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Autores: Profa. Ivete Maria Soares R. Ramirez Prof. Eduardo de Souza Britto Prof. Alexandre G. Ferreira Colaboradores: Prof. Fábio Pozati Prof. Adilson Rodrigues Camacho Cartografia Temática: Técnicas e Projeções Professores conteudistas: Ivete Maria Soares R. Ramirez / Eduardo de Souza Britto / Alexandre G. Ferreira © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) R173g Ramirez, Ivete Maria Soares Ramirez. Cartografia Temática: Técnicas e Projeções. / Ivete Maria Soares Ramirez Ramirez, Eduardo de Souza Britto, Alexandre G. Ferreira. – São Paulo: Editora Sol, 2020. 140 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Cartografia. 2. Projeções. 3. Geoprocessamento. I. Britto, Eduardo de Souza. II. Ferreira, Alexandre G. III. Título 681.3 U505.54 – 20 Ivete Maria Soares R. Ramirez Mestranda em Educação, pós-graduada em Jornalismo Científico pelo Laboratório de Estudos Avançados de Jornalismo Científico da Universidade de Campinas – Labjor/Unicamp, bacharel e licenciada em Ciências Sociais e Geografia pela Universidade de São Paulo – USP. Em 2006, estudou as seguintes disciplinas em nível de pós-graduação stricto sensu no Nepam/Unicamp (Núcleo de Pesquisas Ambientais): Qualidade de Vida em Sociedades Complexas, Sustentabilidade e Políticas Públicas, Desenvolvimento e Meio Ambiente e Mudanças Ambientais Globais na área de Sociedade e Ambiente e Economia Ambiental como aluna especial do Programa de Doutorado. É autora de material didático do Ensino Médio do Sistema de Ensino Objetivo e realiza trabalho de assessoria de Coordenação do Ensino Médio no Departamento de Programação Geral (DPG) do Colégio Objetivo, em São Paulo e em outros estados do Brasil. Coordena o curso de Licenciatura em Geografia, na modalidade de ensino a distância – EaD, na Universidade Paulista – UNIP. Eduardo de Souza Britto Eduardo Britto é mestre em Ensino de Ciências pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, tem especialização em Gestão Ambiental pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e é graduado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp – SP). Docente do curso pré-vestibular e do colégio Objetivo, São Paulo, e professor orientador de iniciação científica do curso de licenciatura em Geografia da UNIP Interativa, modalidade EaD. Alexandre G. Ferreira Bacharel e licenciado em Geografia pela Universidade de São Paulo (USP)/Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Geografia pela UFPR na área de planejamento urbano-regional, quando atuou como pesquisador do Observatório das Metrópoles, rede nacional de estudos sobre as transformações urbanas brasileiras. Possui vasta experiência como consultor técnico em estudos ambientais diversos e compõe o corpo docente da UNIP nos cursos de Geografia, Relações internacionais e Turismo, nas modalidades EaD e presencial. Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Vitor Andrade Lucas Ricardi Sumário Cartografia Temática: Técnicas e Projeções APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................8 Unidade I 1 A IMPORTÂNCIA DA CARTOGRAFIA NO ÂMBITO DA GEOGRAFIA ............................................... 11 1.1 A importância da cartografia e suas correntes acadêmicas ............................................... 18 1.2 Os instrumentos da cartografia temática .................................................................................. 20 1.3 As diferentes abordagens da cartografia sistemática e temática .................................... 22 1.4 Uma breve história sobre mapeamento terrestre ................................................................... 25 1.5 A cartografia temática e as técnicas utilizadas ....................................................................... 27 1.5.1 Representações gráficas ...................................................................................................................... 27 1.5.2 Voltando à cartografia temática sob o ponto de vista geográfico .................................... 28 1.5.3 Variáveis visuais ....................................................................................................................................... 33 1.5.4 Formas de manifestação dos fenômenos e apreciação .......................................................... 35 2 MÉTODOS DE REPRESENTAÇÃO CARTOGRÁFICA ............................................................................... 36 2.1 Representações qualitativas ............................................................................................................ 36 2.2 Representações ordenadas ............................................................................................................... 39 2.3 Representações quantitativas ......................................................................................................... 40 2.4 Representações dinâmicas e exemplos ....................................................................................... 46 2.4.1 Representações dinâmicas: movimentos no espaço – método dos fluxos ..................... 51 2.5 A cartografia de síntese ..................................................................................................................... 53 Unidade II 3 A CARTOGRAFIA AMBIENTAL ..................................................................................................................... 60 4 CARTOGRAFIA COMO FORMA DE REPRESENTAÇÃO POLÍTICA E OUTROS TEMAS ................ 63 4.1 A cartografia política ......................................................................................................................... 68 4.2 A cartografia histórica ...................................................................................................................... 68 Unidade III 5 EXEMPLOS DE REPRESENTAÇÕES TEMÁTICAS .................................................................................... 74 5.1 A água em distintos momentos ..................................................................................................... 78 5.2 Outros temas polêmicos .................................................................................................................... 80 5.3 A disponibilidade de água doce ..................................................................................................... 85 6 AS FOTOGRAFIAS AÉREAS E SUA UTILIZAÇÃO PELA CARTOGRAFIA ........................................... 91 6.1 Geoprocessamento .............................................................................................................................. 93 6.2 Web arte e as cartografiasdigitais ................................................................................................ 94 6.3 Sensoriamento remoto: uma nova ferramenta para mapeamento ................................ 95 6.4 O sentido dos outros, os lugares e a cartografia temática .................................................. 96 6.5 Ofício de cartógrafo ............................................................................................................................ 97 Unidade IV 7 CARTOGRAFIA TURÍSTICA ..........................................................................................................................105 7.1 A informação turística .....................................................................................................................107 7.1.1 Cartografia turística voltada ao planejamento ........................................................................108 7.1.2 Cartografia turística voltada à orientação do turista ............................................................ 110 7.2 Signo e significado ............................................................................................................................112 8 GEOTECNOLOGIAS E INFORMAÇÃO TURÍSTICA E GEOGRÁFICA .................................................114 8.1 SIG, sensoriamento remoto, CAD e sistema GPS ..................................................................117 7 APRESENTAÇÃO Os conceitos e temas geográficos estão, na maior parte das vezes, relacionados a outros campos do conhecimento e constituem-se em um dos instrumentais utilizados para análise e interpretação dos problemas, estando diretamente relacionados às representações cartográficas. A proposta desta disciplina é empregar o conteúdo que foi trabalhado em cartografia e colocá-lo em termos práticos em seus múltiplos temas (históricos, ambientais, demográficos, naturais, políticos, geopolíticos, econômicos), entre outros. Para especificar o trabalho da cartografia temática, reportamo-nos ao passado histórico de muitos grupos humanos, como os fenícios, que realizavam descrição das áreas costeiras e já definiam os itinerários que percorriam; ou os babilônios, que descreviam a Terra como uma montanha que estava sob as águas em uma esfera celeste fixa e sólida. Os hebreus também tinham uma descrição da Terra como circular, repousando sob pilares acima do nível das águas, enquanto os egípcios colocavam a Terra no fundo de uma caixa e as estrelas presas a ela. Na China, os mapas existiam desde o século V a.C., os quais representavam o Império de grande extensão, cercado de água. Na América, os maias detinham uma concepção astronômica e já definiam os pontos cardeais (Norte, Sul, Leste, Oeste) através de um sistema de cores e acreditavam que o mundo fosse circular, flutuando em um grande mar, nas costas de um crocodilo; os astecas já elaboravam mapas de cidades, enquanto, na América Andina, povos pré-incaicos, como os tiwanacotas, e os próprios incas, em território peruano, já detinham um mapa de relevo da região dos Andes. Decorridos