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1 DIREITO PÚBLICO: CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO 2 APRESENTAÇÃO 5 AULA 1: NOÇÕES PRELIMINARES DO DIREITO CONSTITUCIONAL INTERNACIONAL E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS REGEDORES DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS 6 INTRODUÇÃO 6 CONTEÚDO 7 COMO SE DEFINE O DIREITO CONSTITUCIONAL INTERNACIONAL? 7 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS REGEDORES DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS 9 ATIVIDADE PROPOSTA 15 REFERÊNCIAS 15 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 17 AULA 2: RELAÇÃO ENTRE O DIREITO INTERNACIONAL E O DIREITO INTERNO 26 INTRODUÇÃO 26 CONTEÚDO 28 ASPECTOS GERAIS SOBRE A CLASSIFICAÇÃO DOS TRATADOS QUANTO AO CONTEÚDO E À MATÉRIA 28 CLASSIFICAÇÃO DOS TRATADOS QUANTO À NATUREZA 29 CLASSIFICAÇÃO DOS TRATADOS EM RAZÃO DA MATÉRIA 31 ITER PROCEDIMENTAL PARA INCORPORAÇÃO DO TRATADO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO 32 FASES INTERNACIONAIS PARA A CONCLUSÃO DO TRATADO 33 AS DUAS FASES INTERNAS EXISTENTES NO DIREITO BRASILEIRO PARA A FORMAÇÃO DO TRATADO 37 A DICOTOMIA ENTRE O MONISMO E O DUALISMO 42 ATIVIDADE PROPOSTA 45 REFERÊNCIAS 45 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 47 3 AULA 3: NACIONALIDADE SOB A PERSPECTIVA DO DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO 52 INTRODUÇÃO 52 CONTEÚDO 54 CONCEITO DE NACIONALIDADE 54 NACIONALIDADE E SUA RELAÇÃO COM OUTROS RAMOS DO DIREITO 55 NACIONALIDADE E CIDADANIA NO DIREITO BRASILEIRO 56 DIMENSÕES DA NACIONALIDADE 56 A QUEM COMPETE DEFINIR OS CRITÉRIOS ATRIBUTIVOS DA NACIONALIDADE? 57 ESPÉCIES DE NACIONALIDADE 58 DISTINÇÕES ENTRE BRASILEIROS NATOS E NATURALIZADOS 65 AS HIPÓTESES DE PERDA DA NACIONALIDADE BRASILEIRA 69 REAQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE ORIGINÁRIA NO DIREITO INFRACONSTITUCIONAL BRASILEIRO 71 REFERÊNCIAS 73 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 74 AULA 4: SISTEMAS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS 77 INTRODUÇÃO 77 CONTEÚDO 78 DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS 78 SISTEMAS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS 81 SISTEMA UNIVERSAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS 83 SISTEMA REGIONAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS 86 O BRASIL E A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS 91 TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL 93 ATIVIDADE PROPOSTA 95 REFERÊNCIAS 96 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 97 CHAVES DE RESPOSTA 100 AULA 1 100 ATIVIDADE PROPOSTA 100 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 100 AULA 2 102 4 ATIVIDADE PROPOSTA 102 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 102 AULA 3 104 ATIVIDADE PROPOSTA 104 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO: 105 AULA 4 107 ATIVIDADE PROPOSTA 107 EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO 107 CONTEUDISTA 109 5 Esta disciplina insere-se no conjunto do Módulo de Direito Constitucional e dedica-se ao estudo da evolução do Direito Constitucional Internacional. Para tanto, contempla as noções preliminares do Direito Internacional e os princípios que regem a República Federativa do Brasil em suas relações exteriores. Nesse sentido, a disciplina abarca também temas que envolvem as relações entre o Direito Interno e o Direito Internacional, sobretudo no que tange à incorporação dos tratados sobre Direitos Humanos e sua ocupação na escala hierárquica normativa. Em consequência da importância dos direitos humanos faz-se imperioso o estudo da nacionalidade e dos sistemas jurídicos regionais e universal de proteção dos Direitos Humanos já que o constitucionalismo atual caracteriza- se pela fixação de marcos normativos regedores da política externa estatal como estabelecimento de seus limites de atuação. Sendo assim, esta disciplina tem como objetivos: 1. Identificar os princípios regedores das relações internacionais que orientam o Estado brasileiro em suas tratativas e traçar as relações entre o Direito Interno e Direito Internacional. 2. Compreender os sistemas regional e universal de proteção dos Direitos Humanos, bem como o instituto da nacionalidade. 6 Introdução Sendo o Direito Constitucional o principal ramo do Direito, dele emergem vários temas interligados a outros ramos do Direito. A presente aula tem como propósito estabelecer o conceito de Direito Constitucional Internacional e sua evolução histórica. Por não existir um objeto próprio, alguns doutrinadores não reconhecem a existência de um “Direito Constitucional Internacional” autônomo. 7 Desse modo, existem normas constitucionais de alcance internacional que procuram compatibilizar-se com o Direito Internacional. Exemplos dessas regras encontram-se nos princípios que regem a República Federativa no Brasil nas suas relações exteriores. Sendo assim, esta aula tem como objetivos: 1. Identificar o conceito e a evolução histórica do Direito Constitucional Internacional; 2. Conhecer os princípios constitucionais que regem o Estado nas relações internacionais, abordando-se a sua especial relevância como preceitos normativos balizadores da ação do Estado. Conteúdo Como se Define o Direito Constitucional Internacional? Há certo consenso doutrinário de que a expressão Direito Constitucional Internacional foi utilizada pela primeira vez por Mégalos Caloyanni que, ao estudar a Corte Permanente de Justiça Internacional e o Pacto de Paris, de 1928, equivocadamente, afirmou que a proibição à guerra está registrada em diversas Constituições. Sob essa perspectiva, o Direito Constitucional Internacional era definido como um conjunto de normas de ordem pública inserido no ambiente do Direito Internacional Público, que se imporiam às normas constitucionais do Estado. Assim, o autor equivoca-se, pois em verdade o que ele pretendia se referir era ao Direito Internacional Constitucional. Em 1933, a partir da publicação da obra de autoria de Mirkine-Guetzévich, intitulada de Droit Constitutionnel International, a expressão passou a significar o conjunto de regras constitucionais de alcance internacional. Posteriormente, o mesmo autor a denomina como um conjunto de normas que possuem eficácia internacional. Entretanto, essa proposta mereceu 8 críticas, tendo em vista que no âmbito internacional, o Direito Interno não tem significação. Neste sentido, a jurisprudência internacional considera o direito interno como despido de valor normativo no plano exterior. Atualmente, à medida que o Direito Constitucional se torna limitado e interpretado pelo Direito Internacional, procura-se elaborar uma construção conceitual do Direito Constitucional Internacional, pautada no fato deste constituir ramo do direito interno, voltado às relações exteriores. É importante ressaltar também que em face do processo de globalização, é inegável a existência da internacionalização das relações jurídicas, o que influencia inexoravelmente no Direito Constitucional de cada Estado. Desta forma, a partir da internacionalização das relações jurídicas, amplia-se a dimensão do tratamento constitucional das relações externas de um Estado. Assim, pode-se definir o Direito Constitucional Internacional como o conjunto de normas constitucionais que limita e regula as atividades externas do Estado. Portanto, é norma de direito interno, inserida na Constituição do Estado, que repercutirá na ordem jurídica internacional, uma vez que esse mesmo Estado se pautará pela observância do Direito Constitucional em suas relações exteriores. Esse conjunto de normas poderá variar de Estado para Estado, ou seja, de constituição para constituição. Verifica-se que ainda não é considerado ramo autônomo do Direito, mas uma divisão do Direito Constitucional, e por variar de constituição para constituição, podemos afirmar que existe um Direito Constitucional Internacional brasileiro, alemão, argentino etc. Além disso, tais normas de direito interno têm um núcleo mínimo que deriva do Direito Internacional Público, ou seja, que dá suporte jurídico aos institutos como a celebração dos tratados, resposta armada à agressão estrangeira, declaração de paz, concessão de asilo políticoetc. O Constitucionalismo Clássico e o enfoque das relações exteriores limitaram- se à organização da gestão política externa a partir da delimitação de competências entre os diversos órgãos estatais. 9 O Constitucionalismo atual caracteriza-se pela fixação de marcos normativos regedores da política externa estatal, quais sejam: o estabelecimento de seus limites de atuação e a formulação de estímulos voltados ao seu direcionamento em razão de certos objetivos. Princípios Constitucionais Regedores das Relações Internacionais Após identificarmos o conceito e a evolução histórica do Direito Constitucional Internacional, é preciso conhecer os princípios constitucionais que regem o Estado nas relações internacionais, abordando-se a sua especial relevância como preceitos normativos balizadores da ação do Estado. O artigo 4º da Constituição da República relaciona os princípios que balizam as relações exteriores do Brasil, o que constitui uma inovação no constitucionalismo pátrio. Sob a ótica da hermenêutica hodierna, cabe ressaltar que os princípios adquirem especial color, sendo considerados normas jurídicas, distintamente da concepção positivista de outrora, que os considerava meros vetores de aplicação das normas jurídicas. No que concerne aos princípios constitucionais que regem as relações exteriores, Canotilho denomina-os de “princípios políticos constitucionalmente conformadores”, pois explicitam as valorações políticas fundamentais do legislador constituinte na formulação da política externa brasileira. A despeito de tal construção normativa constitucional, parte da doutrina entende que a referida principiologia constitucional teria natureza programática, o que não contribuiria de forma a tornar preciso o posicionamento hierárquico das normas de direito internacional no ordenamento jurídico interno. 