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Autor: Prof. Renato Bulcão de Moraes Colaboradora: Profa. Solimar Garcia Capital de Giro e Controle de Resultados Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 05 /1 8 Professor conteudista: Renato Bulcão de Moraes Formado em Filosofia pela FFLCH/USP, possui mestrado em comunicação pela ECA/USP e doutorado em Educação e História da Cultura pela Universidade Presbitariana Mackenzie e realizou curso de especialização em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas‑RJ. Entre 1996 e 2009, atuou em diversas funções relativas ao mercado de equity. Nesse período aprendeu a lidar com os fundamentos de operações financeiras, incluindo aí as regras de capital de giro. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) M827p Moraes, Renato Bulcão. Capital de Giro e Controle de Resultados/ Ana Letícia Guimarães Garcia. ‑ São Paulo: Editora Sol, 2018. 164 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXIV, n. 2‑064/18, ISSN 1517‑9230. 1. Capital de giro. 2. Administração tributária. 3. Ciclos da empresa. I. Título. 681.3 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 05 /1 8 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona‑Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Lucas Ricardi Vitor Andrade Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 05 /1 8 Sumário Capital de Giro e Controle de Resultados APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 COMO GERIR OPERACIONALMENTE O CAPITAL DE GIRO ............................................................... 12 1.1 Os fundamentos do capital de giro .............................................................................................. 12 1.1.1 O ciclo operacional ................................................................................................................................. 13 1.1.2 O volume do capital de giro ............................................................................................................... 15 1.1.3 Relembrando a contabilidade ............................................................................................................ 16 1.1.4 As diferenças entre o curto e o longo prazo ............................................................................... 18 1.1.5 O movimento de vendas e o lucro ................................................................................................... 19 1.2 Administrando o capital de giro..................................................................................................... 21 1.2.1 Gestão do ativo circulante .................................................................................................................. 22 1.2.2 Gestão do passivo circulante ............................................................................................................. 23 1.2.3 Capital de giro total ............................................................................................................................... 23 1.2.4 Capital de giro líquido .......................................................................................................................... 23 1.2.5 Motivos para as variações no capital de giro líquido .............................................................. 24 1.2.6 Capital de giro próprio ......................................................................................................................... 25 1.2.7 Capital de giro operacional ................................................................................................................. 26 1.2.8 Ciclo operacional..................................................................................................................................... 27 1.2.9 Ciclo econômico e ciclo financeiro .................................................................................................. 29 1.2.10 Verificando a necessidade de capital ........................................................................................... 33 2 O CAPITAL DE GIRO FINANCEIRO ............................................................................................................. 35 2.1 Saldo de tesouraria .............................................................................................................................. 36 2.2 Administração integrada do capital de giro .............................................................................. 37 2.3 O efeito tesoura .................................................................................................................................... 39 2.4 Os recursos próprios para o financiamento da necessidade de capital de giro ....................... 41 2.5 A tentativa de financiamento da NCG com recursos de terceiros no longo prazo ............... 42 Unidade II 3 A AVALIAÇÃO DA LIQUIDEZ NA ADMINISTRAÇÃO DO CAPITAL DE GIRO ................................ 45 3.1 Os indicadores de liquidez estática ............................................................................................... 45 3.2 Indicadores de liquidez dinâmica .................................................................................................. 47 3.3 A questão da segurança na administração do capital de giro .......................................... 49 3.4 A dinâmica do capital de giro ......................................................................................................... 52 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 05 /1 8 3.5 Administração de recebíveis, crédito e cobrança .................................................................... 54 3.6 A questão da concessão de créditos pelos bancos ................................................................. 65 3.7 O valor da carteira de recebíveis .................................................................................................... 74 4 A ADMINISTRAÇÃO FINANCEIRA DE ESTOQUES E LOGÍSTICA ...................................................... 78 4.1 O método Just‑in‑Time ...................................................................................................................... 82 4.2 Logística e estocagem ........................................................................................................................ 84 Unidade III 5 FINANCIANDO O CAPITAL DE GIRO ......................................................................................................... 90 5.1 Financiamentos para o capital de giro ........................................................................................95 5.2 Administração da tesouraria............................................................................................................ 99 5.3 O fluxo de caixa ..................................................................................................................................101 5.4 As aplicações financeiras de curto prazo .................................................................................103 5.5 A administração estratégica do capital de giro .....................................................................105 5.6 A administração do valor no capital de giro ...........................................................................109 5.7 Utilizando o capital de giro para ganhos financeiros .........................................................116 6 A ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA DO CAPITAL DE GIRO .................................................................119 6.1 Os tributos sobre a renda ................................................................................................................127 6.2 Os tributos sobre o trabalho e os encargos .............................................................................128 6.3 O impacto dos tributos no capital de giro líquido ................................................................129 6.4 As retenções na fonte .......................................................................................................................131 6.5 Outras contas do ativo circulante ...............................................................................................132 6.6 Os tributos diferidos ..........................................................................................................................132 6.7 As datas de vencimento e atrasos de pagamento ................................................................133 Unidade IV 7 FÓRMULAS E PRÁTICAS ..............................................................................................................................139 7.1 A fórmula do capital de giro ..........................................................................................................139 7.2 Capital de giro líquido (CGL) ..........................................................................................................139 7.3 Fluxo de caixa ......................................................................................................................................140 7.4 Fluxo de caixa livre ............................................................................................................................140 7.5 Saldo mínimo em caixa ...................................................................................................................141 7.6 Capacidade de obtenção de caixa ...............................................................................................141 7.7 Geração de caixa operacional (Ebitda) ......................................................................................141 