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O Início da Física Quântica

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O INÍCIO DA MECÂNICA QUÂNTICA – A NECESSIDADE DE UM NOVO MODELO 
TEÓRICO 
Primeira parte: A Física “Quântica” antes de Einstein; a proposta de Max Planck 
PEDRO SÉRGIO ROSA
1
 
1Professor Associado do Curso de Eletrônica – Modalidade: Automação Industrial FATEC – Tatuí/SP. email – prosa2010@hotmail.com 
 
 
RESUMO 
O objetivo deste artigo é mostrar alguns aspectos fundamentais, que deram origem a um novo 
modelo teórico na Física, sua evolução, e os conflitos a partir das ideias principais de Max Planck, que 
tiveram a participação de Einstein nos desdobramentos posteriores, principalmente na introdução, em 
1905, da “quantização” da energia de Planck para a radiação do corpo negro. Ainda são objetivos 
evidenciar a defesa de Stark à identidade matemática de Planck-Einstein 
hmc 2
 e a negação de 
Einstein aos princípios de Planck e da inércia da energia; a proposta de Poincaré em 1912 para a 
construção de um novo modelo teórico. No entanto, dividiremos em três partes este artigo, para que se 
perceba a importância histórica do físico alemão na evolução e na defesa das novas ideias, a despeito 
das grandes dificuldades teóricas que enfrentou e da impossibilidade em sintetizar onda e corpúsculo 
numa teoria unificada. A primeira parte tratará da física “quântica” antes de Einstein – a proposta de 
Max Planck; a segunda parte, do “ato de desespero” de Planck e das concepções de Einstein para o 
quantum de ação e o efeito fotoelétrico; a terceira parte, da presença de espírito e do gênio de 
Poincaré, que afirma ser necessário um novo modelo teórico. 
PALAVARAS-CHAVE: física. mecânica quântica. evolução conceitual. história da ciência. 
1. INTRODUÇÃO 
 
É sempre complexo e muito difícil escrever sobre esta parte da física, que apesar de ainda muito 
jovem, produziu um avanço enorme no ramo da tecnologia. Com uma proposta totalmente diferente do 
ponto de vista teórico da Mecânica de Newton, a Mecânica Quântica
1
 introduziu conceitos que seriam 
impossíveis serem abordados de forma completa num simples artigo; seriam necessários muitos 
volumes para poder dar conta de uma quantidade enorme de novos conhecimentos que foram se 
desenvolvendo durante sua criação. Podemos citar como exemplo o livro de Jagdish Mera e Helmut 
Rechenberg - The historical development of quantum theory; em cinco volumes, a coleção descreve 
com muitos detalhes o desenvolvimento da teoria, seus conflitos, mudanças de rota e novas 
concepções, mas não representa a totalidade do que se produziu neste período. O físico de maior 
influência do século XX é, sem dúvida, o judeu-alemão Albert Einstein (1879-1955), que, com sua 
coragem e grande poder intuitivo, apropriou-se de algumas concepções de Max Planck, porém, com 
originalidade e criatividade, desenvolveu novas concepções sobre o produto da interação da radiação 
com a matéria, principalmente explicando teoricamente o resultado experimental do efeito 
fotoelétrico. 
Este efeito fora demonstrado experimentalmente por Heinrich Hertz (1857-1894) em 1887
2
. No 
entanto não se pode atribuir todas as idéias originais da Mecânica Quântica a Einstein, como o faz 
deliberadamente o físico estadunidense Abraham Pais em seu livro – Sutil é o Senhor... A Ciência e a 
Vida de Albert Einstein3. Podemos dividir os passos iniciais da nova teoria em antes de Einstein, que 
até então era somente um funcionário de um escritório de patentes na Suíça e, depois de Einstein, que, 
 
