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NEUROFIBROMATOSE TIPO 1 E 2 Neurofibromatose As neurofibromatoses (NF) compreendem um grupo de distúrbios neurocutâneos caracterizados por hiperplasias, hipoplasias, hamartomas e neoplasias benignas ou malignas originadas do neuroectoderma e do mesoderma. As NFs transmitem-se por herança autossômica dominante e afetam ambos os sexos e todas as etnias. Em 50% dos casos, não há história familial de NF, sendo a doença causada por mutações novas. As lesões resultam de mutações em genes supressores de tumor, que resultam em risco 10 vezes maior de neoplasias malignas. As NFs são divididas em duas formas: neurofibromatose tipo 1, a mais frequente (NF1, doença de von Recklinghausen ou “forma periférica”, 1:3.000), e neurofibromatose tipo 2, menos comum (NF2, “forma central”, 1:25.000 a 1:40.000). Neurofibromatose tipo 1 (NF1) A doença caracteriza-se por dois ou mais dos seguintes sinais: (1) seis ou mais manchas “café com leite” (maiores do que 5 mm de diâmetro na idade pré-puberal e maiores do que 15 mm em indivíduos pós-puberais; (2) dois ou mais neurofibromas de qualquer tipo ou um neurofibroma plexiforme; (3) sardas axilares ou inguinais; (4) glioma (astrocitoma pilocítico) do nervo óptico; (5) lesões ósseas, como displasia da asa esfenoidal e adelgaçamento da cortical de ossos longos, com ou sem pseudoartrose; (6) um parente de primeiro grau (pais, irmãos ou filhos) com NF1. O gene NF1 localiza-se no cromossomo 17q11.2 e codifica diferentes transcritos por processamento alternativo. O produto do gene NF1 é a neurofibromina, proteína citoplasmática que pertence à família de proteínas ativadoras do GTP (proteínas RAS). A neurofibromina parece reprimir a divisão celular, estando expressa em todos os tecidos, em níveis maiores no SNC, no SNP e na suprarrenal. Diversas mutações são descritas no NF1, entre as quais deleções total ou parciais, grandes e pequenas inserções, mutações nonsense e missense, além de rearranjos cromossômicos. Todas essas mutações favorecem proliferação celular descontrolada. Na NF1, destacam-se neurofibromas plexiformes em grandes troncos nervosos, neurofibromas dérmicos e neurofibromas em vísceras (neurofibromatose visceral). Ao contrário dos neurofibromas comuns, os plexiformes exibem risco maior (10%) de sofrer transformação maligna (tumor maligno da bainha de nervo periférico), que ocorre em idade mais precoce na NF1. A neurofibromatose visceral compromete sobretudo o trato gastrointestinal superior (esôfago, estômago e duodeno), em forma de múltiplos neurofibromas localizados ou plexiformes, podendo ainda acometer gânglios nervosos (ganglioneuromatose). A maioria dos gliomas é constituída pelo astrocitoma pilocítico do nervo óptico, sendo característica a apresentação bilateral desses tumores. Astrocitoma difuso e glioblastoma podem associar-se à NF1, porém são raros. As manifestações da NF1 no SNC incluem ainda macrocefalia, epilepsia, hidrocefalia por estenose do aqueduto cerebral e neuropatias. Deformidades ósseas na coluna vertebral podem causar escoliose; comprometimento de ossos longos pode resultar em baixa estatura. Na artéria renal, displasia fibromuscular pode obstruir o fluxo sanguíneo e causar hipertensão renovascular. Maior incidência de aneurismas também é descrita na NF1. Pacientes com NF1 exibem risco maior de desenvolver tumores endócrinos, como feocromocitoma e tumores carcinoides de localização não usual (no duodeno, em vez do apêndice, onde são mais comuns). Leucemia mieloide crônica na infância, rabdomiossarcoma e xantogranulomas cutâneos são outras doenças associadas. Neurofibromatose do tipo 1. A. Manchas café com leite. B. Neurofibromas cutâneos Critérios diagnósticos de neurofibromatose tipo 1. R: Os Critérios de Diagnóstico para NF1 São Atendedos em Um Indivíduo Que Não Tem Um Pai Diagnosticado Com NF1 Se Dois Ou Mais Dos Seguintes Estão Presentes: -Pelo menos seis máculas café com leite (> 5 mm de diâmetro em indivíduos pré-púberes e > 15 mm em indivíduos pós-púberes) -Sardas nas regiões axilares ou inguinais #1 -Glioma óptico -Pelo menos dois nódulos de Lisch identificados por exame com lâmpada de fenda ou duas ou mais anormalidades coroidais - definidas como nódulos brilhantes e irregulares fotografados por tomografia de coerência óptica/imagem de refletância no infravermelho próximo -Pelo menos dois neurofibromas de qualquer tipo, ou um neurofibroma plexiforme -Uma lesão óssea distinta, como displasia esfenoidal, arqueamento anterolateral nº 2 da tíbia ou pseudoartrose de um osso longo -Uma variante heterozigótica de NF1 patogênica com uma fração do alelo variante de 50% em tecido aparentemente normal, como glóbulos brancos B: Um filho de um dos pais que atende aos critérios diagnósticos especificados em A merece um diagnóstico de NF1 se um ou mais dos critérios em A estiverem presentes # 1 Se apenas máculas café-com-leite e sardas estiverem presentes, o diagnóstico provavelmente é NF1, mas excepcionalmente a pessoa pode ter outro diagnóstico, como síndrome de Legius. Pelo menos um dos dois achados pigmentares (máculas café com leite ou sardas) deve ser bilateral. #2 A displasia da asa do esfenóide não é um critério separado no caso de um neurofibroma plexiforme orbitário ipsilateral. Características genéticas