8 OS CICLOS DA EMPRESA, ÍNDICES E ANÁLISES ................................................................................147 8.1 O ciclo econômico ..............................................................................................................................147 8.2 O ciclo operacional ............................................................................................................................148 8.3 O ciclo financeiro ................................................................................................................................148 8.4 Participação das disponibilidades ................................................................................................148 8.5 Participação das contas a receber ...............................................................................................148 8.6 Participação dos estoques ..............................................................................................................149 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 05 /1 8 8.7 Índice de financiamento..................................................................................................................149 8.8 Análise de liquidez .............................................................................................................................149 8.9 Índice de liquidez corrente .............................................................................................................150 8.10 Índice de liquidez seca ...................................................................................................................150 8.11 Análise de custos ..............................................................................................................................150 8.12 Controle de estoques .....................................................................................................................151 8.13 Ponto de equilíbrio ..........................................................................................................................153 8.14 Necessidade de capital de giro ...................................................................................................154 8.15 Efeito tesoura ....................................................................................................................................154 8.16 Reserva de capital de giro ............................................................................................................154 8.17 Fluxograma do capital de giro ....................................................................................................154 8.18 Indicadores para análise de riscos ............................................................................................155 8.19 Grau de alavancagem operacional ...........................................................................................155 8.20 Taxa média de retorno ...................................................................................................................155 8.21 Taxa interna de retorno .................................................................................................................155 9 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 05 /1 8 APRESENTAÇÃO Este livro‑texto pretende facilitar o entendimento do que é a administração do capital de giro. Vamos percorrer desde os fundamentos do capital de giro, passando pelos ciclos que regem a vida das empresas, seus estoques, sua contabilidade e, finalmente, algumas ferramentas financeiras que permitem calcular indícios de como uma empresa está se comportando e de como fazer para resolver problemas. Veremos que a questão do capital de giro no Brasil é bem diferente da maioria dos outros países. Aqui, apesar da baixa inflação nos últimos dez anos, as gerações mais experientes de gestores se lembram de períodos de inflação em que num mês tínhamos perdas superiores a 10% no valor de compra da moeda. Também os mais velhos vão se lembrar de políticas econômicas que desvalorizavam a moeda brasileira em relação ao dólar quase que mensalmente, de forma que depois de dez anos ou menos éramos obrigados a mudar de padrão econômico para podermos começar de novo. Hoje a legislação em vigor pensa o Brasil como uma economia estável, apesar do susto de 2014‑2017, quando entramos em recessão. Mas temos de afirmar que essa recessão foi em grande parte politicamente motivada, e havia interesses para que o Banco Central apostasse contra o país. Dessa forma, aumentamos nossa dependência das exportações em dólar, num período em que estávamos exportando o grosso da nossa produção para a China, os países árabes e a Rússia. Até mesmo a União Europeia enquanto bloco superava os Estados Unidos como parceiro comercial. E não podemos esquecer que ainda hoje temos reservas internacionais positivas, coisa quenunca aconteceu nos primeiros 120 anos da República. Este livro‑texto reflete, portanto, uma economia e uma legislação sui generis, como são as coisas no Brasil; essas regras de gestão de capital de giro existem em toda economia de mercado, mas as peculiaridades são exclusivas do país. INTRODUÇÃO Nos dias de hoje, como a economia digital vem superando cada vez mais a economia física, o capital de giro se torna fundamental para criar e manter as empresas funcionando. Também é importante para você entender que depois da adoção do neoliberalismo como tendência de política econômica no Brasil, as empresas mais competitivas acabaram por transformar suas visões de mercado. Apesar das declarações de missão e valores permanecerem as mesmas, a visão das empresas bem‑sucedidas, sejam elas comerciais, industriais ou de serviços, foi adaptada para esse novo mundo do capital. Hoje em dia não é segredo que as empresas existem para ganhar dinheiro, e geralmente para que isso aconteça é necessário que elas cresçam. A competição não é por produtos melhores, como era no início do século XX, mas por uma lucratividade maior. Assim, vemos empresas que existem apenas como fornecedores de softwares ou serviços na internet, com poucos funcionários, atenderem mercados internacionais e serem muito lucrativas. É o que acontece, por exemplo, com as empresas que produzem jogos. 10 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 05 /1 8 Nesse cenário, é importante para você entender que o coração de uma empresa, do ponto de vista administrativo financeiro, é a relação entre o capital de giro e as entradas de caixa. Centrados nesse viés, vamos verificar que todas as demais decisões administrativas, incluindo aí a própria produção, estarão sempre a favor do capital de giro. Quanto mais capital de giro estiver disponível para uma empresa, mais ela poderá escolher seus rumos. O desenvolvimento de novos produtos ou serviços será sempre decidido em virtude do retorno de capital investido, que em princípio só pode ser determinado a partir da disponibilidade do capital de giro. No pensamento neoliberal, a empresa deve buscar sempre a geração de valor. A geração de valor não é apenas o lucro, mas tudo aquilo dentro de uma empresa que pode ter algum valor em caso de necessidade de venda, como as marcas dos produtos, as patentes de fabricação ou as listas de clientes. Sempre que possível estaremos comparando as questões de capital de giro com o dinheiro disponível de que uma pessoa costuma dispor. Grosso modo, o capital de giro pode ser comparado com a quantidade de dinheiro que você tem no bolso (que equivale ao caixa da empresa) e o dinheiro que você tem no banco. 11 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 05 /1 8 CAPITAL DE GIRO E CONTROLE DE RESULTADOS Unidade I Figura 1 Você deve entender que tudo que estudamos para organizar um balanço tem um relacionamento bastante intrincado. Não existe estoque sem fornecedores, mas também não há fornecedores sem vendas. Portanto, tudo está interligado. Quando estudamos administração financeira, temos de entender que a criação de valor nasce com uma boa visão do controle do capital de giro. A administração de caixa é diretamente influenciada pela administração de contas a receber, que, por sua vez, influencia a administração de estoques. A partir da escolha de um método para dimensionar o capital de giro, tomamos as decisões de investimento. Essas decisões acabam sendo influenciadas por condições de certeza ou incerteza, que acontecem em toda economia de um modo geral. Para entendermos como utilizar as fontes de recursos de capital de curto prazo ou de longo prazo, temos de conhecer como o custo de capital impacta toda a empresa. Vamos atentar para as questões típicas da realidade brasileira, como a inflação, nossa regulação peculiar do mercado de capitais, o custo do capital e as taxas de juros. Segundo Matias (2007, p. 48), há muita negligência na gestão do capital de giro. Isso também é refletido na gestão de valor, que não é tratada de forma sistêmica. Por essa falta de sistematização, vemos certa divisão de tarefas nas empresas brasileiras na gestão do capital. O caixa costuma ser de responsabilidade da tesouraria. A gestão de crédito é feita pelo setor de vendas. A gestão de estoque é feita pela área de produção. Com essa fragmentação, é fácil perceber que há interesses dos diversos gerentes envolvidos em determinar o uso do capital de giro. Isso pode criar conflitos. Quando cada responsável resolve implantar 12 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 05 /1 8 Unidade I uma política própria, a sua política pode vir a colidir com a de outras áreas. O exemplo clássico é quando a empresa precisa de caixa para bancar as atividades operacionais. O setor de vendas vai preferir aumentar a cessão de crédito aos clientes. Outro exemplo é quando a área comercial deseja um estoque maior para facilitar as vendas, mas isso é evitado pelo pessoal de finanças, que quer diminuir ao máximo os estoques. Tentar otimizar os componentes do capital de giro de acordo com cada área em separado pode impedir a geração de valor com o capital de giro. Portanto, aquilo que parece ser a melhor solução para o desempenho das partes individualmente pode ser prejudicial à empresa. Assim, a empresa precisa coordenar suas atividades de gestão para poder desenvolver suas operações financeiras de rotina e também as estratégias de longo prazo. 