, 2012). A capacidade de orientar-se é classificada em autopsíquica e alopsíquica. A orientação autopsíquica é aquela do indivíduo em relação a si mesmo. Revela se o sujeito sabe quem é: seu nome, idade, profissão, estado civil, com quem mora, etc. Já a orientação alopsíquica diz respeito à capacidade de orientar-se em relação ao mundo, isto é, quanto ao espaço (orientação espacial ou topográfica) e quanto ao tempo (orientação temporal). Orientação espacial Por orientação espacial entende-se vários subtipos de orientação: quanto ao local onde o sujeito está no momento (o local específico, o tipo de edifício, distância entre onde está e sua casa, etc.), orientação topográfica (ter a noção do arranjo e da organização de seu quarto, de sua casa, saber se localizar em seu bairro, sua cidade), orientação geográfica (saber onde fica sua cidade, seu país, saber localizar-se em relação a mapas), julgamento de distância (quão longe é o hospital de sua casa, sua cidade de outras cidades conhecidas, etc.) e capacidades de navegação (conseguir seguir caminhos e rotas previamente conhecidos ou com pistas suficientes) (Lezak; Howieson; Bigler, 2012). Assim, a orientação espacial é uma capacidade complexa, constituída por vários componentes: reconhecer locais, edifícios e casas, com suas partes (cozinha, quartos, sala, etc.), reconhecer cenas, perceber de forma acurada relações espaciais entre diferentes locais e ter habilidade de navegação (locomover-se em distintos caminhos, utilizando distintas pistas). A orientação espacial é investigada perguntando-se ao paciente o lugar exato onde ele se encontra, a instituição em que está, o andar do prédio, o bairro, a cidade, o estado e o país. Também é investigada a capacidade do indivíduo de identificar a distância entre o local da entrevista e sua residência (em quilômetros ou horas de viagem). É importante verificar detidamente se o paciente sabe o tipo de lugar em que está (p. ex., se está em um hospital, uma unidade básica de saúde, um consultório médico ou psicológico, Centro de Atenção Psicossocial [CAPS], etc.), se pode dizer o nome do recinto (Hospital das Clínicas da Unicamp, Consultório da Dra. Raquel, Unidade Básica de Saúde da Vila Carrão, etc.) e onde se situa esse estabelecimento (no Distrito de Barão Geraldo, em Campinas, no bairro do Cambuci, em São Paulo, etc.). Orientação temporal A orientação temporal necessita de uma adequada percepção do tempo e da sequência de intervalos temporais, de sua correspondente representação mental e do processamento mental da temporalidade. Essa orientação é, de modo geral, mais sofisticada que a espacial e a autopsíquica. A orientação temporal indica se o paciente sabe em que momento cronológico está vivendo, a hora do dia, se é de manhã, de tarde ou de noite, o dia da semana, o dia do mês, o mês do ano, a época do ano, bem como o ano corrente. Também é possível avaliar a noção que o paciente tem da duração dos eventos e da continuidade temporal. O examinador pode perguntar: há quanto tempo o senhor está neste local? Há quanto tempo trabalhou (ou se alimentou) pela última vez? Faz quanto tempo que o senhor não me vê? A orientação temporal é adquirida mais tardiamente que a autopsíquica e a espacial na evolução neuropsicológica da criança. Jean Piaget notou que crianças de 4 a 7 anos, no nível pré-operatório, têm ainda algumas dificuldades com a noção de tempo. Elas acreditam que pessoas mais altas são sempre mais velhas, que árvores altas, mais largas e com mais frutos são sempre “mais velhas” e que a duração de uma viagem é dada pelos pontos de chegada, sem consideração da velocidade de locomoção (Beard, 1978). Assim, a temporalidade (timing), em relação à espacialidade, é uma função que exige maior desenvolvimento cognitivo do indivíduo, além da integração de estímulos ambientais de forma mais elaborada. Por isso, em relação à orientação espacial, a orientação temporal é mais fácil e rapidamente prejudicada pelos transtornos mentais e distúrbios neuropsicológicos e neurológicos, particularmente pelos que afetam a consciência; do mesmo modo, costuma ser o último aspecto da orientação a se recuperar. 1. 2. 