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Gustavo Duarte - Tutoria Manifestações intestinais INTRODUÇÃO O intestino delgado (duodeno, jejuno e íleo) e o intestino grosso (cólon) compõem a maior extensão do tubo digestivo. Enquanto os nutrientes (carboidratos, proteínas e lipídios), uma vez digeridos, são absorvidos exclusivamente no delgado, os eletrólitos e os fluidos são absorvidos tanto no delgado quanto no cólon. O intestino delgado é um tubo bastante longo, com cerca de 6 metros de comprimento e é dividido em três regiões: duodeno (cerca de 25cm), jejuno (cerca de 2,5m) e íleo (cerca de 3,5m). O intestino grosso mede aproximadamente 1,5 m de comprimento e é formado por um epitélio cilíndrico simples, composto por enterócitos com poucos microvilos e criptas representadas por glândulas tubulares profundas. Diferentemente do delgado, não possui vilosidades. Embora a função primária do intestino delgado seja a digestão e a assimilação dos nutrientes provenientes dos alimentos, o intestino delgado e o cólon juntos regulam a secreção e a absorção de água e eletrólitos, o armazenamento e o subsequente transporte do conteúdo intraluminal em direção anterógrada e a recuperação de alguns nutrientes que não são absorvidos no intestino delgado, depois que o metabolismo bacteriano de carboidratos permite a recuperação de ácidos graxos de cadeia curta. Alterações no equilíbrio hidreletrolítico contribuem de maneira significativa para a diarreia As vilosidades representam a superfície absortiva do intestino delgado, enquanto as criptas contêm as células secretoras. O epitélio intestinal é do tipo cilíndrico simples, contendo os enterócitos DEFINIÇÃO A diarreia é definida como eliminação de fezes malformadas ou anormalmente líquidas com frequência aumentada. No caso de adultos que consomem uma dieta ocidental típica, um peso das fezes > 200 g/dia geralmente e aumento de evacuações (>3x/dia) é considerado diarreico. Aguda se durar < 2 semanas Persistente se durar entre 2 e 4 semanas Crônica se durar > 4 semanas Dois distúrbios comuns, geralmente associados à eliminação de fezes totalizando < 200 g/dia, devem ser diferenciados da diarreia: 1. A pseudodiarreia, ou eliminação frequente de pequenos volumes de fezes, muitas vezes está associada à urgência retal, ao tenesmo ou a uma sensação de evacuação incompleta e acompanha a SII ou proctite. 2. A incontinência fecal consiste na eliminação involuntária do conteúdo retal, causada com maior frequência por distúrbios neuromusculares ou problemas anorretais estruturais. A própria anamnese permite a diferenciação, e a maneira mais simples de alcançá-la é perguntando ao paciente com que frequência ele tem perda involuntária de fezes. Se a reposta for SEMPRE, pode-se dizer que existe uma incapacidade em reter as fezes, isto é, existe incontinência fecal. Diarreia aguda aquosa: diarreia que pode durar até 14 dias e determina perda de grande volume de fluidos e pode causar desidratação. Pode ser causada por bactérias e vírus, na maioria dos casos. Diarreia aguda com sangue (disenteria): é caracterizada pela presença de sangue nas fezes. Representa lesão na mucosa intestinal. Bactérias do gênero Shigella são as principais causadoras de disenteria. Gustavo Duarte - Tutoria Diarreia persistente: quando a diarreia aguda se estende por 14 dias ou mais. Pode provocar desnutrição e desidratação. Pacientes que evoluem para diarreia persistente constituem um grupo com alto risco de complicações e elevada letalidade CLASSIFICAÇÃO QUANTO AO MECANISMO FISIOPATOLÓGICO Diarreia Secretora: resulta da hipersecreção de água e eletrólitos pelo enterócito, como ocorre pela ação das enterotoxinas bacterianas. Pode também resultar da produção excessiva de hormônios e outros secretagogos, como no gastrinoma (gastrina), na síndrome carcinoide (serotonina, prostaglandinas, calcitonina), na cólera pancreática (VIPomas), no adenoma viloso, na insuficiência adrenal e no hipoparatireoidismo. Esse tipo de diarreia não cessa com o jejum Diarreia Osmótica: Existe alguma substância osmoticamente ativa e não absorvível pelo epitélio intestinal. O que isso quer dizer? Em termos práticos, significa que uma quantidade maior de água obrigatoriamente será retida na luz do tubo digestivo. O processo da digestão determina fisiologicamente a transformação do conteúdo intestinal em material isosmótico. Distúrbios da digestão presentes nas deficiências de dissacaridases, que mantêm um conteúdo hiperosmolar, determinam a passagem de líquidos parietais para o lúmen intestinal e, consequentemente, diarreia. O mesmo pode acontecer pela ingestão de agentes osmoticamente ativos como a lactulose, o manitol, o sorbitol e os sais de magnésio. A diarreia osmótica cessa completamente com o estado de jejum, logo, não há diarreia noturna, ao contrário das diarreias secretórias. Diarreia Motora: resulta de alterações motoras com trânsito intestinal acelerado, como ocorre nas