1 COMO GERIR OPERACIONALMENTE O CAPITAL DE GIRO 1.1 Os fundamentos do capital de giro Tudo o que você faz no dia a dia depende de quanto dinheiro você tem no bolso e no banco. Nas demais áreas da economia, tudo também funciona desse jeito. Na medida em que toda vida moderna é movida por transações financeiras, todos os tipos de tipos de organizações, financeiras, privadas ou públicas, com ou sem fins lucrativos, estão envolvidos. Todo processo de transferência de dinheiro, que em finanças é chamado de transferência de fundos, precisa ser controlado. Podemos dividir as finanças em duas partes: a macroeconomia, com suas questões de fluxos internacionais de capital, o sistema financeiro nacional e os mercados financeiros; e a microeconomia, com as finanças das organizações, que são diferentes quando pensamos no curto ou longo prazo. As finanças de uma empresa devem ser planejadas no longo prazo, para capitalizar a empresa ao longo dos anos. Para isso, ela deve contar com novos projetos e com o planejamento das fontes de capitalização e investimento de terceiros. Mas no curto prazo as finanças da empresa contam com a gestão do capital de giro. Como dissemos no início, nos dias de hoje tanto faz qual a missão de uma empresa; o importante é que ela esteja organizada para ganhar dinheiro. A única forma de isso acontecer a contento é pensando que não importa o que estamos fabricando ou oferecendo como serviço, o motivo final é ganhar dinheiro. Portanto, independentemente de tudo que fizermos na linha de produção, no salão do restaurante, na loja virtual na internet, cada passo só pode ser tomado se houver uma avaliação de quanto custa, quanto impacta nas vendas e quanto de lucro poderá trazer para a empresa. Isso traz a lembrança dessas figuras típicas da realidade econômica do início do século XXI: os stakeholders e os shareholders. Stakeholders são todos os interessados no sucesso de uma empresa. Se você compra todo dia numa padaria e gosta, então tem interesse que esse lugar permaneça aberto por muitos anos. Você é um stakeholder dessa padaria. Mas também todos os demais interessados, como o 13 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 05 /1 8 CAPITAL DE GIRO E CONTROLE DE RESULTADOS fornecedor de farinha, de carne, de ovos, de verduras estão interessados que essa padaria progrida, pois assim vão poder passar muitos anos fazendo negócios comeles. Já os shareholders são os investidores que entraram com dinheiro, geralmente na forma de ações negociadas em bolsa, para a fundação ou a expansão dos negócios. Antigamente pensava‑se nesses dois grupos de forma separada. Hoje em dia sabemos que se uma empresa não convive bem com seus stakeholders, terá dificuldades com os shareholders. Ou seja, hoje em dia, as empresas precisam deixar seus clientes e fornecedores igualmente contentes para gerarem lucro. Portanto, a nova forma de ver a missão da empresa é decidir que ela é o esforço incansável de agradar a todos para gerar lucro. Ou, no jargão das finanças, a missão de uma empresa é gerar valor para beneficiar seus proprietários e stakeholders. 1.1.1 O ciclo operacional Figura 2 Toda empresa tem um ciclo operacional. Isso quer dizer que toda empresa tem operações rotineiras que precisam ser feitas diariamente, ao longo do mês, e por todo o ano. E isso acontece com todas as pequenas e grandes empresas, e até mesmo com as ONGs sem fins lucrativos. Ou seja, toda forma de atuação estruturada através de um contrato na economia de um lugar tem um ciclo operacional. Vamos pensar de novo na padaria onde você gosta de comer. Digamos que o dono da padaria é o seu Antonio. O local onde a padaria está instalada é alugado. Todo mês ele tem uma data certa para pagar o aluguel. A padaria, além dos produtos tradicionais como pão e leite, tem 15 mesas e serve comida a quilo. Quase todo mês ele precisa mandar consertar uma cadeira. Quase todo mês ele precisa substituir pelo menos uma lâmpada queimada. Todo dia ele precisa fazer compras de verduras e legumes. Uma vez por semana compra carne e a cada dois dias compra peixe. Ele tem muitos pacotes de guardanapos e de ketchup, que ele pode estocar sem problema. Quem passa uma vez por semana também é o distribuidor de bebidas, entregando cerveja, água e refrigerantes. Como o seu Antonio consegue pagar isso tudo? Com o dinheiro pago pelos clientes ao fim das refeições. Mas alguns poucos pagam em dinheiro, outros pagam no cartão de débito, ou de crédito, e outros ainda com o vale‑refeição. O problema é que cada forma de pagamento tem um prazo diferente para o seu Antonio. O dinheiro é imediato, mas o pagamento por cartões de débito leva pelo menos 24 horas para ser creditado para ele, e os do vale‑refeição demoram ainda mais. 14 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 05 /1 8 Unidade I Então como o seu Antonio consegue organizar todas as contas que devem ser pagas de acordo com as vendas que ele faz? Ele precisa montar um calendário que vai fazer ele entender quanto ele recebe dia a dia e quanto ele gasta ao longo do mês. Esse calendário determina o ciclo operacional da padaria dele. Em finanças as coisas recebem um nome próprio: o dinheiro se torna capital disponível (ou simplesmente o disponível), o capital disponível é o caixa, a compra de mercadorias é o estoque físico. Há também o dinheiro que vai entrar, que muitos ainda usam o antigo nome de duplicatas. Duplicatas eram papéis que os comerciantes no século XIX faziam a partir das faturas, hoje chamadas de notas fiscais. Antigamente, numa venda a prazo, não era necessário fazer um contrato de compra e venda. O comerciante simplesmente fazia a fatura (nota fiscal) e depois fazia uma cópia duplicada dos termos do negócio (daí o nome duplicata). Essa cópia era assinada pelo comprador e ficava como comprovante que o cliente devia ao comerciante. Hoje, com os cartões de crédito e de débito, as compras a prazo de pequeno valor não precisam de contrato: a própria empresa de cartão de crédito combina com o vendedor em quantas parcelas ele aceita o pagamento. Assim, com uma única operação eletrônica, todo um contrato de crédito é estabelecido. Então o seu Antonio sabe quanto de dinheiro ele tem à disposição hoje, ao longo da semana e até o fim do mês. Para se manter sempre com dinheiro em caixa, ele precisa controlar todo o ciclo financeiro de suas atividades. Podemos ilustrar isso da seguinte forma: Compra de mercadorias Estoque de mercadorias e material de limpeza da padaria Venda de serviços O dinheiro entra Capital disponível no caixa O dinheiro paga as contas Fornecedores de mercadorias e serviços Clientes da padaria Figura 3 O problema do seu Antonio é que as quantidades de dinheiro entre uma etapa e outra são diferentes. Além disso, com o funcionamento da padaria ao longo dos anos, ele aprendeu que todo mês entra uma quantidade diferente de clientes, o que faz variar a quantidade de dinheiro, e isso precisa ser ajustado mês a mês. Esse ajuste obriga o seu Antonio a manter sempre um determinado volume de dinheiro disponível no caixa. Esse dinheiro que tem de estar sempre pronto para pagar as diversas contas que surgem na operação da padaria é o capital de giro, e uma das questões importantes para seu Antonio é verificar quanto de dinheiro ele precisa, ou, em outras palavras, qual o volume do capital de giro necessário. 15 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 05 /1 8 CAPITAL DE GIRO E CONTROLE DE RESULTADOS Observação Muitos pequenos empresários acreditam que capital de giro é uma conta especial que o banco empresta para seu negócio. Não é. Só pede emprestado dinheiro para capital de giro quem não está vendendo com lucro. 1.1.2 O volume do capital de giro A quantidade de dinheiro necessária todo dia ou todo mês é o volume do capital de giro. Numa padaria como a do seu Antonio, há um limite de vendas para as refeições estabelecido todo dia. Como seu forte de vendas é o almoço e ele não abre para o jantar, se todos seus clientes comessem em 20 minutos, com suas 15 mesas com 4 lugares ele poderia atender um máximo de 60 pessoas a cada 20 minutos, ou até 180 pessoas por hora. Como o horário comercial de almoço vai das 11:30 até as 13:30, teoricamente num dia lotado o seu Antonio poderia servir até 360 pessoas. Isso sem contar com seu faturamento de vendas de pão, leite e todos os demais produtos que ele oferece lá. Por outro lado, o movimento da padaria começa às 6 horas da manhã vendendo pão. Num dia de movimento fraco, talvez entrassem apenas 5 pessoas ao longo dessas 2 horas de almoço. Mas há dias em que se forma uma fila de espera para conseguir um lugar na mesa. Essas variações são a chamada sazonalidade. Isso pode ser medido e mesmo estimado. Também sabemos que nas datas de pagamento dos salários o comércio fica mais aquecido do que no fim do mês, quando as pessoas estão sem dinheiro. Então o seu Antonio precisa fazer sempre uma aposta: o quanto de mercadoria e quantas refeições serão vendidas essa semana? Dependendo da semana, se as vendas crescem, a quantidade de mercadoria comprada dos fornecedores também aumenta. Se há um alto nível de emprego, mais pessoas compram e almoçam na padaria. O problema é que quando as vendas aumentam, sobe também o custo do estoque e também o custo dos impostos. Os pagamentos, que em administração também são chamamos de recebíveis, não acompanham diretamente o aumento das vendas, porque parte dessas vendas é feita com vale‑refeição, que leva algum tempo para ser recebido pelo seu Antonio. Também é importante pensar que há investimentos necessários em tecnologia, como uma máquina de descascar frutas, legumes e tubérculos, ou decisões entre comprar uma geladeira para armazenar os produtos no salão, uma máquina nova qualquer ou contratar mais um ajudante. A máquina vai custar uma vez e deverá durar pelo menos um ano. O ajudante vai custar todo mês, mas pode ser mandado embora quase que a qualquer momento. São decisões como essa que vão afetar o volume de dinheiro. 