alguns séculos, após o descobrimento do Brasil, os povos colonizadores tinham como formas de representação as terras do Novo Mundo, esboços contendo os aspectos da biodiversidade florística e da fauna, entre outros. Esses desenhos, chamados iluminuras, conferiam aos mapas um sentido estético, e muitas dessas representações imaginárias baseavam-se em relatos de viajantes e navegadores que haviam passado por tais terras ou, algumas vezes, procediam da experiência dos cartógrafos. Enfim, os tempos decorreram, a Idade Média chegou e houve uma regressão científica, influenciada pela religião cristã e seus dogmas. Mesmo assim, a cartografia teve de se adaptar e foram produzidos os mapas medievais, que se basearam no Orbis Terrarum e apresentavam a Terra constituída pela Europa, Ásia e África, segundo uma concepção bíblica da divisão pós-dilúvio, entre os filhos de Noé. A cidade de Jerusalém simbolizava o Oriente e era posicionada no ponto alto do mapa, o que deu surgimento ao termo orientação. Os árabes, por sua vez, teriam retomado os estudos dos gregos e principalmente os de Ptolomeu, dando um caráter científico para a cartografia. O marco para esse fato ocorreu devido ao geógrafo e explorador Muhammad al-Idrisi, que, no século XII, elaborou um mapa-múndi com orientação diversa da utilizada hoje. Seu mapa ficou conhecido como Tabula Rogeriana, além de Muhammad ter escrito um livro chamado Geografia, que traduzia a sistematização do conhecimento geográfico da época. 8 No decorrer do presente livro-texto e dos estudos desta disciplina, teremos a complementação do histórico sobre a evolução da cartografia, além de tratarmos dos procedimentos necessários, técnicas e projeções, para representar os distintos temas, como também do uso do sensoriamento remoto e do georreferenciamento. Destacaremos, ainda, o papel da cartografia temática em pesquisas, bem como a sua sistematização e aplicabilidade, o que foi acompanhado de perto pelas inovações tecnológicas e pelo uso de equipamentos como satélites, aerofotogrametria, entre outros aparatos que nos permitem soluções cartográficas mais precisas, comparativamente aos períodos históricos passados. Assim, quando nos reportamos ao estudo cartográfico temático, estamos falando também em representações que expressam arte, estética, como uma forma de comunicação, não imaginária, mas que também incorporam a subjetividade do geógrafo ou do cartógrafo que idealizou ou reproduziu o fenômeno. Devemos ressaltar que pressupostos fenomenológicos foram propostos por teóricos alemães, como Husserl, e pela escola francesa de Sartre, Barthes, Merleau-Ponty, Gaston Bachelard e Mikel Dufrenne, entre outros, e que a Geografia, por questões metodológicas, assimilou em algumas áreas de seus estudos, e a principal é a cartografia, que adotou uma linguagem própria criando formas coletivas e compartilhadas de expressão, com signos e símbolos, técnicas expressivas e tecnologias em sua fase mais contemporânea, a fim de expressar os estudos ou os resultados deles. Em nosso curso, pretendemos destacar a importância desses estudos, explicando seus princípios, a utilização das distintas formas de representação, a leitura das legendas e o uso dos símbolos, mostrando as principais modalidades e a aplicabilidade dos mapas e de outras representações temáticas. Também temos por pressuposto destacar a utilização das cores, apresentando exemplos diversos e o uso das novas tecnologias: as geotecnologias cartográficas. Bons estudos! INTRODUÇÃO Partimos do princípio de que, para a sociedade, os mapas são muito importantes como formas de registro dos fatos ou fenômenos de várias ordens e podem ser comparados à escrita em significado e percurso histórico. Foi com os povos gregos, por volta de 650 a.C., que o uso dos mapas se transformou em uma prática científica, uma vez que localizam e definem territórios, permitem analisar e registrar rotas a serem seguidas, além de estabelecer limites territoriais. O mapa constitui-se em um modelo da realidade, e sua leitura é uma forma de comunicar o conhecimento adquirido, mas temos de frisar algo importante: tanto o criador quanto o leitor do mapa precisam ter conhecimento específico de cartografia para poder interpretá-lo. 9 Sabe a razão? Em um mapa e em cartografia de modo geral, os símbolos são utilizados para demonstrar as informações obtidas sobre aspectos espaciais que podem ser de origem natural, social, cultural, política, demográfica, artística, entre outras, integrando para obter a comunicação perfeita. Assim, reúne arte e ciência. É mister afirmarmos que a cartografia temática contextualiza disciplinas distintas como a Geografia, a Matemática, a Geometria, a Astronomia, envolvendo a subjetividade do cartógrafo diante do tema escolhido. Atualmente, os novos recursos tecnológicos, como o formato digital, a computação gráfica, a cartografia digital,cujas informações são colhidas por sensoriamento remoto, geoprocessamento, imagens de radares e satélites, enfim, são mais precisas quando comparadas com a cartografia tradicional do passado. O artigo de Leonor Assad (2011), sob o título “Dos Traçados Pré-históricos ao Mapeamento Digital”, foi de grande inspiração para a elaboração desse livro-texto destinado à disciplina Cartografia Temática: Técnicas e Projeções, uma vez que reforça o sentido e a importância da cartografia, enquanto ferramenta com arte, para os estudos geográficos, além de se prestar como ilustração e complementação de muitas outras áreas de estudo. Concordamos com a autora quando ela afirma que a cartografia é constituída por um conjunto de estudos e operações, os quais podem ser simultaneamente científicos, técnicos e artísticos e que, após observações – diretas ou por análise de documentos ou informações –, permitem a confecção de mapas, cartas, globos terrestres, gráficos que representem os dados obtidos (ASSAD, 2011). Assim, os mapas ou representações cartográficas expressam uma concepção que se tem do mundo ou da realidade que nos cerca, inclusive com sua historicidade ao longo dos tempos. Ao estudarmos a cartografia nos inteiramos de que a elaboração de mapas é uma prática que remonta à Pré-História. Contudo, como destacaremos neste livro-texto, a evolução tecnológica foi muito rápida, e essa velocidade foi acompanhada por maior precisão e armazenamento de dados. Por sua vez, a aerofotogrametria e o sensoriamento remoto mudaram o teor e as soluções da cartografia no que tange à solução de informações, uma vez que substituíram os tradicionais levantamentos topográficos, com o apoio dos sensores remotos mais precisos. Uma aula será muito mais rica sempre que o conteúdo estudado for ilustrado cartograficamente; os estímulos sensoriais serão aguçados e o aprendizado será mais eficaz. A visualização do fato, seja ele de fundamentação geográfica ou de outra área de estudo, facilitará a assimilação e a compreensão do conteúdo. No caso da deficiência visual, já existem mapas táteis que estimulam outros sentidos para o aluno. Assim, podemos concluir que interpretar mapas e tabelas, bem como aprender a construí-los, constituem-se em um campo de estudo e trabalho geográficos. 11 CARTOGRAFIA TEMÁTICA: TÉCNICAS E PROJEÇÕES Unidade I 1 A IMPORTÂNCIA DA CARTOGRAFIA NO ÂMBITO DA GEOGRAFIA A Geografia, assim como outras ciências, ao preocupar-se com o seu objeto de investigação, faz que a atuação do profissional seja questionada. O geógrafo interessa-se, muitas vezes, por questões técnicas, deixando de lado a finalidade social na qual sua pesquisa possa interferir. As questões sociais não podem ser esquecidas, já que pode haver uma contribuição significativa quanto à formação do cidadão quando se transpõe a cientificidade para o conteúdo escolar. A Geografia mereceu importantes textos de Milton Santos (2008), no momento em que alerta para o fato de essa ciência centrar por demais seu foco na sua existência quando deveria contemplar também o seu objeto de análise. A necessidade de não fragmentar o espaço para a compreensão do sistema pode ser considerada um ensaio daquilo que o aprendiz constrói em sala de aula. Cabe ressaltar também o fato de que os conhecimentos científicos produzidos na academia geralmente permanecem distantes dos conteúdos promulgados na escola. Pode-se afirmar que os conteúdos geográficos de caráter científico – relativos ao século XIX – serviam aos interesses do Estado como referências estratégicas militares. Nas escolas, a ênfase era para um ensino que priorizava a memorização: a transmissão dos conteúdos era feita de tal forma que os dados e informações eram enumerados sem necessidade de grande fundamentação. Essa é uma crítica frequente à metodologia daquela época. O autor Yves Lacoste (1997), por exemplo, afirmou em suas obras que a Geografia se prestava como conteúdo para fazer a guerra. A Geografia das escolas, na mesma época, dedicava-se a enumerar dados e informações sobre a Terra, exigindo do aluno apenas a memorização. Durante sua estruturação, o conteúdo da disciplina de Geografia ensinada na escola passou por transformações. De uma disciplina maçante e simplória, criticada por Lacoste (1997), a Geografia, para a escola, passa a considerar o que Callai (2001) aponta como necessário e importante: O ensino de Geografia, bem como dos demais componentes curriculares, tem que considerar necessariamente a análise e a crítica que se faz atualmente à instituição escola, situando-a no contexto político-social e econômico do mundo e em especial do Brasil. Tanto a escola como a disciplina de Geografia devem ser consideradas no âmbito da sociedade da qual fazem parte (CALLAI, 2001, p. 134). Aliada a essa opção de abordagem da Geografia na sala de aula está a formação do aluno enquanto