1 Para um estudo mais detalhado sobre as origens empíricas da Mecânica Quântica consultar o excelente trabalho do 
Professor Bruce Wheaton - The tiger and the shark - Empirical roots of wave-particle dualism. 
2 Neste experimento, Hertz demonstra que a luz se propaga como uma onda eletromagnética. 
3 O título original é “Subtle is the Lord...” The science and the life of Albert Einstein – New York: Oxford University 
Press,1982. 
em 1905, publica um artigo seminal sobre o quantum de ação de Planck e, explica o fenômeno 
chamado de efeito fotoelétrico4, como já descrito acima, imaginando a luz como um conjunto de 
partículas localizadas no espaço. Este artigo foi traduzido para o inglês pelos físicos A. B. Arons e M. 
B. Peppard como Concerning an heuristic point of view toward the emission and transformation of 
light (Sob um ponto de vista heurístico em relação à emissão e transformação da luz); ele descreve a 
defesa de Einstein entre a diferença que havia em relação à descontinuidade da matéria e a 
continuidade dos campos, ou seja, a diferença entre as visões que havia na época sobre a matéria e a 
radiação. Voltaremos a discutir estas questões sobre a posição de Einstein em direção a um modelo 
corpuscular mais adiante, na segunda parte deste artigo. 
2. ANTECENDENTES HISTÓRICOS – O PROBLEMA DO “CORPO NEGRO” 
 
Antes de entrarmos nas discussões sobre o quantum de ação de Planck, precisamos descrever de 
forma breve o que havia de certeza e de dúvida antes que este outro físico alemão ocupasse o cenário 
das pesquisas física. 
No final do século XIX, a física parecia ter atingido o clímax da compreensão dos fenômenos. 
As leis de Newton para a mecânica e para a gravitação, que vinham sendo aperfeiçoadas desde o 
século XVII, descreviam com grande precisão o comportamento dos corpos celestes e terrestres. Em 
contrapartida, as propriedades elétricas e magnéticas haviam sido unificadas através da teoria 
eletromagnética proposta por James Clerk Maxwell (1831-1879). Essa teoria estabeleceu que a luz 
seria uma forma de onda eletromagnética que se propagaria pelo espaço, assim (segundo aceitamos 
atualmente) o raios X, os raios γ, os raios ultravioleta e as radiações infravermelhas, etc., também são 
considerados como propagações ondulatórias. 
Com o estabelecimento de regras bem definidas para o comportamento da matéria e das ondas, 
restaria aos físicos então apenas o trabalho de aplicá-las. Não haveria fenômenos que não pudessem 
ser explicados; haveria apenas o trabalho de desenvolver e ampliar as técnicas existentes para sistemas 
cada vez mais complexos. O grande físico inglês Lord Kelvin (Willian Thomson; 1824-1927), em 
1900, chegou a afirmar que a física havia atingido o seu limite e que somente duas nuvens negras 
ameaçavam seu horizonte; apenas dois fenômenos ainda estavam sem explicação: o experimento de 
Michelson e Morley, que procurava determinar a velocidade da Terra em relação ao hipotético éter; e 
a distribuição de energia da luz na radiação do corpo negro
5
. No entanto, foram justamente estas 
duas nuvens negras e as tentativas de explicação de seus resultados experimentais que levaram à 
elaboração de duas teorias. Estas novas teorias alterariam profundamente a física como era conhecida 
até então, e passaram a ser denominadas: Teoria da Relatividade e Teoria Quântica. 
A unificação desses novos modelos teóricos ganhará força com a síntese onda-corpúsculo 
proposta por Louis de Broglie entre 1923 e 1924, dando início à Mecânica Ondulatória e a novas 
formulações desenvolvidas por grupos brilhantes de jovens físicos, tais como: Heinsenberg, Dirac, 
Schrödinger, entre outros (ROSA, 2004)
6
. 
O segundo fenômeno refere-se à radiação eletromagnética ou mais especificamente radiação do 
corpo negro, mas não necessariamente a luz comum, e era explicado levando-se em consideração a 
teoria eletromagnética, a mecânica estatística e a forma como a radiação interage com a matéria. 
Quando se fala em uma data histórica para a origem da Mecânica Quântica sempre se pensa no mês de 
dezembro de 1900; foi nesse período que Max Ludwig Planck (1858-1947) em seus estudos sobre a 
radiação do corpo negro introduziu o conceito de quantum que significa em latim,unidade mínima, 
indivisível, lembrando o átomo de matéria
7
. Nesta época, pode-se verificar que algumas grandezas 
físicas eram consideradas como tendo descontinuidade, ou seja, podiam ser divididas em unidades 
 
