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Introdução ao Estudo do Direito II Professor: Samuel Barbosa 1. Estrutura do Curso: 1.1.MÓDULO I: Formalismo e Indeterminação. Serão abordadas duas visões: 1.1.1. Visão Conceitual: generalidade (texto do Schauer) 1.1.2. Visão Contextual: estudo pontual, com parâmetros determinados. Obs.: Essas duas visões não podem ser entendidas como antagônicas, mas sim como complementares para a compreensão da matéria. 1.2.MÓDULO II: Teoria das fontes do Direito (texto do Hunt) - Constituição São sinônimos? Por que o Brasil demorou para ter - Códigos um Código Civil? - Lei 1.3. MÓDULO III: Ordens normativas e validade (texto do Nino): Pluralismo jurídico e quando a regra vincula. O Conceito de Direito, capítulo VII, seção I – Hart 1. Tese principal: em qualquer grande grupo, devido à grande quantidade de indivíduos, o controle social ocorre por meio de regras gerais (são padrões de conduta e condições de existência do Direito), e não por meio de diretivas particulares (são instruções ou ordens dirigidas a um certo indivíduo por outro). 1.1.A existência do Direito depende da capacidade de comunicação das regras. As regras podem ser comunicadas de duas formas distintas: 1.1.1. Legislação: utiliza termos gerais para estabelecer uma categoria na qual se encaixa um determinado número de situações concretas. 1.1.2. Precedente: trata-se de um exemplo passado que serve de modelo orientador das decisões do presente. Ressalta-se que o tomador de decisão, ao utilizar um precedente, deve extrair dele conceitos e conclusões também aplicáveis ao caso que está decidindo. 1.2.O funcionamento com êxito do Direito depende da capacidade de reconhecer o particular como um caso de uma categoria geral. A adequação de um caso à regra chama-se subsunção. Se a tese de Hart for verdadeira, então surge um problema inerente à linguagem, já que esta tem ‘zonas de indeterminação’. Como lidar com essas indeterminações linguísticas no uso de termos gerais? Por meio das duas formas possíveis de comunicação de regras (legislação e precedente). 2. Tese subsequente 1: as regras gerais, na forma da legislação, parecem, inicialmente, claras e certas: tem-se, primeiramente, uma premissa maior (a regra geral – ex: todo cidadão deve pagar impostos), na qual encaixa-se uma premissa menor (o caso concreto – ex: João é um cidadão), concluindo-se um silogismo normativo (a aplicação da regra – ex: se todo cidadão deve pagar impostos e João é um cidadão, João deve pagar impostos). 2.1. Hart concorda com essa tese, mas a enfraquece ao estabelecer exceções. Para o autor, há regras que são claras e há regras que não são claras. Dessa forma, a legislação passa a resolver um campo cada vez mais seleto de problemas do caso concreto (casos simples). Entretanto, casos mais complexos exigem maior interpretação da norma. 3. Tese subsequente 2: tanto na legislação como no precedente há um núcleo determinado de aplicação da regra, e uma periferia indeterminada. 3.1.O núcleo determinado representa os casos simples, nos quais não há dúvida na aplicação da regra (ex: é proibida a entrada de veículos no parque à um carro é um veículo à logo, não se deve entrar no parque com ele). 3.2.A periferia (ou penumbra) representa os casos difíceis, em que não há certeza da pertença de determinado particular a uma categoria. Sua existência é inevitável, pois a realidade fática produz constantemente situações absolutamente novas e não previstas pela regra. A dificuldade desses casos é conseqüência dessa indeterminação. 3.2.1. Textura aberta: indeterminação na aplicação da linguagem, incerteza nos casos de fronteira. O detalhamento da norma não acaba com a sua textura aberta: o futuro é incerto, de modo que a regra na consegue regular todas as ocorrências. Os sistemas jurídicos lidam com a textura aberta escondendo-a ou reconhecendo-a. 3.3.Nos casos de fronteira, a textura aberta da norma e sua indeterminação levam à necessidade de escolha por parte do tomador de decisão. Essa decisão, contudo, não é arbitrária: no sistema jurídico, faz-se necessária uma justificativa, por parte do juiz, embasada em elementos e dispositivos internos ao sistema, mesmo que as razões de sua decisão tenham sido ideológicas, sociais ou econômicas. Assim, conclui-se que a escolha existe, mas é limitada pelos termos da regra 3.4.Há a possibilidade de adaptação do regramento às novas situações fáticas, diminuindo a dificuldade e a quantidade dos casos de fronteira. As maneiras de fazê-lo são três: 3.4.1. Administração: o legislador transfere o poder de escolha aos órgãos administrativos, entregando-lhes a competência de determinar se um particular faz ou não parte de uma categoria (ex: o ordenamento brasileiro confere ao poder executivo a regulamentação e administração do orçamento nacional, dos sistemas de ensino, saúde, etc). Isso permite uma maior flexibilidade do aparelho estatal em relação à incorporação de novas realidades fáticas e à submissão delas a um regramento, visto que não é mais necessária a passagem pelo processo legislativo. 