enterocolopatias funcionais ou doenças metabólicas e endócrinas. Surge, também, por redução da área absortiva consequente de ressecções intestinais ou de fístulas enteroentéricas. Diarreia Exsudativa/Inflamatória: também conhecida como diarreia invavisa, decorre de enfermidades causadas por lesões da mucosa resultantes de processos inflamatórios ou infiltrativos, que podem levar a perdas de sangue, muco e pus, com aumento do volume e da fluidez das fezes. É encontrada nas doenças inflamatórias intestinais, neoplasias, shigelose, colite pseudomembranosa, linfangiectasia intestinal. O marco deste tipo de diarreia é a presença de sangue, pus e muco nas fezes, podendo ser chamada de disenteria. Pode ser infecciosa ou não infecciosa (ex.: doença inflamatória intestinal). Diarreia Disabsortiva: resulta de deficiências digestivas e lesões parietais do intestino delgado que impedem a correta digestão ou absorção. Este processo pode causar diarreia com esteatorreia e resíduos alimentares. A presença de esteatorreia (aumento da eliminação fecal de lipídios) sempre tem origem numa doença do intestino delgado. CLASSIFICAÇÃO QUANTO A ORIGEM Na diarreia “alta” (proveniente do intestino delgado), os episódios diarreicos são mais volumosos. Nos casos mais graves, a perda líquida pode ultrapassar 10 litros/dia, provocando choque hipovolêmico. O cólon saudável só consegue aumentar sua absorção de líquidos para um máximo de 4 litros/dia. Se o volume de fluido proveniente do delgado estiver acima desse valor, o paciente terá diarreia. É importante lembrar que, como o delgado é o responsável pela absorção dos nutrientes, a síndrome disabsortiva (ou síndrome de má absorção intestinal), associada à esteatorreia, pode ocorrer Gustavo Duarte - Tutoria em alguns pacientes portadores de duodenojejunopatia. Na diarreia “baixa” (proveniente do cólon), as evacuações são em pouca quantidade, mas muito frequentes e ainda associadas a tenesmo (desconforto ao evacuar) e urgência fecal, sintomas clássicos de irritação do reto. Se o problema for exclusivo do cólon, o total de líquido eliminado não excede 1,5 litros. Diarreia Aguda Definida como uma diarreia que dura < 2 semanas, na imensa maioria das vezes possui etiologia infecciosa. Em geral, as diarreias agudas são leves, cursando com 3-7 evacuações diárias e perda de menos de 1 litro de líquido nas fezes. Contudo, nos casos graves (ex.: cólera), o paciente pode evacuar mais de 20 vezes ao dia e perder mais de 5 litros de fluido, sobrevindo desidratação, hipovolemia, choque circulatório e acidose metabólica. As diarreias agudas inflamatórias geralmenteafetam o cólon, manifestando-se com diarreia de pequeno volume e múltiplos episódios ao dia, além de dor no quadrante inferior esquerdo do abdome, tenesmo e urgência fecal (sinais de “irritação” do retossigmoide). Por outro lado, as diarreias agudas não inflamatórias geralmente afetam o delgado, manifestando-se com diarreia de grande volume, poucos episódios e dor periumbilical, não raro sendo acompanhadas pelos demais sinais e sintomas que constituem a síndrome de gastroenterite aguda. ETIOLOGIA Vírus - rotavírus, coronavírus, adenovírus, calicivírus (em especial o norovírus) e astrovírus. Bactérias - E. coli enteropatogênica clássica, E. coli enterotoxigenica, E. coli enterohemorrágica, E. coli enteroinvasiva, E. coli enteroagregativa, Aeromonas, Pleisiomonas, Salmonella, Shigella, Campylobacter jejuni, Vibrio cholerae, Yersinia Parasitos - Entamoeba histolytica, Giardia lamblia, Cryptosporidium, Isosopora Fungos – Candida albicans Pacientes imunocomprometidos ou em antibioticoterapia prolongada, podem ter diarreia causada por: Klebsiella, Pseudomonas, Aereobacter, C. difficile, Gustavo Duarte - Tutoria Cryptosporidium, Isosopora, VIH, e outros agentes EPIDEMIOLOGIA Segundo a OMS, ocorreu globalmente expressiva redução na mortalidade por diarreias infecciosas principalmente em crianças com idade inferior a cinco anos. No Brasil, observou-se redução importante na mortalidade infantil que passou de 70 óbitos por mil nascidos vivos na década de 1970 para cerca de 15 óbitos por mil nascidos vivos na década atual. Parcela considerável desta redução foi decorrente da diminuição do número de óbitos por diarreia e desidratação. A diarreia ocupava a segunda maior causa de mortalidade infantil, com 24,3% dos óbitos, mas passou para quarta, com 4,1%. Isso se deve a melhoras da condição de vida e capacitação de profissionais e população de modo geral acerca da terapia da diarreia e da reidratação. Além disso, a incidência de diarreia baixou muito, fato atribuído a inclusão, em 2006, da vacina de Rotavírus no calendário do PNI). FISIOPATOLOGIA A maioria dos casos de diarreia são decorrentes da alteração do transporte de líquidos e eletrólitos e pouco dependente da motilidade da musculatura lisa Se qualquer perturbação no transporte de eletrólitos ou a presença de solutos não absorvíveis no lúmen intestinal reduzissem