4 Título original: Über einen die Erzeugung und Verwandlung des Lichtes betreffenden heuristischen Gesichtspunkt, 
publicado na revista Annalen der Physick em 1905. 
5 Grifos nosso. É imprescindível a consulta ao livro do Físico e Historiador da Ciência Thomas Samuel Kuhn - Black–body 
theory and the quantum discontinuity (1894-1912). Neste trabalho pode-se compreender as principais motivações que 
culminaram com a mudança de rumo na física conhecida até então, a Física Clássica ou Newtoniana. 
6
 Ver esta referência para maiores detalhes sobre a síntese proposta por Louis de Broglie. 
7 Mais tarde, em 1926 o quantum de energia seria conhecido como fóton para a luz graças ao artigo de Gilbert Lewis 
publicado na revista Nature – ver bibliografia. 
diminutas (como a carga elétrica). No entanto, outras grandezas como espaço, tempo e até mesmo a 
energia eram consideradas contínuas; o campo poderia ser considerado contínuo. 
2.1 A TEORIA DO CORPO NEGRO 
Os estudos sobre este fenômeno (“corpo negro”) iniciaram-se por volta de 1859, com os 
trabalhos de Gustav Robert Kirchhoff (1824-1887) sobre o espectro observado do Sol. Nesses 
trabalhos, Kirchhoff tentava encontrar uma relação entre a temperatura de um corpo que emitia luz e 
as propriedades da radiação emitida. Em geral, a natureza da superfície do material que a compõem 
influencia na emissão da radiação. Porém, através de um argumento termodinâmico ao analisar vários 
corpos em equilíbrio, Kirchhoff provou que o fluxo da radiação emitida pela superfície é independente 
do material, o que é um resultado interessante e tem várias consequências, como a de saber qual seria a 
temperatura mínima em que ocorreria essa emissão. Além disso, em uma situação de equilíbrio 
termodinâmico, o fluxo da radiação absorvida é igual ao fluxo da radiação emitida. Neste caso, se uma 
superfície for totalmente negra, caso em que ela seja capaz de absorver toda a radiação que lhe incide 
(máxima absorção), ela também será o melhor emissor de radiação, no equilíbrio térmico.Kirchhoff 
concentrou-se no estudo teórico dos corpos negros, e considerou que um corpo negro ideal seria uma 
cavidade com um pequeno orifício, pelo qual a radiação pudesse entrar e sair livremente. Desta 
hipótese, estabeleceu uma relação simples entre a densidade de radiação u dentro da cavidade 
(Hohlraum, em alemão) e o fluxo de energia Φ, emitido pelo orifício. Matematicamente, tem-se a 
seguinte relação: 
 
c
u
4

 (1) 
Aqui, c representa uma constante geométrica relacionada às dimensões da cavidade8. Outro 
cientista que contribuiu para o desenvolvimento da teoria do corpo negro foi o esloveno Joseph Stefan 
(1835-1893). Em 1879, segundo Abraham Pais (PAIS, 1979) ele estava estudando as medidas 
realizadas pelo físico inglês John Tyndall (1820-1893), em 1865, da emissão de radiação por um fio de 
platina em duas temperaturas diferentes. Stefan concluiu que essa emissão era proporcional à quarta 
potência da temperatura absoluta e, dado pela expressão matemática abaixo. 
 
4kT
 (2) 
 
Definindo literalmente esta lei, temos que: a energia total irradiada pelo corpo negro, para 
todos os comprimentos de onda é proporcional à 4a potência da temperatura absoluta, sendo 
402
121038,1
Ccms
calk


. Esta lei que parece ter surgido de críticas às experiências de Dulong e Petit
9
 
tem grande importância, pois mostra a fortíssima dependência que há entre a energia emitida por uma 
fonte quente e a temperatura absoluta
10
. O problema é que as conclusões de Stefan não tinham 
nenhuma base teórica, sendo fruto de um único experimento com fios de platina, em duas 
temperaturas diferentes (por exemplo: entre 500 e 5000 
0
K). Evidentemente, um fio de platina não é 
um corpo negro ideal e seria incorreto deduzir uma expressão matemática a partir de tão poucos dados, 
porém, apesar dessa precariedade teórica, a fórmula apresentada por Stefan está correta. Talvez por 
essa razão, a radiação do corpo negro atraia tão pouco interesse da comunidade de físicos da época, 
como comenta em seu artigo O nascimento de uma nova física, o professor Roberto Martins 
(MARTINS, p. 6). 
Outro colaborador de grande intelecto que estudou a teoria do corpo negro (radiação em uma 
cavidade) sob o ponto de vista matemático foi o físico austríaco Ludwig Eduard Boltzmann (1844-
 
