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Governo aberto: transparência e dados abertos Transparência, Controle e Participação Fundação Escola Nacional de Administração Pública Diretoria de Desenvolvimento Profissional Conteudista/s Priscilla Ruas (conteudista, 2022) Giovana Bertolini (conteudista, 2022) Maria Moro (conteudista, 2022) Otavio Moreira de Castro Neves (conteudista, 2022) Enap, 2022 Fundação Escola Nacional de Administração Pública Diretoria de Desenvolvimento Profissional SAIS - Área 2-A - 70610-900 — Brasília, DF Módulo 1 – O que é Governo Aberto ...................................................................... 5 Unidade 1 - Origem e conceito de governo aberto .............................................. 5 Unidade 2 - Benefícios de governo aberto ............................................................ 8 Módulo 2 - Os Princípios de Governo Aberto ...................................................... 11 Unidade 1 - Transparência .................................................................................... 11 Unidade 2 - Participação social ............................................................................ 21 Unidade 3 - Integridade pública ........................................................................... 27 Unidade 4 - Accountability: prestação de contas e responsabilização ...........31 Módulo 3 - Implementando medidas de governo aberto .................................34 Unidade 1 - Planejamento da implementação ................................................... 34 Unidade 2 - Iniciativas de governo aberto no Brasil ..........................................35 Unidade 3 - Implementando medidas de governo aberto ................................41 Referências ............................................................................................................. 48 Sumário 4Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 5 Módulo O que é Governo Aberto1 Unidade 1 - Origem e conceito de governo aberto Conhecer a origem e o conceito de governo aberto. Open Government Partnership (OGP) Em setembro de 2011, o Brasil lançou, em conjunto com sete países e nove organizações da sociedade civil, uma iniciativa multilateral internacional chamada Open Government Partnership (OGP) ou, em português, Parceria para Governo Aberto. Por meio desta, os países se comprometiam a: • aumentar a disponibilidade de informações acerca das atividades governamentais; • apoiar a participação cívica; • implementar os mais altos padrões de integridade profissional nas administrações públicas; • ampliar o acesso a novas tecnologias, para fins de abertura e prestação de contas. Por meio dessas medidas, os governos buscam atender melhor às necessidades de seus cidadãos, otimizar o uso de recursos e dar mais eficiência à ação estatal. A ideia lançada pelo OGP cresceu. Atualmente, quase 80 países fazem parte da iniciativa; e organismos internacionais diversos abraçaram a proposta lançada pela parceria. Conceitos amadureceram, novas perspectivas surgiram e ações concretas moldaram novas formas de fazer e pensar governo aberto. 6Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Atualmente, governo aberto é reconhecido pela sociedade, governo e academia como uma forma de gestão pública que favorece a transparência e a participação — imperativos para qualquer governo democrático. Como veremos, governos abertos não só atendem a uma série de princípios democráticos, eles ajudam o Estado a ser mais eficiente, inovador e confiável. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) define governo aberto como: “Uma cultura de governança que promove os princípios de transparência, integridade, accountability, e participação das partes interessadas, como forma de apoiar a democracia e o crescimento inclusivo”. O primeiro aspecto interessante dessa definição é a perspectiva de governo aberto como cultura. Isso porque fomentar tais princípios exige comportamentos, tanto por parte dos servidores, que criam e implementam as políticas públicas, quanto por parte das organizações, que precisam tornar tais processos parte do seu modelo de gestão. Esse ponto é reforçado pela ideia de governança, que pressupõe algo deliberado e que entende que a tomada de decisão da instituição deve considerar as partes interessadas (stakeholders). O que a OCDE propõe, portanto, é uma visão perene de governo aberto, que envolva os mais altos níveis das organizações no compromisso de gestões transparentes, íntegras, participativas e comprometidas em dar respostas à sociedade. A ideia, portanto, é de que governos devem envolver os diferentes setores da sociedade (stakeholders) no planejamento, na execução e no acompanhamento das políticas e serviços públicos, e permita um redesenho que conte, não apenas com a opinião, mas a contribuição direta desses atores no fortalecimento da ação do Estado. Com mais conhecimentos, recursos e perspectivas acerca de um tema, problemas complexos podem ser resolvidos com maior eficiência. Essa visão, reforça o pensamento promovido pela Parceria para Governo Aberto, acerca do tema: “A Parceria para Governo Aberto é baseada na ideia de que um governo Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 7 aberto é mais acessível, mais responsivo, mais transparente e responsável para seus cidadãos, e que melhorar a relação entre pessoas e seus governos traz benefícios de longo prazo para todos”. Você notou diferença nas duas perspectivas? Embora as duas organizações tragam visões distintas a respeito da implementação de medidas, como veremos mais adiante, ambas concordam que governos abertos trabalham, sistematicamente, para serem mais transparentes, mais íntegros, mais participativos e mais responsivos às necessidades de seus cidadãos. E, ao adotarem medidas para tanto, sociedade e Estado colhem benefícios. A ideia de governo aberto implica, também, em liberdade para a sociedade. É o que a OCDE chama de Espaço Cívico. Se o cidadão sente limitações em obter informações, ter respostas às suas demandas ou de participar — seja em função de sua classe, cor, orientação sexual, etnia, religião —, então o Espaço Cívico está comprometido e o governo não está aberto como deveria. Da mesma forma, as liberdades coletivas precisam ser respeitadas. Se as pessoas não podem, dentro da lei, organizarem-se, ou se associarem, também há prejuízo para a participação e limitação do Espaço Cívico. Vários organismos internacionais preveem sanções por ataques a esse espaço, como a OGP, que já advertiu ou suspendeu países, em função disso. Recentemente, o conceito de governo aberto tem sido expandido para a ideia de Estado Aberto, que implica na ideia de ampliação dessa cultura para todos os setores do Estado ou, como conceitua a OCDE, o Estado Aberto ocorre... ...“quando o executivo, legislativo, judiciário, instituições públicas independentes e todos níveis de governo — reconhecendo seus respectivos papéis, prerrogativas e independência, de acordo com suas estruturas legais e institucionais existentes, — colabora, explora sinergias e compartilha boas práticas e lições aprendidas entre si e com outras partes interessadas a fim de promover a transparência, a integridade, a responsividade e a participação das partes interessadas para apoiar a democracia e o crescimento inclusivo”. 8Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Unidade 2 - Benefícios de governo aberto Entender os benefícios de governo aberto. Dezenas de países e organismos internacionais, no mundo inteiro, estão promovendo reformas de governo aberto. Isso porque, a longo prazo, tais medidas trazem uma série de benefícios para a gestão pública e para a sociedade. A seguir, citamos as principais: Eficiência Governos enfrentam desafios, cada vez mais complexos, ao mesmo tempo que sofrem pressão para trabalhar com quadros de pessoal e orçamentos limitados.Uma cultura de governo aberto contribui com medidas de integridade, ao combater a corrupção, promove o uso racional dos recursos, por meio da transparência; e ajuda o governo a priorizar, dentro de suas possibilidades, por meio da interação com a sociedade na tomada de decisões. Inovação Ao abrir espaço para outros atores no desenho e implementação de políticas públicas, governos abertos têm a oportunidade de contar com especialistas, em diversas áreas, para encontrar soluções para os problemas complexos enfrentados pelos governos. Conhecimentos, habilidades e técnicas de organizações, pesquisadores, empresas e outros atores podem ajudar a pensar e a realizar ações que seriam impossíveis apenas com servidores. A inovação, também, manifesta-se pela reuso de dados públicos pela sociedade e pela academia, que podem, por exemplo, gerar aplicativos que ofertem serviços púbicos, como informativos de trânsito ou a simplificação de acesso a serviços, ou que promovam pesquisas científicas mais ágeis e pioneiras. Confiança Os índices de confiança da população na classe política e na democracia estão em níveis baixos, historicamente. Mais de 70% dos jovens e adultos dizem confiar pouco ou nada no governo ou no Congresso Nacional. 