a capacidade de absorção do intestino delgado em 50%, o volume de líquido apresentado diariamente ao cólon normal excederia sua capacidade de absorção diária máxima de 4 L. Isso resultaria em uma excreção de fezes de l.000 mL, que, por definição, é diarreia. Da mesma forma, se o cólon encontra-se danificado de tal forma que não pode absorver nem mesmo o volume de 1,5 L normalmente apresentado pelo intestino delgado, restará um volume fecal superior a 200 ml/24 horas, também sendo definido como diarreia. Ao nível celular, ocorre excesso de líquido no lúmen intestinal quando há deficiência na capacidade de transporte de eletrólitos do intestino delgado ou grosso ou quando cria-se um gradiente osmótico desfavorável (inibição da absorção de Na+ ou secreção ativa de Cl–) que não pode ser suplantado pelos mecanismos normais de absorção de eletrólitos. Na membrana basolateral dos enterócitos, a atividade da bomba de Na+/K+ ATPase mantém baixas concentrações intracelulares de Na+. Isto força um fluxo absortivo contínuo deste eletrólito junto com água. QUADRO CLÍNICO Ocorrência de no mínimo três episódios de diarreia aguda no período de 24hrs (diminuição da consistência das fezes – fezes líquidas ou amolecidas – e aumento do número de evacuações) podendo ser acompanhados de: Cólicas abdominais. Dor abdominal. Febre. Sangue ou muco nas fezes. Náusea. Vômitos. DIAGNÓSTICO Gustavo Duarte - Tutoria IMPORTANTE: As fezes devem ser coletadas antes da administração de antibióticos e outros medicamentos ao paciente. Recomenda-se a coleta de 2 a 3 amostras de fezes por paciente.O diagnóstico etiológico das Doenças Diarreicas Agudas nem sempre é possível, uma vez que há uma grande dificuldade para a realização das coletas de fezes, o que se deve, entre outras questões, à baixa solicitação de coleta de amostras pelos profissionais de saúde e à reduzida aceitação e coleta pelos pacientes. TRATAMENTO O tratamento é distribuído em 3 categorias de acordo com o grupo do paciente. Se o paciente está com diarreia e está hidratado deverá ser tratado com o Plano A. Se está com diarreia e tem algum grau de desidratação, deve ser tratado com o Plano B. Se tem diarreia e está com desidratação grave, deve ser tratado com o Plano C. Plano A: Tratamento em domicílio. Aumentar oferta de líquidos, incluindo soro de reidratação oral e manutenção da alimentação. Deve-se iniciar a suplementação com zinco e manter alimentação habitual. O paciente deve tomar líquidos caseiros (água de arroz, soro caseiro, chá, suco e sopas) ou Solução de Reidratação Oral (SRO) após cada evacuação diarreica. Não utilizar refrigerantes e não adoçar o chá ou suco. Continuar o aleitamento materno. Manter a alimentação habitual para as crianças e os adultos. Se o paciente não melhorar em dois dias ou se apresentar qualquer um dos sinais abaixo, levá-lo imediatamente ao serviço de saúde: SINAIS DE PERIGO Piora na diarreia Recusa de alimentos Vômitos repetidos Sangue nas fezes Muita sede Diminuição da diurese Plano B: Administrar o soro de reidratação sob supervisão médica. Manter o aleitamento materno e suspender os outros alimentos, durante o período de terapia. Após o término desta fase, retomar os procedimentos do Plano A. A alimentação deve ser reiniciada ainda no serviço e deve ser instituída a suplementação de zinco. A primeira regra nesta fase é administrar a solução de terapia de reidratação oral (SRO), entre 50 a 100 mL/Kg, durante 2 a 4 horas. A SRO deve ser oferecida de forma frequente, em quantidades pequenas com colher ou copo, após cada evacuação. Considera-se fracasso quando as dejeções aumentam, se ocorre vomito incoercível ou se desidratação evolui para grave. Plano C: Tratamento em serviço de saúde. Corrigir a desidratação grave com terapia de reidratação por via parenteral. Em geral, o paciente deve ser mantido no serviço de saúde, em hidratação parenteral de manutenção, até que tenha condições de se alimentar e receber líquidos por via oral na quantidade adequada. As indicações para reidratação venosa são: Desidratação grave Contraindicação de hidratação oral (íleo paralítico Abdômen agudo Alteração do estado de consciência ou convulsões) Choque hipovolêmico. Indicações para internação hospitalar: Choque hipovolêmico Manifestações neurológicas Gustavo Duarte - Tutoria Vômitos biliosos Falha na reidratação oral. TERAPIA DE REIDRATAÇÃO ORAL A TRO é considerada uma das modalidades terapêuticas que mais salvou vidas a partir do século XX. O princípio fisiológico da eficácia vincula-se ao fato de que a via de transporte ativo, acoplada de sódio-glicose-água pelo enterócito está preservada na diarreia aguda, independentemente da etiologia. TERAPIA DE REIDRATAÇÃO PARENTERAL Indicada para pct com desidratação grave ou que não apresentam melhora após 2 horas de TRO. Nos dias atuais as soluções mais empregadas são soro fisiológico ou Ringer lactato. Após a correção da desidratação pela via parenteral, os pacientes