10 De toda sorte, face ao caráter normativo que a atual hermenêutica atribui aos princípios, não se pode conceber o fato de terem mera função retórica, tendo em vista a sua importante função de localizar o Brasil nas relações internacionais. Estabelecidas tais considerações, passaremos ao estudo dos princípios explicitados no art. 4º da Constituição da República: 1. Princípio da independência nacional Preliminarmente, deve-se registrar que a independência associa-se à soberania, a qual constitui fundamento da República, conforme previsto no art. 1º da Constituição. O vocábulo “independência” pode ser compreendido como o direito de o Estado estar livre de qualquer influência, seja de ordem econômica, política e cultural. Como corolário deste princípio, destaca-se o artigo: 171 da Constituição, o qual assegura tratamento diferenciado às empresas nacionais; o art. 176, que restringe a exploração dos recursos nacionais pelo capital estrangeiro; o art. 178 e o art. 219 do texto magno. Podem-se destacar também os artigos 215, 221 e 222 que visam à preservação de valores culturais nacionais, como forma de manutenção da independência estatal. 2. Prevalência dos direitos humanos Sem precedentes nas Constituições anteriores, a inserção deste princípio no texto constitucional é voltada à questão da efetividade do sistema internacional de proteção dos direitos humanos na ordem jurídica interna. A prevalência dos direitos humanos como paradigma de atuação do Estado brasileiro apresenta dupla finalidade: inserir o Brasil nos sistemas jurídicos internacionais e regionais de proteção dos direitos humanos, e garantir a incorporação destas normas em âmbito interno. A fim de garantir a eficácia do citado princípio, ressalte-se a importância do art. 5º, parágrafo 2º, e após o advento da Emenda Constitucional 45/04, o 11 parágrafo 3º que atribuiu aos tratados internacionais de direitos humanos o status de norma constitucional, respeitados os requisitos estabelecidos no referido dispositivo, que terá o condão de conferir materialidade e coerência ao princípio constitucional da prevalência dos direitos humanos, que constituiu o grande fulcro temático da atualidade. 3. Autodeterminação dos povos A autodeterminação é um princípio em constante evolução no plano internacional e se encontra solidamente respaldada na normatização do DIP, a exemplo da Declaração de princípios de 1970, na Ata de Helsinque de 1975 e na Carta Africana de 1981. Considerada norma cogente internacional, a autodeterminação constitui um dos atributos da soberania estatal, ao lado da independência. Pode ser compreendida como o direito de o Estado não se submeter à dominação estrangeira, tendo sido o fundamento jurídico do processo de descolonização dos territórios subjugados pelos Estados europeus até a metade do século XX na África e na Ásia. Sem embargo, a conjugação da doutrina internacional e da jurisprudência de tribunais internacionais denota duas dimensões, como sustenta Antônio Augusto Cançado Trindade1. A primeira, interna, está relacionada ao direito de todo o povo estar livre de qualquer forma de dominação. No que concerne à dimensão externa, esta se referiria ao direito de todo o povo escolher seu destino e afirmar a própria vontade, o que significa que governos devem a sua existência e seus poderes ao consentimento de seu povo, devendo ser a vontade deste, a base da autoridade do governo. Tal é a mais moderna concepção. Cabe destacar o fato de que não se fazia menção, nas Constituições anteriores, ao compromisso do Brasil com o princípio à autodeterminação dos 1TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. O Direito Internacional num mundo em transformação, p.788. 12 povos, conquanto este tenha sido mencionado sempre entre os paradigmas tradicionais da política externa brasileira. 4. Não intervenção Trata-se de princípio que também é considerado norma cogente internacional, constituindo reforço do princípio da soberania. Seu conteúdo diz respeito à obrigação de abstenção de interferência nos assuntos internos dos Estados. Embora o princípio da não intervenção nunca tenha sido objeto das Constituições anteriores, como o princípio da autodeterminação, sempre foi utilizado na arquitetura da política externa brasileira. O princípio em apreço foi consagrado em importantes instrumentos jurídicos internacionais, tais como a Carta da ONU, da OEA e da OUA, além de estar previsto na Convenção sobre Direitos e Deveres dos Estados de Montevidéu. Em 1970, foi incorporado pela Declaração de Princípios que regem as relações internacionais, que dispôs acerca da obrigação de não intervenção nos assuntos externos e internos dos Estados, seja qual for o motivo, através de qualquer forma de ingerência. Se bem que a noção de domínio reservado dos Estados encontre-se num processo contínuo de redução nos órgãos políticos das Nações Unidas na prática das organizações internacionais, tendo em vista que a tendência da Assembleia Geral é não mais aceitar a alegação de domínio reservado, por se tratar de interesse internacional. Nesse sentido, há uma releitura da clássica noção de soberania absoluta, que passa a sofrer uma relativização, vez que atualmente existem mecanismos internacionais de aferição da responsabilidade internacional dos Estados por violação dos direitos humanos. Vale ressaltar que o dever de não intervenção comporta exceções, quais sejam: intervenção para a proteção de nacionais no exterior; intervenção em nome da defesa, e intervenção para proteção dos direitos humanos, levando- se em consideração para efeito desta última modalidade, o respeito ao chamado domínio reservado dos Estados, que, conforme esclarecido 13 anteriormente, tende a sofrer minimização no tocante aos direitos humanos, por ser considerado atualmente, tema de importância universal. 5. Princípio da igualdade Contemplada na Cartadas Nações Unidas de 1945, a igualdade entre os Estados trata-se de referencial no sistema internacional. Porém, cumpre destacar que a ideia de igualdade no plano internacional associa-se à igualdade formal, não substancial, tal como o princípio da isonomia previsto no art. 5º da Constituição da República. Ao caracterizar-se a sociedade internacional como paritária, almeja-se conferir maior segurança e estabilidade à organização jurídica internacional, conquanto as grandes potências acabem por exercer enorme influência na vida internacional, por desfrutarem de poderio econômico e político, o que revela uma grande desigualdade a permear o sistema de Estados. 6. Defesa da paz e solução pacífica dos litígios A obrigatoriedade de solução pacífica dos litígios apresenta-se no sistema internacional como norma jurídica sobre a qual não recai qualquer discordância acerca de seu caráter cogente, continuando a vigorar na agenda internacional como fator de preservação da paz mundial, tema de grande preocupação na época atual. No Brasil, merece destaque o artigo 21, inc. XXIII Da Constituição, o qual prevê a utilização de energia nuclear somente para fins pacíficos, o que se encontra em sincronia com o referido princípio previsto no Artigo 4º da Carta Magna. 7. Repúdio ao terrorismo e ao racismo Ao erigir o terrorismo e o racismo como princípio constitucional regedor das relações exteriores brasileiras, o constituinte procurou reforçar o compromisso 14 do Estado com a proteção da pessoa humana, que constitui um referencial ético no plano internacional. O terrorismo tem sido uma preocupação constante da sociedade internacional. Redes terroristas criadas nos anos 80, a exemplo da rede Al- Qaeda, expandiram-se rapidamente e, praticando atos de violência extrema, agruparam-se em movimentos radicais em diversas regiões asiáticas e em vários Estados africanos, além de manterem células ativas no continente europeu. Por revestir-se de formas diversas, há inúmeras definições elaboradas por doutrinadores, considerando os objetivos perseguidos, os métodos empregados e os efeitos que são procurados, que, de toda sorte, convergem para um ponto em comum, qual seja, a ameaça ou uso da violência extrema e da força, através do emprego do medo, da coerção e da intimidação, para provocar o terror, com vistas ao alcance de determinados fins, geralmente políticos. Há que se evidenciar que os fins utilizados pelo terrorista não justificam os meios, o que revela uma barbárie e uma antítese com relação à dignidade da pessoa humana, que se torna simplesmente descartável frente aos objetivos perseguidos pelos terroristas. Em consonância com o Artigo 4º, inciso VIII, observam-se os incisos XLII e XLIII, do artigo 5º, que traduzem a correspondência efetiva entre o princípio geral arrolado no artigo 4º e as normas constitucionais específicas referentes aos direitos e garantias fundamentais. 8. Cooperação entre os povos Sem precedentes nas Cartas anteriores, esse princípio constitui reivindicação dos países em desenvolvimento, frente à ausência de solidariedade dos Estados ricos, que impera nas relações internacionais. No plano internacional, o princípio encontra-se colacionado na Carta da ONU e na Declaração de 15 Princípios de 1970, objetivando-se combater o subdesenvolvimento através de ações dos Estados. 