cidadão do seu mundo e do seu espaço de vivência. Faz-se, então, a pergunta: diante do que a Geografia oferece como saber, qual o papel do aluno no cotidiano, no seu espaço de 12 Unidade I vivência, nas suas relações sociais? Como transpor o que Ives Lacoste (1997) chamou de “raciocínio geográfico” para o dia a dia da escola? Considera-se, portanto, a importância de relacionar a ciência com os planejamentos escolares e os planos de aula para que seja possível construir, de fato, a aprendizagem em Geografia. A construção dessa aprendizagem deve valorar as especificidades dos estudantes e de seu local de vivência, além de fazê-lo entender a importância da Geografia na sua vida (CALLAI, 2001). Com essas estacas fincadas como bases para o ensino de Geografia, acredita-se que o despertar do senso crítico do indivíduo para a promoção da emancipação de suas práticas estará cada vez mais próximo de ser alcançado. Por isso, a escola também deve ser considerada parte integrante desse processo, conforme aponta Callai (2001), ao destacar que essa instituição está inserida num contexto político-social e econômico que caracteriza a sociedade à qual ela pertence. Outros pontos relevantes também devem ser considerados, como assevera Cavalcanti (2001). Observa-se, nos últimos anos, uma alteração do quadro social dada às transformações decorrentes na técnica e no espaço. Dessa forma, a Geografia, por meio de suas análises e interpretações, também sofre mudanças em seus objetos e, consequentemente, na definição de seus conceitos. São essas transformações que proporcionam um enriquecimento na formulação de conceitos e categorias para a compreensão da sociedade. Cabe então à Geografia compreender o espaço num contexto complexo que apresenta o avanço de técnicas num mundo globalizado que encurta as distâncias e diminui o tempo das circulações (CAVALCANTI, 2001). Com a nova dinâmica social promovida pela técnica, interferindo no tempo cotidiano do ser humano, cabe à Geografia considerar a nova situação no local de vivência do aluno para a composição dos conteúdos escolares. As questões ambientais podem sinalizar um bom exemplo: o avanço da poluição dos córregos tem aumentado significativamente nos últimos anos, o que coincide com o incremento das tecnologias no modo de produção. A velocidade que a técnica imprime sobre o modo de vida e de produção causa reflexos substanciais no ser humano e no seu cotidiano. Por isso, quando as ações e as práticas individualizadas são preconizadas, pode haver uma socialização de impactos possíveis de observar na paisagem geográfica atual (CAVALCANTI, 2001). Tal dinamismo transforma a realidade de vivência do aluno. A Geografia, enquanto disciplina escolar, começa a direcionar seu foco de ensino e aprendizagem para a proximidade do aluno. Entende-se, nessa convergência de rumos, que o cunho político e ideológico da Geografia pode contribuir para que o ensino cumpra a função na formação do estudante enquanto cidadão no seu espaço de vivência. Assim, identifica-se que: As propostas de reformulação do ensino de Geografiatambém têm em comum o fato de explicitarem as possibilidades da Geografia e da prática 13 CARTOGRAFIA TEMÁTICA: TÉCNICAS E PROJEÇÕES de ensino de cumprirem papéis politicamente voltados aos interesses das classes populares. Nessa perspectiva, os estudiosos alertam para a necessidade de se considerar o saber e a realidade do aluno como referência para o estudo do espaço geográfico. [...] o ensino deve propiciar ao aluno a compreensão do espaço geográfico na sua concretude, nas suas contradições (CAVALCANTI, 2001, p. 20). Nessa perspectiva, o ensino de Geografia tenta cumprir seu papel de formar cidadãos críticos, participativos e capazes de perceber as contradições no seu espaço de vivência. A partir de então, como cidadão conhecedor de seu mundo, espera-se que o aprendiz cumpra sua função social e seja capaz de transformar a realidade que agora não se apresenta de modo obscuro. Assim, o conteúdo crítico da Geografia, presente na academia, não deve ser puramente reproduzido. Deve ser considerado um conhecimento valioso, a fim de que seja transposto para o ensino com o objetivo de aproximar o conteúdo da realidade do aluno. A ação pedagógica não deve ser, portanto, uma simples transferência de informações, mas um diálogo de saberes que evidencia a problemática da realidade com o saber a ser ensinado (CAVALCANTI apud VESENTINI, 2009). A produção de conhecimento em Geografia na sala de aula, assim como em outras áreas, necessita olhar atentamente para as metodologias de transposição dos conteúdos. Neste sentido, a disciplina de Geografia deve se aproximar da sua Didática, uma vez apropriando-se das Teorias de Aprendizagem para que o educador, na sua relação com o educando, consiga alcançar os objetivos de aprendizagem. Isso nos permite assinalar a importância da cartografia nesse processo de ensino-aprendizagem. Dessa forma, a Geografia que se propõe a ensinar não se restringe à enumeração de informações, muito menos ao distanciamento da ciência na sala de aula. Os cuidados dessa disciplina vão adiante quando passa a focar os conteúdos, objetivos e métodos de ensino para a promoção da construção da aprendizagem, cuja finalidade também está ligada à formação do indivíduo enquanto cidadão. Por isso, aproximar a realidade do convívio dos futuros cidadãos críticos no ensino é condição primordial para que sejam capazes de perceber que suas atitudes refletem-se diretamente no espaço de vivência, podendo causar impactos significativos. Assim, a temática ambiental se coloca no cotidiano do estudante por meio de diversas manifestações, como a adoção de coleta seletiva, a utilização de um determinado meio de transporte, a opção de tipo de papel para consumo, dentre tantos outros. Da mesma forma, utilizando ainda como destaque o meio ambiente, quando o estudante conhecerá outras informações de seu local de vivência (por exemplo, a existência de coleta e tratamento de esgoto, o cumprimento das leis ambientais, a presença de coleta de lixo adequada, o uso e ocupação do solo etc.), ele terá a oportunidade de aplicar uma visão crítica sobre as suas condições de vivência em detrimento de outras áreas melhores ou piores. 14 Unidade I Conforme ressalta Cavalcanti (2001): A finalidade de ensinar Geografia para crianças e jovens deve ser justamente a de nos ajudar a formar raciocínios e concepções mais articulados e aprofundados a respeito do espaço. Trata-se de possibilitar aos alunos a prática de pensar os fatos e acontecimentos enquanto constituídos de múltiplos determinantes; de pensar os fatos e acontecimentos mediante várias explicações, dependendo da conjugação desses determinantes, entre os quais se encontra o espacial (CAVALCANTI, 2001, p. 24). Cabe reconhecer que a opção por determinados conteúdos pode adotar a finalidade ideológica e política, sem, contudo, esquecer-se da finalidade pedagógica. Sugere-se que a escola também assuma uma postura crítica, podendo contribuir para as mudanças práticas dos alunos. Ao tratar sobre a referência básica dos conteúdos e métodos de ensino em Geografia, Cavalcanti (1999) indaga sobre qual caminho seguir: o da ciência ou o da realidade escolar. Esse questionamento se distancia da preocupação dessa pesquisa ao contemplar os PCN de Geografia com ênfase nos temas transversais, destacando o “meio ambiente” (BRASIL, 1998). Preocupa-se, portanto, com a aproximação dos conteúdos de Geografia da vivência do aluno, questão que já fora alvo de muitas discussões surgidas a partir da década passada. Essa ciência deve valorar, para a formação do cidadão, o foco social, o que não aparecia em seus ensaios e, mesmo de modo oficial, começa a experimentar tentativas de contemplação. Cavalcanti (1999) aponta o que denomina de “ideias motrizes” que despontam no ensino de Geografia. Tais ideias se alinham com o processo de construção do conhecimento, a definição de conteúdos que contribuem para a atitude dos educandos em seu cotidiano e a dimensão local do tema abordado em sala de aula. Como o objeto de estudo da Geografia, no entanto, refere-se às interações da sociedade com a natureza, um grande leque de temáticas de meio ambiente está necessariamente dentro do seu estudo. Pode-se dizer que quase todos os conteúdos previstos no rol do documento de meio ambiente podem ser abordados pelo olhar da Geografia. Evidentemente, dentro de suas abordagens metodológicas, alguns conceitos têm tratamento diferente. No entanto, o tema Sociedade e Meio Ambiente é o que sugere maior aproximação, pois, ao tratar da formação socioespacial das novas territorialidades e temporalidades do mundo, aborda-se de forma ampla os processos que geram uma determinada ocupação do solo, as demandas por recursos naturais, o crescimento populacional e a urbanização, entre outros (BRASIL, 1998, p. 46). Por ser considerada uma ciência de síntese, a Geografia nem sempre se restringe ao seu campo de conhecimento, tendo de avançar para outras áreas para explicar a complexidade das relações entre sociedade e natureza. 