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1 CEDERJ – CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR A DISTÂNCIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CURSO: GEOGRAFIA DISCIPLINA: GEOGRAFIA URBANA DO BRASIL CONTEUDISTA: MARCELO WERNER DA SILVA Aula 10 MARCOS LEGAIS PARA O PLANEJAMENTO URBANO NO BRASIL META As transformações necessárias para a melhoria da qualidade de vida da população das cidades brasileiras passa por uma série de marcos legais, leis, que permitem o planejamento urbanos dessas cidades. Dentre esses instrumentos, o principal deles é o “Estatuto da Cidade”. Vamos aqui analisar seus principais instrumentos de transformação urbana e os empecilhos à sua implementação plena. OBJETIVOS Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de: 1. Entender os principais instrumentos jurídicos aplicáveis à gestão e ao planejamento urbano 2. Entender os principais mecanismos presentes no “Estatuto da Cidade” 2 INTRODUÇÃO Costuma-se dizer que os diversos problemas urbanos existentes nas cidades brasileiros foram causados por “falta de planejamento”. Não podemos reproduzir esse discurso fácil. Na verdade a cidade é organizada, “planejada”, com o intuito de aumentar a reprodução do capital, através da especulação imobiliária, ou seja, há uma prioridade absoluta, do valor de venda, em detrimento do valor de uso, como vimos na aula sobre o “direito à cidade”, conceito que procura inverter essa equação, transformando à cidade para seus moradores e que essa transformação seja efetuada por seus moradores. Algumas de suas principais mazelas são causadas por ênfases dadas em sua produção, em sua construção. Por exemplo, os grandes congestionamentos que afetam metrópoles e até cidades médias são causados por uma ênfase em um urbanismo que privilegia o automóvel ao invés do transporte público. As enormes distâncias a serem percorridas mostram uma cidade “espraiada”, em que a especulação imobiliária não encontra freios. Se o planejamento fosse voltado para priorizar seus moradores, ela seria mais compacta, diminuindo as distâncias de deslocamento e propiciando deslocamentos mais curtos, feitos por transporte público e até meios de transporte alternativo, como bicicletas. Tal será melhor detalhado na aula sobre “mobilidade urbana”. Aqui interessa destacar a questão do planejamento, e que este, ao contrário da visão do senso comum, de que é baseado unicamente em decisões “técnicas”, depende, sempre, de decisões políticas. 3 Vamos então analisar como tem sido feito o planejamento urbano no Brasil. Planejamento urbano no Brasil Para Flávio Villaça o planejamento urbano pode ser definido como a ação do Estado sobre a organização do espaço intra-urbano. A delimitação também abrange os discursos sobre esse espaço e se delimita no espaço intra-urbano porque “o conceito de planejamento urbano atualmente dominante no Brasil não abrange toda a ação do Estado sobre o urbano e sobre o processo de urbanização” (VILLAÇA, 2004, p. 173). Isso parece representar a renúncia por parte do Estado em pensar a cidade em uma escala “macro”, contentando-se em delimitar o que é permitido (ou não é) fazer pelos demais “agentes modeladores”, sobretudo o capital imobiliário. Acompanhando Villaça (2004), vamos delimitar o que seria o “planejamento urbano stricto sensu” no Brasil, no que parece ser a característica brasileira de associar o planejamento urbano com os planos diretores das cidades. Parte-se da distinção entre planos e projetos, em benefício dos planos e em detrimento dos projetos. O plano, ao contrário do projeto, teria uma abrangência para todo o espaço urbano (ou grande parte dele) e a todos os seus elementos constitutivos. Apresentaria continuidade de execução e necessidades de revisões e atualizações periódicas. Outra característica seria afetar toda a população ou grandes contingentes populacionais. E finalmente, teria grande importância em sua elaboração e execução as decisões políticas, sobretudo dos órgãos políticos formais, ressaltando-se aqueles da escala local (VILLAÇA, 2004, p. 174). 