54,5% das pessoas consideram que a chance de serem ouvidas, acerca de um problema, por uma autoridade local é pouca ou nenhuma. Atores como ONGs, empresas, sindicatos, mídia e organismos internacionais dispõem de mais confiança junto à população que os governos. Ações de governo Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 9 aberto ajudam a construir relações com a sociedade e a envolver atores que dispõem de credibilidade para que todos trabalhem, coletivamente, na construção de soluções, aproximem o governo de seus cidadãos e ajudem a resgatar a confiança. Capacidade estatal O envolvimento de cidadãos e organizações, na execução de políticas públicas, pode ajudar governos a ampliar sua capacidade de implementar ações, coletar dados, monitorar processos e muito mais. Os governos podem ter parceiros que os ajudem a superar limitações, ofereçam mão- de-obra, estrutura logística, dados e outras possibilidades, quando estes estejam envolvidos com a política e comprometidos com seu desenho. Melhoria de políticas e serviços Pensando governo aberto como uma cultura, é possível sistematizar as contribuições de usuários de serviços e políticas, se o aprimoramento desses esforços for contínuo e cirúrgico. A sociedade, sobretudo a academia, também pode contribuir, por meio do acompanhamento das políticas e do controle social, e prover informações acerca do uso dos recursos e da efetividade das ações. Desenhar modelos participativos para obtenção dessas informações pode resultar em informações estratégicas valiosas para os gestores, quando se considera a limitação dos governos para fazer pesquisas de implementação e de satisfação, de forma sistemática. Fortalecimento dos negócios Medidas de governo aberto fortalecem o mercado de diversas formas. Primeiro, tais medidas criam oportunidades, ao compartilharem dados públicos em formato aberto, que permitem que empresas os utilizem como insumos, seja para seus planejamentos ou para o desenvolvimento de novas ferramentas, como aplicativos e sistemas que agregam valor a esses dados e geram novos produtos. Segundo ponto: geram maior simetria de informações no mercado, por meio da transparência, o que torna esse mercado mais competitivo e mais resistente à corrupção, fraudes, cartéis e outras práticas. Por fim, ações de governo aberto pressupõem a participação de todos os atores, inclusive do setor privado, e dão, a eles — sobretudo, aos que não têm as grandes estruturas de lobby — a oportunidade de participar do desenho de medidas para a melhoria dos negócios. Melhor funcionamento do Estado Governo aberto promove a transparência, a integridade e a responsabilização dos agentes públicos, e pode levar a usos mais racionais 10Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública dos recursos públicos e à inibição de ações que priorizam interesses privados sobre interesses públicos. Desenvolvimento inclusivo Como destacado pela OCDE, ações de governo aberto favorecem o desenvolvimento econômico, de forma inclusiva, e dão, a diversos atores, oportunidades de participação e contribuição nas ações de governo. Ao trazerem à luz diversas perspectivas, governos podem tomar decisões que considerem os diferentes impactos de suas ações e forçar grupos de pressão a, também, buscarem consenso. Democracia A Constituição Federal esclarece, em seu primeiro artigo, que “Todo o poder emana do povo”, mas, na prática, cidadãos se sentem distanciados de seus governos. O governo aberto fortalece o espírito democrático, ao concretizar meios para que a população possa participar, ativamente, dos destinos do país. Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 11 Módulo Os Princípios de Governo Aberto2 Unidade 1 - Transparência Entender o princípio da transparência em governo aberto. Considerações iniciais Este princípio consiste no direito dos diferentes atores da sociedade de obter informações do governo. Baseia-se na ideia de que informações públicas são geradas por recursos públicos e, portanto, são bens de todos. Também, reflete o dever dos governos de prover, ativamente, informações de grande interesse público, o que reduz o tempo e a burocracia para acessá-las. Transparência é fundamental para criar uma cultura de governo aberto porque promove a simetria de informações para garantir uma boa participação social e fortalece a integridade e a responsabilização dos agentes públicos. O acesso a informações é considerado um direito fundamental, pelas Nações Unidas, por possibilitar o alcance de outros direitos. Assegurar a obtenção de informações junto ao Estado, ao cidadão, é garantir que ele saiba como exercer seus direitos. A transparência também pode ocorrer por uma imposição do Estado sobre atores não governamentais. Exemplo disso é quando uma agência reguladora cria obrigações de transparência para aqueles que ela regula. Na prática, a transparência se manifesta de diversas maneiras na gestão pública: algumas informações chegam à sociedade por iniciativa do Estado; e outras, por demanda do cidadão. Vejamos as principais formas de transparência: 12Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Transparência ativa Refere-se às ações do Estado para prover informações sem que haja um pedido por uma parte interessada. Pode ocorrer, proativamente, por iniciativa do governo ou por imposição normativa. A transparência ativa tem papel importante nas ações do Estado; primeiro, porque evita sobrecarga de demandas de informação aos agentes públicos, que disponibilizam aquelas de maior demanda pela sociedade. Segundo, porque essa transparência pode ser usada para estimular comportamentos, com mais responsabilidade dos agentes públicos e melhor tomada de decisão dos cidadãos. Por fim, como dito, isso pode facilitar o acesso de cidadãos a serviços e a direitos. A seguir, apresentamos algumas formas de transparência ativa que merecem destaque. Transparência orçamentária-financeira Exigida na norma da maioria dos países, inclusive no Brasil, é um elemento fundamental para a credibilidade internacional do país, quando busca investimentos estrangeiros, além de ser fator crítico para a população acompanhar a execução de políticas. O Portal da Transparência do Governo Federal é um exemplo dessa iniciativa. Transparência dirigida ou direcionada (Targeted transparency) São as iniciativas de transparência ativa que visam alcançar um resultado específico e contribuir com uma política. Tais iniciativas podem direcionar comportamentos de forma positiva e, portanto, podem ser combinadas com ações que os incentivam. Apresentar beneficiários de políticas, por exemplo, ajuda a inibir fraudes; determinar obrigações acerca de informações nutricionaispara a indústria alimentícia e leva os consumidores a tomarem decisões mais conscientes, em relação à saúde. Perguntas frequentes É importante porque, ao mesmo tempo, reduz a pressão nos canais de comunicação dos órgãos e facilita o acesso ao cidadão às informações. Novas tecnologias como os chatbots oferecem a respostas às dúvidas dos cidadãos, de maneira dinâmica e em diferentes plataformas. Transparência de processos Permite que a sociedade acompanhe o andamento de trâmites. É útil, especialmente, quando a administração exige muito tempo para concluí- los, como nos casos dos processos judiciais. Com o auxílio de tecnologia, é possível fazer a informação chegar até o interessado e prover dados gerados, sem a necessidade de recursos humanos. Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 13 Dados abertos São uma forma de transparência ativa, na qual o Estado fornece dados, em formato digital aberto e livre; ou seja, que podem ser acessados por softwares não proprietários e usados sem barreira jurídicas. Dessa maneira, ajudam pesquisadores e desenvolvedores a utilizarem esse insumo de formas para além dos objetivos para os quais foram coletados, inicialmente, gerarem pesquisas científicas, aplicativos e outras possibilidades. Esse assunto será mais explorado, mais adiante. Transparência passiva Refere-se às ações do Estado para prover informações quando demandado pela sociedade, ou seja, a obrigação dos governos de apresentarem as informações solicitadas por cidadãos e organizações. Esta é considerada direito humano pelas Nações Unidas — e constitucional no Brasil — e garante dados e informações como bem público. Sem transparência passiva, apenas o Estado escolhe o que publicar, o que dá margem para esconder informações que podem prejudicar a imagem de autoridades públicas ou ocultar atos imorais ou ilícitos. Ademais, a informação, como porta de entrada para acessar outros direitos, ficaria limitada àquelas oferecidas pelos governos, e exclui aqueles que precisam acessar outros benefícios, serviços etc. Para seu funcionamento, é preciso não apenas a regulamentação, mas também o estabelecimento de processos e prazos que garantem esse acesso. No Brasil, a Lei de Acesso à Informação (LAI) foi definida pela Lei 12.527, de 2011. Alguns tipos de comunicação pública podem participar de uma estratégia de transparência ativa. Por exemplo, as ações voltadas para informar cidadãos a respeito de serviços ou forma de acessar políticas, para desmentir notícias falsas (fake news) em circulação ou comunicar jurisdicionados acerca de novas obrigações legais. Transparência na legislação brasileira Constituição Federal A transparência está marcada na Constituição Federal, tanto na forma passiva, quanto ativa. Diz o Artigo 5°, que dispõe sobre os direitos individuais: 14Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. Em outras palavras, o direito de saber ou direito de acesso à informação — mesmo que de interesse particular — é um direito constitucional, dado a todos, que precisa ser cumprido dentro de um prazo. Note-se, também, que a norma cria limite para o acesso, como será detalhado mais adiante. A Constituição Federal também traz a publicidade como um princípio constitucional, destacado no Artigo 37: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência...” Na prática, a publicidade apontada na Constituição