9. Concessão de asilo político Compreende-se por asilo político a proteção assegurada pelo Estado a pessoas de nacionalidade diversa do Estado concedente, que têm a sua vida ou liberdade ameaçadas por outro Estado, em virtude do cometimento de delitos políticos. Tal instituto é peculiar da América latina, em razão da instabilidade política da região. Infere-se que o propósito do constituinte, ao ter inserido este dispositivo no rol dos princípios constitucionais das relações exteriores, foi ressaltar o dever de solidariedade internacional imposto aos Estados, através do mecanismo do asilo político. Atividade Proposta Em maio de 2012, o Senador boliviano Roger Molina, por força de sua ideologia política, entrou na embaixada brasileira, situada em La Paz, em virtude de perseguição realizada pela Bolívia. Posteriormente, o parlamentar fugiu para o Brasil contando com a ajuda da embaixada brasileira em La Paz, fato que gerou um incidente diplomático entre os dois Estados. A partir desse fato, você vislumbraria algum princípio constitucional presente no caso? Referências GUERRA, Sidney; SILVA, Roberto Luiz. Soberania: antigos e novos paradigmas. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004. MELLO, Celso de Albuquerque. Curso de direito internacional público. Rio de Janeiro: renovas, 2005, v.1 e 2. ________________. Direit o Constitucional Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. 16 ________________. Direitos humanos e conflitos armados. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 1996. ________________. Direitos humanos. V.1. Curitiba: Juruá, 2006 RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. ________________. Processo internacional dos direitos humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. TAVARES, André Ramos. A reforma do Judiciário no Brasil pós-88. São Paulo: Saraiva, 2005 TORRES, Ricardo Lobo (org). Teoria dos direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. O Direito internacional num mundo em transformação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. 17 Exercícios de Fixação Questão 1 Hodiernamente, procura-se elaborar uma construção conceitual do Direito Constitucional Internacional, pautada no fato deste constituir ramo do Direito interno, voltado às relações exteriores. No tocante à definição e objeto do Direito Constitucional Internacional, assinale a afirmativa correta: a) O conteúdo de suas normas independe do grau de internacionalização de cada sociedade estatal, por conseguinte, prescinde de experiências 18 históricas, sociais, econômicas e culturais vivenciadas em cada Estado, determinantes na localização do Estado na sociedade internacional. b) Inspira-se no constitucionalismo clássico, no qual o enfoque das relações exteriores limitou-se à organização da gestão da política externa, a partir da delimitação de competências entre os diversos órgãos estatais. c) Seu conteúdo restringe-se a normas principiológicas que constituem paradigmas de atuação estatal no plano internacional, que estabelecem valores que devem permear a materialização dos atos do Poder Executivo, em sua competência de conduzir a política externa nacional. d) A perspectiva de internacionalização atual possibilita a ampliação do tratamento constitucional das relações exteriores de um Estado, causando impactos na elaboração das Constituições modernas, que passam a se adequar à nova realidade. Questão 2 A ideia de se estabelecerem normas internas voltadas ao desempenho das relações exteriores não é recente e remonta à antiguidade. Tal se deve ao fato de que os Estados relacionam-se externamente e, por conseguinte, necessitam de uma estrutura jurídica que regulamente e limite suas atividades externas. Esta é a razão pela qual se encontram em sistemas jurídicos das civilizações antigas, antecedentes do Direito Constitucional Internacional. Nesse contexto, assinale a alternativa INCORRETA: 19 a) Na civilização grega, a estrutura política da pólis possibilitou a existência de um constitucionalismo, uma vez que a autonomia das cidades-Estado visa regulamentar assuntos internos e que, em matéria de política externa, constituiu fatores a cooperar com odesenvolvimento de uma intensa vida internacional da civilização grega. b) Com relação às normas de aspecto internacional, os romanos criaram o denominado jusgentium formado pelas normas de direito romano destinadas aos estrangeiros; o jus civilisquiritum, exclusivamente destinado aos cidadãos romanos; e o jus fetiali caracterizado como um conjunto de normas internas destinadas a reger as relações entre o Império Romano e as nações estrangeiras, podendo ser associado ao conceito de Direito Internacional Público, mas direito interno voltado às relações externas de Roma. c) No período medieval, ocorreu um retrocesso com relação ao desenvolvimento das relações internacionais, tendo sido concluídos poucos tratados internacionais. d) No século XVIII, com o absolutismo fundamentado na teoria da soberania de Jean Bodin (poder absoluto de uma República), a formulação e o controle das relações externas são prerrogativas do povo, excluindo-se inteiramente a participação do monarca no processo de tomada de decisões acerca da condução dos negócios externos do Estado. Questão 3 Assinale a alternativa INCORRETA: a) No período medieval, há um desenvolvimento das relações internacionais, e a guerra passa a ser objeto de normatização, estabelecendo-se regras acerca de direitos dos prisioneiros e das imunidades dos portadores de salvo-condutos. 20 b) No período renascentista, com a formação e desenvolvimento dos Estados nacionais a partir de Westfália, a política externa passa a adquirir maior relevância. c) Podemos afirmar a existência de um constitucionalismo internacional em Roma, a exemplo da normatização acerca da conclusão de tratados e de procedimentos necessários para a declaração de guerra, nos quais o Senado desempenhava papel fundamental. d) Somente após o século XVIII, desenvolve-se a noção de controle político das relações internacionais, que passa a constituir assunto de competência exclusiva do Poder Legislativo, o que acabou por inspirar a edificação da sistemática jurídica atual no que concerne à constitucionalização das relações exteriores dos Estados. Questão 4 Sobre o Direito Constitucional Internacional, assinale a alternativa INCORRETA: a) Pode-se defini-lo como o conjunto de normas constitucionais que limitam e regulamentam as atividades externas do Estado. 21 b) O Direito Constitucional Internacional limita-se à organização da gestão da política externa, a partir da delimitação de competências entre os diversos órgãos estatais. c) O conteúdo de suas normas depende do grau de internacionalização de cada sociedade estatal, podendo, por conseguinte, variar de Estado para Estado, em decorrência de experiências históricas, sociais, econômicas e culturais vivenciadas. d) A constitucionalização dos princípios regedores das relações exteriores estabelecidos no art. 4º de nossa Constituição estabeleceu referenciais éticos a orientar todos os atos decorrentes da política externa. Questão 5 O artigo 4º da Constituição da República colaciona uma sistemática de princípios que baliza as relações exteriores do Brasil, o que constitui uma inovação no constitucionalismo pátrio. Sobre o tema, assinale a alternativa correta: 22 a) Sob a óptica da hermenêutica hodierna, cabe ressaltar que os princípios não são considerados normas jurídicas, mas vetores de aplicação destas, diferentemente da concepção de outrora. b) Como corolário do princípio da independência nacional, destaca-se o art.176, que restringe a exploração dos recursos nacionais pelo capital estrangeiro. c) Com o advento da Emenda Constitucional 45/04, o parágrafo terceiro atribuiu status de norma constitucional a todos os tratados internacionais de direitos humanos de que a República Federativa do Brasil fizer parte. d) Sob o escopo de preservação do atributo da soberania dos Estados, o dever de não intervenção não comporta exceções, sendo considerado norma cogente internacional. Questão 6 Os princípios colacionados no art. 4º da Constituição possuem a importante função de localizar o Brasil nas relações internacionais. Sobre o tema, assinale a alternativa INCORRETA: 23 a) A inserção do parágrafo terceiro ao art. 5º teve o condão de conferir materialidade e coerência ao princípio constitucional da prevalência dos direitos humanos, que constituiu o grande fulcro temático da atualidade. b) Não se fazia menção, nas Constituições anteriores, ao compromisso do Brasil com o princípio à autodeterminação dos povos, conquanto este tenha sido mencionado sempre entre os paradigmas tradicionais da política externa brasileira. c) Pode-se afirmar que o artigo 21, inc. XXIII da Constituição, encontra- se em dissonância com o princípio da defesa da paz e solução pacifica dos litígios, o que revela a tendência ao unilateralismo do país no cenário internacional. d) A obrigatoriedade de solução pacífica dos litígios apresenta-se no sistema internacional como norma jurídica sobre a qual não recai qualquer discordância acerca de seu caráter cogente, continuando a vigorar na agenda internacional como fator de preservação da paz mundial, tema de grande preocupação na época atual. Questão 7 Assinale a alternativa INCORRETA: 24 a) A noção de domínio reservado dos Estados encontra-se num processo contínuo de redução nos órgãos políticos