4 Porém o planejamento urbano no Brasil lato sensu, ou seja, analisado de maneira ampla, engloba os seguintes tipos de atividades: • Planejamento urbano stricto sensu, ou seja, a corrente que teve como eixo as atividades e discursos que vieram a desembocar nos atuais planos diretores. • O zoneamento • O planejamento de cidades novas. • O chamado “urbanismo sanitarista” (VILLAÇA, 2004, p. 175). O urbanismo sanitarista do século XIX já foi abordado na aula 2. Já quanto ao planejamento de cidades novas, não será desenvolvido aqui, mas sobre ele podemos citar que essa prática tem início com a inauguração de Belo Horizonte no dia 12 de dezembro de 1897. Esse projeto reflete a absorção, pelos nossos engenheiros, do urbanismo monumental e embelezador de origem barroca, manifestado nos projetos de Versalhes, no de Washington e na Paris de Haussmann. Belo Horizonte – ao contrário dos planos diretores e do zoneamento – não é obra de um governo municipal e não é nem pretende ser atividade contínua de tal governo, Afasta-se portanto do plano típico e tem algumas das características de projeto. O planejamento de cidades novas foi e continua sendo muito disseminado no Brasil, com os casos de Goiânia, Volta Redonda, Londrina, Maringá e inúmeras cidades do Norte paranaense, Brasília e várias cidades na Amazônia (Palmas, TO; Barcarena, PA etc.) (VILLAÇA, 2004, p. 178-179). Trata-se de projetar uma cidade nova, porém o crescimento das cidades muitas vezes faz com que seu crescimento fuja do estabelecido inicialmente, como os casos de Belo Horizonte e Brasília, com as cidades satélites, dentre outros casos. Em relação ao zoneamento este se distingue do planejamento urbano strictu sensu, pois na tradição brasileira ele aparece separado do plano diretor, tendo leis específicas aprovadas pelas câmaras municipais e em geral sendo executadas. Embora no discurso se afirme que o zoneamento é parte integrante de um plano diretor, na prática o que predomina é o zoneamento separado do plano diretor. É a prática de planejamento urbano (lato sensu) 5 mais difundida no país, tendo em geral atendido aos interesses específicos, particularmente dos bairros de alta renda (VILLAÇA, 2004, p. 178). Definido as formas possíveis de planejamento urbano (lato sensu), vamos abordar agora apenas o planejamento urbano strictu sensu, de agora em diante denominado apenas “planejamento urbano”. O surgimento do planejamento urbano no Brasil Definido as formas que foram ou são consideradas como planejamento urbano, Villaça (2004, p. 177) assinala que a partir dos anos 1950 se desenvolve no Brasil um discurso que passa a pregar a necessidade de integração entre os vários objetivos dos planos urbanos, bem como das ações necessárias para atingi-los. Esse discurso passa a centrar-se na figura do plano diretor, recebendo na década de 1960 o nome de planejamento urbano ou de planejamento urbano (ou local) integrado. Embora a preocupação com a integração já existisse desde o início do século, a partir desse momento passa a denominador comum quando se fala de planejamento urbano (VILLAÇA, 2004, p. 182). Para Villaça (2004, p. 182), o planejamento urbano no país pode ser dividido em três períodos: um até 1930, outro que vai de 1930 à década de 1990 e outro que se inicia nessa década. O primeiro, que vai até 1930, como já visto é herdeiro dos planos de embelezamento das cidades procurando uma forma urbana monumental que exaltava a burguesia e procurava destruir a forma medieval na Europa e a forma colonial no Brasil. A reforma Pereira Passos, que analisamos na aula 2, é exemplar para esse período no Brasil. Após 1930 inicia-se um novo período, marcado pela ideologiado planejamento, pela busca “científica” da resolução dos “problemas urbanos”. Da cidade do 6 embelezamento, do período anterior, passa-se para a cidade em busca de uma eficiência. “As grandes obras urbanas saem do consumo conspícuo para privilegiar a constituição gerais da produção e reprodução do capital (a cidade como força de produção” (VILLAÇA, 2004, p. 199). Já o terceiro período é marcado pela reação ao período anterior e pela promulgação da Constituição de 1988, que marca o início das discussões sobre o Estatuto da Cidade, que analisaremos com mais detalhe por sua importância atual na imposição do plano diretor como estratégia de planejamento urbana até para cidades pequenas e por uma série de ferramentas de transformação da realidade urbana do país, como a “concessão onerosa do potencial construtivo”, o “solo criado”, assim como o importante mecanismo do IPTU progressivo no tempo. Todos serão abordados mais adiante. O Planejamento Urbano após o Estatuto da Cidade Destaca-se sempre o Estatuto da Cidade, porque representou uma grande conquista do Movimento Nacional de Reforma Urbana. As lutas por reforma urbana se iniciam, no Brasil, aos anos 1960, uma das “reformas de base” por que lutavam movimentos sociais e o presidente João Goulart. Com o golpe de 1964 o movimento refluiu, sendo retomado nos anos 1970, em que vários movimentos sociais começaram a lutar por melhorias na condição de vida das populações pobres das grandes cidades, conforme visto na aula 9 sobre a luta pelo direito à cidade no Brasil. Com a redemocratização essa luta é canalizada para a Assembleia Constituinte, em que a emenda popular pela reforma urbana alcança 133.068 assinaturas e após longas negociações e enxugamento surge o capítulo sobre a política urbana da Constituição de 1988 (SOUZA, 2005, p. 275). 