15 CARTOGRAFIA TEMÁTICA: TÉCNICAS E PROJEÇÕES Conforme visto anteriormente, além de estender o campo de atuação, a ciência geográfica, a partir do século XX, não mais se limita à análise da paisagem. O pensamento de Paul Vidal de La Blache, que impulsionou a disseminação da escola francesa de Geografia pelo mundo, compreende o ser humano como um agente que interfere no seu espaço de vivência. É a partir daí que a visão crítica é observada como primordial na análise geográfica sobre a paisagem. Observação A cartografia constitui-se como uma técnica com arte, que oferece subsídios favoráveis para que se possa estabelecer uma Geografia cuja análise seja crítica acerca dos acontecimentos vivenciados pelo ser humano em seu espaço. Na escola, os indivíduos têm os primeiros contatos com as informações pertinentes ao seu local de vivência, sendo capazes de assumirem uma postura à frente das condicionantes que o caracterizam. Por isso, é evidente destacarmos que a cartografia, desse ponto de vista, tem importância relevante. Afinal, para conhecer o espaço de vivência no tocante às questões do entorno do ser humano, pensando na construção de uma sociedade emancipadora, os mapas e demais representações cartográficas são fontes primordiais de conhecimento. Os PCN de Geografia assim ressaltam: A forma mais usual de trabalhar com a linguagem gráfica na escola é por meio de situações em que os alunos têm de colorir mapas, copiá-los, escrever os nomes de rios ou cidades, memorizar as informações neles representadas. Mas esse tratamento não garante que eles construam os conhecimentos necessários, tanto para ler mapas como para representar o espaço geográfico. [...] É importante que a escola crie oportunidades para que os alunos construam conhecimentos sobre essa linguagem nos dois sentidos: como pessoas que representam e codificam o espaço e como leitores das informações expressas por ela (BRASIL, 1998, p. 32-3).Porém, Oliveira (1978) destaca uma notória observação salientando que a maioria dos professores não tem o saber adequado para introduzir o educando na representação espacial e no mapa. Tal situação ocorre, sobretudo, pela falta de vinculação com a realidade dos educandos. A importância do mapa na Geografia se dá pelo fato de representar, dentre outras funções, um modo de expressão e comunicação gráfica. Adiante, a autora destaca que o ensinar através de um mapa alça um problema didático envolvendo o ensinar e o aprender, já que “[...] não poderá fornecer informações para que a criança experiencie a noção de rio” (OLIVEIRA, 1978, p. 70). É por isso que a autora destaca a atuação dos professores cuja preocupação é propor a utilização do mapa em sala de aula. Esses educadores não devem priorizar “[...] o analisar pelo mapa, mas, sim, propor o problema do processo de ensino/aprendizagem do mapa” (OLIVEIRA, 2007, p. 17). 16 Unidade I O mapa deverá fornecer informações suficientes para proporcionar ao aluno a construção do seu conhecimento a partir de sua realidade de vivência. Isso está evidente quando Oliveira (1978) destaca que o educando não aprende pela simples transposição de informar um assunto. O aluno aprende quando compreende um assunto repassado. Por consequência, se é capaz de compreender, é porque o aluno atribui significado e consegue envolver-se com o tema abordado. Simielli (1986) sugere cuidados na elaboração de mapas para cada faixa etária, evitando maiores complexidades no tratamento das informações, preocupando-se com o nível de abstração próprio da faixa etária do alunado. Assim, recomenda: [...] o processo de confecção do mapa deve ser adequado à clientela a que se destina, pois os mapas têm funções muito específicas para cada tipo de usuário; – o melhor caminho para ler o mapa é aprender o alfabeto cartográfico (SIMIELLI apud MELO, 2006, p. 94). Quando abordamos a cartografia e a leitura de mapas, há uma preocupação com a leitura adequada deste mapa. Simielli (1986) admite que essa leitura comece na escola e o aluno, independentemente do ano escolar, deva ser alfabetizado cartograficamente para que não ocorram falhas em sua construção da aprendizagem no que diz respeito aos mapas. Por isso, a experiência com mapas deve ser ensinada; além de propor a experiência, ela deve ser aprendida. O simples fato de o aluno copiar mapas não é suficiente para o aprendizado, uma vez que o objetivo de iniciar os aprendizados cartográficos para esse público-alvo é permitir que ele seja capaz de ler as informações. Por isso, Simielli (1993) afirma que, ao desenvolver a capacidade de leitura, é possível permitir que o leitor seja capaz de desenvolver sua percepção de domínio do espaço. Assim, Simielli (1996) espera que o aluno alfabetizado cartograficamente consiga apresentar uma postura crítica diante de um mapa, sendo apto a realizar tarefas como localizar, analisar, correlacionar e sintetizar as informações que a cartografia oferece. Corroborando as contribuições de Simielli, Almeida e Passini (1989) destacam a importância da alfabetização cartográfica na construção do conhecimento do aluno. O desenvolvimento da noção de espaço, para estas autoras, configura-se na educação formal, sendo necessário contemplar da escala local para a escala mais abrangente. Almeida e Passini (1989) destacam que, por meio da representação do espaço, o aluno terá condições de contribuir para aprimorar sua estrutura cognitiva na organização de sua atividade prática de leitura e compreensão do mapa. Assim, Almeida e Passini (apud MELO, 2006) consideram que o processo do “estudante-mapeador” passa por três momentos: 1) Tarefas Operatórias: [...] atividades de orientação, observação de pontos de referência, localização com a utilização de retas coordenadas como pontos de referência, coordenação de pontos de vista, proporcionalidade, 17 CARTOGRAFIA TEMÁTICA: TÉCNICAS E PROJEÇÕES conservação de forma, tamanho e comprimento [...]; 2) Codificação do Cotidiano: para o exercício da função simbólica no mapeamento [...], pela criação de significantes para o que a criança quiser representar e organizar em uma legenda; 3) Leitura: decodificar, ligando o significante e o significado para melhor compreensão da legenda e toda a simbologia dos mapas (MELO, 2006, p. 97-8). Melo (2006) ainda considera necessário que: [...] o leitor saiba situar-se em relação à área representada; identificar os elementos representados; considerar a escala de redução e a proporção dos elementos do mapa; assumir a visão vertical (ortogonal) constituída no mapa; restituir a terceira dimensão do terreno; compreender que a área representada sofreu distorções; situar no globo a área representada (MELO, 2006, p. 99). Martinelli (1998) ressalta a presença da comunicação em todos os momentos e situações da vida do ser humano, constituindo como a sua necessidade básica interagir com seu grupo social, utilizando os mais diversos tipos de mensagens. A representação gráfica constitui, dessa forma, uma linguagem de comunicação visual, sendo bidimensional e atemporal. Para o autor, a especificidade da representação gráfica se encontra no fato de estar fundamentalmente vinculada ao âmago das relações que podem ocorrer entre os significados dos signos. A imagem pode ter um significado único, ou seja, apresentar um caráter monossêmico, não induzindo à ambiguidade. Uma imagem figurativa, por outro lado, pode ser interpretada de diversas formas, tendo significados múltiplos (polissêmica), havendo, portanto, ambiguidade. Isso ocorre na comunicação feita com uso de fotos, pinturas, propagandas, publicidades, dentre outras. [...] ao pretendermos elaborar gráficos e mapas, devemos nos conscientizar de estar trabalhando no domínio da representação gráfica, e para tanto se faz necessário, como em toda comunicação visual, aprender a ver (MARTINELLI, 1998, p. 7). Dessa forma, podemos afirmar que é muito significativa a elaboração de um mapa e que ela guarda em si toda uma sistemática que a disciplina requer. Observação Elaborar um mapa significa explorar sobre o plano as correspondências entre todos os elementos de um mesmo componente da informação – o que define a localização (componente locacional). As duas dimensões do plano (X, Y) identificam a posição do lugar (longitude e latitude). 18 Unidade I Apesar de o senso comum entender mapas apenas como meras ilustrações, sua importância é bem maior. Martinelli (1998) afirma que os mapas desempenham uma tríplice função: o registro dos dados, o tratamento destes para descobrir como se organizam e, por fim, a comunicação do conteúdo da informação revelada. Para a construção de gráficos e mapas, Martinelli (1998) afirma que, por pressuposto, o pesquisador deve procurar passar ao usuário conhecimento e esclarecimento acerca da realidade que se interessa em resolver. Em seguida, dá-se início ao trabalho de pesquisa a partir do levantamento de dados qualitativos e quantitativos. Os dados quantitativos referem-se à possibilidade de se efetuarem medidas ou contagens acerca da manifestação dos fenômenos; já os dados qualitativos dizem respeito às características dos objetos. Segundo Martinelli (1998), os mapas vão além da amostra de localização: mostram também as características do local de interesse do usuário. Para cada aspecto tratado na elaboração de um mapa, busca-se responder a questões, sabendo que, no aspecto qualitativo, procura responder à questão “O quê?”, caracterizando as relações de diversidade entre os lugares; no aspecto ordenado, procura-se responder à questão “Em que ordem?”, caracterizando as relações de ordem entre os lugares; e, por fim, responder à questão “Quanto?”, no aspecto quantitativo, caracterizando a proporcionalidade entre os lugares. O autor conclui que os mapas devem deixar de ser apenas imagens ilustrativas, revelando o conteúdo da informação que orientará o discurso do texto,tornando completa, assim, a comunicação. [...] é preciso, de uma vez por todas, desmistificar o caráter “complicado” dos gráficos e dos mapas. Devemos torná-los acessíveis a qualquer pessoa que queira participar desse domínio da comunicação visual, de forma fácil e completa (MARTINELLI, 1998, p. 117). Todavia, para que os gráficos e mapas possam ter um significado especial para as pessoas que deles façam uso, é importante que revelem características de interesse para a comunidade. Muitos são os mapas encontrados nos atlas escolares, que abrangem, em geral, os países do mundo, com destaque para o nosso, mostrando suas regiões e unidades da federação. Em alguns casos, uma atenção especial é dada às regiões metropolitanas, mas raramente são encontrados mapas que evidenciem o espaço de vivência do leitor. 