3.4.2. Particulares: o legislador transfere o poder de escolha a uma categoria de particulares – cujas decisões, se problemáticas quando contrastadas com o ordenamento, serão julgadas a posteriori. Ex: o Código Civil atual determina que compitam aos pais as decisões juridicamente relevantes quanto às pessoas dos filhos (como a emancipação destes). 3.4.3. Especificação extrema: feita pelo próprio legislador. Casos da maioria dos tipos penais – não há (ou quase não há) espaço para elucubrações a respeito dos termos ou do significado da regra: ela é clara e objetiva. 3.5.Essa dicotomia entre núcleo e penumbra traduz-se em dois compromissos do Direito: 3.5.1. O de criar regras seguras e claras o suficiente para que possam ser entendidas e aplicadas por todos os particulares (conferindo segurança e previsibilidade aos integrantes da sociedade). 3.5.2. O da necessidade de adaptação a novas realidades fáticas, evitando o engessamento do direito. 4. Tipologia de mecanismos de regulação: 4.1.Legislação + Administração À legislação cabe a definição de regras gerais (preço justo) e à administração, agências reguladoras, por exemplo, cabe o detalhamento, a regulação (o que representa um “preço justo”). 4.2.Legislação + Particular + Tribunais À legislação cabe a definição de termos gerais (dever de cuidado); ao particular cabe a aplicação da regra (as escolhas do individuo); e aos tribunais cabe o julgamento das escolhas (dizer se as escolhas do sujeito estão de acordo com o dever de cuidado). 4.3.Máxima segurança: o legislador procura excluir o máximo a possibilidade de escolhas (é o caso do direito penal, no qual o legislador usa ‘matar alguém’ e não ‘a vida deve ser respeitada’). 5. A textura aberta, embora não deva ser a base do sistema, deve existir para que os aplicadores do Direito possam determinar o equilíbrio entre interesses conflitantes, que variam de caso para caso. Texto 2 – Frederich Schauer – Formalism Regra = padrão de comportamento transmitido pela linguagem (linguagem com textura aberta) Núcleo de significado – casos simples Penumbra, fronteira – casos difíceis (indeterminação, envolve escolhas, poder discricionário) Nos casos de vagueza da regra, o tomador de decisão deve justificar suas escolhas a fim de preservar seu poder discricionário – essa justificativa não pode ser a própria regra, uma vez que é vaga. -O Formalismo vê este poder discricionário e a textura aberta negativamente Arranjos regulatórios:1-Legislação+Administrativo; 2-Legislativo+Particular+Tribunais; 3- Regra rígida A tese: Defesa dos bons aspectos doformalismo, em face do ostracismo conceitual do termo, e consideração dos contra-argumentos. 1. Contra-argumentos: 1.1.Formalismo como negação de escolha: nessa modalidade explorada pelo autor, o formalismo se manifesta como um ocultamento dos fatores não normativos da escolha. Casos de penumbra são tratados como se fossem casos simples. 1.2.Formalismo como limitação de escolha: inexistência da possibilidade de interpretar a regra de formas diversas, limitando a escolha por parte do tomador de decisão. Essa limitação só é possível num sistema jurídico fechado (que não permite a criação de “rotas de fuga” decisório- interpretativas) e incompleto (não açambarca a realidade fática em sua totalidade à não há rotas de fuga para certos casos de penumbra). 2. Núcleo do argumento pró-formalismo: 2.1.Alocação de poder: tendo em vista a seguridade social e a função reguladora universal do direito, é melhor que o poder decisório se concentre na regra ao invés do juiz. Sem dúvida, caso o juiz fosse justo, ele seria capaz de decidir conflitos de forma muito mais eficiente e justa do que a regra – nem todos os juízes, no entanto, assim o são. Consequentemente, para que seja alcançada a estabilidade das relações sociais, é preciso evitar a arbitrariedade da discricionariedade do juiz. 3. Casos de penumbra - a desconsideração da regra: 3.1.Derrotar uma regra usando propósito: não é recomendado, pois geralmente há propósitos maiores e mais amplos por trás do propósito utilizado na desconsideração, os quais são muitas vezes contraditórios a ele e entre si quando aplicados ao caso concreto. Perde-se totalmente, portanto, a segurança da regra. 