7 Abaixo destacamos os artigos 182 e 183 da Constituição de 1988, cuja regulamentação, onze anos depois da promulgação da Constituição deu origem ao Estatuto da Cidade: CAPÍTULO II DA POLÍTICA URBANA Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes. § 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. § 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. § 3º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro. § 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I - parcelamento ou edificação compulsórios; II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. § 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. § 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. § 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião (BRASIL, 2015). 8 Como geralmente acontece no Brasil, a simples aprovação da Constituição Federal não garantiu direitos, visto que a matéria dependia de regulamentação. No caso da regulamentação dos artigos da constituição sobre política urbana a tramitação no Congresso Nacional levou treze anos, em que foram explicitados os interesses divergentes na regulamentação do Estatuto da Cidade. No caso do artigo 182, conforme você pode constatar pela sua leitura, estabeleceu que a “...política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes” (BRASIL, 2015). São então enumerados os instrumentos para a consecução desse objetivo, condicionada sua aplicação à existência de um plano diretor. Já no caso do artigo 183 o objetivo foi possibilitar a regularização de áreas ocupadas a mais de cinco anos sem contestação dos possíveis proprietários, instituindo o “usucapião urbano”. A análise do Estatuto da Cidade Os artigos sobre política urbana da Constituição de 1988 foram regulamentados através da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, que recebeu a designação de “Estatuto da Cidade”. Devido ao seu tamanho não vamos posta-lo inteiro aqui (vc. pode ter acesso a ele no boxe multimídia abaixo), mas vamos analisar cada uma de suas partes e as consequências de cada um de seus instrumentos. 9 Boxe multimídia Você pode ter acesso ao texto completo do Estatuto da Cidade através da internet. Abaixo o link da publicação disponível na Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados, que acrescenta também legislações correlatas que foram aprovadas posteriormente: http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/2444/estatuto_cidade_2 ed.pdf?sequence=1 Fim do boxe multimídia Estrutura do Estatuto da Cidade O Estatuto da cidade conta com a seguinte estrutura de capítulos e seções, que abordam os grandes temas que são detalhados nos diversos artigos da lei: CAPÍTULO I - Diretrizes Gerais CAPÍTULO II - Dos Instrumentos da Política Urbana Seção I - Dos Instrumentos em Geral Seção II - Do Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios Seção III - Do IPTU Progressivo no Tempo Seção IV - Da Desapropriação com Pagamento em Títulos Seção V - Da Usucapião Especial de Imóvel Urbano Seção VI - Da Concessão de Uso Especial Para Fins de Moradia (VETADO) Seção VII - Do Direito de Superfície Seção VIII - Do Direito de Preempção Seção IX - Da Outorga Onerosa do Direito de Construir Seção X - Das Operações Urbanas Consorciadas Seção XI - Da Transferência do Direito de Construir Seção XII - Do Estudo de Impacto de Vizinhança 10 CAPÍTULO III - Do Plano Diretor CAPÍTULO IV - Da Gestão Democrática da Cidade CAPÍTULO V - Disposições Gerais As diretrizes gerais definem que o Estatuto da Cidade “estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental” (BRASIL, 2009, p. 9). A seguir são detalhadas as diretrizes da política urbana que garanta a função social da cidade e da propriedade urbana: I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações; II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; III – cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setoresda sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social; IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente; V – oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais; VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar: a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos; b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes; c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infraestrutura urbana; d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como polos geradores de tráfego, sem a previsão da infraestrutura correspondente; e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não utilização; 11 f) a deterioração das áreas urbanizadas; g) a poluição e a degradação ambiental; VII – integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do município e do território sob sua área de influência; VIII – adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do município e do território sob sua área de influência; IX – justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização; X – adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem- estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais; XI – recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos; XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico; XIII – audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população; XIV – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais; XV – simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e das normas edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos e o aumento da oferta dos lotes e unidades habitacionais; XVI – isonomia de condições para os agentes públicos e privados na promoção de empreendimentos e atividades relativos ao processo de urbanização, atendido o interesse social (BRASIL, 2009, p. 10-12). Como se pode ver são orientações bem gerais que detalham atribuições amplas que serão detalhadas a seguir. No artigo 3º estão atribuições da política urbana sob a responsabilidade do governo federal. É no capítulo 2 que é realizado esse detalhamento, chamado “Dos Instrumentos da Política Urbana”. Na seção I (Dos Instrumentos em Geral) aparece a previsão dos planos nacionais, regionais e estaduais de ordenamento do território e de desenvolvimento econômico. Também o planejamento de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. 12 A seguir e o que importa mais de perto para a nossa discussão, estão previstos os instrumentos de planejamento da esfera municipal, que relacionamos a seguir: a) plano diretor; b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo; c) zoneamento ambiental; d) plano plurianual; e) diretrizes orçamentárias e orçamento anual; f) gestão orçamentária participativa; g) planos, programas e projetos setoriais; h) planos de desenvolvimento econômico e social (BRASIL, 2009, p. 12-13). Desses instrumentos o mais importante, sem dúvida, é o plano diretor, cuja discussão faremos mais adiante. Também muito importantes são a disciplinarização do uso e ocupação do solo e o zoneamento ambiental. São também previstos institutos jurídicos e políticos, que citamos a seguir: a) desapropriação; b) servidão administrativa; c) limitações administrativas; d) tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano; e) instituição de unidades de conservação; f) instituição de zonas especiais de interesse social; g) concessão de direito real de uso; h) concessão de uso especial para fins de moradia; i) parcelamento, edificação ou utilização compulsórios; j) usucapião especial de imóvel urbano; l) direito de superfície; m) direito de preempção; n) outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso; 13 o) transferência do direito de construir; p) operações urbanas consorciadas; q) regularização fundiária; r) assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais menos favorecidos; s) referendo popular e plebiscito; t) demarcação urbanística para fins de regularização fundiária; u) legitimação de posse (BRASIL, p. 14-15). Todos esses instrumentos devem ser regidos por legislação própria. Por último são previstos “estudo prévio de impacto ambiental” (EIA) e “estudo prévio de impacto de vizinhança” (EIV), que também detalharemos mais adiante. A seção II trata do “Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios”. Esse instrumento foi colocado para permitir que as prefeituras possam exigir que áreas subutilizadas sejam transformadas em edificações, sob pena de que, incidam penalidades em caso de não cumprimento. Observe o texto do Estatuto da cidade: “Art. 5º Lei municipal específica para área incluída no plano diretor poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsória do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fixar as condições e os prazos para implementação da referida obrigação” (BRASIL, 2009, p. 16, grifo nosso). Grifamos o “poderá”, pois nada garante sua utilização, condicionada à presença no plano diretor. Em relação à definição do que seja subutilização, o Estatuto considera aquele imóvel que tenha utilização inferior “ao mínimo definido no plano diretor ou em legislação dele decorrente” (BRASIL, 2009, p. 16, grifo nosso). Ou seja, a própria definição do que seja subutilização depende de regulamentação via plano diretor. 