3. NEUROPSICOLOGIA DA ORIENTAÇÃO A desorientação temporoespacial ocorre, de modo geral, em quadros psico- orgânicos, quando três áreas encefálicas são comprometidas: nas lesões corticais difusas e amplas ou emlesões bilaterais, como na doença de Alzheimer; nas lesões mesotemporais do sistema límbico, como na síndrome de Korsakoff; em patologias que afetam o tronco cerebral e o sistema reticular ativador ascendente (comprometendo o nível de consciência), como no delirium e nas demais síndromes decorrentes de alteração do nível de consciência (Lezak; Howieson; Bigler, 2012). Neuropsicologia da orientação espacial ou topográfica Vários componentes cerebrais da orientação espacial têm sido estudados pelos neuropsicólogos e neurocientistas (Benton; Tranel, 1993). O déficit de orientação espacial ou topográfica parece, de modo geral, depender de lesões ou disfunções bilaterais ou unilaterais à direita nas áreas posteriores do córtex cerebral, ou seja, as regiões retrorolândicas do cérebro (implicando os lobos parietais, occipitais e partes do temporal). De modo geral, a capacidade de avaliar corretamente direção e distância, tanto para estímulos visuais como táteis, relaciona-se mais com as estruturas corticais do hemisfério direito do que do esquerdo, sendo, entretanto, as lesões bilaterais as que mais produzem os sintomas. O Quadro 14.2 apresenta de forma resumida alterações da orientação espacial e as respectivas áreas cerebrais lesadas ou disfuncionais (Kim et al., 2015). Quadro 14.2 | Alterações da orientação espacial e respectivas áreas cerebrais disfuncionais ÁREA CEREBRAL ENVOLVIDA DISFUNÇÃO NA ORIENTAÇÃO ESPACIAL Córtex parietal posterior Déficit em representar a localização de objetos em relação a si próprio (ao próprio corpo) Córtex occipitotemporal e/ou córtex para- hipocampal Dificuldades em navegação por déficit no reconhecimento de localidades previamente familiares, conhecidas Córtex retrosplenial (córtex imediatamente atrás do splenium do corpo caloso) Embora podendo reconhecer localidades familiares, o paciente é incapaz de codificar e aproveitar informações visuoespaciais de tais localidades Estruturas mediais do lobo temporal Desorientação espacial devido a incapacidade de representar localidades do ambiente e caminhos aprendidos recentemente Além disso, tem sido identificado, em estudos com pacientes que tiveram lesões cerebrais e naqueles com doenças neurodegenerativas, que as seguintes estruturas estão também relacionadas à desorientação espacial: regiões do lobo temporal medial, principalmente hipocampo, córtex para-hipocampal e amígdala, assim como regiões cerebrais posteriores, como o giro fusiforme, o giro lingual, a região posterior do giro do cíngulo, o córtex parietal posterior, o giro occipital inferior e o cerebelo (Tae-Sung et al., 2010). A síntese visual, ou seja, a capacidade de integrar diferentes estímulos visuais para a orientação espacial, pode ser afetada por lesões no córtex occipital associativo, produzindo quadros de simultanagnosia (déficit em captar os elementos mais importantes a partir de estímulos visuoespaciais complexos, embora o indivíduo consiga identificar corretamente cada detalhe). A localização adequada de pontos no espaço depende, por sua vez, da integridade do córtex parietoccipital. Um aspecto neuropsicológico interessante é a associação frequente entre desorientação espacial e a prosopagnosia (incapacidade de reconhecer faces conhecidas); cerca de 30% das pessoas com prosopagnosia adquirida (geralmente após acidente vascular) têm também importante desorientação topográfica (Corrow et al., 2016). A principal explicação para tal associação é que as duas alterações são provocadas por lesão ou disfunção em áreas cerebrais posteriores próximas (irrigadas pela artéria cerebral posterior). A prosopagnosia ocorre frequentemente como consequência de lesões na área fusiforme (estrategicamente importante para o reconhecimento de faces), sendo que a área fusiforme é muito próxima da área espacial do córtex para-hipocampal, importante para a orientação espacial, pois é ativada quando vemos e reconhecemos cenas visuais (Corrow et al., 2016). Neuropsicologia da orientação temporal A orientação temporal depende de uma adequada percepção da passagem do tempo, do registro e da discriminação dos intervalos temporais, assim como da capacidade de apreender o tempo passado e antever o tempo futuro (Damasceno, 1996). A orientação temporal, a representação e o processamento mental do tempo (timing) foram