devem ser realimentados. O volume diário do sorode manutenção pode ser calculado pela regra de Holiday & Segar: peso corporal de até 10 kg: 100 mL/kg; peso corporal entre 10 e 20 kg: 1000 mL + 50mL por quilo acima dos 10 kg; peso corporal superior a 20 kg: 1500 mL + 20mL por quilo que ultrapassar os 20 quilos. ZINCO Pode reduzir a duração do quadro de diarreia, a probabilidade da diarreia persistir por mais de sete dias e a ocorrência de novos episódios de diarreia aguda nos três meses subsequentes. VITAMINA A Deve ser administrada em populações com risco de deficiência desta vitamina. O uso da vitamina A reduz o risco de hospitalização e mortalidade por diarreia e tem sido administrada nas zonas mais carentes do norte e nordeste. ANTIBIÓTICOS Os antibióticos geralmente não são usados no tratamento inicial da diarreia, visto que geralmente o processo tem curso autolimitado e a etiologia é em grande parte viral. O uso do Antibiótico está restrito aos casos de: Diarreia com sangue nas fezes; Cólera; Infecção aguda por Giardia lamblia ou Entamoeba hystolitica; Imunossuprimidos; Portadores de Anemia Falciforme; Portadores de próteses e Sinais de disseminação bacteriana extraintestinal. Se possível, deve ser coletada amostra de fezes para realização de coprocultura e antibiograma. Inicialmente, mesmo que não comprovada laboratorialmente, prevalece a hipótese de infecção por Shigella sendo indicado então: Quando a diarreia aguda é causada por giardíase ou amebíase comprovada, o tratamento deve ser feito com metronidazol. ANTIEMÉTICOS Segundo a OMS não devem ser usados, visto que o vomito desaparece concomitante à correção da desidratação. Porém em alguns casos, cm diarreia aguda e vômitos frequentes podemos usar a Ondasentrona 0,1mg/kg (0,15-0,3/kg), VO. PROBIÓTICOS Os probióticos são microorganismos vivos que, quando consumidos em quantidades adequadas, proporcionam efeito benéfico para a saúde do indivíduo.Em se tratando das diarreias agudas, acredita- se que eles possam ajudar a restabelecer a microbiota normal do intestino (dificultando a proliferação de enteropatógenos). Determinados probióticos podem ser utilizados como coadjuvantes no tratamento da diarreia aguda. Não há demonstração de que os probióticos diminuam as perdas diarreicas. No entanto, determinadas cepas, conforme demonstrado em ensaios clínicos duplo- cego, controlados por placebo e metanálises, proporcionam redução de aproximadamente 24 horas na média da duração da diarreia aguda. As cepas são: Saccharomyces boulardii (FLORATIL)- 250- 750mg/dia (habitualmente 5-7 dias) L reuteri – 108 a 4 x 108 (habitualmente 5-7 dias) Gustavo Duarte - Tutoria RACECADOTRILA A racecadotrila é um inibidor da encefalinase, enzima responsável pela degradação das encefalinas produzidas pelo sistema nervoso entérico. As encefalinas com ação mais duradoura, em função da menor atividade da encefalinase, reduzem a secreção intestinal de água e eletrólitos que se encontra aumentada nos quadros de diarreia aguda. A dose usual é de 1,5mg/kg de peso corporal, três vezes ao dia, sendo contraindicados em menores de 3 meses. Diarreia Crônica A diarreia crônica é definida como uma alteração persistente da consistência das fezes e aumento da frequência das fezes com duração superior a quatro semanas. Pelas características das fezes, pode-se classificar a diarréia crônica em inflamatória, esteatorreia e aquosa. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Na diarreia crônica, o diagnóstico diferencial é vasto, sendo mais frequentes nos países desenvolvidos, as causas não infecciosas, como a síndrome do intestino irritável (SII), a doença inflamatória intestinal (Colite ulcerativa e Doença de Crohn) e as síndromes de má absorção. SÍNDROME DO INTESTINO IRRITÁVEL (SII) A Síndrome do Intestino Irritável (SII) é um distúrbio funcional do trato gastrointestinal, caracterizada principalmente por dor abdominal e alterações nos hábitos intestinais, incluindo diarreia e/ou constipação sem causa definida. Dor abdominal é o sintoma cardinal da SII: normalmente, a dor é episódica e semelhante à cólica, mais localizada no andar inferior do abdome, mas pode ser difusa ou em qualquer localização e tende a variar a intensidade e duração. É aliviada com a defecação e, na maioria das vezes, está relacionada com a mudança da consistência e frequência das evacuações. Raramente desperta o paciente durante o sono. Outro sintoma importante é o distúrbio de defecação irregular, que pode ser diarreia, constipação ou mista. Entende-se como constipação na SII uma redução na frequência de evacuações, fezes duras, em síbalos, com esforço excessivo ou incapacidade de esvaziamento completo. E a diarreia é referida como aumento na frequência das fezes, de consistência mole ou aquosa, podendo eliminar muco e ser acompanhada de urgência ou incontinência fecal. O diagnóstico é essencialmente clínico, através de uma boa anamnese e de um minucioso exame físico. Exames