3.2.Formalismo presumido: nesse sistema proposto brevemente por Schauer, há uma presunção de regridade da norma. Essa regridade, todavia, pode ser ignorada caso o tomador de decisão prove que a aplicação da norma gerará um resultado muito absurdo. Note-se que o ônus da prova para a desconsideração da regra, nesses casos, garante a aplicabilidade prática desse sistema e a predominância da regridade dos ordenamentos. A proposição de Schauer é criar um meio termo entre o formalismo puro e o particularismo (decisão conforme as circunstâncias do caso), tentando ao máximo evitar os problemas desses dois extremos – a eventual injustiça da norma e a imprevisibilidade da arbitrariedade do tomador de decisão. Ou seja, é conceitualmente possível e normativamente defensável seguir o sentidlo literal das regras, salvo absurdo. 4. Há duas rotas de fuga: 4.1.Princípios; 4.2.Criar princípios. 5. Exemplos: 5.1. Exemplo 1: Aborto de Anencéfalos: A regra foi mantida intacta em relação a seus casos simples (feto com vida). O caso difícil, de penumbra (feto sem vida), foi encaixado na regra, logo, não fragiliza a norma. Decisão: todo aborto é interrupção da gravidez, mas nem toda interrupção da gravidez é aborto (textura aberta da linguagem). 5.2.Exemplo 2: Crimes hediondos: A lei de crimes hediondos não permitia a progressão de regime (fechado para semiaberto, aberto etc.). O STF declarou-a inconstitucional com base em princípios, não se trata, aqui, de Formalismo presumido, pois a regra perdeu a validade. 6. O formalismo não deve ocorrer em todos os casos: 6.1.A atitude formalista evolve uma questão psicológica do aplicador. 6.2.Particularismo: vê-se o caso particular e suas peculiaridades para a aplicação da regra. Texto 3 – Hartog – Pigs and Positivism 1. A tese: o autor interpreta o caso People v. Harriet de duas formas: 1.1.Como texto legal/que expõe dogmática: a dogmática era motivada pelo ideal do futuro da cidade (a “pigless city”), e a sentença condenatória de Harriet serviu de instrumento jurídico para a afirmação desse princípio, tornando pública a intenção do núcleo oficial de expulsar os porcos das ruas, intenção que foi reforçada pelas tentativas institucionais de regular os porcos no pós- Harriet. 1.2.Como conflito de ordens normativas: contradição entre o fato e a decisão – os nova-iorquinos continuaram a deixar seus porcos à solta mesmo com o pronunciamento da corte municipal a respeito. 1.2.1. Problema da efetividade: negado por Hartog, visto que a inclusão da dissonância entre fato e decisão na categoria da não efetividade preserva a visão do Direito, da ordem oficial como unitário e objetivo, quando na verdade a realidade é outra. O autor propõe que o Direito é, na verdade, uma arena de conflito na qual combatem as várias ordens normativas (ordem normativa = conjunto de Regra condiciona o fato: Núcleo subsume os casos simples Penumbra subsume os casos difíceis – Indeterminação Nos casos fáceis (o fato se subsume ao núcleo da regra), a aplicação do direito de maneira dita formalista é defensável (Formalismo presumido – a regra é razão suficiente para a resolução do caso O Formalismo não presumido confunde os casos difíceis e fáceis Particularismo é o oposto, analisar cada caso a partir de seus particularismos. Particularismo- Particularismo sensível às regras- Formalismo presumido- Formalismo Schauer: levar as regras a sério, a dificuldade está na regra, na sua interpretação expectativas sobre o comportamento alheio) pelo “símbolo jurídico”, que conferirá à ordem campeã uma coercitividade ausente nas demais. O caso de Harriet pode ser considerado o episódio de um conflito, já que regra e fato eram contrapostos, considerando que 30 anos depois da sentença ainda havia porcos na cidade de Nova Iorque. 2. Conclusões do Samuel: a grande contribuição de Hartog para o estudo da filosofia do direito foi a concepção de que, mesmo no núcleo formal (órgãos oficiais), há embates a respeito de questões fáticas (ex: os diferentes ramos do direito entram em conflito quando tratando das mesmas situações concretas, como no caso de uma favela, que é considerada lícita pelo direito tributário, mas ilícita [ou irregular] pelo direito imobiliário). Tal concepção rechaça a noção da falta de efetividade da norma, visto que enxerga a ordem jurídica como algo não consolidado e em constante processo de mudança, o que ocorre também com a ordem fática. Essa inconstância entre ambas as ordens impossibilita que se afirme um “vácuo” permanente entre elas, como propõe a teoria da efetividade. 