8 Para maiores detalhes em relação à visão mais atual sobre o conceito de corpo negro e as leis de Kirchhoff e Stefan, 
consultar o livro – Física Quântica: Átomos, Moléculas, Sólidos, Núcleos e Partículas – Eisberg & Resnick. 
9
 Esta lei será mais bem comentada na segunda parte deste trabalho, pois é a partir da explicação teórica dela que Einstein 
começa a fazer parte da comunidade científica e, inicia sua trajetória como cientista de grande influência no cenário mundial. 
10
 Verificar o livro “Origens Históricas da Física Moderna” pp. 266-267. 
1906)
11
. De acordo com a teoria eletromagnética, a radiação deve exercer uma pressão P sobre as 
paredes da cavidade, proporcional à densidade de energia u: 
 
3
u
P 
 (3) 
 
A explicação possível para esta equação é que se o volume da cavidade onde estaria contida a 
radiação variasse de forma adiabática (sem trocas de calor com o meio externo), a pressão realizaria 
trabalho e, assim, haveria variação da temperatura. Boltzmann estudou esse tipo de processo e, a partir 
da termodinâmica mostrou que a densidade de energia da cavidade deveria ser proporcional à quarta 
potência da temperatura, exatamente como Stefan havia concluído a partir das medidas de John 
Tyndall (1820-1893) [equação (2)]. Essa expressão que depois passou a ser chamada de “equação de 
Stefan-Boltzmann”, foi testada e confirmada em 1897 por diversos pesquisadores, como: Friedrich 
Paschen (1865-1947), Otto Lummer (1860-1925), Ernst Pringsheim (1859-1917), Charles Elwood 
Mendenhall (1872-1935) e Frederick Albert Saunders (1875-1963). 
Mesmo não havendo muito interesse da comunidade de físicos da época sobre este ponto da 
física, percebe-se que alguns pesquisadores buscaram dar uma explicação para os resultados 
experimentais. É óbvio que se trata de apenas uma parte da física mais geral que é a termodinâmica. 
Tentar compreender a evolução histórica dessas propostas ajuda a entender melhor como Planck se 
apropriou dos resultados e teorias daquele período. A figura abaixo mostra alguns resultados 
experimentais de alguns dos pesquisadores acima envolvidos com o conceito de corpo negro
12
. 
 
Discutiremos mais adiante os detalhes matemáticos da lei de Wien (lei do deslocamento) no 
item 3.1; no entanto, o gráfico acima mostra que a intensidade da radiação (u) emitida por um corpo 
incandescente (“corpo negro”), mantido a determinada temperatura, varia com o comprimento de onda 
(λ) (BORN, 1986) . Para ondas muito curtas, assim como para ondas muito longas, a intensidade é 
infinitamente pequena e,por isso, deve ter um valor máximo para determinado comprimento de onda 
(λmáx.). Se se fizer variar a temperatura do corpo radiante, o gráfico da intensidade também varia, a 
posição do ponto máximo é deslocada e obedece à seguinte relação: 
.
.max
constT 
que é expressa em 
função da frequência como na equação (4). 
3. O QUANTUM DE AÇÃO DE MAX PLANCK 
Max Karl Ernst Ludwig Planck
13
 nasceu em Kiel, Alemanha, em 23 de abril de 1858. Era o 
quarto filho de Johann Julius Wilhelm von Planck (1817-1900), professor de direito civil, e de Emma 
Patzig (1821-1914). Realizou os primeiros estudos em sua cidade natal. Em 1867 ingressou no ginásio 
em Munique, onde sua aptidão para a matemática logo se fez notar (STUDART, 2006). Planck 
 
11
 Para detalhes sobre Boltzmann verificar o livro de Abraham Pais p. 67. Na nota de rodapé do livro Pais comenta que 
utilizou o trabalho de Martin Klein sobre Maxwell e Boltzmann. 
12
 Esta imagem foi retirada do livro “Física Atômica” do físico Max Born, p. 228 – 4a edição, 1986. 
13
 O professor Dr. Nelson Studart escreveu um artigo esclarecedor sobre Max Planck na revista Scientific American Brasil. 
Ver bibliografia ao final do artigo. 
Fig.1 – Distribuição da 
intensidade da radiação do calor 
em função do comprimento de 
onda, segundo as medições 
realizadas por 
Lummer e Pringsheim. 
 