amplamente revistos por Sundeep Teki (2016). Nessa área 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. • complexa de estudo, foram constatados alguns dados relevantes, como: a língua nativa das pessoas demarca como elas pensam sobre o tempo (p. ex., falantes de inglês e de mandarim pensam sobre o tempo de formas claramente distintas, e alguns grupos aborígenes australianos usam os pontos cardinais para a percepção temporal); as informações espaciais afetam a temporalidade e a percepção do tempo (mas não o contrário); a orientação temporal depende de eventos sensoriais; diferentes áreas cerebrais codificam e processam o tempo no nível abaixo de um segundo ou acima de um segundo; crianças recém-nascidas já têm percepção de batidas rítmicas; a dopamina nos circuitos dopaminérgicos modula componentes atencionais de intervalos de tempo; a temporalidade motora está alterada em crianças com transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) com impulsividade; áreas corticais relacionadas à emoção influem claramente no processamento do tempo; experiências corporais (embodiment) são importantes na modulação emocional de percepção do tempo. A temporalidade (timing) não é processada em uma área específica do cérebro, sendo sua neuropsicologia extremamente complexa e heterogênea. Ao que parece, diferentes escalas de tempo (p. ex., abaixo de um segundo e acima de um segundo) são processadas por diferentes estruturas cerebrais. A percepção e o processamento do tempo implicam amplas redes neurais situadas em áreas corticais e subcorticais nos córtices frontal, parietal e temporal (implicando córtices sensoriais e pré-motores), na ínsula, nos núcleos da base, no cerebelo e no núcleo olivar inferior. Assim, foram propostos por toda uma linha de pesquisa nas últimas décadas alguns centros organizadores da temporalidade (core timer), apresentados no Quadro 14.3 (revisão em Teki, 2016). Quadro 14.3 | Áreas cerebrais e diferentes aspectos da orientação temporal, da percepção do tempo e da temporalidade ÁREA CEREBRAL ENVOLVIDA ASPECTO DA PERCEPÇÃO DO TEMPO E PROCESSAMENTO DA TEMPORALIDADE Núcleos da base Marcador do tempo (timer) para intervalos temporais, sobretudo mais longos. • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • Núcleos da base e área motora suplementar medeiam a percepção de batidas rítmicas. O striatum é um marcador de tempo (timer), sendo parte de um sistema amplo de temporalidade. Gânglios da base são fundamentais para a temporalidade explícita (consciente), e áreas parietais e pré- motoras, para a temporalidade implícita Em tarefa de estimar o tempo, em ressonância magnética funcional, o putame à direita foi marcadamente ativado. Cerebelo Marcador do tempo (timer), sobretudo para intervalos temporais mais curtos e precisos. Estudos sugerem que o cerebelo pode funcionar como um relógio interno. Representação explícita do tempo. Pacientes com lesão cerebelar podem produzir movimentos rítmicos contínuos, mas não os descontínuos. O cerebelo pode “aprender” respostas temporais adaptativas. O cerebelo posterior fornece sinais sobre a temporalidade para circuitos corticais de orientação espacial. Córtex pré-frontal O córtex pré-frontal dorsolateral modula tanto a memória de trabalho como a temporalidade e está envolvido na percepção do tempo. Os circuitos pré-frontais que incluem o núcleo caudado, o núcleo talâmico dorsolateral e o girocingulado participam da percepção do tempo, da orientação temporal, da síntese temporal e da noção de duração. Pacientes com lesões nas áreas pré-frontais têm suas capacidades de perceber e avaliar intervalos de tempo, tanto do passado como do futuro, comprometidas. Devido ao déficit de síntese temporal, seu comportamento é altamente suscetível de perturbação por interferência de estímulos externos ou internos. Sistemas motores automáticos e cognitivos frontais e parietais Regulação e mensuração do tempo (timing measurement). A escuta passiva de ritmos recruta regiões motoras do cérebro. Circuitos corticoestriatais Atenção dirigida à temporalidade. Esses circuitos são ativados na percepção de intervalos de tempo. Circuitos frontoestriatais processam intervalos de tempo. Hipocampo Neurônios hipocampais especializados em temporalidade codificam momentos sucessivos em uma sequência de eventos. Também participam