16 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 05 /1 8 Unidade I 1.1.3 Relembrando a contabilidade Como vimos até agora, a padaria do seu Antonio está funcionando há alguns anos. Ele sempre entrega todos os documentos de compra e venda para seu contadorfazer a contabilidade. Mas existem coisas que o seu Antonio precisa saber para entender quando chega o balanço pronto. É através do entendimento do balanço que se aprendem os detalhes que envolvem o capital de giro da empresa. Seu Antonio no início do ano escreveu num livro contábil: Dinheiro em caixa: $ 50.000 Gastos nas instalações da padaria: $ 30.000 Pelas regras da contabilidade, essas fontes de recursos compõem o chamado capital social. Aqui seu total é de $ 80.000. Também podemos dizer que o patrimônio da empresa é de $ 80.000. Em Contabilidade, chamamos esse dinheiro investido de ativo. Os ativos de uma empresa equivalem aos recursos em dinheiro dos quais ela pode dispor. Esses recursos poderão gerar mais dinheiro no futuro. O nome dado a esses ativos seguem uma padronização contábil. Para o dinheiro em caixa, usamos disponibilidade ou capital disponível. O nome para o investimento nas instalações é imobilizado. Assim, a situação econômica e financeira da padaria pode ser demonstrada da seguinte forma: Tabela 1 Ativo Patrimônio líquido Disponibilidades $ 40.000 Imobilizado $ 30.000 Capital Social $ 70.000 Do lado esquerdo, a maneira com que o capital do seu Antonio está colocado na padaria está demonstrada pelos ativos. Do lado direito está a origem desses ativos, que é o valor total daquilo que o seu Antonio possui. Essa demonstração contábil é chamada de balanço patrimonial. Como todos os lançamentos em Contabilidade, os dois lados têm de apresentar o mesmo resultado. Lembrete Todo balanço é organizado em duas colunas: ativo e passivo. Ativo é uma palavra usada para designar os bens, os valores, os créditos e os direitos que formam o patrimônio da empresa. Passivo são as contas que 17 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 05 /1 8 CAPITAL DE GIRO E CONTROLE DE RESULTADOS demonstram aquilo que se precisa pagar. Um exemplo de ativo é uma conta a receber, e de passivo, uma conta a pagar. 1.1.3.1 A relação entre o passivo e o patrimônio líquido Figura 4 Depois das festas de Natal, quando o seu Antonio abrir de novo a padaria, vai precisar comprar novamente mercadorias para poder oferecer os produtos e refeições. Algumas compras são à vista, mas ele trabalha também com fornecedores que vendem a prazo. Quando ele compra a prazo, ele assume uma dívida com o fornecedor. Como ele já tem os produtos para vender, esse ativo na forma de produtos ainda não pagos será chamado de passivo exigível. Todo o dinheiro que eventualmente o seu Antonio dever para as pessoas será enquadrado nessa categoria. Quando a dívida for de até um ano – por exemplo, um empréstimo para comprar novas mesas e cadeiras –, ele será chamado de passivo circulante exigível. Se for um empréstimo de mais de um ano, chamamos de exigível a longo prazo. Vamos imaginar que o seu Antonio comprou toda a mercadoria no início do ano a prazo, formando seu estoque. Então, no dia que seu Antonio reabre a padaria, o seu balanço patrimonial fica assim: Tabela 2 Ativo Passivo Ativo circulante Passivo circulante Disponibilidades $ 40.000 Fornecedores $ 20.000 Estoques $ 20.000 Patrimônio líquido Imobilizado $ 30.000 Capital Social $ 70.000 Total ativo $ 90.000 Total passivo $ 90.000 18 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 05 /1 8 Unidade I No balanço, os dois lados continuam com o mesmo valor. Mas agora aparece o passivo circulante, que é a mercadoria que o seu Antonio comprou a prazo. O passivo circulante é um dos exigíveis, ou seja, pode exigir seu pagamento na data combinada. Os ativos menos tudo o que for lançado como passivo exigível são o patrimônio líquido, que também pode ser chamado de passivo não exigível e que no fundo representa o valor do patrimônio do seu Antonio. Então, no início do ano seu Antonio possui $ 90.000 em ativos, aplicados na disponibilidade de caixa, no estoque e no imobilizado, que são todos os equipamentos da padaria que o seu Antonio precisa para poder trabalhar. Por outro lado, todo o valor do estoque, $ 20.000, é na verdade uma dívida com os fornecedores. 1.1.4 As diferenças entre o curto e o longo prazo Aqui no Brasil consideramos toda dívida ou todo recebimento que acontece dentro do mesmo ano num balanço como circulante ou de curto prazo. Todos os ativos que são recebidos ou vendidos dentro dos 365 dias são considerados de curto prazo, e para essas contas damos o nome de ativo circulante. Disponibilidades, recebíveis e estoques, por sua vez, compõem o ativo circulante. Todos os passivos que serão pagos durante o ano são considerados de curto prazo e recebem o nome de passivo circulante. O passivo circulante se compõe com dívidas com fornecedores, com os financiamentos bancários, os encargos e os tributos a recolher, e todas as demais contas a pagar que existirem. Tudo aquilo que for pago em dinheiro após 365 dias do início do ano são considerados de longo prazo. Podem ser obrigações ligadas ao ativo ou ao passivo. Chamamos esse tipo de ativo de realizável a longo prazo. Da mesma forma, esse tipo de passivo é o exigível a longo prazo. Todas as instalações da cozinha, o forno de assar, os balcões ou as geladeiras e frigoríficos são chamados de ativos permanentes. Os ativos permanentes podem ser de três tipos diferentes: os investimentos, o imobilizado e o diferido. O investimento é aquele dinheiro que o seu Antonio guarda, aplicando em diversos tipos de rendimentos, como a caderneta de poupança ou os títulos bancários. As vezes até o seu Antonio aplica na Bolsa de Valores. Esse dinheiro investido não é necessário para a operação da padaria no dia a dia. O imobilizado são os ativos operacionais, como as instalações da cozinha ou as geladeiras e frigoríficos e as mesas. O diferido são os gastos realizados para colher benefícios futuros, como uma pesquisa de mercado para saber se o seu Antonio deve investir mais em alimentos orgânicos ou em sobremesas geladas. Veja agora como é o balanço patrimonial com as suas principais contas: 19 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 05 /1 8 CAPITAL DE GIRO E CONTROLE DE RESULTADOS Quadro 1 Ativo Passivo Ativo circulante (AC) Disponível Aplicações financeiras Contas a receber Estoques Passivo circulante (PC) Fornecedores Empréstimos Duplicatas descontadas Salários a pagar Encargos e tributos a pagar Ativo realizável a longo prazo Passivo exigível a longo prazo Ativo permanente (AP) Investimentos Imobilizado Diferido Patrimônio líquido (PL) Capital Reservas Lucros ou prejuízos acumulados 1.1.5 O movimento de vendas e o lucro Figura 5 Depois da primeira semana com a padaria aberta, o seu Antonio consegue verificar quanto de lucro ele está fazendo. Para isso ele tem de fazer uma demonstração de resultados: Receita de vendas no primeiro dia de reabertura: $ 10.000 Custo da mercadoria vendida nesse dia: $ 6.000 Lucro no dia: $ 4.000 Do total da receita de vendas, metade foi de pagamentos à vista e metade foi de vales‑refeição que ele só vai receber a prazo. Ainda assim, ele deve considerar como receita o total de todas as vendas realizadas na semana, mesmo que existam diversos vários prazos de recebimento. Para descobrir qual é o lucro, seu Antonio precisa comparar toda a receita obtida com todos os custos que a empresa teve para 20 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 05 /1 8 Unidade I a obtenção dessa receita. Qual foi o custo das refeições que ele serviu aos clientes, independentemente do prazo em que ele deverá pagar ao fornecedor. Isso vai permitir que o lucro seja apurado, ou, em outras palavras, seu Antonio vai saber quanto é que a padaria ganhou no período. O balanço da padaria dele agora mudou para este formato: Tabela 3 Ativo Passivo Ativo circulante Disponibilidades $ 45.000 Contas a receber $ 5.000 Estoques $ 14.000 Passivo circulante Fornecedores $ 20.000Ativo permanente Imobilizado $ 30.000 Patrimônio líquido Capital social $ 70.000 Lucros acumulados $ 4.000 Total ativo $ 94.000 Total passivo $ 94.000 O lucro desse dia aumentou o patrimônio líquido da padaria em $ 4.000,00. Como podemos entender o aumento no ativo sem que tenha acontecido nenhuma mudança no passivo? Onde vemos o lucro? Está no ativo, na conta das disponibilidades, onde anotamos a parte das vendas que foram recebidas à vista. As vendas feitas com cartão de crédito ou vale‑refeição foi anotada em contas a receber. Também vemos