ingressou na Universidade de Munique em outubro de 1874. Pensava estudar matemática, mas logo foi 
atraído pela física, pois nutria interesse pelas questões ligadas à natureza do Universo. Nesse período 
fez alguns experimentos sobre osmose dos gases, mas nunca mais voltou a realizar nenhum tipo de 
experiência. Formou-se físico teórico na época em que o status dessa carreira era pequeno se 
comparado com a do pesquisador experimental (STUDART, 2006). Em junho de 1880, Planck 
recebeu autorização para lecionar na Universidade de Munique, graças ao trabalho em que, usando o 
conceito de entropia, estendeu a teoria mecânica do calor para tratar forças elásticas entre corpos a 
diferentes temperaturas. Em maio de 1885, foi nomeado professor extraordinário de física teórica da 
Universidade de Kiel. Continuou com as pesquisas em termodinâmica enquanto sua reputação 
científica aumentava. A repercussão desses trabalhos o levou a suceder Gustav Robert Kirchhoff 
(1824-1887) na Universidade de Berlim em novembro de 1888 e tornar-se diretor do Instituto de 
Física Teórica recém-criado para ele (STUDART, 2006). Antes de entrarmos em detalhes sobre os 
trabalhos teóricos de Planck que o tornaram famoso no meio acadêmico e posteriormente para o mudo 
da ciência, é necessário descrevermos de forma sucinta o trabalho de Wilhelm W. Wien (1864-1928) 
que foi de grande importância para o pensamento físico de Planck. 
3.1 A LEI DE WIEN 
Voltando um pouco à análise de Boltzmann, cujo objetivo era determinar o fluxo total de 
energia em função da temperatura, esta não conseguia proporcionar a distribuição de energia em 
função dos comprimentos de onda (λ) ou frequência (ν) da radiação – isto é, o espectro de radiação do 
corpo negro não era possível ser determinado. Esse aspecto do problema do corpo negro foi estudado 
por Wien em 1894 (ROSA, 2004). Ele avaliou a radiação contida em um cilindro dotado de pistão, 
com as paredes perfeitamente refletoras. Quando o pistão se move e o volume ocupado pela radiação 
varia, quando refletida pelo pistão em movimento deve mudar seu comprimento de onda, por efeito 
Doppler. Wien provou inicialmente que, quando o volume varia de forma adiabática, tanto a 
temperatura T quanto a frequência ν deve variar proporcionalmente. Neste caso, a distribuição 
espectral da radiação mantém a mesma forma, porém, todos os pontos da curva se deslocam, 
mantendo ν/T = cte ou λT = cte; (é a conhecida lei do deslocamento de Wien). Então, se a 
distribuição espectral tiver um ponto de máximo, esse ponto também se desloca, obedecendo à mesma 
relação: 
 
cte
T


 (4) 
Wien mostrou que para satisfazer ao mesmo tempo a lei do deslocamento e a equação de 
Stefan-Boltzmann (equação 2), a densidade de energia deve satisfazer uma equação do tipo: 
 



0
34 )()( dyyfyTTu
 (5) 
Os limites de integração podem variar do zero (0) ao infinito (∞) e a variável y é definida por 
y = ν/T. A demonstração mais detalhada desta expressão pode ser encontrada no apêndice XXXIII do 
livro Física Atômica do físico Max Born, pp. 503-508. Segundo consta da descrição do artigo de 
Martin Klein pp. 6-7, de 1977, a dependência da densidade de energia com o comprimento de onda (λ) 
e com a frequência (ν) é do tipo: 
 