3. 4. 5. 6. 7. T54hjjh Texto 4 – Sidney Chalhoub – Visões da Liberdade 1. Visão externa ao Sistema jurídico Trata o direito como objeto de análise - estudará o direito, a história do direito, a teoria do direito etc. do ponto de vista externo, questionando. O texto de Chalhoub se encontra fora do sistema jurídico Essa análise é análoga ao tipo de análise II, proposto por Hartog 2. Visão interna ao Sistema jurídico Trata o direito como meio de tomar decisões (criar soluções para casos) O direito é um tipo de especialização social - estudará a dogmática, a história do direito, a teoria do direito etc. do ponto de vista interno, aceitando e aplicando à realidade Essa análise é análoga ao tipo de análise I, proposto por Hartog 3. Dogmática: estabelece padrões gerais, esquemas 3.1. Indeterminação: casos que não se encaixam nos padrões gerais 4. Pré-compreensões questionadas pelo texto Hartog tira a indeterminação da linguagem e a insere no campo das relações entre indivíduos e grupos Conflito entre ordens normativas Caso: I - expõe doutrina (conjunto de textos com autoridade) II – episódio de um conflito entre ordens normativas (questiona o soberano[conjunto de instituições], a norma jurídica não é necessariamente a emanada pelo soberano) Duas maneiras de vivenciar o Direito, não se trata de haver uma maneira certa. Aqui se encontra a indeterminação de Hartog (indeterminação social) -distinção clara entre livree escravo -abolição se dá no parlamento, porem havia a “resistência ilegal” -acumulação de leis: 1850/1871/1888 5. Relação senhor/escravo -Na relação de dominação, o escravo é coisa, propriedade, não possui direitos portanto. Há interferência do Estado no direito de propriedade -Na relação de poder, o escravo é indivíduo, pessoa, possui direitos portanto. Intervenção do Estado no sentido de preservar os direitos individuais. 6. Hipóteses do texto 6.1. Escravo “peteca”: oscilação entre liberdade e propriedade 6.2. Produção de dependentes: liberdade depende da vontade do senhor 6.3. Agência do escravo: tema de regulação (hipoteca, casamento de escravos etc.) Módulo III – Ordenamento Jurídico A teoria do ordenamento, assim como a teoria das fontes, dá uma resposta à pergunta: o que confere validade a uma norma? A teoria mais elaborada do ordenamento é a do século XX. Será analisado o conceito sintático de sistema jurídico (ex.: Kelsen) e um conceito pragmático de ordenamento jurídico (ex.: Tercio). A palavra ‘sistema’ tem significado complexo, com vários sentidos. Explorando alguns núcleos de significados que nos interessam mais: • Sistema externo: os juristas entendiam por ‘sistema externo’ um sistema de conceitos. Quando se fala em sistema externo, se fala em um tipo de concatenação de conceitos. A ideia de relação específica de um conjunto de elementos remete à ideia de sistema em geral, não só de sistema externo. Exemplo: o conjunto de deduções interligadas por um pensamento dedutivo forma um sistema externo. A ideia de sistema externo já estava presente no jusnacionalismo. Depois do século XIX, há uma dogmática bem elaborada no âmbito do Direito Privado a partir de um sistema externo. • Sistema interno: é uma interligação entre normas. É a teoria do sistema interno de ordenamento jurídico que é do século XX. Existe um conceito sintático e um conceito pragmático de sistema interno. è Conceito Sintático: a sintática estuda a relação entre os termos/signos dentro de um enunciado. Falar de sistema sintático é se perguntar sobre o encadeamento entre as normas. Quando se diz que a validade de uma norma depende de outra norma (Kelsen), trata-se de discussão de natureza sintática. è Conceito Pragmático: a pragmática estuda consequências comportamentais do uso da linguagem (ex.: aviso de ‘sorria, você está sendo filmado’ não quer dizer que você tem que sorrir para a câmera, mas sim que você está sendo vigiado). Ex.: uma lei estadual da Bahia cria um novo município. A criação desses municípios foi posteriormente questionada no Supremo Tribunal Federal. A Constituição Federal tem o seguinte dispositivo: ‘uma lei complementar vai estabelecer os critérios que deverão ser obedecidos pelos estados para a criação dos municípios’. Acontece que essa lei complementar não