das Nações Unidas na prática das organizações internacionais. b) Na prática internacional, é possível a intervenção para a proteção de nacionais no exterior; intervenção em nome da defesa, e intervenção para proteção dos direitos humanos. c) A prevalência dos direitos humanos como paradigma de atuação do Estado brasileiro apresenta a finalidade de inserir o Brasil nos sistemas jurídicos internacionais e regionais de proteção dos direitos humanos, e garantir a incorporação destas normas em âmbito interno, assegurando-lhes sempre status constitucional. d) O princípio da autodeterminação constituiu fundamento jurídico do processo de descolonização dos territórios subjugados pelos Estados europeus até a metade do século XX na África e na Ásia. Questão 8 25 De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, referente à incorporação dos tratados internacionais sobre direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro, analise as assertivas abaixo: I. Prevalece a tese da constitucionalização dos tratados ratificados após a promulgação da Constituição de 1988, por força da abertura do rol dos direitos e garantias fundamentais a outros direitos previstos nos tratados internacionais em que a República do Brasil seja parte. II. Os tratados de direitos humanos necessitam de aprovação congressual como os demais tratados. III. Após a Emenda Constitucional nº 45, de 2004, a constitucionalização dos tratados internacionais sobre direitos humanos depende, no aspecto formal, da observância do procedimento previsto para aprovação de emenda à Constituição. Assinale a alternativa CORRETA a) apenas o item II é incorreto. b) apenas o item I é incorreto. c) apenas o item III é incorreto. d) todas são incorretas. Questão 9 Dentre os princípios abaixo, assinale aquele que não é regedor da política externa brasileira: a) Cooperação entre os povos. b) Erradicação da pobreza. c) Prevalência dos Direitos Humanos. d) Autodeterminação dos povos. 26 Introdução Atualmente, em virtude do crescimento do número de tratados celebrados, é importante evidenciar quais são os mecanismos existentes de internalização dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro. Para isso, faz- se necessáriodeterminar com precisão quais são os instrumentos postos à disposição do governo brasileiro para incorporação do tratado no direito interno. Acredita-se que a partir de uma definição e classificação dos tratados é possível, com certa facilidade, determinar qual patamar hierárquico os tratados, especialmente os que cuidam dos direitos humanos, ocuparão na pirâmide normativa interna. Consequentemente, eventual conflito que possa surgir entre o instrumento internacional e a lei interna poderá ser resolvido sem envolver grande complexidade. Cada vez mais o Direito Internacional vai se tornando um elemento de coesão entre os Estados, porque consegue estabelecer uma cooperação entre eles Porém, paradoxalmente, também se verifica que o Direito Internacional pode trazer tensão entre os sujeitos de direito internacional, mormente quando envolve conflito entre duas ordens, isto é, a internacional e a estatal. Neste último caso estar-se-ia diante do fenômeno do conflito entre normas jurídicas, produzidas em dois contextos jurídicos completamente diferentes. Sendo assim, esta aula tem como objetivos: 1. Conhecer os mecanismos de incorporação dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro. 27 2. Identificar a relação entre as normas de direito internacional e as normas do direito interno 28 Conteúdo Aspectos Gerais Sobre a Classificação dos Tratados Quanto ao Conteúdo e à Matéria Com a crescente positivação do Direito Internacional em meados do século XIX, os tratados se tornaram a fonte maior de obrigação, papel até então reservado ao costume internacional.2 Não se quer afirmar que os mesmos preponderam sobre as demais fontes, mas apenas ressaltar a sua importância nas relações jurídicas travadas entre os Estados na contemporaneidade, visto que trazem para as partes envolvidas segurança jamais alcançada por qualquer outra fonte de direito. A Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, de 1969, conhecida como o Código dos Tratados ou o tratado dos tratados, procurou conceituar o tratado como sendo um acordo internacional celebrado entre Estados e/ou Organizações Internacionais3, por escrito, regido pelo Direito Internacional, quer conste de um documento ou mais a ele conexo, qualquer que seja a sua denominação específica. É a verdadeira Law of Treaties. Sem embargos de outras classificações existentes, é importante salientar que, para fins de verificação do iter procedimental a ser implementado e adotado pelo Estado brasileiro, faz-se mister conhecer aquela que leva em cosideração única e exclusivamente o conteúdo do tratado. Assim sendo, quanto ao conteúdo do tratado, há duas classificações importantes, que geram efeitos concretos no direito nacional, a saber: em razão da natureza do tratado: tratado-lei e tratado-contrato; em razão da matéria versada no tratado: Tratado geral ou genérico e Tratado Internacional sobre Direitos Humanos – TIDH. 2PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 43. 3 A Convenção de Viena de 1969 não mencionou entre os sujeitos capazes de celebrar tratados as Organizações Internacionais, o que só ocorreu em Convenção posterior, assinada também em Viena, no ano de 1986. 29 Classificação dos Tratados Quanto à Natureza Insertos na primeira categoria, ou seja, quanto à natureza do tratado, encontram-se os tratados-normas ou tratados-leis ou tratados-normativos (law-making treaties, em inglês, ou Vereinbarungen, no alemão), que criam regras de direito, sem contraprestações específicas para os sujeitos da relação jurídica. Nesse sentido, as partes estabelecem uma regra de direito e, por isso, geralmente, são celebrados por muitos Estados. Eles podem ser equiparados a verdadeiras leis, pois fixam normas gerais e abstratas e possuem uma finalidade comum e convergente dos Estados, com conteúdo idêntico, voltados para determinada finalidade comum. Por outro lado, os tratados-contratos (Vertragen, em alemão) geram benefícios recíprocos e, por isso, geralmente são tratados bilaterais, como regra de cunho financeiro ou econômico. Exemplos desses tratados seriam os acordos de comércio, de cessão territorial e de aliança. Sobre este aspecto, as vontades dos Estados são divergentes. Aproximam-se, pois, da ideia dos contratos no direito interno. Cada Estado tem como objetivo retirar do outro tudo aquilo que lhe pode ser dado de conveniente. O tratado-contrato, por resultar de concessões mútuas dos Estados, tem como finalidade regular 30 interesses específicos e de maneira concreta para cada umas das partes envolvidas. Enquanto nos tratados-leis a vontade dos Estados tem conteúdo idêntico, nos tratados-contratos, as vontades dos Estados são contrapostas. Segundo essa percepção, apenas os tratados-leis seriam genuinamente fonte do Direito Internacional, pois são neles que se manifestaria a vontade coletiva. Essa classificação ganhou importância no direito brasileiro a partir de um julgamento do Supremo Tribunal Federal no qual ficou consignado que apenas os tratados-contratos poderiam revogar leis internas de caráter tributário, porque se acreditava na existência de hierarquia desempenhada pelas Leis Complementares em relação às Leis Ordinárias, diferença totalmente ultrapassada nos dias atuais. Portanto, tal classificação caiu em desuso e vem perdendo prestígio no Direito Internacional. Nesse sentido, embora haja divergência doutrinária a respeito, expõe Francisco Resek para quem: “A distinção entre tratados contratuais e tratados normativos vem padecendo de uma incessante perda de prestígio. Charles Rousseau permaneceu entretanto fiel a essa ideia, desenvolvida em sua obra de 1944 e reafirmada nas seguintes. É nítida, segundo Rosseau, a diferença funcional entre tratados-contratos, assim chamados porque através deles as partes realizam uma operação jurídica – tais os acordos de comércio, de aliança, de cessão territorial -, e os tratados-leis, por cujo meio as partes editam uma regra de direito objetivamente válida.”4 4 RESEK, Francisco. Direito Internacional Público. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 28. 