 d
T
FdBdu 





 3)(
 (6) 
e 
  dTdEdu ),()( 5 (7) 
No entanto, a função F(ν/T) ou a função F, caso em que se pudesse utilizar o comprimento de 
onda em lugar da freqüência não podia ser determinada pela termodinâmica. 
Em 1896, para determinar a função F(ν /T), Wien utilizou uma analogia com a distribuição de 
velocidades das moléculas de um gás perfeito – a distribuição de Maxwell-Boltzmann (KUHN, 1978, 
p. 10)
14
. Desta forma, Wien encontrou a densidade de moléculas de acordo com a equação abaixo: 
   dekNdn Tmv22  (8) 
Mas, de acordo com sua análise, Wien havia concluído que a temperatura T deveria aparecer 
sempre sob a forma ν/T, ele substituiu o expoente por βν/T. Por outro lado, como a análise 
termodinâmica havia indicado que a equação deveria ter a forma indicada na equação (6), ele chegou à 
seguinte fórmula: 
     dedu T3 (9) 
Esta “lei de Wien” descrevia a distribuição de energia no espectro da radiação do corpo negro. 
Ela parecia estar de acordo com os dados experimentais conhecidos na época. A equação foi 
confirmada por F. Paschen e H. Wanner em 1897, estudando o caso de baixa temperatura e altas 
freqüências luminosas (PAIS, 1979, p. 868). 
4. PLANCK E A LEI DE WIEN 
Max Planck, que havia se dedicado a estudos sobre termodinâmica e eletromagnetismo, 
interessou-se pela teoria do corpo negro a partir de 1895 (KLEIN, 1962). 
Inicialmente, Max Planck aceitava a teoria de Wien como correta. No entanto, a lei de Wien 
não havia sido deduzida, propriamente. A partir de 1897, Planck procurou encontrar uma 
demonstração dessa distribuição espectral da radiação do corpo negro baseando-se em considerações 
da termodinâmica e do eletromagnetismo (KLEIN, 1977, pp. 3-5; KUHN, 1978, pp. 72-91; MEHRA 
& RECHENBERG, 1982, vol. 1.1, p. 35). A idéia geral utilizada por Planck era que a radiação em 
uma cavidade deve estar em equilíbrio (térmico) com moléculas que emitem e absorvem essa 
radiação. Essas moléculas devem possuir certos osciladores ou ressoadores, cuja estrutura Planck não 
discutiu
15
. Ele imaginou que seria possível chegar à distribuição do espectro do corpo negro estudando 
essa situação de equilíbrio, utilizandoas equações do eletromagnetismo que descrevem a emissão de 
ondas por um dipolo elétrico oscilante e a absorção de energia por este dipolo, relacionando-as com 
equações da termodinâmica (JAMMER, 1966, pp. 10-12). Os dipolos oscilantes (segundo a teoria de 
Maxwell) haviam sido estudados por Heinrich Hertz em 1889, e pelo próprio Planck em 1895 e 1896 
(KUHN, 1978, pp. 29-37). Utilizando esses estudos, Planck calculou a energia emitida Eem e absorvida 
Eabs (por unidade de tempo) por ressoadores eletromagnéticos: 
 

2
222
3
8
mc
ve
Eemitida 
 (10) 
e 
 
 Tu
m
e
Eemitida ,
3
22

 (11) 
 
14
 Ver nota 9. 
15
 Planck aceitava a teoria de Maxwell, segundo a qual a luz era uma onda eletromagnética. Portanto, a emissão e absorção 
da radiação era um fenômeno eletromagnético, que deveria envolver o movimento de cargas elétricas dentro dos átomos ou 
moléculas. A existência do elétron ainda não havia sido estabelecida, e não se sabia qual era a estrutura dos átomos. Assim, 
Planck (como a maior parte dos físicos da época) preferia não discutir detalhes, e trabalhar de modo mais abstrato. 
Nessas equações, e é a carga e m é a massa da partícula que oscila ν é a freqüência do 
oscilador, e 

 é a energia média do oscilador. Na situação de equilíbrio, a taxa de emissão deve ser 
igual à taxa de absorção de energia e, portanto: 
 
  


3
28
,
c
Tu 
 (12) 
Esta relação é puramente clássica, baseada no eletromagnetismo de Maxwell, no entanto 
Planck considerou n ressoadores iguais, com uma energia média 

, mas admitindo que os ressoadores 
individuais pudessem ter energias ε maiores ou menores do que 

. Calculou, então, a relação entre 
mudança de energia e mudança de entropia utilizando esse modelo: 
 




2
2
d
Sd
 (13) 
Desenvolvendo os cálculos matemáticos, conclui-se que: 
 
 

ln
2
2

d
Sd
 (14) 
Essa equação, deduzida do modelo, foi combinada com a relação termodinâmica dS/dε = 1/T e 
Planck obteve a relação abaixo: 
 