complementares são mínimos, normalmente são solicitados para descartar diagnósticos diferenciais. Para o correto diagnóstico da síndrome do intestino irritável, é necessário aplicar os Critérios de Roma IV (2016): DOENÇAS INFLAMATÓRIA INTESTINAIS SÍNDROME DA MÁ ABSORÇÃO INTESTINAL Qualquer processo que leve à má assimilação ou aproveitamento inadequado de um ou mais elementos constitutivos da dieta: Carboidratos; Proteínas; Gustavo Duarte - Tutoria Lipídios; Vitaminas; Sais minerais Certos distúrbios, infecções e procedimentos cirúrgicos podem causar má absorção. A má absorção causa diarreia, perda de peso e fezes volumosas e excepcionalmente fétidas. O diagnóstico é baseado nos sintomas característicos, juntamente com exame de amostra de fezes e, às vezes, uma biópsia do revestimento do intestino delgado. O tratamento depende da causa. A má absorção pode ocorrer se um distúrbio Afetar a digestão de alimentos Afetar a absorção de nutrientes O sintoma mais comum da má absorção é diarreia crônica Quando ocorre a absorção inadequada de gorduras no trato digestivo, as fezes contêm um excesso de gordura e ficam com cor clara, moles, volumosas, gordurosas e fétidas (esse tipo de fezes é denominado esteatorreia). As fezes podem flutuar ou ficar grudadas ao vaso sanitário e dificilmente desaparecem quando se dá descarga. A absorção inadequada de determinados açúcares pode provocar diarreia explosiva, distensão abdominal e flatulência. O médico suspeita que há má absorção presente quando a pessoa tem diarreia crônica, perda de peso e anemia, além de outros sinais de deficiências nutricionais. A má absorção é menos óbvia e geralmente mais difícil de reconhecer em idosos do que em crianças. Exames de laboratório podem ajudar a confirmar o diagnóstico: Exames para medir a quantidade de gordura nas fezes Exame visual das fezes Exames de sangue OUTROS DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS USO DE MEDICAMENTOS EM PACIENTES COM DIARREIA • Antibióticos: devem ser usados somente para casos de diarreia com sangue (disenteria) e comprometimento do estado geral ou em casos de cólera grave. Em outras condições, os antibióticos são inefi cazes e não devem ser prescritos. • Antiparasitários: devem ser usados somente para: • Amebíase, quando o tratamento de disenteria por Shigella sp fracassar, ou em casos em que se identifi cam nas fezes trofozoítos de Entamoeba histolytica englobando hemácias. • Giardíase, quando a diarreia durar 14 dias ou mais, se identifi carem cistos ou trofozoítos nas fezes ou no aspirado intestinal. • Zinco:deve ser administrado, uma vez ao dia, durante 10 a 14 dias: • Até seis (6) meses de idade: 10mg/dia. • Maiores de seis (6) meses de idade: 20mg/dia. ANTIDIARREICOS E ANTIEMÉTICOS NÃO DEVEM SER USADOS IDENTIFICAR DISENTERIA E/OU OUTRAS PATOLOGIAS ASSOCIADAS À DIARREIA 1- PERGUNTAR SE O PACIENTE TEM SANGUE NAS FEZES Em caso positivo e com comprometimento do estado geral: • Reidratar o paciente de acordo com os planos A, B ou C. • Iniciar antibioticoterapia. Tratamento de crianças: • Ciprofl oxacino: 15 mg/kg a cada 12 horas, via oral, por 3 dias. • Ceftriaxona: 50 a 100mg/kg, intramuscular, uma vez ao dia, por 2 a 5 dias, como alternativa. • Orientar o acompanhante para administrar líquidos e manter a alimentação habitual, caso o tratamento seja realizado no domicílio • Reavaliar o paciente após dois dias. • Se mantiver presença de sangue nas fezes após 48 horas do início do tratamento, encaminhar para internação hospitalar. Observação: crianças com quadro de desnutrição devem ter o primeiro atendimento em qualquer Unidade de Saúde, devendo- se iniciar hidratação e antibioticoterapia de forma imediata, até que chegue ao hospital. Tratamento de adultos: • Ciprofl oxacino: 500 mg de 12/12h, via oral, por 3 dias. • Orientar o paciente ou acompanhante para administrar líquidos e manter a alimentação habitual, caso o tratamento seja realizado no domicílio. • Reavaliar o paciente após 2 dias. • Se mantiver presença de sangue nas fezes ou melena após 48 horas do início do tratamento: - Se o paciente estiver com condições gerais boas, iniciar Ceftriaxona 2g, via intramuscular, 1 vez ao dia, por 2 a 5 dias. - Se estiver com condições gerais comprometidas, encaminhar para internação hospitalar. 2- PERGUNTAR QUANDO INICIOU A DIARREIA Se tiver mais de 14 dias de evolução: a) Encaminhar o paciente para a unidade hospitalar se: • menor que seis meses. • apresentar sinais de desidratação. Neste caso, reidrate-o primeiro e em seguida encaminhe-o a unidade hospitalar. Quando não houver condições de encaminhar para a unidade hospitalar, orientar o responsável/acompanhante para administrar líquidos e manter a alimentação habitual no domicílio. b) Se o paciente não estiver com sinais de desidratação e nem for menor de seis meses, encaminhar para consulta médica para investigação e tratamento. 