31 Percebe-se que por mais que o tratado verse sobre contraprestações recíprocas, sempre estabelecerá elementos normativos, como, por exemplo, as cláusulas sobre ratificação, possibilidade de reserva, entrada em vigor. Além disso, no Direito Internacional vigente, tanto os tratados-leis como os tratados-contratos têm o mesmo valor jurídico, inexistindo qualquer hierarquia entre eles. Classificação dos Tratados em Razão da Matéria A segunda categoria da classificação do tratado quanto ao conteúdo leva em consideração o assunto ou a matéria nele pactuada. Assim, o tratado poderá ser genérico ou internacional sobre direitos humanos – TIDH. Tal classificação é de suma importância nos dias atuais, pois dependendo da classificação a ser atribuída ao tratado, o mesmo poderá estar posicionado em diferentes escalas da pirâmide normativa e, com isso, eventual conflito existente entre tratado e norma interna poderá ser resolvido pela aplicação do critério da hierarquia. De plano afirma-se que a jurisprudência brasileira informa que os tratados internacionais genéricos terão paridade normativa como lei federal infraconstitucional, equivalente à lei ordinária. Entretanto, no que tange aos tratados sobre direitos humanos, poderá ocorrer variações da posição que ocupam no ordenamento jurídico, dependendo do procedimento utilizado pelo governo para a sua incorporação estatal. Por tudo isso, os tratados sobre Direitos Humanos referendados pelomesmo rito utilizado para elaboração de uma Emenda Constitucional serão equivalentes à norma constitucional derivada; os tratados sobre Direitos Humanos, referendados por Decreto legislativo, terão força de norma supralegal. A definição de tratado genérico ou geral é feita por exclusão, isto é, todo acordo internacional que não cuidar da proteção do ser humano será considerado tratado genérico. Ao passo que, se o tratado tiver como eixo a 32 proteção do homem, será classificado como um tratado internacional de direitos humanos - TIDH. Neste caso o tratado não estabeleceria apenas uma obrigação em relação aos demais Estados pactuantes, mas uma obrigação em relação aos indivíduos de cada Estado. Pelo que se extraiu acima, a classificação quanto à matéria versada no tratado mostra-se de suma importância na atualidade, haja vista que a partir dessa definição, sobretudo a partir da interpretação dada ao artigo 5º, §2º, da Constituição Federal e após a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, que incluiu o §3º ao artigo 5º, os tratados sobre direitos humanos poderão ocupar lugares diferenciados na escala normativa brasileira. A jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal considera que os tratados sobre direitos humanos sempre terão destaque no ordenamento jurídico, ora equiparados às Emendas Constitucionais, quando internalizados na forma do procedimento similar ao da emenda constitucional, ora com força de norma infraconstitucional, por estarem abaixo da Constituição Federal, mas acima das leis comuns. Portanto, a classificação do tratado quanto à matéria é duplamente importante, serve para definir qual o procedimento a ser seguido pelo Estado na internalização do tratado e, após a sua incorporação, como ele será posicionado entre as fontes normativas internas. Iter Procedimental Para Incorporação do Tratado no Ordenamento Jurídico Brasileiro A partir da classificação do tratado quanto à matéria, é possível estabelecer dois procedimentos distintos para a incorporação no ordenamento jurídico brasileiro. Nesta esteira, busca-se aqui responder à seguinte indagação: quais são os procedimentos existentes no Brasil para a internalização do tratado? 33 As fases dos tratados somente se completam após os sucessivos atos jurídicos que vão se articulando e ligando, desde a sua negociação até a sua vigência. A partir daí pode-se afirmar que algumas etapas dos tratados são produzidas na seara do Direito Internacional, na qual os Estados devem observar estritamente as regras do Direito Internacional e que são comuns a todos os Estados. Por outro lado, cada Estado nacional possui regras distintas de produção dos tratados para considerá-los como parte integrante de seu direito. Fases Internacionais Para a Conclusão do Tratado No Brasil, os Tribunais consideram a existência de um sistema dualista, no qual direito interno e direito internacional são duas ordens jurídicas distintas e paralelas e, por isso, existe um duplo procedimento para que o tratado seja considerado válido. O primeiro procedimento visa o engajamento internacional, pelo qual o Estado se obriga perante aos demais Estados contratantes. O segundo procedimento tem como propósito o engajamento interno, a partir do qual o tratado passa a produzir efeitos para os nacionais. O tratado, segundo essa concepção, somente torna-se exequível no Brasil após a observância de todas as etapas. Basicamente, há quatro etapas pelas quais deve passar o tratado até a sua conclusão: 1. Fase das negociações e assinatura; 2. Fase de aprovação interna pelo órgão legislativo do Estado, segundo as regras de sua Constituição; 3. Fase da ratificação ou adesão do tratado; 4. Fase complementar da promulgação e publicação do texto convencional. 34 Para facilitar o entendimento, sugere-se o esquema abaixo das fases dos tratados: Fases Internacionais: Negociação Como podemos perceber, as etapas que são produzidas no âmbito do Direito Intenacional vão se alternando com as etapas produzidas no ambiente interno. Seguindo o esquema acima, a primeira fase do tratado se constitui das negociações preliminares, que no Brasil cabem ao Poder Executivo, podendo variar de Estado para Estado de acordo com as regras constitucionais a respeito. A fase de negociação tem início quando representantes de um Estado reunem-se em determinado local a fim de chegar a um entendimento sobre a conclusão de um tratado. Nesta etapa são realizadas propostas e contrapropostas, debates sobre o tema, concessões por parte dos Estados e tomada de posições. Realizadas as negociações, o tratado estará pronto para prosseguir nas demais fases. Desta maneira, já há um projeto de tratado composto de um preâmbulo, da parte dispositiva e, eventualmente, dos anexos. Negociação Publicação Promulgaçã o Ratificação Assinatura Aprovação Congressual ETAPAS INTERNACIONAIS ETAPAS INTERNAS 35 Assinatura Levando-se em conta que o tratado resulta da vontade dos Estados, as negociações têm o seu final demarcado com a denominada adoção do texto, que pode contar com o consentimento de todos os Estados que participaram da sua elaboração ou quando a maioria de dois terços de Estados presentes e votantes adotarem o texto do tratado. Assim, após a adoção do texto, os Estados irão apor suas assinaturas e prosseguir nas demais fases. Convém destacar nesse ponto que um Estado pode não adotar o texto, caso seja aplicada a regra da adoção pela maioria de dois terços e, mesmo assim, se desejar assinar o tratado. Mostra-se com isso, que as etapas da adoção do texto convencional distinguem-se da sua assinatura. Destaca-se que a assinatura de um tratado internacional significa um aceite precário e formal não acarretando, a princípio, efeitos jurídicos vinculantes. Ela marca o anúncio de eventual e futuro engajamento definitivo das partes demonstrando que o Estado tem o propósito de prosseguir nas demais etapas e, definitivamente, obriga-se pelo cumprimento do instrumento internacional. A assinatura, embora de caráter provisório, serve para autenticar os termos do tratado. Percebe-se que a assinatura é quase sempre ad referendum, pois necessita de confirmação posterior expressa pelo Estado por meio da ratificação. O que importa é saber que a assinatura põe fim às negociações e é fase necessária no processo de conclusão dos tratados. A partir da assinatura fica vedada a alteração do texto do tratado, porém fica permitida a apresentação de reservas, se assim permitir o tratado. Ratificação e Adesão No âmbito do direito internacional, a próxima etapa, portanto após a assinatura, será a ratificação do tratado, que significa a confirmação de um Estado com intuito de se obrigar pelo tratado. É o aceite definitivo que obriga internacionalmente o Estado. É o ato jurídico necessário, que irradia efeitos 36 no plano internacional, para que se possa marcar a obrigatoriedade do Estado no cumprimento do tratado. No Brasil, como é sabido, todo e qualquer tratado, antes de ser ratificado, deve necessariamente passar pelo crivo do Poder Legislativo. Verifica-se que a ratificação representa o segundo momento de participação do Poder Executivo na elaboração de um tratado. Assim, pode o Estado num momento específico sinalizar que pretende assumir o compromisso efetivo posteriormente, como o faz através da assinatura, mas por conveniência e oportunidade, num outro momento político, não querer mais se engajar em definitivo. Por isso, a ratificação mostra-se como etapa mais importante na sistemática dos tratados. Importa destacar que ela é entendida como um ato unilateral por meio do qual o Poder Executivo confirme a assinatura aposta anteriormente, expressando a vontadedefinitiva do Estado em se obrigar pelo Tratado. A ratificação tem características próprias como sendo um ato externo e de governo, ato expresso, ato político e circunstancial. Assim, ela é o segundo e último ato praticado pelo Estado na processualística internacional da celebração de um tratado antes de iniciadas as fases internas às quais devem ser submetidas o texto convencional. Cumpre ressaltar que o instituto da adesão é similar à ratificação, pois permite que um Estado que não tenha participado das negociações preliminares possa engajar-se ao tratado tal como ele se encontre, produzindo os mesmo efeitos jurídicos da ratificação. Terminadas as fases internacionais dos tratados, passa-se à análise de sua fase interna, que, como foi visto, depende da legislação de cada Estado. 37 As Duas Fases Internas Existentes no Direito Brasileiro para a Formação do Tratado No direito brasileiro, há duas formas para internalizar o Tratado, o que depende da matéria discutida no instrumento intenacional, ou seja, se a matéria é genérica ou se cuida de proteção dos direitos humanos. Portanto, haverá de acordo com o assunto versado no tratado dois caminhos possíveis a serem considerados para a incorporação ao direito pátrio. Antes da Emenda Constitucional 45 de 2004, havia um roteiro único para internalização do Tratado, pois o governo brasileiro não se preocupava em estabelecer um rito próprio para os tratados sobre direitos humanos. Rito procedimental específico para os tratados genéricos Após as etapas concluídas no âmbito do direito internacional, o tratado é submetido a um procedimento específico que irá variar de Estado para Estado. O que importa destacar inicialmente é que o direito brasileiro prevê um rito procedimental específico para a internalização dos tratados genéricos e que poderá ser utilizado também para os demais tratados que cuidarem da proteção do ser humano. No Brasil para que ocorra a ratificação ou a adesão, faz-se necessária a participação do Poder Legislativo. Claramente a Constituição Federal, nesse ponto, estabeleceu a sistemática do checks and balances, pois, ao atribuir a participação do Poder Legislativo, limitou e descentralizou o poder do Executivo de celebrar Tratados, o que previne o abuso desse poder 5 . Ao prever a ação do parlamento, o Brasil legitima democraticamente a participação do povo brasileiro na formação do tratado. Há dois artigos constitucionais que cuidam do tema, o artigo 49, I, que dispõe que é da competência exclusiva do Congresso Nacional resolver 5 HENKIN, Louis. Constitutionalism, democracy and foreign affairs. New York: Columbia University, 1990. p. 59. 