Te 


11 

 (15) 
 
Relacionando essas duas equações e combinando com a condição de deslocamento, Planck 
obteve a lei de Wien (equação 9), ou seja, até o início de 1900, a principal contribuição de Planck à 
teoria do corpo negro era ter “provado” a lei de Wien, que antes se baseava em uma analogia. Planck 
acreditava, nessa época, que a lei de Wien era a única compatível com a termodinâmica e o 
eletromagnetismo. Por causa desse trabalho, passou-se a considerar a equação acima como sendo a lei 
de Wien-Planck. 
Porém, medidas do espectro do corpo negro realizadas por Otto Lummer e Ernst Pringsheim 
em 1899-1900 deram resultados diferentes dessa lei (PAIS, 1979, p. 868). As primeiras medidas, de 
1899, indicavam que o espectro se desviava da lei de Wien-Planck para pequenas freqüências 
(radiação infravermelha), mas não estava claro se as diferenças eram importantes. Depois, as 
diferenças entre teoria e experimento aumentaram (KUHN, 1978, p. 93; MEHRA & RECHENBERG, 
1982, vol. 1.1, pp. 39-43). 
Em junho de 1900, Lord Rayleigh propôs uma nova lei para o espectro do corpo negro, 
baseando-se na lei da equipartição da energia e analisando as ondas estacionárias que podem se formar 
em uma cavidade (KLEIN, 1977, pp. 7-9; KUHN, 1978, pp. 144-147; MEHRA & RECHENBERG, 
1982, vol. 1.1, pp. 85-87). Utilizando a teoria clássica de ondas, Rayleigh considerou que a densidade 
de ondas obedeceria à relação Nλ = 8π/λ
4
. Por outro lado, pela lei da equipartição da energia, a cada 
onda estaria associada uma energia E de acordo com a expressão abaixo: 
 
T
N
R
E 






 (16) 
Nesta equação, R é a constante dos gases perfeitos e N é o número de Avogadro (número de 
moléculas por mol). Atualmente chamamos (k = R/N) de “constante de Boltzmann”, porém não se 
utilizava esse nome, na época. A densidade de energia u das ondas na cavidade, de acordo com 
Rayleigh, seria simplesmente o produto da densidade das ondas pela energia de cada uma
16
. 
 


 d
N
RT
ud 






4
8
 (17) 
A densidade de energia pode ser representada também em função da freqüência, 
transformando-se a equação anterior em: 
 