e moleculares O gene NF1 está localizado em 17q11.2 do cromossomo. As mutações pontuais são responsáveis por 90% dos pacientes com NF1. Um único exon ou deleção do gene NF1 inteiro está associado aos 5-7% restantes. NF1 codifica a neurofibromina, que é uma proteína ativadora de Ras-GTPase (Ras-GAP). A proteína neurofibromina é produzida em células nervosas, oligodendrócitos e células de Schwann. A deficiência do gene NF1 leva à hiperativação de Ras, levando à ativação subsequente das vias AKT/mTOR e Raf/MEK/ERK. ERK ativa SYN1, modulando a liberação de GABA. Ras-GTP também ativa as vias Rac1 e Cdc42, levando à superativação de PAK1. A proteína neurofibromina não funcional influencia o crescimento de neurofibromas ao longo dos nervos de todo o corpo. No entanto, ainda não está claro como as mutações do gene NF1 causam manchas café- com-leite e dificuldades de aprendizagem. Vários milhares de variantes patogênicas de NF1 foram identificadas em pacientes com NF1. Alguns pacientes com maior incidência de deficiência intelectual, atraso no desenvolvimento, características faciais dismórficas e aparecimento precoce de neurofibromas cutâneos tendem a ter tumores malignos da bainha do nervo periférico (MPNSTs). A mutação c.2970–2972 delAAT (p.M992del) está associada a um fenótipo leve. Um fenótipo grave, incluindo neurofibromas plexiformes, neurofibromas espinhais, glioma óptico, displasia esquelética e transformação maligna está associado a variantes missense nos códons 844 a 848; p.Met1149, p.Arg1276, ou p.Lys1423 variantes missense com um fenótipo semelhante à síndrome de Noonan; e p.Arg1276 e p.Met1149 com neurofibromas espinhais e máculas café com leite, respectivamente. Além disso, a NF1 pode estar associada a lesões genéticas específicas. O produto do gene NF1 atua como um regulador negativo do produto dos genes RAS que são ativados em síndromes mielodisplásicas e leucemia mieloide aguda por meio de mutações pontuais. Testes genéticos podem ser realizados para confirmar o diagnóstico e auxiliar na triagem direta dos membros da família. No entanto, um teste negativo não exclui completamente o diagnóstico, pois também pode representar mosaicismo para uma variante patogênica. A NF1 é conhecida pela considerável variação inter e intrafamiliar observada no fenótipo clínico, mesmo em pacientes que compartilham a mesma mutação germinativa. Esta variabilidade coloca problemas de previsão e gestão de doenças. A heterogeneidadealélica pode ser uma possível causa dos múltiplos fenótipos na NF1. Enquanto isso, uma mutação NF1 positiva não prevê a gravidade da doença. Em geral, o teste direcionado é realizado para detectar a mutação, em vez de analisar de forma abrangente a mutação de todo o gene. O desenvolvimento de tecnologias de sequenciamento de última geração permite o diagnóstico rápido de NF1. Amniocentese ou amostragem de vilo corial pode ser realizada para obter uma amostra para genotipagem do feto se a mutação precisa de um membro da família NF1 afetado for detectada. Patogênese molecular da NF1. NF1 codifica a neurofibromina, que é uma proteína ativadora de Ras-GTPase (Ras-GAP). A deficiência do gene NF1 leva à hiperativação de Ras, que causa a ativação subsequente das vias AKT/mTOR e Raf/MEK/ERK. ERK ativa a liberação de GABA moduladora de SYN1. Ras-GTP também ativa as vias Rac1 e Cdc42, levando à superativação de PAK1. Neurofibromatose tipo 2 (NF2) Também de transmissão autossômica dominante, a NF2 caracteriza-se por lesões neoplásicas e displásicas em células de Schwann (schwannomas e schwannoses), células meningoteliais (meningiomas e meningoangiomatoses), células gliais (astrocitomas e ependimomas intramedulares e hamartomas gliais), além de opacificação do cristalino e calcificações cerebrais. Schwannomas vestibulares bilaterais são diagnósticos da doença. O gene NF2 localiza-se no cromossomo 22q12.2 e codifica a proteína merlina, que conecta a membrana citoplasmática com a actina do citoesqueleto. São conhecidas diversas mutações germinativas ou somáticas no gene, sustentando a hipótese de o NF2 ser gene supressor de tumor. Em contraste com as mutações somáticas, que podem ocorrer em quase toda a extensão do gene, as mutações germinativas ocorrem, preferencialmente, nos éxons 1 a 8, particularmente no éxon 2. Os critérios diagnósticos da NF2 incluem: (1) schwannomas bilaterais no VIII nervo craniano; ou (2) um parente de primeiro grau com NF2 e, também, schwannoma vestibular unilateral, ou dois dos seguintes sinais: meningioma, schwannoma, glioma, opacidade subcapsular do cristalino posterior ou calcificação cerebral; ou (3) dois dos seguintes sinais: schwannoma vestibular unilateral, meningiomas múltiplos, schwannoma, glioma, neurofibroma, opacidade subcapsular do cristalino posterior ou calcificação cerebral. Schwannomatose é afecção rara em que o indivíduo desenvolve múltiplos schwannomas espinhais, cranianos e cutâneos, porém sem apresentar schwannomas vestibulares ou outras manifestações da NF2. Os schwannomas tendem a localizar-se em um lado (dimídio) do corpo ou membro e são geralmente dolorosos. A doença é causada também por anormalidades no gene NF2, em geral de forma esporádica ou, mais raramente, familial, com herança autossômica dominante.
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