14 No caso de não cumprimento do previsto na seção anterior, referente ao parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, aplica-se o disposto na Seção III, que trata do IPTU Progressivo no Tempo. Trata-se de uma majoração da alíquota do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), “cujo valor será definido na lei específica”, não excedendo duas vezes o cobrado no ano anterior até uma alíquota máxima de 15%. Caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não for atendida em cinco anos a alíquota máxima será mantida até que se cumpra essa exigência, sem prejuízo da prerrogativa da seção IV (Da Desapropriação com Pagamento em Títulos), que tem o seguinte enunciado: “Art. 8º Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o município poderá proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública”. A Seção V trata “Da Usucapião Especial de Imóvel Urbano”, previsto no artigo 183 da Constituição Federal. Essa seção se inicia com o Art. 9º, que tem o seguinte enunciado: “Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos e cinquenta metrosquadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”. Como já vimos é a porta para a regularização fundiária de muitas áreas ocupadas por populações carentes. As áreas com mais de 250 m2 “são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural’. Forma-se então um condomínio especial para a administração conjunta da área. A seção VI (Da Concessão de Uso Especial Para Fins de Moradia) foi vetada por imprecisões jurídicas. Já a Seção VII trata do Direito de Superfície, que é a possibilidade de um proprietário urbano de conceder, de maneira gratuita ou 15 onerosa, o direito de superfície, que “abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato respectivo, atendida a legislação urbanística”. Esse instrumento visa dar àquele com imóvel ocioso ou subutilizado a possibilidade de transferir a outro a responsabilidade de construir naquele espaço, com contrato em que estabelece as formas dessa cessão (OLIVEIRA, 2001, p. 30-31). A Seção VIII trata do direito de preempção, que é o direito, do poder público, de ter preferência na aquisição de imóveis que seja objeto de venda entre particulares. “Lei municipal, baseada no plano diretor, delimitará as áreas em que incidirá o direito de preempção e fixará prazo de vigência, não superior a cinco anos, renovável a partir de um ano após o decurso do prazo inicial de vigência”. O direito de preempção será exercido sempre que o Poder Público necessitar de áreas para: I – regularização fundiária; II – execução de programas e projetos habitacionais de interesse social; III – constituição de reserva fundiária; IV – ordenamento e direcionamento da expansão urbana; V – implantação de equipamentos urbanos e comunitários; VI – criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes; VII – criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de interesse ambiental; VIII – proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico (BRASIL, 2009, p. 24) Como pode-se constar esse é um instrumento poderoso para a perseguição de um planejamento adequado da cidade, desde que essas prioridades sejam antecipadamente delimitadas. 16 A seção IX trata da “Outorga Onerosa do Direito de Construir”, instrumento em que “o plano diretor poderá fixar áreas nas quais o direito de construir poderá ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário”. Oliveira (2001, p. 33) explica esse mecanismo: A outorga onerosa do direito de construir consiste na possibilidade de o Município estabelecer relação entre a área edificável e a área do terreno, a partir da qual a autorização para construir passaria a ser concedida de forma onerosa. Por exemplo: a relação 1 possibilita construir 1 vez a área do terreno, a relação 2, permite construir 2 vezes a área do terreno, e assim por diante. Sendo assim, o proprietário poderá construir para além da