foi criada e o estado da Bahia criou o município assim mesmo. Antes de ter sua existência questionada judicialmente, o município teve eleição, recebeu verbas estaduais e federais, recebeu sistema de saúde, etc. Ou seja, criou-se toda uma vida jurídica ao município antes de ele ser questionado. O fundamento de validade da lei estadual que criou o município é um fundamento de validade precário (ponto de vista sintático). No sistema sintático de Kelsen, o ordenamento é um sistema unitário, porque todas as normas do sistema terão fundamento em uma norma. O STF decidiu que a lei estadual era sim inconstitucional, mas que ela continuaria a surtir efeitos no sistema jurídico. Portanto, o STF não desfez o município, demandando do Congresso edição da lei complementar em questão. O ordenamento jurídico não é só um sistema sintático porque envolve negociação entre poderes. O conceito pragmático estuda relação de autoridade entre emissor e receptor da norma. A discussão da validade de existência do município, no âmbito pragmático, leva em consideração como as autoridades estão se relacionando. Ex2.: fumar dentro de recinto fechado é proibido. A Lei Estadual de São Paulo é muito mais restritiva do que a Lei Federal sobre o tema do fumo. Do ponto de vista sintático, há sérias dúvidas acerca do conflito de competência entre Estado e União. Há pessoas que afirmam que a lei estadual de restrição ao fumo é inconstitucional porque havia lei federal sobre o tema. Já outras pessoas nem questionam a validade da norma, pois essa lei teria respaldo em uma visão sobre saúde muito forte, tornando o respaldo constitucional menos relevante. Ex3.: o ex-presidente Collor congelou as poupanças como medida provisória. Essa medida provisória viola a Constituição Federal. Então, do ponto de vista sintático, essa medida provisória seria inconstitucional. Entretanto, essa medida provisória tinha respaldo em outras questões, principalmente relacionadas à necessidade de combate à inflação. O presidente tinha, ainda, legitimidade derivada de sua recém-eleição após a ditadura militar. Esses três exemplos têm em comum o fato de a autoridade que emite a norma estar respaldada não por um vínculo a uma outra norma superior, mas sim por outro fator. A justificação dessas normas não apela a uma norma superior. Para o Tercio, uma norma, do ponto de vista pragmático, tem sua autoridade garantida buscando autoridade em uma segunda norma. Entretanto, essa segunda norma não tem uma terceira norma para buscar respaldo. Então essa segunda norma busca outro mecanismo para buscar o seu respaldo, mas isso continua no plano da validade. Esse processo acaba resultando no surgimento de normas que tem como objetivo validar outras normas, mas aquelas mesmas não tem respaldo. O sistema jurídico se compõe de cadeias normativas independentes: há uma norma origem da cadeia e normas derivadas. No direito moderno, a Constituição é sem dúvida uma norma origem proeminente, mas não é a única norma origem. A justificação de uma norma origem se dá não pela validação, mas sim pela calibragem, o que significa dizer que além de normas, o sistema jurídico é um conjunto de regras de calibração. Essas regras de calibração são princípios, que não estão necessariamente positivados em uma norma. A existência de uma regra de calibração não depende de sua positivação. No fundo, as regras de calibração são os argumentos de justificação de normas que não encontram sua validade em outras normas. A validade é um conceito principalmente sintático, já que as regras de calibração não tornam as normas válidas (essas normas são apenas justificadas). No sentido da pragmática, a validade tem como função imunizar uma autoridade. Um autor como Kelsen é facilmente operacionalizado pela dogmática. Então a dogmática criou a pirâmide normativa, que não é exatamente o que o Kelsen analisa. A pirâmide normativa é um conceito dogmático retirado da teoria do Kelsen. A dogmática operacionaliza e cria as suas metáforas e conceitos. O Tercio enxerga a dogmática como um conjunto de regras de calibração. Exemplo: a pirâmide normativa é uma criação dogmática que funciona como regra de calibração, justificando diversas normas. A definição de pertencimento de uma norma a um sistema não se dá apenas pela validade; normas podem ser justificadas por princípios. O conceito de sistema jurídico sugerido pelo Tercio se relaciona ao conceito de indeterminação social que foi visto no Módulo I do curso.
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