 d
Nc
RT
ud 






3
28
 (18) 
Ao contrário do trabalho de Planck, Rayleigh não se preocupou com as propriedades dos 
osciladores que absorviam e emitiam radiação. Ele estudou apenas as propriedades da própria 
radiação, considerada como um conjunto de ondas na cavidade, e aplicou-lhes a lei da equipartição da 
energia, provando que esta densidade deveria ser proporcional ao quadrado da frequência e à 
temperatura absoluta. Depois, Rayleigh adicionou à fórmula um fator exponencial (KLEIN, 1977, p. 
8). Essa equação satisfazia as medidas de Lummer e Pringsheim, para pequenas freqüências (grandes 
comprimentos de onda). 
As medidas de Heinrich Rubens (1865-1922) e Ferdinand Kurlbaum (1857-1927) eram 
compatíveis com a equação de Rayleigh, para grandes comprimentos de onda, mas esses autores 
apenas afirmaram que seus resultados, como um todo, não eram satisfeitos pela fórmula de Rayleigh 
(KLEIN, 1977, p. 9). 
 Em um trabalho apresentado no dia 18 de setembro de 1900, em que expunham os resultados 
de medidas para comprimentos de onda entre 12µ e 18µ, Lummer e Pringsheim indicaram que as 
diferenças entre os dados experimentais e as previsões teóricas eram de 40 a 50%. A conclusão mais 
imediata foi de que a lei de Wien-Planck estava errada (MEHRA & RECHENBERG, 1982, vol. 1.1, p. 
43). 
 A reação do próprio Wien foi analisar novamente a dedução de sua fórmula. Ele concluiu que a 
teoria apenas garantia que ela deveria ser válida para curtos comprimentos de onda (alta freqüência), 
mas não para grandes comprimentos de onda (MEHRA & RECHENBERG, 1982, vol. 1.1, p. 43). A 
opinião de Wien, expressa em diversos trabalhos, é bastante curiosa. É conveniente reproduzir uma 
parte de um artigo que ele publicou no final de 1900: 
Devo enfatizar, primeiramente, que eu mantenho, em contraste com o Sr. Planck, minha opinião 
apresentada anteriormente, de que as ondas eletromagnéticas curtas e longas – naquilo que se refere às 
suas relações com a radiação térmica – diferem mais do que apenas quantitativamente entre si. Com 
respeito ao processo de absorção, assume-se geralmente que as ondas longas podem ser descritas por um 
único vetor ou, o que dá na mesma, que a matéria pode ser considerada nesse caso como sendo contínua; 
no entanto,para comprimentos de onda mais curtos, a influência da constituição molecular dos corpos 
entra em jogo. Exatamente a mesma coisa deve ser verdade para os processos de emissão. Portanto, eu 
acredito que é muito improvável assumir desde o princípio que uma lei da radiação que se baseia na 
hipótese molecular, possa também ser válida para ondas muito longas. A concordância [da lei de radiação 
de Wien] com os dados empíricos no caso dos comprimentos de onda curtos mostra obviamente que as 
suposições feitas são satisfeitas aproximadamente para ondas cujo comprimento de onda não são muito 
longos. (WIEN, 1900, apud MEHRA & RECHENBERG, 1982, vol. 1.1, pp. 46-47) 
Se existisse uma diferença qualitativa entre ondas de pequeno comprimento de onda e as de 
grande comprimento de onda, não seria possível uma teoria unificada dessas ondas – e, em particular, 
a teoria eletromagnética de Maxwell não poderia ser válida. A posição de Wien era peculiar e 
mostrava uma atitude contrária à unificação, que era a posição predominante na época. Adotar uma 
 
16
 Na verdade, Rayleigh havia cometido um erro numérico na sua dedução. Esse erro só foi detectado em 1905, pelo 
astrônomo inglês James Jeans (MEHRA & RECHENBERG, 1982, vol. 1.1, p. 89). Depois disso, a equação ficou conhecida 
como “lei de Rayleigh-Jeans” (JAMMER, 1966, p. 16). 
teoria válida para pequenos comprimentos de onda e outra válida para grandes comprimentos de onda 
significaria uma perda de unidade da física. 
5. CONCLUSÃO 
Fechamos esta primeira parte do artigo verificando, é óbvio, que havia uma tentativa de fundir 
os aspectos da teoria, termodinâmica, eletromagnetismo, mecânica estatística, etc., com os resultados 
obtidos das experiências com radiação do corpo negro. Embora, Planck tenha apresentado 
demonstrações matemáticas que mostravam a validade da lei de Wien, este parecia não estar certo da 
aplicação da lei em diferentes comprimentos de onda. Isto pode ser observado na sua declaração final; 
reproduzimos aqui parte da citação acima: ... Portanto, eu acredito que é muito improvável assumir 
desde o princípio que uma lei da radiação que se baseia na hipótese molecular, possa também 
ser válida para ondas muito longas... Este trecho mostra que não havia conformidade dos resultados 
experimentais com o modelo apresentado para todo o espectro de radiação envolvendo a dependência 
do comprimento de onda com a temperatura. Talvez, isso possa ter influenciado Planck na hipótese do 
quantum de radiação; fato que estaria em contradição com a teoria eletromagnética estabelecida por 
Maxwell e “verificada” experimentalmente por Hertz. 
 Na próxima parte do artigo, estabeleceremos uma descrição mais detalhada da nova teoria 
proposta por Planck (o quantum de ação introduzido como um ato de desespero), a quantização da 
energia e a influência desta nova teoria sobre o artigo de Einstein envolvendo o efeito fotoelétrico. 
 
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Oxford University Press, 1978. 
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_____„Subtle is the Lord…‟ The Science and the Life of Albert Einstein. New York: Oxford 
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_____'Sutil é o Senhor...' A ciência e a Vida de Albert Einstein. Rio de Janeiro: Editora Nova 
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ROSA, Pedro Sérgio. Louis de Broglie e as ondas de matéria. 2004. 190 f. Dissertação (Mestrado 
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WHEATON, Bruce R. The tiger and the shark: Empirical roots of wave-particle dualism. 
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