ganhou, muitas vezes, um caráter formal, que dificulta o acesso da sociedade, seja em função dos meios utilizados, da linguagem ou de outras barreiras que limitam o seu conhecimento. Por essa razão, é comum se diferenciar os termos “publicidade” de “transparência”, entendendo que, no segundo, há a preocupação não apenas de deixar a informação pública, mas também acessível e inteligível para os cidadãos. Esse é um ponto importante, pois somente a informação compreendida e utilizada pela sociedade permitirá o seu maior envolvimento e proverá os benefícios de governo aberto mencionados anteriormente. Lei de Acesso à informação Lei 12.527, de 2011 – em maio de 2012, entrou em vigor uma lei que regulamenta o funcionamento da norma constitucional que garante o acesso à informação. A LAI, como é popularmente conhecida, determinou regras, prazos e processos para obtenção de informações junto ao governo federal e estabeleceu a obrigatoriedade para os demais poderes definirem suas regras específicas. A norma cobre todos os poderes e todos os níveis da federação; a administração direta e indireta; e inclui, ainda, entidades privadas, sem fins lucrativos, que recebem recursos públicos. Destacam-se alguns pontos fundamentais da LAI: Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 15 • Acesso à informação, como regra; e o sigilo, como exceção — só poderão ser negadas as informações que são protegidas por algum outro instrumento legal (Art. 3°, I). • Não é necessário motivar o pedido — o governo não pode exigir as razões pela qual o solicitante requer a informação como condição para entregá-la (Art. 10 §3°). • O fornecimento da informação é gratuito — podem ser cobrados apenas os valores referentes às cópias de documentos, quando a informação for solicitada em formato não digital. • A informação prontamente disponível deve ser entregue de imediato — do contrário, o órgão ou entidade tem até 20 dias para responder ao pedido, prorrogável por mais 10 dias, mediante justificativa expressa e citação legal. • O interessado pode interpor recurso contra a decisão — governos devem estabelecer procedimentos que garantam esse direito; também, é assegurado, ao solicitante, o direito de ser informado acerca do andamento de seu pedido. No âmbito do Governo Federal, são previstas quatro instâncias recursais para o cidadão: 1. A autoridade diretamente superior a quem proferiu a decisão. 2. A autoridade máxima do órgão. 3. A Controladoria-Geral da União. 4. A Comissão Mista de Reavaliação de Informações. A Lei entende dados como informação A LAI caracteriza informação como “dados, processados ou não, que podem ser utilizados para produção e transmissão de conhecimento, contidos em qualquer meio, suporte ou formato”. Assim, a solicitação de cópias de bases de dados também está sob a égide da norma. Mais ainda, prevê o direito de obter informação: primária, íntegra, autêntica e atualizada (Art. 7°); a obrigação de “possibilitar a gravação de relatórios em diversos formatos eletrônicos, inclusive abertos e não proprietários” e de “possibilitar o 16Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública acesso automatizado por sistemas externos em formatos abertos, estruturados e legíveis por máquina” (art. 8°). A informação deve ser ofertada, de forma clara, e em linguagem de fácil compreensão (Art. 5°); assim, cabe à administração pública atentar à forma e à linguagem como apresentará a informação. A LAI assegura o acesso de duas maneiras: • pela criação de serviço de informações ao cidadão (SICs), nos órgãos e entidades do poder público; • pela realização de audiências ou consultas públicas, incentivo à participação popular ou a outras formas de divulgação. Não pode ser negado acesso a informações necessárias à tutela judicial ou administrativa de direitos fundamentais; é vedada, inclusive, a restrição de acesso a informações ou a documentos que versem a respeito de condutas que impliquem violação dos direitos humanos praticada por agentes públicos ou a mando de autoridades públicas. A LAI traz, ainda, obrigações de transparênciaativa (Art. 8°, § 1°): • registro das competências e estrutura organizacional, endereços e telefones das respectivas unidades e horários de atendimento ao público; • registros de quaisquer repasses ou transferências de recursos financeiros; • registros das despesas; • informações concernentes a procedimentos licitatórios, inclusive os respectivos editais e resultados, bem como a todos os contratos celebrados; • dados gerais para o acompanhamento de programas, ações, projetos e obras de órgãos e entidades; • respostas a perguntas mais frequentes da sociedade. A essas obrigações são adicionadas outras, pela norma regulamentadora, o Decreto 7.724, de 2012, no âmbito do Governo Federal: Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 17 • principais cargos e seus ocupantes; • programas, projetos, ações, obras e atividades, com indicação da unidade responsável, principais metas e resultados e, quando existentes, indicadores de resultado e impacto; • repasses ou transferências de recursos financeiros; • execução orçamentária e financeira detalhada; • licitações realizadas e em andamento, com editais, anexos e resultados, além de contratos firmados e notas de empenho emitidas; • remuneração e subsídio recebidos por ocupante de cargo, posto, graduação, função e emprego público, incluídos os auxílios, as ajudas de custo, os jetons e outras vantagens pecuniárias, além de proventos de aposentadoria e de pensões daqueles servidores e empregados públicos que estiverem na ativa, de maneira individualizada, conforme estabelecido em ato do Ministro de Estado da Economia (redação dada pelo Decreto n° 9.690, de 2019); • contato da autoridade de monitoramento, designada nos termos do art. 40, da Lei n° 12.527, de 2011 , e telefone e correio eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão (SIC; )e (redação dada pelo Decreto n° 8.408, de 2015); • programas financiados pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador — FAT (incluído pelo Decreto n° 8.408, de 2015). Veja mais acerca da LAI em informacao.gov.br. Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e Lei Complementar 131 de 2009 A LRF foi uma das normas pioneiras em estabelecer obrigações de transparência e em gerar mais clareza a respeito da saúde financeira dos entes federativos. Em sua versão original, publicada no ano 2000, trazia um foco em relatórios financeiros de caráter bastante técnico. Porém, com a edição da LC 131, os entes federativos ficaram obrigados a publicar “informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira”, detalhadas da seguinte maneira (LRF Art. 48-A): Quanto às despesa Todos os atos praticados pelas unidades gestoras, no decorrer da execução da despesa, no momento de sua realização, com a disponibilização mínima dos dados referentes ao número do correspondente processo, ao bem fornecido ou ao serviço prestado, à pessoa física ou jurídica beneficiária do pagamento e, quando for o caso, ao procedimento licitatório realizado. http:// informacao.gov.br 18Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Quanto à receita O lançamento e o recebimento de toda a receita das unidades gestoras, inclusive referente a recursos extraordinários. Lei de Governo Digital Lei 14.129 de 2021 —a norma reforça obrigações de transparência e o direito de se solicitar bases de dados de acesso público e concede “permissão irrestrita de uso de bases de dados publicadas em formato aberto”. A lei, também, cria novas obrigações de transparência ativa, com destaque para (Art. 29, § 2°): • as notas fiscais eletrônicas relativas às compras públicas; • as informações sobre os servidores e os empregados públicos federais, bem como sobre os militares da União, incluídos nome e detalhamento dos vínculos profissionais e de remuneração; • as viagens a serviço custeadas pelo Poder ou órgão independente; • as sanções administrativas aplicadas a pessoas, a empresas, a organizações não governamentais e a servidores públicos; • os currículos dos ocupantes de cargos de chefia e direção; • o inventário de bases de dados produzidos ou geridos no âmbito do órgão ou instituição, bem como catálogo de dados abertos disponíveis; • as concessões de recursos financeiros ou as renúncias de receitas para pessoas físicas ou jurídicas, com vistas ao desenvolvimento político, econômico, social e cultural, incluída a divulgação dos valores recebidos, da contrapartida e dos objetivos a serem alcançados por meio da utilização desses recursos e, no caso das renúncias individualizadas, dos dados dos beneficiários. Destaca-se, também, o comando do Artigo 32, que determina que “a existência de inconsistências na base de dados não poderá obstar o atendimento da solicitação de abertura.” Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 19 Outras normas Diversas legislações trazem provisões específicas a respeito de transparência. A Lei de Diretrizes Orçamentárias, por exemplo, traz comandos acerca de obrigações de publicidade, a serem cumpridas por organizações diversas. Normas diversas, relativas a políticas públicas específicas, frequentemente, pedem a publicação de informações. Por exemplo, foram editadas normas acerca de transparência relativa à Copa do Mundo e às Olimpíadas; e a Lei 10.650 de 2003, já previa acesso a informações a respeito de meio ambiente, antes mesmo da aprovação da LAI. As obrigações, também, podem ser oriundas de acordos internacionais. Por exemplo, como signatário da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção (UNCAC), o Brasil se compromete a promover a transparência da gestão das finanças públicas. A Declaração Universal dos Direitos Humanos traz o direito à informação, no seu Artigo 19. Limites para a transparência Como previsto na Legislação, nem todas as informações em posse ou tutela do Estado são de acesso público. A LAI, ao garantir o acesso a informações públicas, não anula outras proteções previstas na legislação. Os principais casos são: Sigilos previstos em lei A legislação brasileira prevê diversas proteções a informações, tais como, os sigilos: bancário, fiscal, industrial/empresarial, telefônico/telemático ou decorrente de direito autoral. Segredo de justiça Diversos processos judiciais correm em segredo de justiça, conforme o Artigo 189, do Código de Processo Civil (Lei 13.105, de 2015). Dados pessoais A própria Lei de Acesso à Informação restringe o acesso a informações pessoais, de forma a garantir o respeito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais (Art. 31). E a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais — LGPD (Lei 13.709), também, restringe o acesso a dados pessoais, e, em paralelo, cria regras para o tratamento a esses dados. Entre as regras da LGPD, está a transparência nas relações entre quem fornece o dado e quem o coleta ou utiliza. 20Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Informações classificadas A LAI prevê, com base na Constituição Federal, que algumas informações são importantes para a segurança da sociedade e do Estado e, portanto, poderão ser classificadas com acesso restrito por 5 anos (classificação reservada); 15 anos (secreta); ou 25 anos (ultrassecreta). Para que uma informação seja classificada, necessariamente, seu acesso deve atender a um dos seguintes critérios (Art. 23 da LAI): • pôr em risco a defesa e a soberania nacionais ou a integridade do território nacional; • prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do País, ou as que tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e organismos internacionais; • pôr em risco a vida, a segurança ou a saúde da população; • oferecer elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do País; • prejudicar ou causar risco a planos ou operações estratégicos das Forças Armadas; • prejudicar ou causar risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico, assim como a sistemas,bens, instalações ou áreas de interesse estratégico nacional; • pôr em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares; ou • comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações. Existem, ainda, casos em que a informação não pode ser fornecida, em função das limitações na capacidade dos governos de provê-las, tais como: Pedidos de tratamento adicional São caracterizados por casos em que o solicitante não quer uma informação existente, mas sim que se produza uma nova, a partir das existentes, como por meio de cruzamento de dados para gerar novos indicadores. Pedidos genéricos Solicitações demasiadamente amplas podem ser inviáveis para o atendimento. Nesse caso, é preciso tentar instruir o solicitante ou negociar para que haja uma redução do escopo. Pedidos como “todas as comunicações do Brasil com o Chile”, por exemplo, implicam muitos órgãos, canais de comunicação e décadas de relações entre os países para ser atendido. Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 21 Pedidos desproporcionais São aqueles que, pela dimensão do trabalho decorrente do seu atendimento, inviabilizam o trabalho de toda uma unidade do órgão/ entidade, por um período que prejudique, significativamente, sua atuação. Nesse caso, a negativa deve esclarecer, ao solicitante, o impacto que causaria e suas razões. Unidade 2 - Participação social Entender o princípio da participação social em governo aberto. Considerações iniciais Este princípio consiste em envolver diferentes setores da sociedade na busca por soluções. Pode incluir: cidadãos, empresas, organizações da sociedade civil, associações do setor privado, sindicatos, pesquisadores e cientistas, grupos de interesse, outros governos, organismos internacionais ou outros atores julgados importantes no processo. Se, por um lado, o modelo legislativo usado pela maioria das democracias traz grandes avanços em representar a sociedade, por outro, encontra limites quando atua em temas específicos e não aproveita contribuições da sociedade, que vão além da opinião a respeito dos temas em debate. Por meio de estratégias de participação, democracias se tornam mais plenas e aumentam as capacidades estatais. Isso porque, elas permitem a contribuição direta das partes interessadas no desenho, execução e acompanhamento das políticas e serviços públicos. As estratégias de participação, portanto, complementam as estruturas clássicas da democracia, como: eleições e pluralismo político, e direitos que a garantem, como direitos humanos e de associação. É importante destacar que, quanto à participação, estamos falando de níveis diversos de interação com a sociedade. A Associação Internacional para a Participação Pública propõe um espectro de participação em cinco níveis: 22Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Informação Manter a sociedade informada, de forma que esta possa entender os problemas, alternativas, oportunidades e soluções identificadas. Consulta Ouvir as preocupações e sugestões da sociedade acerca das alternativas apresentadas pelos governos; dar retorno a respeito do que foi decidido. Envolvimento Trabalhar com a sociedade para que as aspirações e preocupações estejam refletidas nas alternativas desenvolvidas para solucionar os problemas públicos. Colaboração Trabalhar em conjunto para analisar os problemas, desenvolver soluções e incorporar as diferentes perspectivas, tanto quanto possível. Empoderamento Envolver a sociedade no processo decisório e em todo o ciclo de políticas e serviços públicos, que inclui: identificação do problema, formulação de alternativas, priorização, tomada de decisão, implementação e avaliação. A Recomendação da OCDE para Governo Aberto, por sua vez, traz uma versão simplificada desse espectro e reconhece três diferentes níveis de participação: Informação Relação de mão única, em que o governo produz e oferta informações para os atores interessados, seja de forma ativa ou passiva. Consulta Interação bilateral em que os atores interessados oferecem opiniões, sugestões e visões para o governo e vice-versa. É baseada em uma definição prévia do problema a ser abordado e requer que sejam ofertadas informações para a participação e retorno aos interessados, a respeito dos resultados do processo. Engajamento É quando os atores interessados têm a oportunidade de colaborar, ao longo de todo o ciclo das políticas públicas e/ou dos serviços (ou seja, da identificação do problema, formulação de alternativas, priorização, tomada de decisão, implementação e avaliação). Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 23 Quanto mais aprofundado o nível de participação, ou seja, quanto maior o engajamento, maior a possibilidade de se colherem os benefícios propostos pela cultura de governo aberto. Um governo que apenas informa não terá os mesmos resultados de um governo que engaja. A participação pode ser estabelecida por diferentes modelos de interação, por exemplo: Consultas públicas Forma de receber opiniões e sugestões da sociedade, acerca de um tema pré-estabelecido. Geralmente, essas consultas são feitas de forma virtual. Também, estas podem funcionar como enquetes e ajudar a tomar decisões (o município de Canoas-RS, por exemplo, já consultou contribuintes acerca de obras em que gostariam de ver seus impostos aplicados). Audiências Estabelecem diálogo entre atores interessados e gestores ou autoridades para discutirem o desenho, a implementação ou o acompanhamento de políticas e serviços. São obrigatórias para a construção do orçamento. Com as novas tecnologias, essa modalidade, tipicamente presencial, pode ser adaptada para a forma remota ou mista. Conselhos Grupos de organizações ou atores do governo e da sociedade especialistas em um determinado assunto, nomeados por um período, com a finalidade de contribuírem no desenho, na implementação ou no acompanhamento de uma política ou grupos de políticas relacionadas ao tema. Algumas políticas exigem a criação de conselhos para tarefas específicas. Outros órgãos colegiados Órgãos colegiados oferecem grande oportunidade de construção de relações saudáveis entre governo e sociedade e permitem o desenvolvimento de iniciativas de longo prazo, especialmente, quando são constituídos de forma inclusiva, representativas e paritária. Há vários formatos de órgão colegiados, como grupos de trabalho, comitês e outros, mas o ponto-chave é a definição do seu papel, que pode ser: consultivo, deliberativo ou híbrido (assessora em alguns assuntos e decide acerca de outros). Conferências Encontros que têm por finalidade ouvir um grande número de partes interessadas, muitas vezes distribuídas geograficamente, para a construção de cenários, diretrizes, recomendações, estratégias ou outros 24Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública documentos. Geralmente, os encontros têm caráter mais estratégico e acontecem em intervalos mais longos de tempo. Com as novas tecnologias, também é possível fazê-los de forma virtual ou mista. Oficinas e espaços de cocriação Encontros de organizações e atores do governo e sociedade que têm por objetivo desenvolver soluções de médio prazo para problemas identificados conjuntamente. Geralmente, é organizada com especialistas, que se envolvem no desenho, implementação e acompanhamento das propostas estabelecidas. Alternativamente, podem ser organizadas reuniões técnicas entre governo e especialistas para discutir problemas e alternativas. Canais de comunicação Redes sociais e canais de ouvidoria fornecem grande volume de dados acerca das demandas da sociedade e podem ser fortalecidos como canais diretos de diálogo e como provedores de indicadores a respeito das suas necessidades. É importante destacar que grande parte das redes sociais fornecem dados para análise. Fomentoao reuso de dados Governos podem incentivar a participação social por meio do reuso de dados para promover diversas inovações, inclusive a criação de soluções para melhorar a vida dos cidadãos. Por meio de concursos para o desenvolvimento de aplicativos (hackathons), de análises de dados (datathons) e outros formatos, é possível envolver a sociedade de forma concreta. Estratégias e ações de participação social dependem, necessariamente, da existência de espaço cívico. Sem este, a representatividade da sociedade é comprometida, as perspectivas colocadas nos processos são limitadas e o processo como todo fica tendencioso. Espaço Cívico é definido como o conjunto de condições legal, institucional, de práticas e de políticas necessárias para que atores não governamentais acessem dados e informações, expressem-se, associem-se, organizem-se e participem da vida pública (OCDE). Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 25 Participação na legislação brasileira Constituição Federal A participação da sociedade aparece em diversos momentos na Constituição Federal, às vezes, de forma geral; em outras, de forma específica para uma política, como mostram os exemplos, a seguir. Art. 187. A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes. Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais. Parágrafo único. O Estado exercerá a função de planejamento das políticas sociais, assegurada, na forma da lei, a participação da sociedade nos processos de formulação, de monitoramento, de controle e de avaliação dessas políticas. Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: [...] VII – caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados. Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: [...] III - participação da comunidade. Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: [...] 26Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública II – participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis. Art. 216-A. O Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de colaboração, de forma descentralizada e participativa, institui um processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da Federação e a sociedade, tendo por objetivo promover o desenvolvimento humano, social e econômico com pleno exercício dos direitos culturais. § 1° O Sistema Nacional de Cultura fundamenta-se na política nacional de cultura e nas suas diretrizes, estabelecidas no Plano Nacional de Cultura, e rege-se pelos seguintes princípios: [...] X – democratização dos processos decisórios com participação e controle social; Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Lei 13.460 de 2017 Essa Lei dispõe sobre “participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos da administração pública” e determina que é direito de todo usuário participar, acompanhar e avaliar os serviços públicos. Para tanto, cria obrigações de informações a serem prestadas aos usuários, garante o direito de manifestação para a administração pública e estabelece o dever de criação de conselhos de usuários para os serviços. Legislações específicas Os diferentes campos de políticas públicas têm normas. A educação tem legislação que estabelece a criação do Conselho Nacional de Educação e dos conselhos locais; lei específica detalha a participação social no SUS; outra norma determina o funcionamento do Conselho Nacional de Meio Ambiente; e o Conselho de Transparência e Combate à Corrupção, também, tem normativo próprio. Agentes públicos de cada área devem buscar conhecer as obrigações de transparência apropriadas. Na Lei de Responsabilidade Fiscal, por exemplo, está previsto o “incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos” (Art. 48, parágrafo único, I). Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 27 Legislação e espaço cívico Vale lembrar a importância do espaço cívico para o funcionamento da participação. A própria constituição traz diversas garantias nesse sentido: direito de expressão, de associação, de não receber tratamento discriminatório ou de não haver censura. Além dessa, outras normas reforçam o tema, inclusive, a recepção de tratados internacionais sobre direitos humanos. Limites para a participação Embora, em regra, seja desejável a participação das partes interessadas, de forma abrangente, na maioria das discussões, com o maior nível de engajamento possível; nem sempre isso é possível ou é o melhor caminho. A participação em grande escala requer maior planejamento e pode gerar custos. Como exploraremos mais adiante, a tecnologia pode contribuir para ampliar a participação e vencer barreiras geográficas. Por outro lado, contar apenas com tecnologias pode deixar sem voz aqueles que não tem acesso a ela. É preciso considerar as partes mais interessadas nos temas das reformas e criar oportunidades para que elas participem. Alguns grupos podem demandar atenção especial ou maior proatividade do governo, como: idosos e pessoas com deficiência, povos isolados e outros. Além disso, algumas discussões podem requerer um nível de especialização dos atores. Aceitação de uma nova medicação no mercado, por exemplo, deve ser feita por profissionais com a capacidade técnica para fazer a avaliação. Unidade 3 - Integridade pública Entender o princípio da integralidade pública em governo aberto. Considerações iniciais A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) considera a integridade pública, expressamente, como princípio de governo aberto, enquanto a Parceria para Governo Aberto (OGP) traz o tema junto com o pilar de accountability, que veremos a seguir. 28Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Integridade pública, segundo a Organização, “refere-se ao alinhamento consistente e à adesão de valores, princípios e normas éticas comuns para sustentar e priorizar o interesse público sobre os interesses privados no setor público”. É comum que, ao se pensar em governo aberto, pensemos, primeiramente, na participação social e na transparência, seus fundamentos mais visíveis e próximos da sociedade. Sem integridade, porém, não é possível falar em governo aberto. Isso porque a cultura de governança proposta de um governo aberto precisa de agentes públicos que coloquem os interesses públicos à frente dos interesses privados. Apenas com essa mentalidade, podemos confiar em processos de participação, em que as vozes serão, igualitariamente, ouvidas e que a informação será apresentada sem recortes. Inversamente, práticas contrárias àintegridade minam as bases de um governo aberto. Autoridades que representam objetivos privados incorrem, por definição, em conflitos de interesses e fortalecem mais a alguns atores que outros nos processos de participação. Por sua vez, a corrupção, como pontua a OCDE, “perpetua a desigualdade e a pobreza, impactando o bem-estar e a distribuição da renda e prejudicando oportunidades para participar igualmente na vida social, econômica e política”. Vale relembrar que um dos benefícios mais desejados na implementação de uma estratégia de governo aberto é a maior confiança das pessoas no Estado e nos governos. Esta, porém, é minada por: escândalos de fraudes, desvios, nepotismo, subornos e outras práticas contrárias à integridade pública. Da mesma forma que o governo aberto se baseia na integridade, ele também a fortalece. Medidas de transparência podem ser usadas para inibir comportamentos que antes eram feitos “às escuras”: • responsabilizar os agentes públicos diminui a sensação de impunidade e contribui para reduzir o risco de corrupção; • incentivar a participação da sociedade na fiscalização de gastos, por exemplo, também contribui para fortalecer a integridade. Uma política forte de integridade depende do envolvimento da sociedade em seus diversos setores. A integridade pública é ferida, justamente, quando as relações governo-sociedade são comprometidas por interesses privados dos agentes públicos. Mas um servidor subornado implica em um privado que o suborna; uma autoridade que mistura o poder do Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 29 cargo com uma promessa de benefício futuro, pode entrar em conflito por proposta de uma empresa. Assim, toda a sociedade pode e deve ser envolvida no fortalecimento da integridade pública. Por outro lado, uma estratégia forte de integridade ajuda a combater diversos problemas, como: fraudes, corrupção, suborno, nepotismo, conflito de interesses, conluio, desvios de recursos, facilitação, favorecimentos, abusos de poder — e contribuem, portanto, para alcançar benefícios como governos mais eficientes e confiáveis. Para saber mais sobre o assunto, recomenda-se a leitura: Integridade pública: uma estratégia contra a corrupção (OCDE) OCDE. Integridade pública: uma estratégia contra a corrupção (OCDE). 