38 definitivamente sobre os Tratados que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional, e o artigo 84, ao mencionar que é de competência privativa do Presidente da República celebrar Tratados e todos os documentos internacionais, que deverão ser sujeitos a referendo do Congresso Nacional. O Congresso Nacional está impedido de realizar emendas ao Tratado, quer modificando artigos ou simplesmente substituindo palavras no texto submetido à sua apreciação, já que a assinatura encerra a fase das negociações, autenticando o texto do tratado, que a partir daí não poderá ser alterado, exceto para afastar, através de reserva, o efeito de determinada disposição. Qualquer emenda realizada pelo Parlamento configura afronta à separação dos poderes por ingerência indevida deste órgão em assuntos do Poder Executivo. A razão também para o impedimento de emendas parlamentares justifica-se porque o tratado é produto da vontade conjunta e celebrado após longas discussões e concessões recíprocas com um número variado de Estados. Em última instância, se tal procedimento fosse permitido, equivaleria dar ao Poder Legislativo o poder de negociar tratados e afastar o Poder Executivo de sua legítima função. Após a aprovação do parlamento por decreto legislativo, cabe ao Presidente da República, segundo um juízo de conveniência e oportunidade, ratificar o tratado. Finalmente, o Presidente da República promulga, através de decreto, o tratado, com intuito de dar publicidade no plano interno, e publica o texto integral em diário oficial, em que pese inexistir regra específica, sendo esta uma praxe realizada desde o tempo do Império. Trata-se de prática aceita amplamente no Direito brasileiro. Nesse sentido, antes da promulgação, um tratado internacional não produz efeitos no plano interno. 39 Rito procedimental para os tratados sobre direitos humanos O Brasil, após a Constituição de 1988, ratificou vários tratados de direitos humanos que seguiram basicamente o rito interno comum, destinados aos tratados genéricos. Entretanto, a partir da edição da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, surgiram diversas indagações que consistiam em responder às seguintes questões: como os tratados internacionais de direitos humanos celebrados anteriormente à publicação da referida emenda à Constituição passam a vigorar no Direito brasileiro? Há obrigatoriedade na observância do rito previsto pelo artigo 5º, §3º, da Constituição Federal? Prevalecerá a mesma sistemática anterior quanto à promulgação e à ratificação para os tratados aprovados de acordo com o disposto no artigo 5º, §3º, da Constituição Federal? De antemão, é preciso compreender que a escolha por parte do governo brasileiro do rito a ser seguido para a internalização do tratado sobre direitos humanos pode alçar o instrumento internacional a diferentes posições gradativas no ordenamento jurídico. Antes da edição da Emenda Constitucional nº 45 de 2004, que acrescentou ao artigo 5º, o parágrafo terceiro, o rito observado era o comum, até então a única sistemática existente no Brasil. Sobre o escalonamento dos tratados de direitos humanos, a doutrina e a jurisprudência, até a edição da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, estabeleciam basicamente duas posições: Celso de Albuquerque Mello 6 , Flávia Piovesan e Antonio Augusto Cançado Trindade7 entendiam que os tratados sobre direitos humanos, ao serem internalizados no direito brasileiro, deveriam revestir-se de 6 Em verdade, Celso de Albuquerque Mello e no direito comparado Bidart Campos reconhecem a natureza supraconstitucional dos tratados e convenções em matéria de direitos humanos. 7 Estes dois últimos interpretavam os parágrafos primeiro e segundo do art. 5º, da CRFB, como garantidores da aplicabilidade direta e do status constitucional dos tratados sobre direitos humanos. 40 estatura de normas constitucionais. Desta forma, segundo esse entendimento, a edição da Emenda Constitucional nº 45 só veio a reforçar a tese de que o conteúdo de um tratado de direitos humanos possuía status elevado no ordenamento jurídico pátrio. Toda essa construção teórica se baseou na interpretação do artigo 5º, §2º, da Constituição Federal, ou seja, a permissão da cláusula de abertura e não, evidentemente, na dicção do artigo 5º, §3º, que inexistia à época. De outra banda, oposta ao entendimento anterior, o Supremo Tribunal Federal e Celso Ribeiro Bastos afirmavam que os tratados sobre direitos humanos teriam a mesma natureza jurídica de qualquer tratado depois de incorporado ao direito brasileiro, isto é, norma infraconstitucional. Concluíram que o tratado, qualquer que fosse a matéria ali prevista, possuía o status equivalente à lei ordinária. Consequentemente, extraia-se dessa posição, que não havendo primazia dos tratados internacionais sobre direitos humanos em face da lei ordinária, eventual conflito existente entre as fontes deveria ser resolvido pela aplicação do critério cronológico ou pela aplicação do critério da especialidade.Nota-se que ambas correntes diferenciavam-se entre si pela inclusão hierárquica do Tratado sobre direitos humanos na pirâmide normativa pátria. Ao procurar responder à primeira indagação proposta acima, isto é, como os Tratados internacionais de direitos humanos celebrados anteriormente à publicação da Emenda Constitucional 45, de 2004, passam a vigorar no Direito brasileiro, depara-se com uma evolução jurisprudencial e, ao mesmo tempo, com divergência doutrinária. A doutrina diverge sobre este aspecto, pois, segundo uma linha de pensamento, não seria possível emprestar àqueles tratados a mesma 41 natureza jurídica dos que tramitaram em conformidade com a EC 45/04. Porém, em sentido contrário, advoga-se a tese de que nada impediria o legislador pátrio de submeter aquele tratado já incorporado ao novo rito estabelecido pela citada emenda. No contexto atual, em que se verifica cada vez mais a abertura do Estado constitucional brasileiro a ordens jurídicas supranacionais de proteção dos direitos, não faz mais sentido consagrar a tese da legalidade ordinária aos tratados firmados pelo Brasil anteriormente à alteração constitucional. Qualquer tese em sentido contrário estaria predestinada ao retrocesso e a defasagem. Portanto, os tratados sobre direitos humanos ratificados pelo Brasil, antes da referida emenda, não se equipararão às leis ordinárias, mas também não ganham status de emendas constitucionais justamente por não terem passado pelo procedimento especial previsto somente a partir de 2004. Nesse aspecto, o STF no julgamento do Recurso Extraordinário nº 466.343 conferiu status de supralegalidade ao Pacto de São José da Costa Rica. A segunda indagação proposta acima se refere à obrigatoriedade ou não da observância do rito previsto pelo artigo 5º, § 3º, da Constituição Federal. Tem-se que a emenda constitucional possibilitou a escolha do governo, por motivos de conveniência. Parece que pela redação do dispositivo, porque o constituinte reformador utilizou a expressão “que forem aprovados”, não se pode exigir do Congresso Nacional que adote o rito especial do quórum de três quintos. A promulgação também parece uma questão que chama atenção no que se refere à incorporação dos tratados sobre os direitos humanos que observam a regra constitucional, pois como são cediças, as emendas constitucionais não são promulgadas pelo Presidente da República, mas sim pelo Congresso Nacional. Nota-se que, tradicionalmente, este ato indica uma das etapas de internalização dos tratados. Para alguns doutrinadores, não há mais 42 necessidade de promulgação nos tratados sobre direitos humanos, pois um tratado desse tipo será encaminhado ao Congresso Nacional não como projeto de decreto legislativo, mas como proposta de Emenda Constitucional. A Dicotomia Entre o Monismo e o Dualismo O estudo do conflito entre Direito Internacional e Direito Interno é um dos temas mais importantes do direito e, ao mesmo tempo, um dos mais complexos. Em diferentes momentos, surgiram algumas teorias que se digladiaram e continuam envolvidas em suas paixões originais até os dias de hoje. Tal dicotomia fez surgir duas teorias que procuravam explicar as relações entre o ordenamento jurídico interno e o ordenamento jurídico internacional, a saber, a teoria dualista e a teoria monista, que passaremos a examinar em seguida: Teoria dualista Dionizio Anziloti e Heinrich Triepel foram os precursores do dualismo. A teoria considerava a existência de duas ordens jurídicas, paralelas, no entanto, apartadas, uma de direito internacional e outra de direito interno. Tal distinção baseava-se na diferença entre as fontes jurídicas