1.1 A importância da cartografia e suas correntes acadêmicas A cartografia pode ser entendida como a ciência que representa total ou parcialmente a Terra, utilizando mapas, cartas e outras representações a partir de projeções cartográficas. Assim, a Associação Cartográfica Internacional a define como: Conjunto de estudos e operações científicas, técnicas e artísticas que, tendo por base o resultado de observações diretas ou da análise da 19 CARTOGRAFIA TEMÁTICA: TÉCNICAS E PROJEÇÕES documentação, se voltam para a elaboração de mapas, cartas e outras formas de expressão e representação de objetos, fenômenos e ambientes físicos e socioeconômicos, bem como sua utilização (ACI, 1966). Para as Escolas Militares, em 1930, a cartografia, num sentido amplo, seria a ciência que tem por objeto o estabelecimento e o emprego das cartas. Compreende a geodésia, determinação geométrica de um determinado número de pontos básicos sobre a elipsoide; a topografia, em seu sentido restrito, representação gráfica dos detalhes do terreno sobre o plano; e a cartografia. Já Meine (1979) entende que cartografia é a ciência e a técnica para discutir, desenvolver e ensinar métodos para representações cartográficas. Lida com problemas da comunicação de informação espacial sobre objetos, relações, desenvolvimentos, processos, sistemas, através de mapas e cartas, utilizando figuras de visualização legíveis. Salichtchev (1970) aponta que cartografia é a ciência da retratação e do estudo da distribuição espacial dos fenômenos naturais e culturais, suas relações e suas mudanças ao longo do tempo, por meio das representações cartográficas – modelos, imagens, símbolos –, que reproduzem este ou aquele aspecto da realidade de forma gráfica e generalizada. Assim, podemos observar que a cartografia entendida como ciência tem como finalidade representar o espaço terrestre de acordo com os interesses de estudo do ser humano. Por isso, os principais instrumentos fornecidos pela cartografia são os mapas, as cartas e as plantas. Os mapas elaborados pelos distintos povos da Antiguidade tinham como pressupostos delimitar fronteiras, localizar mananciais hídricos, solos férteis, além de rotas para lugares onde o comércio poderia ser realizado. A Terra era descrita por eles como um disco que flutuava na água. As primeiras civilizações desenvolviam atividades de sobrevivência em seu cotidiano, geralmente posicionadas às margens de rios, como na Mesopotâmia, com os rios Tigre e o Eufrates, e em países como os atuais Síria, Jordânia, Iraque, Irã, ou no continente africano, no Vale do Rio Nilo. O povo, quando sedentário, praticava a agricultura, ou o pastoreio, quando nômade, nas áreas interioranas; já no litoral, dedicava-se à pesca, à navegação e ao comércio marítimo. Os mapas e conhecimentos geográficos os acompanhavam; os mapas descreviam os lugares e os povos nos périplos (palavra que significa viajar ao redor) e muito contribuíram para a expansão política, comercial e marítima dos povos mediterrâneos. Assim como os portulanos, mapas utilitários que se prestaram à orientação dos navegadores, uma vez que apresentavam loxodromias, linhas de direção dos ventos, conhecidas também como linhas de rumo. Contribuiu ainda para a evolução cartográfica Sebastian Münster, com a sua Cosmographia, obra que já destacava a representação cartográfica da América do Sul. A análise da obra de Münster foi enaltecida por Jean-Marc Besse quanto ao uso de conceitos geográficos e à relação entre Teologia e Filosofia, olhar característico da época de Münster. Besse foi 20 Unidade I além, pois afirmou que existiria outro ponto de encontro entre a Filosofia e a Geografia, considerando o público ao qual se destinavam os conhecimentos ou os saberes: homens livres e voltados para outras preocupações de ordem ética, como ser feliz e viver. 1.2 Os instrumentos da cartografia temática O mapa pode ser definido como a Carta, resultando de um levantamento mais preciso, exato, da superfície terrestre, mas em escala menor, apresentando menor número de detalhes em relação à carta. Os limites do terreno representado coincidem com os limites político-administrativos; o título e as informações complementares são colocados no interior do quadro de representações que circunscreve a área mapeada (SANCHEZ, 1973). São características de um mapa: • possui representação plana; • pode ser apresentado em diferentes escalas; • facilita as delimitações dos acidentes naturais; • contribui para representações temáticas; • permite análises qualitativas e quantitativas genéricas. Já a carta é toda representação de parte da superfície terrestre em escalas geralmente grandes, portanto com algum detalhe. Essas representações apresentam como limites, na maior parte das vezes, as coordenadas geográficas, e raramente terminam em limites político-administrativos. As observações e informações, tais como título, escala, fonte etc., aparecem fora das linhas que fecham o quadro de representação, ou seja, aquela linha preta que circunscreve a área objeto de representação espacial (Sanchez, 1973). São características de uma carta: • a representação também é plana; • apresenta escalas médias e grandes; • possível de ser desdobrada em folhas articuladas de maneira sistemática; • a avaliação é precisa quanto às direções, distâncias e localização de pontos, áreas e detalhes; • considera a curvatura terrestre. 21 CARTOGRAFIA TEMÁTICA: TÉCNICAS E PROJEÇÕES Por fim, a planta é representação gráfica em escala grande, destinada a fornecer informações detalhadas de determinada área. As plantas geralmente se apresentam numa só folha, podendo ser subdivididas em folhas denominadas cartas (IBGE, 1998). As plantas apresentam área limitada, desconsideram a curvatura terrestre, a escala representada é grande (1:500, 1:2000) e representam um grande número de detalhes. A partir desses principais instrumentos cartográficos oferecidos, podemos dividir a cartografia em diversos ramos: Topográfica, Temática, Especial, Analítica, de Síntese e Multimídia. Porém, cabe-nos ressaltar, neste momento, a cartografia temática. Podemos destacar que a cartografia temática é assistemática e baseada em normas metodológicas. Assim, existem regras para a escolha dos símbolos e toponímias que são destinados à representação dos elementos geográficos. Esse ramo da cartografia enfatiza a distribuição geográfica das feições. A representação temática, distintamente da geral, exprime conhecimentos particulares para uso geral. O IBGE (1998) ressalta que a cartografia temática exerce papel fundamental nas suas atividades, sendo necessária às pesquisas socioeconômicas, de recursos naturais e aos estudos ambientais. Para a compilação de informações associado ao espaço de estudo, a confecção de cartogramas é a área da cartografia temática que oferece produtos valorosos para tal. Cartogramas são mapas esquemáticos, com elevado nível de abstração, em que formas ou localizações reais são estilizadas com fins conceituais e informativos. Os elementos cartográficos, reunidos numa só folha, são representações gráficas de fenômenos espaciais e temporais,pelo que abordam numerosos assuntos quase sempre em mutação contínua, como os transportes, a população, as migrações, uso e ocupação do solo, entre outros. O mapa esquemático que serve de base para o cartograma é extraído do mapa topográfico ou geográfico, sendo o tema do cartograma exposto mediante diversos recursos gráficos, como pontos e figuras, quando é chamado de pictórico. O objetivo da cartografia temática é representar, utilizando-se de símbolos qualitativos e/ou quantitativos, fenômenos localizáveis de qualquer natureza sobre uma base de referência, geralmente um mapa topográfico, em qualquer escala. Para isso, utiliza-se sobre um fundo geográfico básico e são representados os fenômenos geográficos, geológicos, demográficos, econômicos, agrícolas, entre tantos outros, visando ao estudo, à análise e à pesquisa dos temas, no seu aspecto espacial. Assim, há profunda dificuldade de realizar uma classificação de todos os mapas temáticos possíveis. Entretanto, há três tipos divididos de acordo com o tipo de figura cartográfica, a escala adotada e o conteúdo apresentado: 22 Unidade I • mapas propriamente ditos: construídos sobre uma quadrícula geométrica numa dada escala, segundo regras de localização (x, y) e de qualificação (z); • cartogramas: realizam a representação de fenômenos geográficos mensuráveis sob a forma de figuras proporcionais localizadas num fundo cartográfico, eventualmente adaptado; • cartodiagramas: representação detalhada de fenômenos geográficos mensuráveis na forma de conjunto de diagramas, constituídos por elementos comparáveis, localizados num fundo cartográfico. A partir das concepções apresentadas sobre a definição de cartografia e de seus instrumentos, podemos observar, sobretudo, as posturas teóricas e metodológicas diferentes. 