2017. Disponível em: https://www.oecd.org/. Integridade na legislação brasileira Constituição Federal Embora a palavra “integridade” não apareça com esse sentido na Carta Magna, há clara preocupação da norma maior em assegurá-la. O Artigo 37 determina princípios para a administração, entre eles: legalidade, impessoalidade e moralidade. Em boa parte, os três princípios representam a fundação de um comportamento íntegro, por parte do servidor público. A Constituição estabelece, ainda, uma série de medidas, como o estabelecimento das atividades e órgãos e controle; estabilidade para servidores; necessidade de licitação para compras e contratações. Lei 8112 O regime jurídico do servidor público estabelece, entre outras coisas, as condutas que não são permitidas ao servidor público (Art. 117), tais como: • manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função de confiança, cônjuge, companheiro ou parente até o segundo grau civil; • valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública; • atuar, como procurador ou intermediário, junto a repartições públicas, salvo quando se tratar de benefícios previdenciários ou assistenciais de parentes até o segundo grau, e de cônjuge ou companheiro; https://www.oecd.org/ 30Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública • receber propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão de suas atribuições; • praticar usura sob qualquer de suas formas; • utilizar pessoal ou recursos materiais da repartição em serviços ou atividades particulares; • exercer quaisquer atividades que sejam incompatíveis com o exercício do cargo ou função e com o horário de trabalho; • participar de gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não personificada, exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário (salvo se houver participação da União). Lei Anticorrupção (Lei 12.846) Essa norma trata da responsabilização de pessoas jurídicas em atos ilícitos contra a administração pública. Antes dela, as empresas envolvidas em fraudes e corrupção podiam atribuir a culpa a um indivíduo para reduzir as chances de sanções. Por outro lado, a norma incentiva mecanismos para que as empresas promovam a integridade e estimulem seus funcionários a inibirem e a denunciarem as tentativas de tais atos. É, também, a norma que estabelece a possibilidade de acordos de leniência, para empresas que “colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo”. Lei 12.813 Essa norma dispõe sobre o conflito de interesses, mas é exclusiva para o Poder Executivo Federal. Caracteriza esse conflito como “a situação gerada pelo confronto entre interesses públicos e privados, que possa comprometer o interesse coletivo ou influenciar, de maneira imprópria, o desempenho da função pública”. Código Penal Traz penas específicas para crimes cometidos por funcionários públicos (Título IX, Capítulo I), tais como: corrupção, facilitação, peculato, facilitação etc. Leis de Licitações (Lei 14.133) Traz condutas vedadas aos envolvidos nesses processos. Lei de Improbidade Adminstrativa Caracteriza a improbidade e prevê punições. Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 31 Limites para a integridade Uma das limitações para as medidas de integridade está na abrangência das normas que tratam do assunto. A lei que trata de conflito de interesses é limitada ao governo federal, enquanto a lei anticorrupção exige regulamentação local. Nepotismo é, em regra, tratado por normas restritas à União. Assim, há uma oportunidade de adotar medidas em nível local que resolvam essa questão. Unidade 4 - Accountability: prestação de contas e responsabilização Entender o princípio de accountability em governo aberto. Considerações iniciais Por tratar de prestação de contas e responsabilização das organizações e dos agentes públicos, o conceito de accountability tem grande intersecção com os demais pilares de uma cultura de governo aberto. Prestação de contas, em grande parte, confunde-se com transparência, ao passo que responsabilização é, frequentemente, associada à integridade. Na própria OGP, a preocupação com a integridade pública, muitas vezes, é inserida no princípio de accountability. Na doutrina, a accountability é, frequentemente, caracterizado de duas formas: Horizontal Que trata da prestação de contas e fiscalização entre os órgãos de governo. Vertical Que trata da cobrança da sociedade junto ao Estado e à prestação de contas deste para aquela. No contexto de governo aberto, portanto, a forma vertical será trabalhada associada à participação e à transparência, enquanto a horizontal pode ser trabalhada com medidas de integridade. 32Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Para o governo aberto, porém, esse princípio vai além. Não se deve entender prestação de contas apenas no sentido contábil ou no sentido de dar transparência, assim como a responsabilização não se limita a responsabilizar servidores públicos quando cometem um erro ou um ilícito. Podemos entender por accountability que o Estado é responsável por dar respostas às demandas da sociedade, uma vez que esta além de eleger os representantes do governo, também, custeia o funcionamento da máquina pública. Medidas de accountability, portanto, estão ainda mais associadas à participação da sociedade do que à transparência e à integridade. É dever do Estado manter um canal pelo qual ele se responsabiliza em conhecer as demandas e dar respostas — mesmo quando esta indica que nada poderá ser feito naquele momento (por restrição orçamentária, legal,ou outra). Sem responsividade, por parte dos governos, não haverá benefícios de governo aberto, à longo prazo. Se a sociedade recebe informações com transparência e responde participando de formas diversas — como sugestões, propostas, denúncias —, mas ela não tem resposta, o processo (e o governo) perde credibilidade e os atores deixam de participar. Todo processo participativo, mesmo o consultivo, precisa de uma resposta, mesmo que negativa. E você prefeito(a), consegue mensurar sua capacidade de respostas à população? Responsividade é a capacidade de responder rápida e adequadamente ao que é demandado, de acordo com as circunstâncias. Isso passa por uma mudança cultural típica de governo aberto, que é fácil de entender, mas de difícil implementação: atribuir responsabilidade aos servidores públicos de dar respostas à sociedade; atribuir aos órgãos a responsabilidade de dialogar com a sociedade. Não nos referimos apenas a cumprir prazos legais da LAI ou das manifestações de ouvidoria, mas de assimilar que a cada órgão cabe a necessidade de prestar contas acerca do que fez e do que não fez; das decisões que tomou ou não tomou. Apenas com essa postura, um governo se torna aberto, e sai de uma posição de processos formais para uma mudança de paradigma que coloca a sociedade como protagonista dos rumos das políticas. Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 33 Accountability na legislação brasileira Constituição Federal Logo em seu primeiro artigo, parágrafo único, o texto constitucional esclarece que o governo serve ao povo como seu representante, com a célebre frase “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. De forma mais concreta, a Carta Magna prevê também, em seu artigo 5°, “o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”, também a necessidade de que os governos prestem contas.. Lei 13.460 de 2017 A chamada Lei dos Usuários de Serviços Públicos garante, ao cidadão, o direito de se manifestar por meio de: sugestões, reclamações, denúncias, elogios e outras formas; e, exige, da administração, o prazo de 30 dias para dar resposta a tais manifestações. Também obriga os órgãos e as entidades a fazerem avaliações dos serviços, pelo menos anualmente, medirem a satisfação dos usuários, a qualidade do serviço e o cumprimento dos compromissos. 34Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Módulo Implementando medidas de governo aberto3 Unidade 1 - Planejamento da implementação Entender o planejamento da implementação de medidas de governo aberto. Considerações iniciais Implementar uma agenda de governo aberto é mudar uma cultura. Assim, é algo que exige um conjunto de medidas e um longo prazo de implementação. O tema ganhou força na década passada, devido aos Planos Nacionais de Ação da OGP (que exploraremos em breve), mas estes também não são suficientes para uma mudança cultural. Alcançar essa transformação exige um conjunto de elementos que inclui: Estratégia Visão de onde se quer chegar, objetivos claros, metas alcançáveis, formas de acompanhamento. Planos de ação O braço mais operacional da agenda de governo aberto prevê ações factíveis e relevantes, dentro de um horizonte de até quatro anos, com objetivos claros e específicos, para a conclusão de cada iniciativa, e definição de responsáveis e metas. Vamos ver mais sobre cada um desses elementos? Estratégia A estratégia deve incluir as diretrizes que assegurarão que as organizações envolvidas terão: compromisso, tempo e recursos necessários para avançar a agenda. Traz, também, as diretrizes que garantam uma participação inclusiva e Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 35 ativa da sociedade, assim como os direitos que precisam ser assegurados para a consecução dos objetivos. A estratégia traz, ainda, o desenho do sistema que abrange os mecanismos e processos que serão utilizados para a implementação da agenda; os atores responsáveis por fazê-la funcionar; a coordenação entre eles; e o processo decisório que utilizarão. A estratégia define padrões e nomenclaturas que serão usadas por todos e coloca o grupo na mesma direção. Por fim, a estratégia deve considerar a necessidade de desenvolver as bases necessárias para o avanço da agenda, como: capacitação dos atores, criação de ferramentas, melhoria do arcabouço legal e outras. Estratégia Se a estratégia tem caráter transversal de ampliar a cultura de governo aberto no governo, o Plano de Ação é o espaço para desenvolver medidas mais específicas relativas a temas diversos, como: saúde, educação, cultura, segurança pública, transporte urbano. É a oportunidade de envolver mais setores e mais estruturas de governo na agenda. Unidade 2 - Iniciativas de governo aberto no Brasil Conhecer iniciativas de governo aberto no Brasil. Apresentação das Medidas O tema governo aberto é bastante amplo e complexo. Assim, apresentaremos a seguir, algumas medidas em funcionamento no Brasil, que podem ajudar governos e órgãos a entenderem o assunto, de forma mais concreta, e a implementarem medidas que avancem a agenda. 36Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Escala Brasil Transparente (EBT) A EBT é uma pesquisa que mede a transparência pública em estados e municípios brasileiros, avalia o cumprimento dos dispositivos da Lei de Acesso à Informação e outras obrigações de transparência ativa e passiva. Tendo por base a metodologia da pesquisa ou os resultados (no caso dos governos avaliados), é possível conhecer se, nesse processo, foram identificadas deficiências que podem ser trabalhadas pelos governos locais. O Guia de Orientações a Entes Federados dá detalhes a respeito da avaliação e indicações acerca de medidas para aprimorar os resultados. Veja mais informações no Mapa Brasil Transparente. Portal da Transparência A Lei Complementar 131/2009 modifica a Lei de Responsabilidade Fiscal para exigir que todos os atores governamentais publiquem, na internet, receitas e despesas de forma detalhada. Tal esforço se iniciou na Controladoria-Geral da União (CGU), ainda em 2004, por meio do Portal da Transparência do Governo Federal. A ferramenta reúne as informações a respeito de gastos e de receitas públicas, e apresenta o detalhamento formal da realização orçamento, além de diferentes meios empregados: gastos diretos, transferências, cartões corporativos. O Portal surgiu da necessidade maior participação cidadã no controle dos gastos, uma vez que a União mobiliza recursos para os 5.570 municípios para a execução de dezenas de políticas públicas diferentes. Sem a fiscalização da sociedade — chamada controle social — seria impossível saber como todos os recursos estão sendo empregados. Nesse sentido, o Portal passou por uma grande reformulação, em 2018, com novas ferramentas para facilitar o envolvimento da sociedade, como: tabelas interativas, visualização gráfica das informações, sistema de notificações, compartilhamento de conteúdo em redes sociais e oferta de dados em formato aberto. O Portal é um exemplo clássico dos benefícios de iniciativas de governo aberto. A plataforma, reconhecida internacionalmente, já ajuda a reduzir gastos com cartão corporativo, melhorar políticas públicas, revelar fraudes e outras contribuições. Nesse sentido, é importante destacar que a CGU, responsável pela ferramenta, também promove ações para incentivar o controle social, capacita cidadãos, organizações da sociedade civil, jornalistas e outros atores interessados em contribuir com a transparência da administração pública. Veja mais informações em: www.transparencia.gov.br. http://www.transparencia.gov.br Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 37 Plano Nacional de Governo Aberto Planos de governo aberto são instrumentos importantes na implementação desta agenda. O Governo Federal já concluiuquatro planos de ação e tem mais um em execução. Os Planos do Governo Federal têm os elementos destacados, anteriormente, mas chama a atenção para as linhas gerais da metodologia de desenvolvimento dos últimos planos: 1. Comitê Interministerial de Governo Aberto (CIGA) convoca eleições de pares para constituir um grupo de trabalho da sociedade civil (GT-OGP) para a construção coletiva do Plano.. 2. É aberta consulta pública para colher opiniões acerca dos temas que devem constar no plano. 3. CIGA e GT-OGP agregam as sugestões por tema e lançam nova consulta para escolher os assuntos prioritários. 4. CGU convida os órgãos relacionados aos temas prioritários para compor a mesa. 5. CGU, GT-OGP e órgãos definem as partes interessadas (no governo e na sociedade) que discutirão os respectivos temas e os convida. 6. É feita, entre as partes interessadas, a primeira rodada de oficinas para discutir o cenário atual e desejado acerca do tema priorizado e definir os desafios principais a serem superados naquele tema. 7. Após um intervalo (3-4 semanas) para articulações com outros atores e desenvolvimento de ideias, é feita a segunda rodada de oficinas, com o objetivo de elaborar as ações que ajudarão a superar os desafios priorizados. 8. CIGA aprova a versão final do Plano. O Comitê Interministerial de Governo Aberto é responsável pela estratégia de governo aberto e pela criação dos planos, é formado por 13 órgãos, com coordenação da Controladoria-Geral da União. 38Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Fala.br A plataforma Fala.br foi desenvolvida como instrumento para facilitar a comunicação entre governo e sociedade. Ela permite solicitar informações, por meio da LAI ou fazer manifestações, como: sugestões, reclamações, denúncias, elogios e solicitações. O instrumento facilita a gestão desse diálogo, e fornece, à CGU e à sociedade, dados que permitem acompanhar o cumprimento das leis, por parte do governo; e a responsividade dos órgãos às demandas da sociedade. O instrumento permite o acompanhamento da demanda do solicitante e que sejam interpostos recursos, o que facilita para o cidadão realizar um trâmite que, normalmente, seria burocrático na administração pública.O Fala.br é oferecido como serviço gratuito para estados e municípios que queiram implementar, com rapidez e facilidade, a LAI e a Lei de Usuários dos Serviços Públicos. Política e Portal de Dados Abertos Como parte do primeiro Plano Nacional de Governo Aberto, o Governo Federal lançou, em 2012, o Portal Brasileiro de Dados Abertos — um catálogo em que órgãos e entidades diversas podem classificar suas bases de dados de acesso público, o que facilita para os interessados encontrá-los. A iniciativa, atualmente adotada por diversos países e recomendada pela OCDE, chegou a mais de 10,5 mil dados catalogados, nas mais diversas áreas. Para chegar a esse número, o Governo Federal exige, desde 2016, que os órgãos e entidades façam planos de abertura de dados, de forma a contribuírem com os objetivos da Política de Dados Abertos (Decreto 8.777): • promover a publicação de dados contidos em bases de dados de órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, sob a forma de dados abertos; Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 39 • aprimorar a cultura de transparência pública; • franquear, aos cidadãos, o acesso, de forma aberta, aos dados produzidos ou acumulados pelo Poder Executivo federal, sobre os quais não recaia vedação expressa de acesso; • facilitar o intercâmbio de dados entre órgãos e entidades da administração pública federal e as diferentes esferas da federação; • fomentar o controle social e o desenvolvimento de novas tecnologias destinadas à construção de ambiente de gestão pública participativa e democrática e à melhor oferta de serviços públicos para o cidadão; • fomentar a pesquisa científica de base empírica sobre a gestão pública; • promover o desenvolvimento tecnológico e a inovação nos setores público e privado e fomentar novos negócios; • promover o compartilhamento de recursos de tecnologia da informação, de maneira a evitar a duplicidade de ações e o desperdício de recursos na disseminação de dados e informações; • promover a oferta de serviços públicos digitais de forma integrada. A Política de Dados Abertos é dirigida pela Infraestrutura Nacional de Dados Abertos, cujo Comitê Gestor conta com a participação de órgãos e da sociedade civil. O Portal Brasileiro de Dados Abertos também está aberto para estados e municípios catalogarem seus dados — sem prejuízo de criarem seus próprios catálogos, se entenderem necessário. GOVERNO ABERTO E DADOS ABERTOS Frequentemente, os temas governo aberto e dados abertos são objeto de confusão por implementadores de políticas públicas. Como vimos, governo aberto é uma cultura de governança que implica e transparência, participação, integridade e accountability para fortalecer a democracia e gerar crescimento inclusivo. Nessa cultura, estão inseridos os dados abertos. Mas o que são os dados abertos? Segundo a Fundação Open Knowledge, “São dados que podem ser livremente usados, reutilizados e redistribuídos por qualquer pessoa 40Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública — sujeitos, no máximo, à exigência de atribuição da fonte e compartilhamento pelas mesmas regras.” Os dados abertos governamentais são, portanto, bases de dados públicos, cujo acesso é concedido proativamente para ser reutilizado pela sociedade, sem barreiras legais (licenças de uso) ou econômicas (necessidade de comprar software para usar os dados), inclusive pela leitura de máquinas (isto é, permite que robôs, inteligências artificiais, aplicativos e outras soluções acessem diretamente o dado). Mas por que abrir dados? Além de fomentar a transparência, os dados abertos são insumos para que a sociedade os utilize para gerar valor de diversas formas, por exemplo: • construir aplicativos que facilitam o acesso a informações e serviços públicos; • produzir pesquisas científicas ou análises de mercado; servir de insumo para a geração de inovações e até novos negócios; • otimizar o controle social e a análise de políticas públicas; • promover a interoperabilidade entre sistemas de diferentes governos. Os dados abertos podem estar disponíveis de diversas formas, como arquivos de texto CSV, aplicações para interface entre máquinas (APIs) ou padrões geoespaciais para uso em mapas. Mas além da forma, é preciso cuidar para que o dado seja: • indexado e acessível, sem discriminação, isto é, pode ser encontrado na web e está disponível para todos, sem senhas ou cadastros; • legível e processável por máquina, isto é, os dados poderão ser acessados, diretamente, por programas com essa finalidade; • em formato não proprietário: aqueles que podem ser abertos em diferentes programas, sem a necessidade de aquisição de um software; • de licença livre de direitos autorais, patentes ou outras barreiras para o reuso; • gerido pelo publicador, para que esteja atualizado e documentados quanto à sua estrutura, versionamento, nomenclaturas etc.; • completo e primário, na medida do possível, que permita trabalhar o dado da forma mais desagregada. Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 41 Vale relembrar que a LAI não distingue dados de outras informações e prevê o direito de recebê-los em formato aberto. Assim, qualquer base dados públicos (ou seja, não protegido por outras leis) é passível de solicitação pela Lei de Acesso à Informação. Participa Mais Brasil O Governo Federal criou uma plataforma de participação social que reúne oportunidades para a sociedade, em um único local, o que facilita o acompanhamento de consultas, audiências e outras por cidadãos e organizações. A Participa Mais Brasil, evolução da antiga plataforma Participa.Br, pode ser usada por diferentes órgãos para que publiquem seusprocessos para todos os cidadãos. Unidade 3 - Implementando medidas de governo aberto Entender o processo de implementação de medidas de governo aberto. Considerações iniciais São numerosas as iniciativas de governo aberto que podem ser implementadas em âmbito local, desde obrigações legais, até medidas mais sofisticadas, baseadas em inovação e tecnologia. Um bom ponto de partida é estabelecer uma estratégia de governo aberto, que comprometa as autoridades no avanço do tema, forme servidores públicos mais abertos para o diálogo e estabeleça uma visão para essa agenda no estado ou município. A estratégia é uma oportunidade de organizar: • os responsáveis pela agenda na gestão e em cada órgão; • os recursos que serão alocados para o avanço do tema; • os processos e práticas que devem ser estabelecidos nos órgãos; • o compromisso com a criação de planos de ação; • os mecanismos que serão utilizados para a coordenação entre órgãos 42Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública e para a interação com a sociedade — tais como: conselhos, consultas, audiências etc.; • as iniciativas estruturantes para colocar em prática a nova cultura — inclusive quanto à formação dos atores; • os marcos normativos que precisam ser criados ou atualizados; • os resultados esperados desse trabalho. A Controladoria-Geral da União criou o programa Time Brasil para ajudar estados e municípios no processo de avançar nas reformas de governo aberto. A primeira etapa do programa é a realização de um autodiagnóstico acerca de princípios de governo aberto: • transparência. • integridade. • participação. Cabe lembrar que accountability está diluída entre os três, no questionário. Essa etapa pode ser feita sem compromisso, ou seja, mesmo os entes federativos que não desejam participar do programa podem, anonimamente, autoavaliar quanto ao seu nível de maturidade nos temas. O instrumento pode ser um significativo ponto de partida, o planejamento de uma estratégia com iniciativas que darão sustentabilidade à agenda. A Matriz do programa Time Brasil revela três níveis de maturidade para cada um dos temas, e indica medidas que podem ser adotadas para fortalecer o governo, em cada um dos pilares de governo aberto. Municípios e estados que desejarem, podem, ainda, transformar essas medidas em um plano de ação, apresentá-lo à CGU, com um compromisso político de implementação e receber apoio no seu planejamento, implementação e acompanhamento. Exemplos de medidas — transparência Quais medidas de transparência você conhece? Regulamentação da LAI. Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 43 Implementação de ferramenta digital para a solicitação de acesso a informações públicas, produzidas ou tuteladas pelo governo (Fala.br). Implementação de mecanismos de monitoramento da LAI. Criação ou melhoria de um portal de transparência. Divulgação de informações de alta demanda da sociedade, em transparência ativa. Estabelecer uma política de dados abertos. Catalogar dados no Portal Brasileiro de Dados Abertos ou portal próprio. Portal de transparência: nome dado, geralmente, às ferramentas que publicam os dados exigidos na Lei Complementar 131, ou seja, o detalhamento das despesas e receitas do governo. Idealmente, devem trazer, também, informações acerca de: orçamento, licitações, contratos, servidores públicos (incluindo salários) e outras relativas aos gastos públicos. Exemplos de medidas — integridade Quais medidas de integridade você conhece? Implementar funções de controladoria. Criar e disseminar código de ética para os servidores. Regulamentar a proibição do conflito de interesses e nepotismo. Fazer levantamento de riscos de integridade. Implementar plano de gestão de riscos. Criar/divulgar manuais de procedimentos administrativos. Estabelecer unidade para apurar irregularidades cometidas por agentes públicos. Estabelecer unidade para apurar responsabilidade de pessoas jurídicas, pela prática de atos contra a administração pública. 44Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Capacitar servidores nos processos administrativos. Implementar programa de integridade. Estabelecer iniciativas para o envolvimento e formação das partes relevantes (stakeholders) para a promoção da integridade. Programa de integridade é "um programa de integridade é o conjunto de medidas e ações institucionais voltadas para a prevenção, detecção, punição e remediação de fraudes e atos de corrupção. Em outras palavras, é uma estrutura de incentivos organizacionais — positivos e negativos — que visa orientar e guiar o comportamento dos agentes públicos de forma a alinhá-los ao interesse público”. Exemplos de medidas — participação social E quais medidas de participação social você conhece? Estabelecer o funcionamento pleno e correto dos Conselhos previstos em lei (Conselho de Acompanhamento e Controle Social do FUNDEB, Conselho de Assistência Social, Conselho de Saúde, Conselho do Idoso, Conselho da Criança e do Adolescente e Conselho de Habitação). Ter uma política para realização de audiências e consultas públicas. Estabelecer um ou mais canais de comunicação com cidadãos, com compromisso de respostas tempestivas (ex.: Fala.Br, redes sociais). Regulamentação da Lei de Usuários de Serviços Públicos. Implementação e monitoramento da Lei de Usuários de Serviços Públicos. Capacitação da sociedade civil. Divulgação dos direitos de participação e informação. Estabelecer uma política de comunicação com os cidadãos. Criar um Plano de ações de governo aberto, com envolvimento de órgãos e sociedade. Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública 45 Criação de conselhos ou outros organismos de diálogo, além dos previstos em lei. Formar servidores no bom atendimento ao cidadão. Educar crianças e jovens para um comportamento mais ético e cidadão. Adotar medidas para monitorar o espaço cívico local.. Apoio à implementação Implementar uma agenda de governo aberto é desafio complexo, mas não significa que você não possa fazê-lo, pois existem várias formas de apoio à sua implementação. Como mencionado, a Controladoria-Geral da União apoia o planejamento e a implementação de medidas de governo aberto, por meio do programa Time Brasil. Ela também oferece serviços digitais, como: a plataforma de ouvidoria e acesso à informação Fala.Br; redes de troca de experiência, em diversas áreas; e dezenas de recursos como: cursos EaD, cartilhas e manuais, webinars e mais. A Parceria para Governo Aberto (OGP) recebe estados e municípios na sua rede, desde 2016. As cidades de São Paulo e Osasco e o estado de Santa Catarina já aderiram à rede. Ao fazer parte da OGP, os atores têm acesso a uma vasta rede internacional de implementadores, que os apoiam de diferentes maneiras. Informações estão disponíveis no site da organização. A colaboração entre pares está na natureza do governo aberto, com governos nacionais e internacionais que trocam experiências dentro e fora da OGP e do Time Brasil. A promoção de governos mais abertos está entre os objetivos de diversas instituições financeiras internacionais, que promovem eventos, oferecem cursos e, em alguns casos, têm até linhas de financiamento. Por fim, é importante destacar a dedicação de várias organizações da sociedade civil na promoção da agenda. Muitas delas também oferecem cursos, aconselhamentos, suporte na implementação de medidas e outros recursos. Mitos acerca da implementação de governo aberto Às vezes, a agenda de governo aberto ficara paralisada por preocupações relativas à sua implementação. Muitas delas, porém, não condizem com a realidade. A seguir, alguns contrapontos a mitos que inibem reformas de governo aberto: 46Enap Fundação Escola Nacional de Administração Pública Mito 1 Não temos dinheiro para implementar as medidas Muitas medidas de governo aberto podem ser implementadas com baixo ou nenhum custo, por meio de ferramentas disponíveis, gratuitamente,