que houve uma diminuição do estoque, por causa das mercadorias que foram entregues aos clientes. O lucro dessa semana de abertura pode ser demonstrado através da composição das contas das receitas, dos custos e das despesas. Vamos entender o conceito de demonstração do resultado do exercício (DRE), que apresentamos aqui num formato simplificado: Quadro 2 Receita bruta de vendas ‑ Deduções de receita bruta = Receita líquida de vendas ‑ Custo dos produtos vendidos = Lucro bruto ‑ Despesas operacionais (administrativas, financeiras, outras despesas) + Resultados não operacionais = Lucro antes de pagamento de IR e da CS ‑ Provisão para pagamento dos impostos = Lucro líquido 21 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 05 /1 8 CAPITAL DE GIRO E CONTROLE DE RESULTADOS O total das mercadorias, produtos e refeições vendidas na semana recebe o nome de receita bruta de vendas. Daí se deduzem eventuais devoluções ou descontos dados para clientes e os impostos sobre as vendas. Essas são as deduções da receita bruta. Assim chegamos à receita líquida de vendas. A soma de todos os componentes de gastos para fazer o pão e os doces e para preparar e servir a comida, inclusive o custo da matéria‑prima, é o custo dos produtos vendidos. Nesses custos ainda cabem os custos de mão de obra e os gastos gerais da padaria. O custo de fazer a comida não são as despesas operacionais: essas despesas são o custo com as despesas administrativas, as despesas de venda ou as despesas financeiras da padaria. Os resultados não operacionais são eventuais lucros conseguidos por alguma coisa que não é o negócio principal, como a venda de um forno antigo que não estava mais sendo utilizado. Nesse grupo entram também as receitas financeiras, ou seja, o lucro com os investimentos financeiros. A provisão de Imposto de Renda (IR) e da contribuição social (CS) é o valor estimado que se terá de pagar. Dessa forma, conseguimos entender que o lucro líquido é quanto a empresa ganhou de fato no período. Saiba mais Sobre o tema, leia o texto a seguir: BRASIL. Receita Federal. Capítulo XVI ‑ CSLL 2017. Brasília, 2017. Disponível em: <http://idg.receita.fazenda.gov.br/orientacao/tributaria/ declaracoes‑e‑demonstrativos/ecf‑escrituracao‑contabil‑fiscal/perguntas ‑e‑respostas‑pessoa‑juridica‑2017‑arquivos/capitulo‑xvi‑csll‑2017.pdf/ @@download/file/Cap%C3%ADtulo%20XVI%20‑%20CSLL%202017. pdf>. Acesso em: 7 maio 2018. 1.2 Administrando o capital de giro Toda capacidade que seu Antonio tem de conseguir pagar suas dívidas de curto prazo é o que chamamos de gestão de capital de giro. Ele precisa usar o dinheiro de tal forma que consiga comprar as matérias‑primas, fazer o pagamento dos fornecedores e manter o processo produtivo. O dinheiro ainda tem de dar conta da quantidade de estoques, das vendas e do pagamento de salários, impostos e encargos referentes à operação da empresa. O relacionamento entre todas essas questões vistas a partir do balanço é entendido da seguinte forma: 22 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 05 /1 8 Unidade I Quadro 3 Ativo circulante Passivo circulante Gerenciamento de caixa Nível de endividamento Nível de crédito Inter‑relações Condições de financiamento Nível de estoques Adaptado de: Matias (2007, p. 62). Portanto, manter o equilíbrio entre o ativo circulante e o passivo circulante é o que entendemos como gestão do capital de giro. 1.2.1 Gestão do ativo circulante Para o seu Antonio conseguir manter sua padaria funcionando sem problemas, é necessário que ele equilibre as vendas à vista com as vendas a prazo, assim como a quantidade de dinheiro em caixa. A gestão do ativo circulante deve saber determinar qual a quantidade ideal de dinheiro disponível em caixa necessário para manter a atividade operacional da empresa. Também deve haver dinheiro para os casos de emergências ou de problemas no mercado. Seu Antonio deve ter caixa para fazer uma campanha de vendas ou publicar um site na internet. Os bancos que acompanham seu Antonio verificam a capacidade dele em manter a empresa líquida, quer dizer, com dinheiro em caixa para dar respostas às necessidades financeiras. Os bancos também dão descontos nas tarifas bancárias de acordo com o dinheiro depositado em conta. Manter dinheiro no caixa também facilita quando ele é necessário para aproveitar descontos especiais por compras volumosas ou para pagamentos antecipados. Nas empresas financeiras, como os próprios bancos, trabalha‑se na verdade com uma política de caixa zero. Em outras palavras, o equilíbrio ideal do caixa é estar sempre perto de zero, pois todo dinheiro que não é utilizado deve estar investido e rendendo alguma coisa. Claro que isso tem de ser equilibrado com as despesas, mas essa otimização é perseguida pelas empresas que têm no dinheiro o seu produto principal. Para as empresas que financiam seus clientes com vendas a prazo, como no caso do seu Antonio recebendo o vale‑refeição, é necessária uma política de crédito que esteja em equilíbrio com as vendas à vista. Algumas empresas, como as lojas de eletrodomésticos, vivem de conceder crédito, tornando o próprio financiamento mais importante do que a mercadoria que vende. Nesses casos, o nível de crédito depende diretamente do comportamento das vendas e de uma política de crédito que leve em conta a avaliação do risco de crédito, os prazos de recebimento e a política de cobrança. 23 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 05 /1 8 CAPITAL DE GIRO E CONTROLE DE RESULTADOS Para o seu Antonio, ainda é importante a gestão do estoque para determinar seu nível adequado. Ele sempre deve estar fazendo uma comparação entre o custo do estoque, sua rotatividade e seus níveis mínimo e máximo. 1.2.2 Gestão do passivo circulante A gestão do passivo é relativamente mais fácil, pois é fácil determinar um limite para o nível de endividamento que o seu Antonio pode assumir. As fontes do passivo circulante são recursos de curto prazo; podemos pensar no cheque especial, nas linhas de crédito bancário, nos adiantamentos das vendas realizadas através da operação chamada de descontos de duplicatas, mas também os pagamentos aos fornecedores, os salários e os impostos a pagar podem se tornar fontes do passivo circulante. Muitas vezes, basta lançar todos os custos num calendário e somá‑los para que se tenha boa ideia de como administrar o passivo circulante, pois ele configura suas dívidas imediatas. 1.2.3 Capital de giro total O capital de giro bruto pode ser chamado de capital de giro total (CGT). O CGT nada mais é do que nosso velho conhecido, o ativo circulante. No ativo circulante é que encontramos as disponibilidades, os recebíveis e os estoques. Também podemos pensar no capital de giro total como o investimento de capital nos ativos de curto prazo. O capital de giro total deve levar em consideração as contas do passivo circulante, pois é o equilíbrio entre o ativo circulante e o passivo circulante que vai manter a empresa funcionando bem. 1.2.4 Capital de giro líquido A diferença entre o ativo circulante (AC) e o passivo circulante (PC) de uma empresa recebe o nome de capital de giro líquido (CGL): CGL = AC ‑ PC O capital de giro líquido é quando todo dinheiro disponível mais o dinheiro das aplicações financeiras, o dinheiro das contas a receber e o valordos estoques somados ultrapassam o valor de todas as contas que precisam ser pagas pela empresa durante um ano. Para a contabilidade, quando a empresa exibe um capital de giro líquido positivo, isso significa que seu ativo circulante é maior do que o passivo circulante. Ou seja, na soma dos itens que compõem o ativo circulante há dinheiro suficiente para pagar as contas registradas no passivo circulante. Com o capital de giro líquido positivo, os recursos que podem fazer os financiamentos de longo prazo estão sendo utilizados para financiar os ativos de curto prazo. Há quem veja isso com cautela, pois nessa situação o capital de giro líquido poderia representar a falta de reservas da empresa para investimentos futuros, porque poderia indicar que está se usando dinheiro do exigível a longo prazo ou mesmo do patrimônio líquido da empresa para pagar as contas de curto prazo. 24 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 05 /1 8 Unidade I Por outro lado, quando o faturamento é menor do que as contas, ou, em outras palavras, quando o ativo circulante é menor que o passivo circulante, a empresa possui capital de giro líquido negativo. Isso indica falta de dinheiro para pagar os compromissos assumidos. Nesse quadro, o capital de giro líquido representa a parcela do ativo permanente que está sendo financiada com recursos de curto prazo (passivo circulante). Isso significa na prática que estamos usando o dinheiro que seria para pagar os fornecedores, os empréstimos etc. Com o capital de giro líquido negativo, sabemos que os recursos de curto prazo são usados para financiar os ativos de longo prazo. Para sabermos quanto de capital de giro líquido tem o seu Antonio, fazemos a seguinte demonstração: Tabela 4 Ativo circulante Passivo circulante Disponibilidades $ 45.000 Contas a receber $ 5.000 Estoques $ 14.000 Fornecedores $ 20.000 Total $ 64.000 Total $ 20.000 Portanto, o capital de giro líquido da padaria é de: CGL = AC – PC = $ 64.000 ‑ $ 20.000 = $ 44.000 1.2.5 Motivos para as variações no capital de giro líquido Figura 6 Existem algumas mudanças perceptíveis no CGL. Elas indicam basicamente modificações que fazemos quando escolhemos quais pagamentos ou investimentos resolvemos fazer. Existem as mudanças que aumentam o CGL e as mudanças que diminuem o CGL. 25 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 05 /1 8 CAPITAL DE GIRO E CONTROLE DE RESULTADOS As que aumentam o CGL são: • O aumento de faturamento que gera lucros da empresa. • Os aumentos de capital que acontecem quando os proprietários resolvem investir mais na empresa. • Os empréstimos obtidos junto a bancos de investimento, com preferência por investimento público. • As vendas à vista de imóveis da empresa, por exemplo, que pertencem ao ativo permanente. • Casos em que algumas aplicações financeiras de longo prazo são resgatadas, e o valor que antes era alocado como ativo realizável de longo prazo, pois as aplicações só seriam resgatadas depois de um ano, é resgatado imediatamente, tornando‑se, portanto, capital disponível. Por outro lado, as seguintes ações acabam diminuindo o CGL: • A distribuição de dividendos aos proprietários ou acionistas. • A compra de um imóvel, que representa um investimento no ativo permanente. • Algum adiantamento dos pagamentos de empréstimos de longo prazo. O adiantamento transforma uma conta do passivo exigível a longo prazo – ELP, por exemplo, um empréstimo bancário – numa conta do passivo circulante. Então, se o seu Antonio resolver comprar a loja onde funciona a padaria, ele vai alterar o capital de giro líquido da padaria. 