1.3 As diferentes abordagens da cartografia sistemática e temática No decorrer da história cartográfica, é possível notar que o conceito passou a considerar a possibilidade de elaboração de instrumentos cartográficos analógicos e digitais. Isso porque, nos últimos anos, o advento proporcionado pelos novos recursos tecnológicos tem afetado também a cartografia. Com isso, originou-se uma nova linguagem como: computação gráfica, cartografia automatizada ou cartografia digital. No entanto, os princípios básicos da cartografia permanecem válidos e divididos em dois campos: sistemática e temática. O quadro a seguir permite identificar as definições para caracterizar os mapas nesses dois campos. Quadro 1 – Classificações dos mapas Autor Cartografia sistêmica Cartografia temática Raisz (1969) Mapas gerais Mapas especiais Barbosa (1967) Mapas topográficos Mapas de compilação Barbosa (1967) Mapas topográficos Mapas especiais e mapas temáticos Deetz (1948) Mapas topográficos oficiais Mapas de fins especiais Sanchez (1973) Mapas de base ou de referência geral Mapas temáticos Simielli (1986) Mapas topográficos Mapas temáticos Rosa (1994) Mapas de base Mapas temáticos De acordo com Rosa (1996), a cartografia sistemática pode ser definida pela sua historicidade enquanto contribuição técnica e como ciência responsável pela representação genérica da superfície tridimensional da Terra no plano. A preocupação central da cartografia sistemática está na localização precisa dos fatos, na implantação e manutenção das redes de apoio geodésico, na execução dos recobrimentos aerofotogramétricos e na elaboração e atualização dos mapeamentos básicos. 23 CARTOGRAFIA TEMÁTICA: TÉCNICAS E PROJEÇÕES Seus mapas podem ser classificados nas três categorias a seguir: • escala grande: mapas urbanos em 1:500, 1:1.000, 1:2.000 e 1:5.000; • escala média: mapas topográficos em 1: 25.000, 1:50.000, 1:100.000 e 1:250.000; • escala pequena: mapas geográficos em escalas 1:500.000 e menores. A legislação cartográfica do Brasil em vigor, estabelecida no Decreto-lei nº 243 (BRASIL, 1967), regulamenta as Diretrizes e Bases da Cartografia e da Política Cartográfica Nacional; assim, a cartografia sistemática tem por fim a representação do espaço territorial brasileiro por meio de cartas, elaboradas seletiva e progressivamente, consoante prioridades conjunturais, segundo os padrões cartográficos terrestres, náuticos e aeronáuticos. Já a cartografia temática tem sua definição historicamente discutida a partir de 1930. A terminologia insere-se nesse campo de discussão, já que o conhecimento científico é abordado de diferentes formas em cada um dos campos da cartografia. Além disso, os procedimentos de levantamento, redação e comunicação também são diferentes, bem como a formação e especialização dos cartógrafos. Para a corrente cartográfica temática, a cartografia é vista como um instrumento de expressão a partir das informações e dos estudos proporcionados pela Geografia e por outras ciências que necessitam utilizar a expressão gráfica para seus estudos. Para Rosa (1996), a cartografia temática tem como preocupação básica a elaboração e o uso dos mapeamentos temáticos que abordam desde a coleta, a análise e a interpretação até a representação das informações sobre uma carta-base. Importa-se mais com o conteúdo que vai ser representado no mapa do que com a precisão dos contornos ou da rede de paralelos e meridianos. Para elucidar as características distintas dessas duas abordagens, Raisz (1969) classificou os mapas em gerais e especiais. Os mapas gerais seriam exclusivamente de representação da superfície da Terra, com os acidentes geográficos, planimétricos e topográficos, independentemente da escala. Já os mapas especiais seriam os políticos, urbanos, de comunicações científicas, econômicos, artísticos, de propaganda, de navegação aérea e marítima e os mapas cadastrais. Robinson apud Barbosa (1967) subdividiu a cartografia em dois ramos: a que elabora mapas topográficos de grandes escalas, a partir de levantamentos topográficos, e a que elabora os mapas de compilação derivados dos mapas topográficos. Por fim, Sanchez (1981) aponta que não há como estabelecer divisão entre a cartografia sistemática e a temática, uma vez que afirmou ser impossível estabelecer uma linha divisória entre diferenças sutis. Existem áreas de interpretações nas quais a superposição de mapas temáticos e mapas de base é inevitável. 24 Unidade I Quadro 2 – Cartografias Cartografia sistemática Cartografia temática Mapas topográficos com a representação do terreno Mapas temáticos que representam qualquer tema Atendem a uma ampla diversidade de propósitos Atendem usuários específicos Podem ser utilizados por muito tempo Geralmente os dados são superados com rapidez Não requerem conhecimento específico para sua compreensão. Leitura simples Requerem conhecimento específico para sua compreensão. Interpretação complexa Elaborados por pessoas especializadas em cartografia Geralmente elaborados por pessoas não especializadas em cartografia Utilizam cores de acordo com a convenção estabelecida para mapas topográficos Utiliza cores de acordo com as relações entre os dados que apresenta Uso generalizado de palavras e números para mostrar os fatos Uso de símbolos gráficos, especialmente planejados para facilitar a compreensão de diferenças quantitativas e qualitativas Sempre servem de base para outras representações Raramente servem de base para outras representações Assim, notamos que há distinções entre a cartografia temática e a sistemática quando analisamos principalmente o tratamento dado ao mapa. Mas é possível destacar que muitas vezes diversos pontos se entrelaçam entres as duas visões. Os métodos de representação cartográfica remontam ao fim do século XVII. A partir desse período, os métodos utilizados e empregados mundialmente passam a ser utilizados e adotados de maneira mais metodológica. Isso porque, até então, havia apenas o inventário e a descrição dos objetos existentes sobre a superfície terrestre. Para melhor entendimento, passou-se a destacar apenas um desses elementos para que acompreensão e o controle do espaço atingissem maior comando e conhecimento. Nesse sentido, a cartografia temática passou a atender a demanda das concepções filosóficas das novas ciências no fim do século XVIII. Há uma maior preocupação com a especialização, acréscimos de aspectos qualitativos como uso da terra e cobertura do solo, conhecimentos mineralógicos do subsolo, estrutura de relevo, uso e ocupação do espaço, entre outros. Surgem, portanto, representações temáticas de fenômenos diversos, como exemplificam os mapas de magnetismo terrestre, expressos por linhas, dos ventos e de correntes marítimas, registradas por linhas orientadas. As representações passam a explorar a percepção em terceira dimensão visual (Z) ancorada à localização (X,Y). A representação temática passa a usar, além das expressões qualitativas e ordenadas, a quantitativa. 25 CARTOGRAFIA TEMÁTICA: TÉCNICAS E PROJEÇÕES A cartografia temática quantitativa se fazia diretamente no mapa, nos lugares de ocorrência, extraídos de dados oficiais relativos a população, economia e produção. Com a Revolução Industrial, no final do século XIX, as vias de circulação tornam-se essenciais para geração de riquezas e desenvolvimento das nações. A cartografia temática passa a abordar nos mapas o dinamismo espacial e temporal dos fenômenos. A cartografia, após 1950, foi favorecida pelos avanços tecnológicos e de pesquisas teóricas e experimentais. Na década de 1990, uma linha da cartografia voltou-se para as possibilidades oferecidas pela informática, geomática e pelos dados georreferenciados. Para a construção de mapas temáticos, portanto, é necessário delimitar parte da realidade a ser problematizada; estabelecer diretrizes que orientam a busca de respostas e definir o tema. Os mapas temáticos são construídos levando-se em conta métodos adequados às características e às formas de manifestação (em pontos, linhas, áreas) dos fenômenos considerados em cada tema. O mapa temático deve expor um tema declarado no título; o local e a data do acontecimento, respondendo às questões: “O quê?”, “Onde?” e “Quando?”. Por fim, o tema por ele analisado será apresentado na estruturação da legenda. Após o mapa temático estar pronto, são feitas leituras, análise e interpretação para compreensão do conhecimento; e são elaborados comentários, que podem ser metodológico (análise do porquê da adoção de determinado método) e interpretativos (avaliação das características da distribuição do fenômeno, o que o mapa revela). 1.4 Uma breve história sobre mapeamento terrestre Se pensarmos em evolução da cartografia, chegaremos ao período das grandes navegações e ao uso de instrumentos como o astrolábio, a bússola, a balestilha e o quadrante, que se prestaram a melhorar o sistema de orientação marítima; e, com eles, à fase moderna da cartografia, em que várias cartas náuticas, conhecidas como portulanos, foram sendo desenhados pelos navegadores daquela época, incorporando novos elementos a cada viagem. Em 1507, na Europa, passa a ser visualizada, em um mapa, a América, graças ao cartógrafo de origem alemã chamado Martin Waldseemüller, elaborador de uma carta do mundo, em doze folhas. Ainda havia a dificuldade de projetar a Terra em um plano; entretanto, em 1569, o matemático e cartógrafo Gerardus Mercator publica um atlas que reagrupa as 18 cartas do mundo em uma projeção cilíndrica sobre uma carta plana, com meridianos e paralelos que foram representados por segmentos de retas perpendiculares entre si e com meridianos equidistantes, o que deformava a Terra na direção leste-oeste, com aumento da latitude. A Projeção Mercator, apesar das distorções apresentadas, foi a base usada na década de 1950. Nos Estados Unidos foi utilizada a projeção Universal Transversa de Mercator (UTM), muito usada em cartografia para mapas-múndi. Os holandeses, no século XVII, tornaram-se o 26 Unidade I centro da produção de mapas, calculando a longitude (elaborada por John Harrison), além do desenvolvimento de instrumentos da época que contribuíram nas representações: o telescópio parabólico, o sextante, o teodolito e o barômetro (construídos por Jesse Ramsden). Também foram significativos o progresso da