3- OBSERVAR SE TEM DESNUTRIÇÃO GRAVE Se a criança estiver com desnutrição grave (utilizar para diagnóstico a Caderneta de Saúde da Criança do Ministério da Saúde): • Em caso de desidratação, iniciar a reidratação e encaminhar o paciente para o serviço de saúde. • Entregar ao paciente ou responsável envelopes de SRO em quantidade sufi ciente e recomendar que continue a hidratação até que chegue ao serviço de saúde. 4- VERIFICAR A TEMPERATURA Se o paciente estiver, além da diarreia, com a temperatura de 39ºC ou mais: investigar e tratar outras possíveis causas, por exemplo, pneumonia, otite, amigdalite, faringite, infecção urinária PLANO C PARA TRATAR A DESIDRATAÇÃO GRAVE NA UNIDADE HOSPITALAR O PLANO C CONTEMPLA DUAS FASES PARA TODAS AS FAIXAS ETÁRIAS: A FASE RÁPIDA E A FASE DE MANUTENÇÃO E REPOSIÇÃO FASE RÁPIDA – MENORES DE 5 ANOS (fase de expansão) SOLUÇÃO VOLUME TEMPO DE ADMINISTRAÇÃO Soro Fisiológico a 0,9% Iniciar com 20ml/kg de peso. Repetir essa quantidade até que a criança esteja hidratada, reavaliando os sinais clínicos após cada fase de expansão administrada. 30 minutos Para recém-nascidos e cardiopatas graves começar com 10ml/kg de peso. AVALIAR O PACIENTE CONTINUAMENTE FASE RÁPIDA – MAIORES DE 5 ANOS (fase de expansão) SOLUÇÃO VOLUME TOTAL TEMPO DE ADMINISTRAÇÃO 1º Soro Fisiológico a 0,9% 30ml/kg 30 minutos 2º Ringer Lactato ou Solução Polieletrolítica 70ml/kg 2 horas e 30 minutos FASE DE MANUTENÇÃO E REPOSIÇÃO PARA TODAS AS FAIXAS ETÁRIAS SOLUÇÃO VOLUME EM 24 HORAS Soro Glicosado a 5% + Soro Fisiológico a 0,9% na proporção de 4:1 (manutenção) + Peso até 10kg 100ml/kg Peso de 10 a 20kg 1000ml + 50ml/kg de peso que exceder 10kg Peso acima de 20kg 1500ml + 20ml/kg de peso que exceder 20kg Soro Glicosado a 5% + Soro Fisiológico a 0,9% na proporção de 1:1 (reposição) + Iniciar com 50ml/kg/dia. Reavaliar esta quantidade de acordo com as perdas do paciente. KCl a 10% 2ml para cada 100ml de solução da fase de manutenção. AVALIAR O PACIENTE CONTINUAMENTE. SE NÃO HOUVER MELHORA DA DESIDRATAÇÃO, AUMENTAR A VELOCIDADE DE INFUSÃO • Quando o paciente puder beber, geralmente 2 a 3 horas após o início da reidratação venosa, iniciar a reidratação por via oral com SRO, mantendo a reidratação endovenosa. • Interromper a reidratação por via endovenosa somente quando o paciente puder ingerir SRO em quantidade sufi ciente para se manter hidratado. A quantidade de SRO necessária varia de um paciente para outro, dependendo do volume das evacuações. • Lembrar que a quantidade de SRO a ser ingerida deve ser maior nas primeiras 24 horas de tratamento. • Observar o paciente por pelo menos seis (6) horas. OS PACIENTES QUE ESTIVEREM SENDO REIDRATADOS POR VIA ENDOVENOSA DEVEM PERMANECER NA UNIDADE DE SAÚDE ATÉ QUE ESTEJAM HIDRATADOS E CONSEGUINDO MANTER A HIDRATAÇÃO POR VIA ORAL PLANO B PARA TRATAR A DESIDRATAÇÃO POR VIA ORAL NA UNIDADE DE SAÚDE 1) ADMINISTRAR SOLUÇÃO DE REIDRATAÇÃO ORAL: • A quantidade de solução ingerida dependerá da sede do paciente. • A SRO deverá ser administrada continuamente, até que desapareçam os sinais de desidratação. • Apenas como orientação inicial, o paciente deverá receber de 50 a 100ml/kg para ser administrado no período de 4-6 horas. 2) DURANTE A REIDRATAÇÃO REAVALIAR O PACIENTE SEGUINDO AS ETAPAS DO QUADRO “AVALIAÇÃO DO ESTADO DE HIDRATAÇÃO DO PACIENTE” • Se desaparecerem os sinais de desidratação, utilize o PLANO A. • Se continuar desidratado, indicar a sonda nasogástrica (gastróclise). • Se o paciente evoluir para desidratação grave, seguir o PLANO C. 3) DURANTE A PERMANÊNCIA DO PACIENTE OU ACOMPANHANTE NO SERVIÇO DE SAÚDE ORIENTAR A: • Reconhecer os sinais de desidratação. • Preparar e administrar a Solução de Reidratação Oral. • Praticar medidas de higiene pessoal e domiciliar (lavagem adequada das mãos, tratamento da água e higienização dos alimentos). O PLANO B DEVE SER REALIZADO NA UNIDADE DE SAÚDE. OS PACIENTES DEVERÃO PERMANECER NA UNIDADE DE SAÚDE ATÉ A REIDRATAÇÃO COMPLETA PLANO A PARA PREVENIR A DESIDRATAÇÃO NO DOMICÍLIO Explique ao paciente ou acompanhante para fazer no domicílio: 1) OFERECER OU INGERIR MAIS LÍQUIDO QUE O HABITUAL PARA PREVENIR A DESIDRATAÇÃO: • O paciente deve tomar líquidos caseiros (água de arroz, soro caseiro, chá, suco e sopas) ou Solução de Reidratação Oral (SRO) após cada evacuação diarreica. • Não utilizar refrigerantes e não adoçar o chá ou suco. 2) MANTER A ALIMENTAÇÃO HABITUAL PARA PREVENIR A DESNUTRIÇÃO: • Continuar o aleitamento materno. • Manter a alimentação habitual para as crianças e os adultos. 3) SE O PACIENTE NÃO MELHORAR EM DOIS DIAS OU SE APRESENTAR QUALQUER UM DOS SINAIS ABAIXO, LEVÁ-LO IMEDIATAMENTE AO SERVIÇO DE SAÚDE: SINAIS DE PERIGO • Piora na diarreia • Recusa de alimentos • Vômitos repetidos • Sangue nas fezes • Muita sede • Diminuição da diurese 4) ORIENTAR O PACIENTE OU ACOMPANHANTE PARA: • Reconhecer os sinais de desidratação. • Preparar e administrar a Solução de Reidratação Oral. • Praticar medidas de higiene pessoal e domiciliar (lavagem adequada das mãos, tratamento da água e higienização dos alimentos). 