relação estabelecida, porém, pagando ao poder público este direito concedido, com valor proporcional ao custo do terreno. [...] Os recursos provenientes da adoção da outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso deverão ser aplicados na construção de unidades habitacionais, regularização e reserva fundiárias, implantação de equipamentos comunitários, criação e proteção de áreas verdes ou de interesse histórico, cultural ou paisagístico. A utilização deste instrumento possibilita um maior controle das densidades urbanas; permite a geração de recursos para investimentos em áreas pobres; e promove a desaceleração da especulação imobiliária. Cabe registrar, contudo, que a sua adoção exige, do poder público, controles muito ágeis e complexos. A seção X trata “Das Operações Urbanas Consorciadas”, que trata do “conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental”. Já a seção XI trata “Da Transferência do Direito de Construir”, que é a possibilidade de proprietário público ou privado, de exercer em outro local, ou transferir o direito de construir previsto no plano diretor ou em legislação urbanística dele decorrente, quando o referido imóvel for considerado necessário para: implantação de equipamentos urbanos e comunitários; 17 preservação, quando o imóvel for considerado de interesse histórico, ambiental, paisagístico, social ou cultural ou servir a programas de regularização fundiária, urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda e habitação de interesse social. A seção XII trata dos Estudos de Impacto de Vizinhança, em que lei municipal definirá os empreendimentos que necessitarão desse estudo para obter sua licença de construção. Serão mensurados os efeitos, positivos e negativos de grandes empreendimentos quanto à qualidade de vida da população residente na área e suas proximidades, incluindo a análise, no mínimo, das seguintes questões: I – adensamento populacional; II – equipamentos urbanos e comunitários; III – uso e ocupação do solo; IV – valorização imobiliária; V – geração de tráfego e demanda por transporte público; VI – ventilação e iluminação; VII – paisagem urbana e patrimônio natural e cultural. Esse instrumento procura diminuir os “impactos” negativos de grandes empreendimentos que sobrecarregarão certas áreas. Percebe-se, no entanto, que tal instrumento, assim como os “Relatórios de Impacto Ambiental”, muitas vezes são feitos apenas “pró-forma”, não propondo alterações que minimizem, por exemplo, a implantação de um grande shopping center em uma área da cidade. O Plano Diretor O capítulo III trata plano diretor, principal instrumento do Estatuto da Cidade, na verdade um condicionante para que os instrumentos vistos até aqui possam ser 18 efetivamente um meio de democratizar a cidade. De acordo com o art. 39 do Estatuto da Cidade, “a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas...”. O plano diretor deve contemplar todo o território municipal, ser revisto a cada dez anos e é obrigatório, como já visto, a todas às cidades com mais de 20 mil habitantes, ou menores mas que pertençam à regiões metropolitanas ou aglomerações urbanas. Diferente da concepção vigente anteriormente, de um documento administrativo que pretenderia resolver todos os problemas locais, o plano diretor pós-Estatuto da Cidade pretende “interferir no processo de desenvolvimento local, a partir da compreensão integradora dos fatores políticos, econômicos, financeiros, culturais, ambientais, institucionais, sociais e territoriais que condicionam a situação encontrada no Município” (OLIVEIRA, 2001, p. 18). Apesar da obrigatoriedade, muitos municípios ainda não tem seu plano diretor, conforme os dados da matéria abaixo, baseada em dados do IBGE sobre as administrações municipais brasileiras: O número de cidades brasileiras com Plano Diretor no Brasil aumentou de 14,5% em 2005 para 50% em 2013, mas ainda há 36,2% de municípios no País sem o documento, que reúne princípios e regras que regulam o uso e a ocupação do espaço urbano. A situação é mais preocupante em 10,4% das cidades brasileiras, que segundo a legislaçãodo País deveriam obrigatoriamente ter o Plano Diretor, mas não têm. Os dados são da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic) 2013... (O GLOBO, 2014). Os prazos estão largamente descumpridos por esse 10,4% das cidades brasileiras, conforme a redação do artigo 50 do Estatuto da Cidade: “Os municípios que estejam enquadrados na obrigação prevista nos incisos I e II do 19 caput do art. 41 desta lei e