trigonometria, contribuindo para a precisão cartográfica, e as teses defendidas por Isaac Newton acerca do achatamento dos polos. Quanto às cartas temáticas, elas tiveram sua evolução no século XIX, processo auxiliado pela fotogrametria, com câmeras acopladas inicialmente a um balão e posteriormente ao avião. Lembrete Devemos destacar que, na década de 1970, Peters elabora uma projeção cartográfica cilíndrica, dando um aspecto alongado aos continentes, e ela é considerada a mais próxima da realidade dimensional dos continentes. Mais tarde, o sensoriamento remoto também viria a contribuir para as novas metodologias e técnicas cartográficas mediante o reconhecimento da área com assinatura espectral, permitindo a classificação dos elementos da paisagem para mapear temas significativos, como: recursos minerais, estudos de solos, cobertura vegetal, áreas rurais e urbanas. Devemos destacar que todo mapeamento requer checagem de campo; o ideal recomendado é fazer uma calibração de feições em campo antes de começar o mapeamento. Devemos estar cientes de que os mapas, as cartas nos levam a lugares distantes e nos aproximam do mundo em que vivemos. Os mapas também podem ser uma forma de inclusão de pessoas que têm alguma deficiência e estão impedidas de ler mapas convencionais. Saiba mais Para saber mais sobre o assunto, leia: NOGUEIRA, R. E. Mapas como facilitadores na inclusão social de pessoas com deficiência visual. Com Ciência, Campinas, n. 123, nov. 2010. Disponível em: http://comciencia.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-76 542010000900009&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 2 mar. 2016. Para que seja atingido o objetivo de tornar o mapa uma forma de inclusão social de pessoas com dificuldades visuais, são disponibilizados na internet modelos de mapas produzidos no Laboratório de Cartografia Tátil e Escolar (Labtate), assim como as devidas instruções para elaborá-los. Acesse o site: www.labtate.ufsc.br 27 CARTOGRAFIA TEMÁTICA: TÉCNICAS E PROJEÇÕES 1.5 A cartografia temática e as técnicas utilizadas A cartografia temática está mais próxima do cotidiano dos geógrafos, pois eles se utilizam dessa forma de linguagem para registrar suas pesquisas, da mesma maneira que o professor de Geografia se utiliza dos mapas, cartas, globos terrestres a fim de facilitar aos alunos a compreensão de certos fatos ou a leitura dos fenômenos, daí a importância das projeções cartográficas e dos mapas temáticos para concretizar o ensino. Dessa maneira, as representações cartográficas estão presentes nos livros didáticos, bem como em jornais, revistas, navegações aéreas, transportes terrestres e marítimos, guias turísticos, entre outros, além da internet. As representações cartográficas estão intimamente ligadas à Geografia e às suas distintas áreas de estudo, além de contextualizar-se com outras áreas de estudos. Daí a importância dos mapas. Lembrete A elaboração de um mapa exige um planejamento minucioso, uma vez que não se trata de uma mera ilustração, mas de uma ferramenta capaz de revelar o conteúdo da informação que norteia o discurso científico, buscando transmitir um conhecimento consciente e crítico. 1.5.1 Representações gráficas Não podemos falar de cartografia temática sem antes fazer uma prévia em relação a um domínio mais amplo, que é o das representações gráficas, as quais fazem parte de um sistema de sinais construído pelos grupos humanos a fim de se comunicarem e se posicionarem na superfície terrestre, e também serve como forma de comunicação interpessoal. Tais representações gráficas compõem uma linguagem que pode ser definida como bidimensional, atemporal, destinada à visão, prevalecendo sobre as demais, pois demanda um instante de percepção, expressando-se mediante a construção daimagem. Distinguem-se de uma mera imagem figurativa, como a fotografia, que tem caráter polissêmico, pois integram o sistema semiológico monossêmico (MARTINELLI, 1991, p. 9). Observação Polissêmico: a significação do signo sucede à observação. A leitura se dá entre o significante e o significado. É o domínio dos códigos (significados múltiplos). Ex.: os sinais de trânsito. Monossêmico: a definição do signo precede à sua transcrição. A leitura se dá entre significados. Não dá margem à ambiguidade (significado único). Ex.: equação matemática. A fim de reafirmar a importância da cartografia temática e dos temas a ela associados, citamos o trabalho realizado por Joseph Novak, em 1972, quando aborda o denominado mapa conceitual, 28 Unidade I segundo ele, para representar, organizar e construir conhecimentos e que serviu de apoio para a construção da teoria significativa de Ausubel. Destacamos que a aprendizagem significativa abriu espaço para distintas aplicações e, por conseguinte, para o mapa conceitual também. Um mapa conceitual é constituído por três elementos: conceitos, relações e uma questão focal (seria o tema). Os mapas conceituais apontam, no que se refere ao ensino, para um enfoque diferenciado; são instrumentos que podem conduzir a profundas modificações no modo de ensinar, de avaliar, de aprender, embora ainda não tenham se tornado rotina em sala de aula. O interessante é que o tema pode ser associado a algum aspecto das disciplinas estudadas, embora lembrem a sistematização proposta pelas representações cartográficas, utilizando-se de gráficos (AUSUBEL, 1963, 2000; MOREIRA; MASINI, 1982). Saiba mais Para saber mais sobre o tema, consulte: AUSUBEL, D. P. The psychology of meaningful verbal learning: an introduction to school learning. Nova York: Grune & Stratton, 1963. AUSUBEL, D. P. The acquisition and retention of knowledge: a cognitive view. Netherlands: Kluwer Academic Publishers, 2000. MOREIRA, M.; MASINI, E. Aprendizagem significativa: a teoria de David Ausubel. São Paulo: Moraes, 1982. 1.5.2 Voltando à cartografia temática sob o ponto de vista geográfico Podemos constatar que a imagem visual é criada modulando as duas dimensões do plano (X, Y) – que são dimensões da folha de papel onde desenhamos – variando visualmente manchas em terceira dimensão visual (Z), para atrair a atenção do leitor. Portanto, os três componentes da imagem são: X, Y e Z. (X, Y) são as duas dimensões do plano da folha de papel; definem a posição (Xi; Yi) da mancha elementar no papel (Z) é a variação visível da mancha inscrita na posição (Xi, Yi) (Y) (X) (Z) Figura 1 29 CARTOGRAFIA TEMÁTICA: TÉCNICAS E PROJEÇÕES Na imagem apresentada, observamos a variação de tamanho: Figura 2 Já na figura a seguir, ocorre outra ordem de variação, no caso, da cor com dégradé (do claro para o escuro): Figura 3 30 Unidade I A imagem visual assim concebida aceita todos os níveis de leitura: [...] podemos nos interessar pelo conjunto, visto de um só golpe de vista. É a leitura de conjunto. Pode nos interessar a sequência das manchas elementares que compõem a imagem. É o nível elementar de leitura (MARTINELLI, 1991, p. 11). De acordo com a posição de Martinelli (1991, p. 11), podemos considerar níveis intermediários entre esses extremos, ou seja, dégradé de cores. Figura 4 A mancha visível que inscrevemos no plano, e que nos chama a atenção, pode assumir três significados distintos em relação a esse mesmo plano: ponto, linha, superfície. Uma mancha visível de determinado significado, o pontual, por exemplo, além de possuir uma dada posição em relação às dimensões do plano (um pequeno retângulo colocado à direita e embaixo, sobre uma folha de papel branco) pode assumir modulações visuais (Z) (MARTINELLI, 1991, p. 11). As variações assumidas dessa mancha visível são chamadas, em cartografia temática, de variáveis visuais: tamanho, valor, granulação, cor, orientação e forma. Acompanhe a representação a seguir: 31 CARTOGRAFIA TEMÁTICA: TÉCNICAS E PROJEÇÕES 1. Tamanho O retângulo pode ser pequeno, médio ou grande; o grande é o quádruplo do médio, e este é o quádruplo do pequeno. O tamanho vale-se do estímulo sensível resultante da variação de superfície 2. Valor É o valor visual, a intensidade; vai do claro para o escuro 3. Granulação O retângulo pode comportar texturas variando de mais fina à mais grosseira, sem entretanto alterar a sua intensidade visual 4. Cor O retângulo pode assumir várias cores: vermelho, amarelo, verde etc. 5. Orientação O retângulo pode dispor-se horizontalmente, verticalmente ou obliquamente. 6. Forma O retângulo pode modular sua forma: passar para um círculo ou para um polígono estrelado. Ao que a forma se assemelha, constitui o estímulo desta variável. Figura 5 A combinação dessas seis variáveis, mais as duas dimensões do plano, perfaz um total de oito características, que, segundo Martinelli (1991, p. 13), têm propriedades perceptivas que toda transcrição gráfica deve levar em conta para traduzir adequadamente as três relações fundamentais entre objetos e relações apontadas, como as de: • similaridade/diversidade; • de ordem; • proporcionalidade. Apontando para formas distintas de percepção: • percepção dissociativa: a visibilidade é variável; afastando da vista tamanhos diferentes, eles somem sucessivamente; • percepção associativa: a visibilidade é constante, as categorias se confundem; afastando-as da vista, não somem; 32 Unidade I • percepção seletiva: o olho consegue isolar os elementos; • percepção ordenada: as categorias se ordenam espontaneamente; • percepção quantitativa: a relação de proporção é imediata. As duas dimensões do plano, o tamanho e o valor constituem as variáveis da imagem, enquanto a granulação, a cor, a orientação e a forma são variáveis de separação. Essas variáveis de separação são apresentadas a seguir: Granulação Cor A B Figura 6 Orientação Forma A B Figura 7 33 CARTOGRAFIA TEMÁTICA: TÉCNICAS E PROJEÇÕES De significativa importância é o quadro organizado pelo cartógrafo e teórico francês Jacques Bertin, em 1967, que propõe um resumo das variáveis visuais. 