1.2.6 Capital de giro próprio Figura 7 26 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 05 /1 8 Unidade I O capital do seu Antonio que é utilizado para financiar o capital de giro tem o nome de capital de giro próprio (CGP). Esse capital próprio é um ativo de curto prazo. A soma do ativo realizável a longo prazo mais o ativo permanente, deduzida do patrimônio líquido, constitui o capital de giro próprio. CGP = Patrimônio líquido – Ativo permanente – Realizável a longo prazo Para a padaria do seu Antonio, fica assim: Tabela 5 Ativo permanente Patrimônio líquido Imobilizado $ 30.000 Capital social $ 70.000 Lucros acumulados $ 4.000 Total: $ 30.000 Total: $ 74.000 Aqui utilizamos apenas o ativo permanente porque o seu Antonio não tem ativos realizáveis a longo prazo. Tabela 6 Patrimônio líquido $ 74.000 ‑ Ativo permanente $ 30.000 = Capital e giro próprio $ 44.000 Portanto, essa diferença entre patrimônio líquido e ativo permanente é igual ao capital de giro próprio da padaria do seu Antonio. Portanto, vemos porque ele é um empresário de sucesso. Ele mantém sempre sua padaria com bastante dinheiro disponível para pagar as contas e ainda tem o suficiente para um momento de crise, ou mesmo para investir numa segunda padaria no futuro. Observação Muitos empresários confundem capital de giro próprio com lucro líquido. Muitas vezes lançam mão desse capital de giro para gastos pessoais. 1.2.7 Capital de giro operacional Para organizarmos a gestão do capital de giro, precisamos primeiro dividir essa tarefa em três partes: como entender o capital de giro operacional, o capital de giro financeiro e como organizar uma administração integrada do capital de giro. Administrar o capital de giro operacional é a mesma coisa que fazer a gestão das contas do ativo circulante e do passivo circulante. Estamos falando, de um lado, de fornecedores e de contas a pagar, 27 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 05 /1 8 CAPITAL DE GIRO E CONTROLE DE RESULTADOS como salários, encargos e impostos, e de outro, também das contas a receber e do estoque. Em outras palavras, essas contas espelham as operações específicas que operam a transformação entre trabalho e dinheiro e entre mercadoria e dinheiro. Essas contas fazem parte da rotina da padaria do seu Antonio, e você deve entender que toda empresa tem uma rotina operacional. Portanto, toda empresa tem um ciclo operacional. Esse ciclo operacional é o tempo que leva entre a compra de matéria‑prima ou mercadorias por uma empresa, sua transformação em produtos ou em estoque de vendas e, finalmente, sua venda ao consumidor. No caso do seu Antonio, esse ciclo recomeça todo dia: ele todo dia faz pão e compra cedo a comida que será servida no almoço. Traz tudo para dentro da cozinha da padaria, onde as mercadorias são processadas e preparadas para servir, e as coloca no bufê, onde os clientes vão se servir. Depois de comerem, pagam a conta. Nas grandes fábricas de eletrônicos ou automóveis, esse ciclo chega a levar alguns meses. A matéria‑prima chega na fábrica, e é gradativamente transformada em novos produtos. Há vários processos envolvidos, e os tempos da fabricação de cada parte de uma máquina de lavar roupa, ou de um computador, é diferente. Lembrete Uma das primeiras providências quando se administra uma empresa nova, conhecida hoje em dia como startup, é tentar determinar qual será o tamanho de seus ciclos. 1.2.8 Ciclo operacional Um ciclo operacional é o tempo que demora entre o período de fabricação e a venda do produto. Quanto mais demorada for a entrada de dinheiro depois de fabricado um produto ou realizado um serviço, maior será a necessidade financeira da operação da empresa. Seu ciclo operacional é maior. Usamos no Brasil e em outros países da América Latina o modelo desenvolvido por Michel Fleuriet para estudar os ciclos operacional, econômico e financeiro, pois, segundo Rocha, Klann e Hein (2010), Fleuriet leva em consideração que existe para os casos brasileiros uma nova configuração dos ativos e dos passivos circulantes no balanço patrimonial. Assim, Fleuriet propôs uma nova estrutura de contas: os ativos circulantes financeiros (ACF), chamados por Fleuriet de erráticos, e os ativos circulantesoperacionais (ACO) ou cíclicos. O mesmo se aplica nos passivos circulantes, e ele separou os passivos circulantes financeiros (PCF) ou erráticos dos passivos circulantes operacionais (PCO) ou cíclicos (ROCHA; KLANN; HEIN, 2010). O motivo disso eram as grandes variações dos números de inflação, que ele conheceu quando trabalhou no Brasil. Também existiam mecanismos tipicamente brasileiros, como a correção monetária. 28 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 05 /1 8 Unidade I Assim, para poder entender o que estava acontecendo por aqui e nos países da América Latina, ele achou melhor separar aquilo que se pode prever daquilo que não se pode prever. Nesse modelo, Fleuriet acrescentou ao conceito clássico de capital de giro líquido (CCL = Ativo circulante – Passivo circulante) os conceitos de necessidade de capital de giro (NCG) e de saldo de tesouraria (ST) (FLEURIET; KEHDY; BLANC, 2003). Isso permite verificar separadamente aquilo que é constante no giro operacional da empresa e os sustos que as empresas sentem quando há mudanças bruscas na economia (ROCHA; KLANN; HEIN, 2010). Fleuriet estava estudando as questões dos prazos nos ciclos operacionais de fábricas no Brasil e desenvolveu esse modelo para verificar suas peculiaridades. Em vez de considerar prazos exatos de fabricação, ou tempo exato ou aproximado de recebimento das vendas, ele transformou todos os prazos do ciclo operacional em prazos médios. Compra matéria‑prima PMEMP PMF PMEPA PMR Início fabricação Fim fabricação Vendas Recebimento vendas Figura 8 – Diagrama de ciclo operacional de Fleuriet Compra A B C D PME‑MP PME‑PF PME‑PA PMRPMP Ciclo econômico Ciclo financeiro Ciclo operacional Início produção Pagamento fornecedor Término produção Venda Recolhimento cliente PME-MP ‑ Prazo médio de estocagem de matéria‑prima PMR ‑ Prazo médio de recebimento PME-PF ‑ Prazo médio de estocagem de produtos na faricação PMP ‑ Prazo médio de pagamento PME-PA ‑ Prazo médio de estocagem de produtos acabados Figura 9 – Diagrama do ciclo de Fleuriet apresentado pelo Sebrae O período entre a compra de matéria‑prima e o início da fabricação é o prazo médio de estoques (PME). Esse prazo médio é composto do momento em que a matéria‑prima está sendo estocada; num segundo momento, continuamos a contar o PME durante o tempo que a matéria‑prima está sendo transformada na fabricação; já o terceiro momento do PME ocorre quando os produtos acabados ficam estocados para venda. 29 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 05 /1 8 CAPITAL DE GIRO E CONTROLE DE RESULTADOS Temos na figura: • PME-MP, ou prazo médio de estoques de matérias‑primas: é o prazo médio que financeiramente começa no momento da compra da matéria‑prima e o início da fabricação. • PME-PF, ou prazo médio de estocagem de produtos na fabricação: é o prazo médio entre o início e o fim da fabricação. • PME-PA, ou prazo médio de estoques de produtos acabados: é o prazo médio entre o fim da fabricação e as vendas dos produtos. • PMR, ou prazo médio de recebimento: é o prazo médio entre a venda de produtos e os recebimentos das vendas (MATIAS, 2007). Esse ciclo operacional clássico para a indústria é diferente em outras atividades. Para o seu Antonio, quase tudo ocorre num único dia. Todo dia são compradas matérias‑primas, são assados pães e doces e feitas refeições que são vendidas diariamente para os clientes. Portanto, algumas empresas têm um ciclo operacional diário, enquanto outras, como construtoras de estradas ou de pontes, têm um ciclo operacional que pode ultrapassar dois anos. Por isso a empresa precisa adequar a quantidade de capital de giro ao seu ciclo operacional. Também é importante para as empresas saberem a hora de transformar um determinado ativo num outro ativo. Em outras palavras, há a hora de comprar, que tem de ser diferente do momento em que se paga os salários. Nesses dois momentos, a empresa é obrigada a tirar o dinheiro de investimentos financeiros para poder cumprir suas obrigações. Portanto, é planejando suas necessidades de caixa que a empresa poderá verificar a melhor maneira de negociar prazos com os fornecedores e eventuais empréstimos bancários. Cada forma de financiar vai ter como consequências o custo de aquisição e o risco que a empresa vai correr se não receber, pois isso vai afetar a possibilidade da empresa em saldar seus compromissos. 