que não tenham plano diretor aprovado na data de entrada em vigor desta lei deverão aprová-lo até 30 de junho de 2008”. Para uma efetiva implantação do plano diretor defendido pelo Estatuto da Cidade, haveria que aumentar, em muito, a participação popular nas decisões atinentes ao seu município e cidade, trabalhando então no caminho de um aumento no “direito à cidade”, para uma cidade mais democrática, humana e voltada para o bem estar de seus moradores e que conte com a participação efetiva dos mesmos na tomada de decisão dos rumos da cidade. Da Gestão Democrática da Cidade Para que as cidades trilhem o caminho de valorização do “direito à cidade’ é necessário que seja garantida a gestão democrática da cidade, assunto do capítulo IV do Estatuto da Cidade. Para que a gestão democrática seja garantida, a lei prevê a utilização de uma série de instrumentos, presentes em seu artigo 43: I – órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e municipal; II – debates, audiências e consultas públicas; III – conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal; IV – iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; Ou seja, são previsto mecanismos de gestão democrática, que se efetivamente implantados e que tenham representatividade social podem ampliar o conhecimento e a participação das pessoas na maneira como a cidade é gerida. 20 ATIVIDADE FINAL Junte dois ou mais instrumentos de política urbana previstos no Estatuto da Cidade para explicar como eles podem ser utilizados na construção de uma cidade mais justa. _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ _______________________________________________________________ Resposta comentada Pode utilizar o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, que obriga o proprietário a não manter imóveis subutilizados (terrenos baldios a espera de valorização fundiária, por exemplo). Caso não o faça, pode ser aplicado o IPTU progressivo no tempo, aumentando a taxação do imóvel. Após cinco anos de descumprimento desta obrigação o imóvel pode ser desapropriado. Final da reposta comentada 21 CONCLUSÃO Como vimos, de uma gestão tecnocrática, que se arroga saber, via planejamento urbano, o que é melhor para a cidade, evoluímos para uma legislação avançada que prevê a participação popular rumo ao “direito à cidade”. Ocorre que participação não pode ser obrigada, então há um longo caminho a percorrer. O Estatuto da Cidade, conquistado via mobilização popular, é uma possibilidade aberta, mas que sozinho de nada vale. Ele pressupõe a luta diária para confrontar os interesses do capital imobiliários. Uma lei, condicionada por regulamentação municipal que, se não houver participação e pressão popular, pode, simplesmente, anular, na prática, as conquistas teóricas da legislação. Portanto somente com mobilização e luta essas conquistas serão efetivamente transformadoras. Como profissionais da educação devemos contribuir para um maior conhecimento dos mecanismos possíveis de transformação e da conscientização da capacidade transformadora da mobilização popular. RESUMO A aula tratou do planejamento urbano no Brasil e seus instrumentos de transformação da realidade urbana, principalmente o Estatuto da Cidade. Vimos a série de instrumentos que podem contribuir para a construção de uma cidade mais justa, democrática, mas que sozinha não tem forças para mudar nada. O que pode mudar é a participação popular a caminho da construção do “direito à cidade”. 22 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 01 nov. 2015. BRASIL. Estatuto da cidade: Lei n. 10.257, de 10 julho de 2001, e legislação correlata. – 2. ed. – Brasília : Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2009. O GLOBO. IBGE: sem Plano Diretor, 10% das cidades desobedecem a lei. 2014. Disponível em: <http://noticias.terra.com.br/brasil/cidades/ibge-sem- plano-diretor-10-das-cidades-desobedecem-a- lei,79426c4da30b5410VgnVCM4000009bcceb0aRCRD.html>. Acesso em 05 nov. 2015. OLIVEIRA, Isabel Cristina Eiras de. Estatuto da cidade; para compreender... Rio de Janeiro: IBAM/DUMA, 2001. SOUZA, Marcelo Lopes de. O desafio metropolitano: um estudo sobre a problemática sócio-espacial nas metrópoles brasileiras. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. 2. ed. VILLAÇA, Flávio. Uma contribuição para a história do planejamento urbano no Brasil. In: DEÁK, Csaba; SCHIFFER, Sueli Ramos (orgs.). O processo de urbanização no Brasil. São Paulo: EDUSP, 2004. p. 169-243.
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