da temporalidade circuitos hipocampais que incluem, além do hipocampo, os corpos mamilares, os núcleos anteriores e mediais do tálamo e os núcleos septais. Ínsula A ínsula está intimamente envolvida na percepção do próprio corpo, do self corporal, e a percepção do tempo processada pela ínsula relaciona-se à mensuração interna e subjetiva do tempo, marcada pelas experiências do self corporal. Áreas posteriores da ínsula modulam gratificações atrasadas do sistema de recompensa, enquanto o striatum codifica intervalos de tempo. Ínsula é um marcador de tempo (timer) central. O operculum é área-chave para mediar aspectos atencionais da estimação do tempo. Fonte: Teki (2016). PSICOPATOLOGIA DA ORIENTAÇÃO (ALTERAÇÕES SEGUNDO A ALTERAÇÃO DE BASE) Distinguem-se vários tipos de desorientação, de acordo com a alteração de base que a condiciona. É preciso lembrar que geralmente a desorientação ocorre, • • • • em primeiro lugar, em relação ao tempo. Só após o agravamento do transtorno o indivíduo se desorienta quanto ao espaço e, por fim, quanto a si mesmo. Desorientação por redução do nível de consciência. Também denominada desorientação torporosa ou confusa, é aquela na qual o indivíduo está desorientado por rebaixamento ou turvação da consciência. Tais turvação e rebaixamento do nível de consciência produzem alteração da atenção, da concentração, da memória recente e de trabalho e, consequentemente, da capacidade de percepção e retenção dos estímulos ambientais. Isso impede que o indivíduo apreenda a realidade de forma clara e precisa e integre, assim, a cronologia dos fatos. Portanto, nesse caso, a alteração do nível de consciência é a causa da desorientação. Essa é a forma mais comum de desorientação. Desorientação por déficit de memória imediata e recente. Também denominada desorientação amnéstica. Aqui, o indivíduo não consegue reter as informações ambientais básicas em sua memória recente. Não conseguindo fixar as informações, perde a noção do fluir do tempo, do deslocamento no espaço, passando a ficar desorientado temporoespacialmente. A desorientação amnéstica é típica da síndrome de Korsakoff. Já a desorientação demencial é muito próxima à amnéstica. Ocorre não apenas por perda da memória de fixação, mas por déficit de reconhecimento ambiental (agnosias) e por perda e desorganização global das funções cognitivas. Ocorre nos diversos quadros demenciais (doença de Alzheimer, demências vasculares, etc.). Desorientação apática ou abúlica. Ocorre por apatia marcante e/ou desinteresse profundos. Aqui, o indivíduo torna-se desorientado devido a uma marcante alteração do humor e da volição, comumente em quadro depressivo grave. Por falta de motivação e interesse, o paciente, geralmente muito deprimido, não investe sua energia no mundo, não se atém aos estímulos ambientais e, portanto, torna-se desorientado. Desorientação delirante. Ocorre em indivíduos que se encontram imersos em profundo estado delirante, vivenciando ideias delirantes muito intensas, crendo com convicção plena que estão “habitando” o lugar (e/ou o tempo) de seus delírios. Nesses casos, pode-se, eventualmente, observar a chamada dupla orientação, na qual a orientação falsa, delirante, coexiste com a correta. O paciente afirma que está no inferno, cercado por demônios, mas também pode reconhecer que está em uma enfermaria do hospital ou em um • • • • CAPS. Pode, ainda, ocorrer de o indivíduo dizer, em um momento, que está na cadeia e que as enfermeiras são carcereiros, e afirmar, logo em seguida, que são enfermeiras do hospital (alternando sequencialmente os dois tipos de orientação). Desorientação por déficit intelectual. Ocorre em pessoas com deficiência intelectual (DI) grave ou moderada (eventualmente em DI leve). Nesse caso, a desorientação ocorre pela incapacidade ou dificuldade em compreender aspectos complexos do ambiente e de reconhecer e interpretar as convenções sociais (horários, calendário, etc.) que padronizam a orientação do indivíduo no mundo. Desorientação por dissociação, ou desorientação histérica. Ocorre em geral em quadros dissociativos graves, normalmente acompanhada de alterações da identidade pessoal (fenômeno do desdobramento da personalidade) e de alterações da consciência secundárias à dissociação associada ou não com personalidade histriônica (antigamente chamada de “estado