1.2.9 Ciclo econômico e ciclo financeiro Figura 10 30 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 05 /1 8 Unidade I Sabendo que o ciclo operacional é o tempo entre a compra da matéria‑prima e o recebimento dos pagamentos, temos de entender que há mais dois ciclos que podemos observar que acontecem dentro e ao mesmo tempo que o ciclo operacional da empresa. Num primeiro momento, você pode pensar que os ciclos econômicos e financeiros parecem a mesma coisa, mas são na verdade bem diferentes. O ciclo econômico diz respeito apenas aos eventos de natureza econômica do processo, começando na compra de matéria‑prima e terminando na venda dos produtos. Pode parecer estranho, mas o ciclo econômico não envolve o recebimento do dinheiro das vendas, por dois motivos principais. O primeiro motivo é que assim que são feitas as vendas, é necessário que se recomece a comprar matérias‑primas para reiniciar a fabricação. Não dá para esperar o recebimento do dinheiro das vendas numa fábrica, senão a fábrica para. O segundo motivo é contábil, pois no ciclo econômico a ideia é que o processo decorrente desse ciclo gere lucro. Mas sabemos que uma empresa pode gerar lucro ou não, mas não pode ficar sem caixa. Por isso que pensamos o ciclo financeiro como paralelo ao ciclo operacional, acontecendo ao mesmo tempo, mas que alcança principalmente os momentos em que é necessário usar o caixa da empresa. O ciclo financeiro, portanto, é composto dos momentos em que se põe a mão no bolso. Começa no pagamento das compras de matéria‑prima – portanto, começa depois do ciclo econômico – e termina no momento do recebimento do dinheiro das vendas. Difere do ciclo econômico, que começa quando da encomenda da matéria‑prima e termina nas vendas, e do ciclo financeiro, que começa no momento em que se tem de pagar essa matéria‑prima e termina quando recebemos o dinheiro das vendas. Então há uma defasagem de tempo entre os dois ciclos, os quais, como já dissemos, ocorrem ao mesmo tempo que o ciclo operacional. O motivo maior desse tipo de separação entre os dois ciclos é que uma empresa pode até não ter lucro num determinado ano, mas nunca pode ficar sem dinheiro no caixa. Isso pressupõe ações separadas para as duas coisas, que a princípio parecem uma só. Durante o ciclo financeiro, todas as movimentações de caixa devem estar previstas para que a empresa não sofra com a falta de capital. Para isso, o ciclo financeiro calcula o prazo médio de estoques (PME), o prazo médio de recebimento (PMR) e o prazo médio de pagamento (PMP). O intervalo de tempo médio que acontece entre o momento do recebimento da matéria‑prima e a venda do produto acabado é o que chamamos de PME. Pensemos aqui de novo na padaria do seu Antonio: será que o tempo médio de utilização de carne e ovos na padaria é o mesmo que o de farinha de trigo ou queijo prato? Claro que não. Carne e ovos podemos guardar por algumas semanas, mas farinha de trigo e queijo prato podemos guardar por mais de um ano. Por outro lado, depois de feita a comida, o seu Antonio precisa vender tudo no mesmo dia. Se não vender, estraga. Então, para calcular o prazo médio do estoque PME, é necessário dividir o valor dos produtos em estoque pelo valor das vendas diárias. Nesse sentido, você vai perceber que a padaria que vende pão pelo preço do quilo e também comida a quilo, como a do seu Antonio, é muito mais parecida com uma fábrica do que, por exemplo, um restaurante que vende pratos que os clientesescolhem no menu. 31 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 05 /1 8 CAPITAL DE GIRO E CONTROLE DE RESULTADOS Para o seu Antonio, há uma facilidade em calcular quanto de carne foi preparada no dia e quanto custou, assim como de arroz ou todos os outros alimentos. Por isso ele consegue saber, pelo preço que cobra o quilo do pão e da comida, como isso impacta na sua rentabilidade financeira. Vamos pensar que seu Antonio mantém em média $ 20.000,00 em estoque. Ele vende 100 kg de pão por dia e 60 refeições diárias no almoço. Cada refeição pesa em média 300 gramas. Assim, num dia ele vende em média 100 kg de pão, e 18 quilos de comida. Numa semana, em sete dias de operação, ele vende pão todo dia, mas comida apenas seis dias na semana. São 700 kg de pão por semana, com um preço de $ 12,00 por quilo, num total de $ 8.400,00 de faturamento bruto com o pão. E vende ainda 108 quilos de comida por semana. Se ele cobrar $ 30,00 por quilo de comida vendida, seu faturamento bruto será de $ 540,00 por dia, ou $ 3.240,00 por semana. No mês a padaria fatura em média $ 46.560,00, fora todos os demais produtos que ele vende o tempo todo, como manteiga, leite, queijo, frios etc. Se o custo de fabricação do pão é de aproximadamente 50% do preço de venda, seu custo de produção de pão diário equivale a $ 6,00 x 100 kg = $ 600,00. Para a comida produzida, se o custo por quilo for de $ 15,00, então esse é considerado o custo do produto vendido (CPV). Como ele vende 18 quilos por dia, seu custo de fabricação do produto vendido é de $ 270,00. Então, se dividimos o valor do estoque médio do seu Antonio de $ 20.000,00 pelo valor dos quilos de pão diários mais os quilos de comida produzida, $ 600,00 + $ 270,00, dividimos o valor do estoque pelo custo do produto vendido (CPV), para verificar qual o prazo médio de estoque (PME). PME = Estoque / CPV diário PME = $ 20.000,00 / $ 870,00 = 23 dias Isso significa que decorrem, em média, 23 dias entre a recepção de toda a matéria‑prima para a produção dos alimentos e a venda do produto acabado. O Prazo Médio de Recebimento ‑ PMR é o tempo médio necessário para transformar as vendas em dinheiro em caixa. No caso do seu Antonio temos duas situações: as pessoas que pagam à vista em dinheiro ou cartão de débito, e as pessoas que pagam a prazo com cartão de crédito ou vale‑refeição. A formula é, segundo Rocha, Klann e Hein (2010): PMR = Contas a receber / Vendas diárias = x dias Já sabemos que o dinheiro que entra no caixa se torna imediatamente parte das disponibilidades. Para a outra metade, vamos considerar a fórmula. Estamos supondo aqui que o seu Antonio recebe metade à vista e metade a prazo os 100 kg de pão e 18 kg de comida que ele vende diariamente. Apesar das formas diferentes de pagamento do cartão de crédito e do vale‑refeição para o dono da padaria, vamos aqui assumir que as 32 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 05 /1 8 Unidade I empresas têm a mesma política de pagamento, pagando o seu Antonio 10 dias após o término do mês. Isso significa que todos os recebimentos a prazo serão pagos numa única data do mês seguinte. Metade do seu faturamento diário será pago em até 40 dias. Essa metade corresponde a 50% da sua produção, portanto, 50 kg de pão e 9 kg de comida. Então temos: PMR = ($ 46.560,00 / 2 de faturamento bruto) / (50 kg de pão+ 9 kg de comida) = $ 23.280,00 / ($ 600,00+ $ 270,00) = 27 dias Assim, é necessário esperar 27 dias para receber o valor integral da venda. Por outro lado, o seu Antonio tenta estender ao máximo os prazos de pagamento daquilo que ele precisa no seu estoque. Algumas coisas ele precisa pagar à vista; outras, ele consegue comprar com o cartão corporativo; há ainda as que ele paga com boleto bancário; enfim, as formas como seu Antonio faz negócio com os diversos fornecedores também são muito diferentes. Daí o motivo de saber calcular o prazo médio de pagamento (PMP). Esse prazo é o tempo médio decorrido entre a compra das mercadorias para o estoque e a data do pagamento da venda. Quando dividimos o total das contas a pagar aos fornecedores pelas compras médias realizadas por dia, encontramos o valor do prazo médio de pagamento. Mas primeiro temos de entender como fazer a média das contas diárias. Todo dia seu Antonio tem alguma coisa para pagar, e esse valor varia muito. O cartão da empresa vence no dia 25 e o salário dos empregados é pago duas vezes ao mês, nos dias 5 e 20. Mas há também os recolhimentos de impostos, contas de luz e água etc. O problema é que na padaria do seu Antonio, como na maior parte das empresas do século XXI, não existe uma separação clara entre o que é pagamento de salários, impostos, matérias‑primas etc. Mas no nosso caso específico estamos apenas lidando com a conta estoque da padaria. Basicamente sabemos que seu Antonio mantém um estoque no valor de $ 20.000, então vamos lidar apenas com esse valor, o que dá uma média diária de gasto em torno de $ 667,00. Prazo médio de pagamento: PMP: Contas a pagar / valor das compras por dia = $ 20.000,00 / $ 667,00 = 30 dias Assim, você percebeu que, em média, seu Antonio tem 30 dias para pagar suas contas com os fornecedores. 