internas e internacionais. Para o direito internacional, as relações jurídicas travadas eram estabelecidas entre os Estados, que produziam as fontes de direito internacional, tais como os costumes internacionais, os princípios gerais de direito e, principalmente, os tratados. Nesse ambiente as relações se dariam pela forma de cooperação já que as pessoas jurídicas de direito internacional seriam juridicamente paritárias. Por outro lado, as normas internas seriam originadas da própria vontade estatal e formariam as fontes desse ordenamento jurídico, como as constituições nacionais e as leis internas. Em tese, dada a diversidade de origem das normas internas e internacionais, não havia a possibilidade, num primeiro momento, de existir conflito entre esses sistemas. Assim, era necessária a criação de um mecanismo de 43 internalização das normas internacionais, que retirasse os tratados da esfera do direito internacional e os levasse para o ordenamento interno. Somente após a internalização, seria possível a cogitação de um eventual conflito entre fontes. Na visão de Triepel, não haveria primazia de um tratado ou de uma lei interna, pois através do processo de internalização, o tratado passaria a adquirir o status de norma interna. No âmbito do próprio dualismo, surgiram duas outras correntes denominadas de dualismo radical ou extremado e dualismo moderado ou atenuado. Os dualistas radicais acreditavam que a incorporação dos tratados à ordem interna deveria se dar através de uma lei em sentido formal, enquanto os dualistas moderados aceitavam que não deveria haver rigor e propuseram a internalização dos tratados através de um procedimento mais simples ou um rito procedimental específico previsto no direito interno. No Brasil, não se discute que as fases dos tratados seguem um rito específico que vai desde a sua negociação, no plano internacional, até a sua publicação, no plano interno. Teoria monista O monismo, defendido por Hans Kelsen, considerava a existência de apenas um ordenamento jurídico, no qual haveria projeção do direito internacional através da celebração dos tratados. Em face da integralidade do sistema jurídico, para o monismo não haveria necessidade de criação de mecanismos de internalização da norma de direito internacional, o que conduziria a uma aceitação automática do tratado na ordem interna. Dessa forma, seria perfeitamente possível o conflito entre fontes. Para Kelsen, os conflitos seriam solucionados pela supremacia do direito interno ou pela supremacia do direito internacional, sem que a unidade do 44 ordenamento jurídico fosse posta em risco. Essa linha de pensamento ficou conhecida como dualismo radical ou extremado. Por outro lado, surgiu também o dualismo moderado que equiparava o tratado genérico à lei ordinária. Os monistas moderados entendiam que, havendo conflito entre fontes, a sua resolução deveria ficar por conta dos métodos já conhecidos pelos juristas, isto é, critérios cronológicos e da especialidade. A posição adotada no Brasil É válido registrar que no Brasil, as referidas teorias tiveram interpretações extensivas, passando-se a utilizar as expressões dualismo extremado e dualismo moderado, monismo radical e monismo moderado, segundo critérios relacionados à necessidade ou não de um processo de internalização da norma internacional. Ao analisar o histórico das decisões dos tribunais no Brasil sobre o tema, constata-se que ambas as teorias encontram respaldo. Na década de 70 do século passado, destacou-se a decisão do STF no Recurso Extraordinário nº 71.154, que discutiu a hierarquia do tratado em face da lei, após o seu processo de internalização. Posteriormente, no julgamento em 1977 do Recurso Extraordinário nº 80.004, o STF entendeu que a lei interna revogava o tratado anterior, o que levou a doutrina a cunhar a expressão monismo moderado com primazia do direito interno. Até então o STF apregoava o primado do direito internacional frente ao ordenamento doméstico brasileiro. Nos julgamentos da ADIN nº 1.480 e na Carta Rogatória nº 8.279, o STF classificou o sistema brasileirocomo dualista moderado, pois é necessária a incorporação do tratado através de um iter procedimental específico. Quanto à adoção dos critérios cronológicos ou da especialidade, merece destaque o posicionamento do STJ, no que tange ao conflito entre tratado e 45 lei interna. No RESp nº 58.736, o tribunal afirmou a prevalência da norma especial sobre a norma geral. Todavia, o próprio tribunal, posteriormente, por ocasião do julgamento do RESp nº 169.000, considerou que deve ser aplicado o critério cronológico, em vez da regra da especialidade: “Responsabilidade civil. Transportador. Limitação de Indenização. Código de Defesa do Consumidor. Convenção de Varsóvia. Editada lei específica, em atenção à Constituição (art. 5º, XXXII), destinada a tutelar os direitos do consumidor, e mostrando-se irrecusável o reconhecimento da existência de relação de consumo, suas disposições devem prevalecer. Havendo antinomia, o previsto em tratado perde a eficácia, prevalecendo a lei interna posterior que se revela com ela incompatível. Recurso conhecido e não provido.” Daí se infere que um tratado ratificado pelo Brasil pode deixar de ser cumprido se o Congresso legislar em sentido contrário, visto que, no Brasil, o tratado genérico, uma vez incorporado, ingressa em nosso ordenamento na mesma posição hierárquica de lei ordinária. Atividade Proposta Digamos que numa situação hipotética, o Brasil, em uma conferência internacional, resolvesse assinar um tratado sobre direitos humanos, enviando para tanto plenipotenciários. Na etapa do engajamento interno, o Presidente da República envia mensagem ao Congresso Nacional com a determinação de que o procedimento seguirá na conformidade do rito dispensado às Emendas Constitucionais. A partir dessa situação hipotética, o Congresso Nacional deveria adotar o rito previsto no artigo 5º, § 3º, da Constituição Federal? Referências GUERRA, Sidney; SILVA, Roberto Luiz. Soberania: antigos e novos paradigmas. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004. 46 MELLO, Celso de Albuquerque. Curso de direito internacional público. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, v.1 e 2. ________________. Direito Constitucional Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. ________________. Direitos humanos e conflitos armados. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 1996. ________________. Direitos humanos. V.1. Curitiba: Juruá, 2006. RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. ________________. Processo internacional dos direitos humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. TAVARES, André Ramos. A reforma do Judiciário no Brasil pós-88. São Paulo: Saraiva, 2005. TORRES, Ricardo Lobo (Org.). Teoria dos direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. O Direito internacional num mundo em transformação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. 47 Exercícios de Fixação Questão 1 De acordo com a doutrina e jurisprudência brasileiras, o tratado adquire executoriedade interna no Brasil após: a) Sua ratificação pelo Presidente da República. b) Decreto presidencial de promulgação e publicação no Diário Oficial da União. c) Publicação no Diário Oficial da União e do decreto legislativo de sua aprovação. d) Sua assinatura pelo Presidente da República. Questão 2 Em relação ao tema da apreciação dos tratados internacionais pelo Congresso Nacional, é correto afirmar que: a) O Poder Legislativo ratifica o tratado mediante promulgação de decreto legislativo de aprovação. b) Os parlamentares podem acrescentar novos dispositivos ao texto enviado pelo Poder Executivo. c) O Presidente do Senado Federal tem competência para, em nome do parlamento, negociar tratados que cuidem de temas relacionados às atividades da casa legislativa. d) O Congresso Nacional resolve definitivamente sobre um tratado internacional quando o rejeita. 48 Questão 3 Em relação ao tratado genérico, assinale a alternativa correta: a) Na fase interna, deve o Congresso Nacional aprová-lo por 3/5 dos respectivos membros. b) Após a promulgação por decreto presidencial e respectiva publicação, o tratado terá status de norma infraconstitucional, equiparado à lei ordinária. c) É de competência exclusiva do Presidente da República resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos gravosos ao patrimônio nacional. d) O Pacto de São José da Costa Rica, de 1969, segundo o entendimento atual do STF, possui paridade normativa com a lei ordinária. Questão 4 Em 2010, o Congresso Nacional aprovou por Decreto Legislativo a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Essa convenção já foi aprovada na forma do artigo 5º, § 3º, da Constituição, sendo sua hierarquia normativa de: a) lei federal ordinária. b) lei complementar. c) emenda constitucional. d) status supralegal. 49 Questão 5 Com relação aos tratados, no procedimento legislativo brasileiro: a) Com a edição do decreto legislativo, o Congresso Nacional edita uma ordem para a execução do tratado em nosso país. b) Somente após o decreto presidencial e respectiva publicação, o tratado pode ser aplicado de forma obrigatória, tal qual uma norma infraconstitucional. c) A celebração e a assinatura de um tratado, pelo Presidente da República, obrigam internamente o nosso país. d) É competência exclusiva do Presidente da República resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ao patrimônio nacional. Questão 6 Sobre a teoria dualista/monista é INCORRETO afirmar: a) Para a teoria dualista, o Direito Internacional resulta da vontade de vários Estados, enquanto o direito interno resulta da vontade de apenas um Estado (relação jurídica vertical). b) A teoria monista pode ser subdividida em monista moderada e monista extremada. c) A teoria dualista é adotada no Brasil apenas no que tange ao art. 5°, §2°, da CRFB e para os demais casos adota-se a teoria monista. d) Para a teoria dualista, uma norma só será aplicada no ordenamento interno dos Estados caso seja transformada em direito interno. 