1.5.3 Variáveis visuais Da imagem Em ponto Em linha Formas de manifestação Em área Propriedades perceptivas As duas dimensões do plano Tamanho Granulação Orientação Forma Cor (colorir com cores diferentes) Valor De separação Variáveis visuais As transcrições gráficas que resultam nessa área destroem o significado da imagem Dissociativa Associativa Seletiva Ordenada Quantitativa Figura 8 A partir desse sistema monossêmico de signos, com uma boa aplicabilidade de acordo com os temas transcritos visualmente, poderemos observar as propriedades perceptivas das variáveis visuais. Dessa forma: Fazer um mapa significa explorar sobre o plano as correspondências entre todos os elementos de um mesmo componente da informação – o componente locacional (o conjunto das coordenadas geográficas das posições que se organizam no plano). Respondem ao “onde?”. Caracterizam a ordem geográfica: a localização de São Paulo não pode ser permutada com a de Presidente Prudente. Para dizermos o “o quê?”, o “em que ordem?” e o “quanto?”, que são componentes temáticos, precisamos variar visualmente (Z) a posição em (X, Y), a qual pode assumir as significações de ponto, linha, área [...] em conformidade com a manifestação do fenômeno abordado (MARTINELLI, 1991, p. 16). 34 Unidade I (X,Y) Posição Onde? O que? (≠) Ponto Linha Superfície Quanto? (Q)Em que ordem? (O) (Z) Qualitativo (Z) Ordenado (Z) Quantitativo A B C D Figura 9 As coordenadas geográficas constituem um conjunto de linhas imaginárias (latitude e longitude), com variações de graus, instituídas como referência para localização. “Os gregos e os polinésios tinham ambos os mapas, [...] no século II d. C., Ptolomeu, um grego de Alexandria, escreveu a famosa Geografia, que setornou a base para quase todos os mapas até o auge da Renascença, mas nem mesmo ele deixou quaisquer mapas, apenas descrições detalhadas e informações sobre latitude e longitude.” Saiba mais Para saber mais sobre o uso de coordenadas, leia: OBREGON, M. Além dos limites do oceano: navegando com Jasão e os argonautas, Ulisses, os vikings e outros exploradores do mundo antigo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. p. 44. Os mapas temáticos são construídos a partir de métodos que lhes são próprios e que foram sistematizados pelo cartógrafo e teórico francês Jacques Bertin, em 1967, amplamente estudado pelo geógrafo brasileiro Marcello Martinelli. Podemos considerar que a elaboração de um mapa temático tem início na delimitação da parte da realidade a ser problematizada pelo interessado na realização da representação, com vistas a estabelecer diretrizes que orientem a busca de respostas às questões a ela colocadas. Define-se, assim, o tema (MARTINELLI, 1991, p. 43). Ainda de acordo com Martinelli (2013): Deve-se salientar, ainda, que os fatos e fenômenos que compõem a realidade geográfica a ser representada em mapa permitem ser considerados dentro 35 CARTOGRAFIA TEMÁTICA: TÉCNICAS E PROJEÇÕES de um raciocínio de análise ou de síntese. Nesse sentido, será possível ter, de um lado, uma cartografia analítica – abordagem dos temas em mapas analíticos, atentando para seus constitutivos, lugares, caminhos ou áreas caracterizadas por seus atributos ou variáveis e, de outro, uma cartografia de síntese – abordagem de temas em mapas de síntese, empreendendo a fusão dos elementos constitutivos em “tipos”, perfazendo agrupamentos de lugares, caminhos ou áreas unitárias de análise caracterizadas por agrupamentos de atributos ou variáveis. [...]. Por fim, depois de prontos, os mapas podem propiciar, em termos de apreensão, tanto uma leitura, análise e interpretação em nível elementar, quanto uma visão de conjunto (MARTINELLI, 2013, p. 42). Nesse sentido, é necessário conhecer alguns métodos de representação da cartografia temática. Apresentamos a seguir, segundo Martinelli (2013, p. 42-3), a estrutura metodológica que articula as representações da cartografia temática, de maneira a possibilitar a indicação dos métodos apropriados a serem adotados. 1.5.4 Formas de manifestação dos fenômenos e apreciação As formas de manifestação dos fenômenos podem ser em ponto, em linha ou em área. A apreciação e abordagem dos fenômenos com seus métodos de representação podem ser classificadas de acordo com a enumeração a seguir: • Apreciação estática — representações qualitativas: método dos pontos diferenciados, método das linhas diferenciadas e método corocromático qualitativo; — representações ordenadas: método dos pontos ordenados, método das linhas ordenadas e método corocromático ordenado; — representações quantitativas: método das figuras geométricas proporcionais, método dos pontos de contagem, método coroplético e método isarítmico. • Apreciação dinâmica — representações das transformações de estados e das variações quantitativas absolutas e relativas no tempo: método corocromático qualitativo, método corocromático ordenado, método das figuras geométricas proporcionais e método coroplético; — representações dos movimento no espaço: método dos fluxos. 36 Unidade I • Nível de raciocínio — representações analíticas: representações dos elementos constitutivos – lugares, caminhos ou áreas caracterizadas por atributos ou variáveis (qualitativos, ordenados, quantitativos); — representações de síntese: representação da fusão dos elementos constitutivos em “tipos” – agrupamentos de lugares, caminhos ou áreas unitárias de análise caracterizadas por agrupamentos de atributos ou variáveis (qualitativos, ordenados, quantitativos). • Nível de apreensão — mapa exaustivo: todos os atributos ou variáveis sobre o mesmo mapa – leitura, análise e interpretação em nível elementar (só responde à questão “O que há em tal lugar?”); — coleção de mapas: um mapa por atributo ou variável – visão de conjunto (responde a todas as questões, inclusive a “Onde está tal atributo ou variável?”; “Quais agrupamentos se formaram?”). Observação O método corocromático utiliza a cor, o padrão ou a textura para representar as áreas. Já o método coroplético é um método de representação cartográfica que tem como finalidade traduzir valores para as áreas. Esse método estabelece uma ordem visual crescente. 2 MÉTODOS DE REPRESENTAÇÃO CARTOGRÁFICA Os métodos de representação cartográfica podem ser divididos em: qualitativas, ordenadas, quantitativas e dinâmicas. A seguir, abordaremos esses métodos e suas características. 2.1 Representações qualitativas Em mapas, as representações qualitativas são empregadas para expressar a existência, a localização e a extensão das ocorrências dos fenômenos e dos seus atributos em sua diversidade, caracterizados por sua natureza e espécie e classificados por critérios estabelecidos pelas ciências que os estudam. 37 CARTOGRAFIA TEMÁTICA: TÉCNICAS E PROJEÇÕES As representações qualitativas podem ser resolvidas pelas seguintes manifestações: em ponto, em linha ou em área. Na manifestação em ponto, utiliza-se o método dos pontos diferenciados, podendo-se usar variações visuais de forma, orientação ou granulação, lembrando que a orientação tem maior poder seletivo. Variação de forma: Variação de orientação: Variação de granulação: Figura 10 - Manifestação em ponto Na manifestação em linha, utiliza-se o método de linhas diferenciadas; as variáveis visuais poderão ser de granulação, orientação e forma. Granulação Orientação Forma Combinados Figura 11 - Manifestação em linha Na manifestação em área, utiliza-se o método corocromático qualitativo, que consiste na aplicação de cores diferenciadas para as distintas rubricas em suas áreas de manifestação, pois a variação de cor tem maior eficácia. Na impossibilidade de contar com a cor, aplicam-se texturas compostas por elementos pontuais (diferenciando-se na forma) ou lineares (diferenciando-se na granulação ou na orientação). 38 Unidade I Texturas com elementos pontuais com variação de forma Texturas com elementos lineares com variação de orientação Texturas com elementos lineares com variação de granulação Combinados Cores Figura 12 – Manifestação em área Mostramos a seguir um exemplo desse tipo de representação: Cenozoico (rochas sedimentares recentes) Mesozoico (rochas vulcânicas básicas) Paleozoico e Mesozoico (rochas sedimentares antigas) Proterozoico (rochas cristalinas) Arqueozoico (rochas cristalinas mais antigas) Figura 13 – Brasil: geologia 39 CARTOGRAFIA TEMÁTICA: TÉCNICAS E PROJEÇÕES Observamos no mapa e pela leitura de sua legenda os tipos de terrenos geologicamente determinados pela evolução das eras geológicas, com o predomínio, no território brasileiro, dos terrenos antigos, pré-cambrianos do Arqueozoico e do Proterozoico. 2.2 Representações ordenadas Em mapas, essas representações são indicadas quando a relação entre os componentes da realidade é de ordem, definindo-se, assim, as hierarquias entre manifestações, podendo ocorrer em ponto, em linha ou em área. São exemplos clássicos desse tipo de representação a hierarquia das cidades pelo critério do tamanho populacional e a sequência da ocupação dos espaços agrícolas no tempo. Para os fatos ou fenômenos que se manifestam em pontos, linhas ou áreas, uma primeira variável visual a ser seguida seria a mais compatível com a percepção ordenada: o valor, tendo a propriedade de criar uma ordem visual tanto por meio de cores quanto mediante texturas em preto e branco [...]. É sabido que a percepção ordenada fica patente também com o uso da variável tamanho, porém o impacto visual de valor é preferível. Entretanto, em casos de manifestações em pontos ou linhas, a variação tamanho pode intervir, pois aquela de valor em
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