33 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 05 /1 8 CAPITAL DE GIRO E CONTROLE DE RESULTADOS Já entendemos que o seu Antonio recebe em menos dias dos clientes do que o prazo que tem para pagar seus fornecedores. Para calcular o ciclo financeiro da sua padaria, soma‑se prazo médio de estoques (PME) com o prazo médio de recebimentos (PMR) e subtrai‑se o prazo médio de pagamentos (PMP). Conforme Matias (2006): Ciclo financeiro = (PME + PMR) – PMP Ciclo financeiro = (23 +21) ‑ 30 = 14 dias Para Matias (2006), dessas contas podemos perceber que quando o PME e o PMR são curtos e o PMP é maior, o ciclo financeiro é curto também. Ao contrário, quando o PME é longo e o PMR é mais longo ainda, como é o caso da fabricação de aviões, o ciclo financeiro aumenta muito, podendo inclusive ultrapassar um ano. Por esse motivo, vários tipos de empresas, como as startups, têm altos custos para a manutenção de seus ciclos financeiros. Elas precisam de uma boa administração do capital de giro, que basicamente consiste em aumentar a rotação das contas do ativo circulante, o que reduz o ciclo financeiro. Mesmo quando uma empresa não obtém ganho financeiro com o capital de giro, é aconselhável que seu ciclo financeiro seja curto. As ações mais comuns são reduzir os estoques, produzir e vender mais rápido, diminuir o prazo dos recebimentos das vendas, aumentar as vendas à vista, não perder de vista a cobrança dos pagamentos atrasados e negociar prazos maiores com os fornecedores para o pagamento das suas compras. Dependendo do tipo de empresa, principalmente as do ramo financeiro, algumas conseguem utilizar o resultado de suas operações para financiar seu capital de giro. Podem até mesmo utilizar um financiamento próprio para fazer aplicações no mercado financeiro, por exemplo, melhorando o retorno do capital. Uma conhecida loja brasileira de eletrodomésticos, por exemplo, trabalha com um prazo médio de estoques de 10 dias. Seu prazo médio de recebimento é de 15 dias. Já os clientes obedecem a um prazo médio de pagamento de 45 dias. Isso significa que ela tem um ciclo financeiro de ‑20 dias, ou seja, ela se autofinancia. Além disso, por esse período de 20 dias em que ela não precisa de capital, ela faz aplicações financeiras, geralmente financiando seus próprios clientes. 1.2.10 Verificando a necessidade de capital Tudo isso é muito teórico. Na prática, é muito difícil que os pagamentos que a empresa precisa fazer, as chamadas saídas de caixa, estejam sincronizados com o dinheiro que entra, as entradas de caixa. A falta de sincronização entre os pagamentos, a produção, as vendas e os recebimentos pode acabar impedindo que o ciclo operacional gere recursossuficientes ou que os recursos não estejam disponíveis na hora necessária para manter a atividade operacional da empresa. 34 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 05 /1 8 Unidade I Saiba mais No Brasil, as pequenas empresas encontram apenas nos bancos oficiais linhas de crédito para facilitar sua necessidade de capital de giro: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. Capital de giro. [s.d.]a. Disponível em: <http://www.caixa.gov.br/empresa/credito‑financiamento/capital‑de‑giro/ Paginas/default.aspx>. Acesso em: 7 maio 2018. Surge então a necessidade de capital de giro (NCG). No meu e no teu caso, geralmente parcelamos no cartão de crédito ou até mesmo usamos o crédito especial. Mas as empresas têm outras soluções para esse problema. A NCG envolve as contas operacionais do ativo circulante e do passivo circulante. Quadro 4 Ativo circulante Passivo circulante Ciclo financeiro Caixa e bancos Financiamentos Ciclo financeiro Ciclo financeiro Aplicações financeiras Duplicadas descontadas Ciclo financeiro Ciclo operacional Contas a receber Fornecedores Ciclo operacional Ciclo operacional Estoques Salários e encargos Ciclo operacional A NCG é a diferença entre o ativo circulante operacional e o passivo circulante operacional: NCG = AC operacional – PC operacional A NCG aumenta quando precisamos pagar mais para repor o estoque ou quando queremos aumentar o volume de vendas e por isso precisamos de mais estoque. Ela também ocorre quando temos muitos clientes que não pagam e as contas a receber se acumulam, quando há uma diminuição do prazo de pagamento aos fornecedores ou então se eles aumentam muito seus preços. A situação ideal é não ter necessidade de capital de giro. Isso pode acontecer quando recebemos a maior parte dos pagamentos de clientes à vista. Também ocorre quando recebemos a prazo, a taxa de inadimplência diminui e a pontualidade de pagamentos de clientes aumenta. Quando conseguimos trabalhar quase sem estoques, produzindo tudo por encomenda ou vendendo antes de comprar, como acontece muitas vezes nas vendas pela internet, não precisamos de NCG. Mas como todo mundo que já precisou de crédito sabe, ter NCG não representa um grande problema, desde que a empresa venha a conseguir financiar essa necessidade. Isso acontece quando usamos o capital emprestado para aumentar as vendas, por exemplo. 35 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 05 /1 8 CAPITAL DE GIRO E CONTROLE DE RESULTADOS Vamos voltar à padaria do seu Antonio. Devido ao desemprego, ele agora está vendendo menos quilos de pão e menos quilos de refeições por dia. Antes ele recebia 50% do dinheiro à vista, mas agora, praticamente 100% das refeições são pagas com cartão de crédito ou vale‑refeição. Com isso, algumas mercadorias têm levado mais tempo para girar no estoque, que estão parados. Se houver um aumento no volume dos estoques e ao mesmo tempo um aumento no tempo das contas a receber, o ativo circulante operacional da padaria vai aumentar. Em outras palavras, precisamos de mais dinheiro. Também por causa da crise, os fornecedores forçam uma diminuição no prazo do pagamento das compras de mercadorias. Com isso, diminui o passivo circulante operacional da padaria, pois o prazo de pagamento dos fornecedores, que é uma das suas grandes origens operacionais de recursos, também diminui. Por isso chamamos essa necessidade de capital também de investimento operacional em giro (IOG) ou necessidade de investimento em giro (NIG). As contas de fornecedores e salários e encargos do passivo circulante operacional são usadas para financiar as contas a receber e os estoques, que correspondem ao ativo circulante operacional. Se os recursos operacionais de giro não bastarem, a empresa terá de recorrer a empréstimos ou outros tipos de capital externo. É claro que se o seu Antonio poupou dinheiro, ele mesmo poderá investir mais na padaria. O empréstimo pode vir de bancos particulares, quando custa mais alto e deve ser usado por menos tempo, ou de bancos de fomento do governo, como o BNDES, quando o prazo de amortização pode ser mais longo (ASSAF NETO; SILVA, 2010). Há também a operação conhecida por desconto de duplicatas, que hoje em dia é mais comumente chamada de operações de factoring. As empresas que operam esses recebíveis de empresas costumam cobrar caro pelo serviço, mas muitos bancos comercias não ficam atrás. As grandes empresas constituídas na forma de sociedades anônimas podem buscar capital de investidores de longo prazo por meio de lançamento de títulos, como as ações e debêntures (MATIAS, 2007). As ações são captações de dinheiro que pagam dividendos, ou seja, parte do lucro da empresa remunera esses empréstimos. Já as debêntures são empréstimos com uma taxa de juro e um prazo pré‑estabelecidos. Portanto, nesse momento, o problema do ciclo operacional se torna um problema também do ciclo financeiro. Se a padaria do seu Antonio não conseguir repassar para os clientes a taxa de juros cobrada pelos empréstimos bancários, ele vai sofrer uma perda financeira. Portanto, o custo financeiro terá que ser incluído no preço dos seus produtos para não gerar um prejuízo. 2 O CAPITAL DE GIRO FINANCEIRO Na realidade da maioria das empresas, não existe um cronograma perfeito entre as entradas e as saídas de dinheiro. Portanto, volta e meia todas as empresas acabam tendo necessidade de capital de giro. 36 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 05 /1 8 Unidade I Neste sentido, o saldo de tesouraria é importante para o controle do capital de giro financeiro. Esse conceito vem originalmente do setor dos bancos, em que a Tesouraria controla o fluxo de capitais dentro do banco. Observação Foi apenas depois da crise financeira de 2008 que todas as empresas organizaram seus controles seguindo o exemplo dos bancos e destacando as operações de tesouraria das operações cotidianas do caixa e suas obrigações. Como podemos ver na figura a seguir, o banco se torna um parceiro de todas as horas: guarda o dinheiro do caixa da empresa na conta‑corrente, estimula aplicações financeiras de curto e de longo prazo e concede empréstimos bancários geralmente com o aval do desconto de duplicatas. Se tudo correr bem, sem necessidade de capital de giro, a roda gira da direita para a esquerda. Se a empresa precisar de capital de giro, a roda gira da esquerda para direita, ou seja, a empresa contrata um empréstimo e sai correndo atrás das vendas para poder pagá‑lo. Compra de mercadorias Estoque de mercadorias e material de limpeza da padaria Venda de serviços O dinheiro entra Capital disponível no caixa O dinheiro paga as contas Empréstimos e duplicatas Aplicações financeiras conta‑corrente Fornecedores de mercadorias e serviços Clientes da padaria Banco Figura 11 2.1 Saldo de tesouraria Nos bancos, a Tesouraria é um departamento separado. Ela geralmente controla as contas financeiras, que são o ativo e o passivo circulantes do banco. Uma empresa que precisa de capital de giro não pode se confundir ao gerenciar seus empréstimos, por isso precisa fazer um controle rígido nas contas financeiras. Portanto, mais do que nunca, quando necessita de empréstimos, uma empresa precisa estar atenta aos ativos e passivos financeiros. As contas das disponibilidades, caixa, bancos e aplicações financeiras 37 Re vi sã o: L uc as - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 1 0/ 05 /1 8 CAPITAL DE GIRO E CONTROLE DE RESULTADOS precisam de vigilância redobrada. Da mesma forma, as contas dos financiamentos e duplicatas descontadas também precisam de observação constante para não saírem do controle. Lembrete Quando uma empresa tem necessidade de capital de giro, ela precisa manter sempre um saldo positivo de tesouraria. Para manter o saldo de tesouraria, a empresa deve manter sempre positiva a diferença entre o ativo circulante financeiro e o passivo circulante