5) ADMINISTRAR ZINCO UMA VEZ AO DIA, DURANTE 10 A 14 DIAS: • Até seis (6) meses de idade: 10mg/dia. • Maiores de seis (6) meses de idade: 20mg/dia. IDADE Quantidade de líquidos que devem ser administrados/ingeridos após evacuação diarreica Menores de 1 ano 50-100ml De 1 a 10 anos 100-200ml Maiores de 10 anos Quantidade que o paciente aceitar MANEJO DO PACIENTE COM DIARREIA AVALIAÇÃO DO ESTADO DE HIDRATAÇÃO DO PACIENTE ETAPAS A B C OBSERVEEstado geral Bem, alerta Irritado, intranquilo Comatoso, hipotônico* Olhos Normais Fundos Muito fundos e secos Lágrimas Presentes Ausentes Ausentes Sede Bebe normal, sem sede Sedento, bebe rápido e avidamente Bebe mal ou não é capaz de beber* EXPLORE Sinal da prega Desaparece rapidamente Desaparece lentamente Desaparece muito lentamente (mais de 2 segundos) Pulso Cheio Rápido, fraco Muito fraco ou ausente* DECIDA SEM SINAIS DE DESIDRATAÇÃO Se apresentar dois ou mais sinais: COM DESIDRATAÇÃO Se apresentar dois ou mais sinais, incluindo pelo menos um dos destacados com asterisco (*): DESIDRATAÇÃO GRAVE TRATE USE O PLANO A USE O PLANO B (pese o paciente) USE O PLANO C (pese o paciente) MELHORAR SUA VIDA, NOSSO COMPROMISSO. Gustavo Duarte - Tutoria Doença Celíaca Também chamada de “espru não tropical”, “espru celíaco” ou “enteropatia induzida pelo glúten”, trata-se de uma doença autoimune de caráter PERMANENTE, que só aparece em indivíduos geneticamente predispostos, sendo desencadeada pela exposição ao glúten na dieta. A doença celíaca acomete predominantemente indivíduos brancos de origem caucasiana, na proporção de 1:100 indivíduos. A etiologia da doença celíaca não é conhecida, mas fatores ambientais, imunológicos e genéticos são importantes. A doença celíaca é considerada uma doença do tipo iceberg. As marcas características da doença celíaca são uma biópsia anormal do intestino delgado e melhora do distúrbio (incluindo sintomas e alterações histológicas da biópsia do intestino delgado) à eliminação do glúten da dieta. As alterações histológicas exibem uma variação quanto à sua gravidade da região proximal para a distal do intestino, o que provavelmente reflete a exposição da mucosa intestinal a quantidades variáveis de glúten da dieta. Os sintomas não se correlacionam necessariamente com as alterações histológicas, principalmente porque muitos pacientes com diagnóstico recente de doença celíaca podem ser assintomáticos ou apresentar apenas sintomas mínimos (em geral na ausência de sintomas gastrintestinais). Os sintomas da doença celíaca podem aparecer com a introdução dos cereais na dieta de um bebê, embora remissões espontâneas ocorram geralmente durante a segunda década de vida; essas remissões podem ser permanentes ou seguidas da recidiva dos sintomas por vários anos. Por outro lado, os sintomas da doença. FISIOPATOLOGIA O glúten é parcialmente digerido na luz do tubo digestivo, liberando a gliadina, um peptídeo rico em resíduos de glutamina. A gliadina se liga à enzima transglutaminase tecidual (tTG) presente nos enterócitos da mucosa do delgado, formando um complexo macromolecular que pode ser especificamente reconhecido como “antígeno” por células apresentadoras que possuem determinados alelos do complexo principal de histocompatibilidade (MHC) classe II: HLA-DQ2 (presente em 95% dos casos de doença celíaca) e HLA- DQ8 (presente nos 5% restantes). Quando isso acontece, essas células apresentadoras de antígeno podem estimular os linfócitos T a montar uma resposta imune adaptativa contra aquele “neoantígeno”, recrutando tanto o braço celular quanto o braço humoral da imunidade, o que acarreta a destruição da mucosa intestinal (infiltração linfocítica + produção de autoanticorpos contra o glúten, gliadina e tTG). MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A doença celíaca é uma condição essencialmente subdiagnosticada. A intensidade dos sinais e sintomas depende da extensão do acometimento intestinal. Quanto maior o segmento de tubo digestivo afetado pela lesão mucosa, maior a probabilidade de surgir uma síndrome de má absorção intestinal “completa”: distensão abdominal, diarreia crônica com esteatorreia, déficit pondero-estatural e carência de múltiplos nutrientes (ferro, ácido fólico e vit. B12 = anemia; cálcio e vit. D = doença óssea; vit. K = coagulopatia; vit. A = hiperceratose cutânea; vit. E = neuropatia). Esta forma grave de apresentação é típica das crianças pequenas (idade < 2 anos), surgindo durante a introdução de novos alimentos (que contêm glúten) no período de desmame do aleitamento materno. Por outro lado, quando o quadro se inicia em crianças mais velhas ou adultos, geralmente NÃO ocorre uma síndrome de má absorção “completa”. Os indícios de doença celíaca são amplamente variáveis nestes indivíduos, podendo aparecer de forma mais ou menos intensa como: (1) diarreia crônica, (2) dispepsia, (3) Gustavo Duarte - Tutoria flatulência e/ou (4) perda