crepuscular histérico” e, na atualidade, de “quadros dissociativos”). Desorientação por desagregação. Ocorre em pacientes com psicose, geralmente com esquizofrenia, em estado crônico e avançado da doença, quando o indivíduo, por desagregação profunda do pensamento, apresenta toda a sua atividade mental gravemente desorganizada, o que o impede de se orientar de forma adequada quanto ao ambiente e quanto a si mesmo. Desorientação quanto à própria idade. É definida como uma discrepância de cinco anos ou mais entre a idade real e aquela que o indivíduo diz ter. Tem sido descrita em alguns pacientes com esquizofrenia crônica e parece ser um fiel indicativo clínico de déficit cognitivo na esquizofrenia (Crow; Stevens, 1978). Cabe lembrar que, em indivíduos com quadros de desorientação por lesão ou disfunção cerebral, o modo de recuperação do paciente, quando há reversão e cura do quadro e a lesão ou disfunção não produz sequelas definitivas, é o seguinte: 1) inicialmente recupera a orientação quanto a si mesmo; 2) depois recupera a orientação espacial; e, por fim, 3) recupera a orientação temporal (Tate; Pfaff; Jurjevic, 2000). Em pacientes com amnésia, além de desorientação, nos quadros de lesões neuronais leves, a recuperação da orientação tende a ocorrer antes da recuperação da amnésia. Nos quadros de lesão grave, a recuperação da orientação tende a ocorrer depois da recuperação da amnésia (Tate; Pfaff; • • • • • • • • Jurjevic, 2000). Pacientes com doença de Parkinson, doença de Huntington, TDAH e esquizofrenia podem apresentar alterações da percepção, da codificação e do processamento do tempo, independentemente de terem alterações do nível de consciência (Teki, 2016). No Quadro 14.4 estão resumidas as principais alterações de orientação, percepção e processamento da temporalidade em transtornos neurológicos e mentais, mesmo quando não há alteração do nível de consciência. Para a avaliação da orientação ver o Quadro 14.5. Quadro 14.4 | Alterações da orientação temporal e temporalidade em algumas condições neurológicas e em transtornos mentais TRANSTORNO ALTERAÇÕES DA ORIENTAÇÃO TEMPORAL E TEMPORALIDADE Esquizofrenia Pacientes superdimensionam intervalos de tempo quando a tarefa é verbal e subdimensionam quando a tarefa é de produção de intervalos de tempo. TDAH Déficits em discriminação da duração de eventos e na reprodução eprodução de duração em intervalos de tempo. Anormalidades na temporalidade motora e alterações da percepção do tempo relacionadas à impulsividade. Doença de Parkinson Alterações da temporalidade de ações motoras (consequência de ativação inadequada do striatum e de má conectividade corticoestriatal). Alterações da percepção do tempo na faixa de subsegundos e de segundos. Doença de Huntington Distúrbios na performance de estimação do tempo são encontrados na fase pré-clínica e na fase clínica. A performance piora se a tarefa for baseada em ações motoras. Encefalite límbica Alteração da percepção subjetiva do tempo, alteração autobiográfica da consciência da própria idade. Fonte: Piras e colaboradores (2014). Quadro 14.5 | Semiotécnica da orientação Orientação temporal: Que dia é hoje? Qual o dia da semana? Qual o dia do mês? Em que mês estamos? Em que ano estamos? Qual a época do ano (começo, meio ou fim do ano)? Aproximadamente que horas são agora? Lembrar-se de que alguns sujeitos com baixa escolaridade (menos de oito anos) podem, eventualmente, apresentar dificuldades na orientação temporal e, sobretudo, nas noções de duração e continuidade temporal (Anthony; Le Resche; Niaz, 1982). Orientação espacial: Onde estamos? Como se chama a cidade em que estamos? E o bairro? Qual o caminho e quanto tempo leva para vir de sua casa até aqui? Que edifício é este (hospital, ambulatório, consultório, etc.) em que estamos? Em que andar estamos? Orientação autopsíquica: Quem é você? Qual o seu nome? O que faz? Qual a sua profissão? Quem são seus pais? Qual a sua idade (verificar a idade real do paciente)? Qual o seu estado civil? Carlat (2007) sugere que se investigue a orientação “do mais fácil para o mais difícil”. Se o paciente tiver dificuldade em responder, que se pergunte: Onde fica sua casa? Que lugar é este? Onde estamos agora? Em que ano estamos? Que mês? Que dia da semana? Que dia do mês?
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