50 Questão 7 No Brasil existem diversos acórdãos consagrando o primado do DI [Direito Internacional], como é o caso da União Federal v. Cia. Rádio Internacional do Brasil (1951) em que o Supremo Tribunal Federal decidiu unanimemente que um tratado revogava as leis anteriores (Apelação Cível no 9.587). (...). Entretanto, houve no Brasil um verdadeiro retrocesso no Recurso Extraordinário no 80.004, decidido em 1978, em que o STF decidiu que uma lei revoga tratado anterior. Esta decisão viola também a convenção de Viena sobre direito dos tratados (1969) que não admite o término de tratado por mudança de direito superveniente. (MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito Constitucional Internacional. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 366). Os acórdãos citados no texto são, respectivamente, compatíveis com as teorias: a) monista com primazia do direito interno e dualista extremada. b) monista com primazia do direito internacional e monista com primazia do direito interno. c) monista com primazia do direito internacional e dualista extremada. d) dualista extremada e dualista moderada. Questão 8 Quanto ao dualismo e ao monismo, é correto afirmar que: a) A teoria da incorporação advém da corrente monista, que defende a primazia do direito internacional. b) O dualismo tem como premissa a ideia de que todas as fontes emanam de um único ordenamento jurídico. c) O dualismoaceita a existência de duas ordens jurídicas independentes e autônomas. d) O monismo defende a primazia do direito interno do país, desde que o tratado seja incorporado ao ordenamento jurídico interno. 51 Questão 9 No que diz respeito ao posicionamento do STF sobre a relação entre o Direito Internacional e o Direito Interno, assinale a alternativa incorreta: a) O STF considerava que o direito internacional possuía primazia sobre o direito interno, até o julgamento do RE 80.004, que em decisão história, mudou seu entendimento e passou a estabelecer paridade normativa entre o tratado e lei ordinária. b) O STF entende que se um tratado internacional conflitar com a Constituição Federal, esta deve prevalecer. c) O STF entende que um tratado genérico equivale à lei ordinária. d) O STF assentou posicionamento de que o tratado genérico, ao ser incorporado ao ordenamento jurídico, adquire status de norma constitucional. Questão 10 O Estado regulamenta a convivência social em seu território por meio de legislação nacional, e a comunidade internacional também cria regras, que podem conflitar com as nacionais. A respeito das correntes doutrinárias que procuram proporcionar solução para o conflito entre as normas internas e as internacionais, assinale a opção correta: a) Para a teoria monista, o ato de ratificação de tratado gera efeitos no âmbito nacional. b) De acordo com a corrente dualista, o direito interno e o direito internacional convivem em um único sistema jurídico. c) A corrente monista moderada considera que a norma interna sempre prevalecerá sobre a norma internacional. d) O monismo radical prega que o tratado será equivalente à lei ordinária. 52 Antes de iniciar a aula, conheça o caso de um filho de brasileiro nascido no exterior que resolve optar pela nacionalidade brasileira, após a prática de crime ocorrida no exterior. Em seguida, responda à questão abaixo: O filho de brasileiro nascido no exterior, nesse caso, será extraditado? Por quê? Pedro, filho de brasileiros, nasceu na Alemanha em 1989 e lá cometeu um crime de tráfico ilícito de entorpecentes, no ano de 2012. Em decorrência de instauração de processo investigatório criminal contra ele, resolve no mesmo ano vir, pela primeira vez, ao Brasil. Aqui conheceu um advogado que o orientou a optar pela nacionalidade brasileira na Justiça Federal, de acordo com os artigos 12, I, “c” e 109, X da CRFB/88. Entretanto, antes de se concluir o processo de opção de nacionalidade, o governo alemão solicita ao Brasil a extradição de Pedro pelo crime cometido. Introdução A Nacionalidade é tema vasto e de grande repercussão dentro do ordenamento jurídico pátrio e do Direito Internacional. Desta forma, o estudo sobre as espécies de nacionalidade torna-se de extrema relevância jurídica e social, pois através da sua definição, distinguindo nacional do estrangeiro, pode-se concluir pelo gozo dos direitos políticos e o acesso a determinadas funções públicas, além de viabilizar ou não a expulsão e a extradição. Além disso, é importante ressaltar que a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, tratou do tema no Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, em seu art. 12 e parágrafos, erigindo a matéria à categoria de 53 direito fundamental. Por fim, faz-se necessário o estudo das hipóteses de perda da nacionalidade originária, bem como da reaquisição da nacionalidade perdida. Sendo assim, esta aula tem como objetivo: 1. Conhecer os aspectos gerais e constitucionais da nacionalidade no Direito brasileiro. 54 Conteúdo Conceito de Nacionalidade Compreende-se por nacionalidade o vínculo jurídico-político que se estabelece entre o indivíduo e o Estado e que permite fazer a distinção entre o nacional e o estrangeiro para determinados fins. A noção de Estado estabelece uma correspondência à ideia de nacionalidade. A nacionalidade associa-se ao ser humano, direito garantido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Neste sentido, a Declaração Universal dos Direitos do Homem proclama em seu artigo XV que todo homem tem direito a uma nacionalidade, e que ninguém será arbitrariamente privado dela 8 , nem do direito de mudar de nacionalidade. A Convenção Americana sobre os Direitos Humanos de 1969 complementa em seu artigo 20 que “toda pessoa tem direito à nacionalidade do Estado em cujo território houver nascido se não tiver direito a outra”. A Constituição Federal de 1988 reservou capítulo próprio do Título II sobre o instituto da nacionalidade, representando uma espécie do gênero de direitos fundamentais, ao lado dos direitos individuais e coletivos, direitos políticos e direitos sociais. Dentro desse raciocínio, objetiva-se conceituar os tipos de aquisição de nacionalidade previstos no ordenamento jurídico pátrio, diferenciando-se, portanto, do Direito Internacional. A matéria é relevante tanto para o Direito Interno como para o Direito Internacional, pois a não definição correta de um nacional pode levar a não 8Dolinger, Jacob. Direito Internacional Privado. apud Ramella, Pablo. Nacionalidad y Ciudadania. Buenos Aires, EdicionesDepalma, 1978. A história relata que em 1921 a União Soviética privou de sua nacionalidade os refugiados russos que se encontravam no estrangeiro. Mais adiante, por decreto de 1941, a Alemanha também destituiu a nacionalidade de judeus de origem alemã que se radicaram no estrangeiro durante a 2ª Guerra Mundial. 55 fruição dos direitos políticos e o acesso a determinadas funções públicas e a possibilidade de ser submetido à extradição e à expulsão. Nacionalidade e sua Relação com outros Ramos do Direito A nacionalidade é um tema tratado por diversos ramos do direito, especialmente pelo Direito Constitucional. Com efeito, a questão da definição da nacionalidade tocará a vários ramos do direito, como, por exemplo, o direito internacional privado e direito civil quanto à sucessão de bens de estrangeiro, observada a lei brasileira em benefício do cônjuge e filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujos (§1°, art. 10, da LICC); o direito penal, no tocante a aplicação da lei brasileira quando o crime for praticado por brasileiro ou quando for cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil (art. 7º, II, ‘b’ e § 3°, do CP); o direito processual quanto às imunidades dos diplomatas e Chefes de Estado; o direito empresarial em relação à nacionalidade das pessoas jurídicas. Há que se considerar também a proximidade do conceito de nacionalidade com o de povo, nação e cidadania, sendo certo que estão intimamente ligados, e sem os quais o próprio conceito de nacionalidade não poderia subsistir. O conceito de povo está ligado ao conjunto de pessoas que fazem parte do Estado, isto é, o seu elemento humano. Assim, diferencia-se de população, termo mais abrangente, cujo caráter é predominantemente demográfico, sendo o conjunto de residentes no território, seja nacionais ou estrangeiros, bem como apátridas. Nação é o conjunto de pessoas nascidas em um território, ligadas pelo mesmo idioma, cultura, tradições e costumes, isto é, comunidade de assento cultural, caracterizada por tradições, costumes, língua, interesses, origem, e histórias comuns, e provida da comunhão de ideias coletivas e aspirações de 56 futuro 9 . Está intimamente vinculada ao conceito de povo, consistente no aglomerado de indivíduos ou comunidades, que se ligam a valores culturais e morais no território em que vivem. A cidadania vincula-se ao gozo dos direitos políticos em um Estado. A confusão entre os conceitos de nacionalidade e cidadania parece advir dos norte-americanos10,
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