ponderal... Alguns pacientes são assintomáticos do ponto de vista gastrointestinal, possuindo isoladamente as chamadas MANIFESTAÇÕES ATÍPICAS (extraintestinais) da doença: (1) fadiga, (2) depressão, (3) anemia ferropriva refratária à reposição oral de ferro, (4) osteopenia/osteoporose, (5) baixa estatura, (6) atraso na puberdade, (7) amenorreia, (8) infertilidade e (9) dermatite herpetiforme. A dermatite herpetiforme é considerada uma forma de “doença celíaca da pele”, podendo aparecer em pacientes com ou sem queixas gastrointestinais associadas. Menos de 10% dos celíacos desenvolvem dermatite herpetiforme, porém, todos os portadores desta última são celíacos, mesmo que não refiram sintomas gastrointestinais (a biópsia de intestino delgado sempre demonstra a presença de alterações características. Trata-se de um rash papulovesicular pruriginoso, que se distribui sobre regiões extensoras das extremidades e sobre o tronco, couro cabeludo e pescoço. DIAGNÓSTICO É necessária uma biópsia do intestino delgado para estabelecer o diagnóstico de doença celíaca. A biópsia deve ser realizada nos pacientes que apresentam sintomas e anormalidades laboratoriais sugestivos de má absorção e/ou deficiência de nutrientes, bem como teste de anticorpo anti-tTG positivo. Como a apresentação da doença celíaca frequentemente é sutil, sem evidências claras de má absorção ou deficiência de nutrientes, é importante ter um limiar relativamente baixo para a solicitação de biópsia. É mais prudente realizar uma biópsia do que solicitar outro teste de absorção intestinal, que pode não ser capaz de descartar x ou estabelecer em monossacarídeos esse diagnóstico. O diagnóstico de doença celíaca baseiase na presença de alterações histológicas características na biópsia do intestino delgado, junto com uma resposta clínica e histológica imediata depois de iniciar uma dieta sem glúten. As alterações clássicas visualizadas na biópsia duodenal/jejunal restringem-se à mucosa e incluem: 1) aumento no número de linfócitos intraepiteliais; 2) ausência ou altura reduzida das vilosidades, produzindo um aspecto plano com aumento da proliferação de células das criptas, resultando em hiperplasia das criptas e perda da estrutura vilosa, com consequente atrofia vilosa, mas não mucosa; 3) aspecto cuboide e núcleos que não exibem mais uma orientação basal nas células epiteliais superficiais; 4) aumento no número de linfócitos e plasmócitos na lâmina própria. COMPLICAÇÕES A complicação mais importante da doença celíaca é o câncer. A incidência de neoplasias tanto gastrintestinais quanto não gastrintestinais, bem como a do linfoma intestinal, apresenta-se elevada entre pacientes com doença celíaca. A possibilidade de um linfoma deve ser considerada sempre que um paciente com doença celíaca, que até então vinha evoluindo muito bem com uma dieta sem glúten, não consegue mais responder à restrição de glúten, ou quando um paciente que se apresenta com características clínicas e histológicas compatíveis com doença celíaca não melhora com uma dieta sem glúten. Outras complicações da doença celíaca são o desenvolvimento de úlcera intestinal independente do linfoma e os denominados espru refratário (ver anteriormente) e espru colagenoso. Com o esprucolagenoso, existe uma camada de material semelhante ao colágeno abaixo da membrana basal; os pacientes com espru colagenoso geralmente não respondem a uma dieta sem glúten e, com frequência, apresentam prognóstico desfavorável. Gustavo Duarte - Tutoria TRATAMENTO A doença celíaca é uma condição permanente em que o indivíduo desenvolve uma hipersensibilidade ao glúten. Logo, o tratamento preconizado é a suspensão do glúten na dieta. Compreenda que, por se tratar de uma doença autoimune, a doença celíaca responde ao tratamento imunossupressor (ex.: glicocorticoides) mesmo que o paciente continue sendo exposto ao glúten! No entanto, dada a grande toxicidade desse tipo de abordagem, é preferível insistir na adesão a uma dieta livre de glúten, o que nos dias de hoje não é uma tarefa tão difícil assim, principalmente se o paciente puder ter acompanhamento especializado com nutricionista e participar de grupos de suporte ao celíaco e seus familiares. Na fase inicial do tratamento é importante limitar também a ingestão de laticínios, pois é frequente a coexistência de uma intolerância à lactose TRANSITÓRIA. A explicação para este fenômeno é que a mucosa do intestino delgado encontra-se atrofiada, com deficiência quantitativa de lactase na borda em escova dos enterócitos. Após melhora clínica os laticínios podem ser reintroduzidos.Reposição de nutrientes (ex.: ferro, cálcio, ácido fólico, vitaminas do grupo “ADEK” e B12) deve ser feita conforme a necessidade, até que a capacidade absortiva do intestino seja plenamente restabelecida. Pacientes que desenvolvem osteoporose devem receber cálcio, vitamina D e bisfosfonados (ex.: alendronato).
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