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PROFESSORAS Dra. Paula Marçal Natali Esp. Luana Biembengut Biato da Costa Quando identificar o ícone QR-CODE, utilize o aplicativo Unicesumar Experience para ter acesso aos conteúdos online. O download do aplicativo está disponível nas plataformas: Acesse o seu livro também disponível na versão digital. Google Play App Store JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS 2 NEAD - Núcleo de Educação a Distância Av. Guedner, 1610, Bloco 4 - Jd. Aclimação Cep 87050-900 - Maringá - Paraná - Brasil www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 DIREÇÃO UNICESUMAR Reitor Wilson de Matos Silva, Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho, Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva, Pró-Reitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin, Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi. NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Diretoria Executiva Chrystiano Mincoff, James Prestes, Tiago Stachon Diretoria de Graduação e Pós-graduação Kátia Coelho Diretoria de Cursos Híbridos Fabricio Ricardo Lazilha Diretoria de Permanência Leonardo Spaine Diretoria de Design Educacional Paula R. dos Santos Ferreira Head de Graduação Marcia de Souza Head de Metodologias Ativas Thuinie M.Vilela Daros Head de Recursos Digitais e Multimídia Fernanda S. de Oliveira Mello Gerência de Planejamento Jislaine C. da Silva Gerência de Design Educacional Guilherme G. Leal Clauman Gerência de Tecnologia Educacional Marcio A. Wecker Gerência de Produção Digital e Recursos Educacionais Digitais Diogo R. Garcia Supervisora de Produção Digital Daniele Correia Supervisora de Design Educacional e Curadoria Indiara Beltrame Coordenador(a) de Conteúdo Mara Cecília Rafael Lopes, Projeto Gráfico José Jhonny Coelho, Editoração Arthur Cantareli Silva, Designer Educacional Patrícia Peteck, Revisão Textual Ana Caroline Canuto de Sousa Baniogli, Ilustração André Azevedo, Fotos Shutterstock. C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância; NATALI, Paula Marçal; COSTA, Luana Biembengut Biato da. Jogos, Brinquedos e Brincadeiras Paula Marçal Natali; Luana Biem- bengut Biato da Costa. Maringá - PR.:Unicesumar, 2022. 164 p. ISBN 978-65-5615-886-0 “Graduação em Educação Física - EaD”. 1. Jogos. 2. Brinquedos. 3. Brincadeiras. 4. EaD. I. Título. CDD - 22ª Ed. 372.3 Ficha Catalográfica Elaborada pelo Bibliotecário João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828 Impresso por: Em um mundo global e dinâmico, nós trabalhamos com princípios éticos e profissionalismo, não somente para oferecer uma educação de qualidade, mas, acima de tudo, para gerar uma conversão integral das pessoas ao conhecimento. Baseamo-nos em 4 pilares: intelectual, profissional, emocional e espiritual. Iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos de graduação e 180 alunos. Hoje, temos mais de 100 mil estudantes espalhados em todo o Brasil: nos quatro campi presenciais (Maringá, Curitiba, Ponta Grossa e Londrina) e em mais de 500 polos de educação a dis- tância espalhados por todos os estados do Brasil e, também, no exterior, com dezenas de cursos de gradua- ção e pós-graduação. Produzimos e revisamos 500 livros e distribuímos mais de 500 mil exemplares por ano. Somos reconhecidos pelo MEC como uma instituição de excelência, com IGC 4 em 7 anos consecutivos. Estamos entre os 10 maiores grupos educacionais do Brasil. A rapidez do mundo moderno exige dos educadores soluções inteligentes para as necessidades de todos. Para continuar relevante, a instituição de educação precisa ter pelo menos três virtudes: inovação, coragem e compro- misso com a qualidade. Por isso, desenvolvemos, para os cursos de Engenharia, metodologias ativas, as quais visam reunir o melhor do ensino presencial e a distância. Tudo isso para honrarmos a nossa missão que é pro- mover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária. Vamos juntos! Wilson Matos da Silva Reitor da Unicesumar boas-vindas Prezado(a) Acadêmico(a), bem-vindo(a) à Comunidade do Conhecimento. Essa é a característica principal pela qual a Unicesumar tem sido conhecida pelos nossos alunos, professores e pela nossa sociedade. Porém, é importante destacar aqui que não estamos falando mais daquele conhe- cimento estático, repetitivo, local e elitizado, mas de um conhecimento dinâmico, renovável em minutos, atemporal, global, democratizado, transformado pelas tecnologias digitais e virtuais. De fato, as tecnologias de informação e comunicação têm nos aproximado cada vez mais de pessoas, lugares, informações, da educação por meio da conectividade via internet, do acesso wireless em diferentes lugares e da mobilidade dos celulares. As redes sociais, os sites, blogs e os tablets aceleraram a informação e a produção do conhecimento, que não reconhece mais fuso horário e atravessa oceanos em segundos. A apropriação dessa nova forma de conhecer transfor- mou-se hoje em um dos principais fatores de agregação de valor, de superação das desigualdades, propagação de trabalho qualificado e de bem-estar. Logo, como agente social, convido você a saber cada vez mais, a conhecer, entender, selecionar e usar a tecnologia que temos e que está disponível. Da mesma forma que a imprensa de Gutenberg modificou toda uma cultura e forma de conhecer, as tecnologias atuais e suas novas ferramentas, equipa- mentos e aplicações estão mudando a nossa cultura e transformando a todos nós. Então, priorizar o conhe- cimento hoje, por meio da Educação a Distância (EAD), significa possibilitar o contato com ambientes cativantes, ricos em informações e interatividade. É um processo desafiador, que ao mesmo tempo abrirá as portas para melhores oportunidades. Como já disse Sócrates, “a vida sem desafios não vale a pena ser vivida”. É isso que a EAD da Unicesumar se propõe a fazer. Willian V. K. de Matos Silva Pró-Reitor da Unicesumar EaD Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está ini- ciando um processo de transformação, pois quando investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou profissional, nos transformamos e, consequentemente, transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportunida- des e/ou estabelecendo mudanças capazes de alcançar um nível de desenvolvimento compatível com os desa- fios que surgem no mundo contemporâneo. O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens se educam juntos, na transformação do mundo”. Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica e encontram-se integrados à proposta pedagógica, con- tribuindo no processo educacional, complementando sua formação profissional, desenvolvendo competên- cias e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de maneira a inseri-lo no mer- cado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal objetivo “provocar uma aproximação entre você e o conteúdo”, desta forma possibilita o desenvol- vimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessários para a sua formação pessoal e profissional. Portanto, nossa distância nesse processo de cresci- mento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita. Ou seja, acesse regularmente o Studeo, que é o seu Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe das discussões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendi- zagem, possibilitando-lhe trilhar com tranquilidade e segurança sua trajetória acadêmica. boas-vindas Paula R. dos Santos Ferreira Diretoria de DesignEducacional Janes Fidélis Tomelin Pró-Reitor de Ensino de EAD Kátia Solange Coelho Diretoria de Graduação e Pós-graduação Leonardo Spaine Diretoria de Permanência minha história meu currículo Esp. Luana Biembengut Biato da Costa Olá, aluno(a)! Espero encontrá-lo(a) bem! Antes de iniciarmos os nossos estudos, quero dividir com você um pouco da minha relação com o brincar. Eu sempre fui muito brincante. Minha formação pessoal se iniciou na infância, num quintal com mais 4 crianças e uma rua cheia de gente que gostava de brincar. A garagem de casa era o palco, a rampa de entrada era o auditório, e toda vizinhança vinha brincar de fazer de conta. O asfalto era o nosso papel e a extensão do nosso quintal, eram todas as idades num só lugar. Você deve estar pensando em uma cidadezinha do interior, pois bem, isso se passou em São Paulo, dá para acreditar?! Ainda na minha infância, conheci a que viria ser a minha profissão, a Recreação. Nas férias, nós passávamos 7 dias com os Recreadores, brincando, jogando e tudo mais que um evento recreativo tem direito. E foi esse encantamento que me levou a ingressar na graduação em Educação Física, quando já no primeiro ano de faculdade busquei cursos de jogos e brincadeiras, comecei a estagiar em um local pedagógico de recreação, logo já estava trabalhando em um Hotel Fazenda e em um Resort. No meu quarto ano de graduação, comecei a ministrar cursos de recreação para compartilhar os conhecimentos sobre os jogos e as brincadeiras. Atualmente, para somar a esse meu repertório de experiências, me dedico aos estudos sobre o desenvolvimento infantil por meio da Psicomotricidade. Aqui você pode conhecer um pouco mais sobre mim, além das informações do meu currículo. https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/10303 minha história meu currículo Dra. Paula Marçal Natali Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/2016). Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Pon- ta Grossa (UEPG/2009). Especialista em Políticas Sociais para Infância e Adolescência pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/2006). Graduação em Educação Física pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/2003). Atualmente, é professora da Universidade Estadual de Maringá, no Campus Regional do Vale do Ivaí, no curso de Educação Física. Membro da equipe coordenadora do Programa Multidisciplinar de Estudos, Pesquisa e Defesa da Criança e do Adolescente PCA/ UEM. Atua principalmente com os temas dos direitos das crianças, educação social e cultura lúdica. Aqui você pode conhecer um pouco mais sobre o meu currículo lattes. http://lattes.cnpq.br/3738805977157385 provocações iniciais JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS “O homem só é inteiro quando brinca, e é só quando brinca que ele existe na completa acepção da palavra homem. ” “Lydia Hortélio costuma citar essa fala do ensaísta e poeta alemão Friedrich Schiller, quando se refere ao papel fundamental do brincar na vida de uma pessoa. ” (ITAÚ CULTURAL, 2019). Ela que é fundadora da ‘Casa das Cinco Pedrinhas’, educadora e etnomusicóloga, apresenta por meio dos seus trabalhos, o conceito de que as brincadeiras tradicionais e as canções popu- lares são patrimônio imaterial brasileiro. E segundo o Itaú Cultural (2019): “A pesquisadora apresentou seu trabalho pioneiro de desenvolvimento dos conceitos de Cultura da Criança e de Música Tradicional da In- fância, que contribuiu para a elaboração de uma nova concepção de infância, de educação e de educação musical, com ênfase no protagonismo infantil”. Estudiosos e pesquisadores de diferentes áreas têm se dedicado ao tema dos jogos e das brincadei- ras tradicionais, muitos deles com o propósito de valorizar e preservar a cultura nacional brasileira. Até certo tempo atrás, o brincar era transmitido de geração em geração num processo natural, porém podemos perceber uma “quebra” nesse ciclo, quan- do os equipamentos eletrônicos assumem o papel do mediador da infância. Você já havia parado para pensar a esse respeito? Nesse cenário, comumente, emergem alguns questionamentos, e te convido a responder alguns deles: quando foi a última vez que você brincou de algum jogo ou brincadeira tradicional da sua infância? Você já ensinou brincadeiras da sua infância para alguma(s) criança(s)? Em tempos no qual não se vê mais crianças e jovens brincando nas ruas e nas praças, alguns estudos da psicologia, filosofia, educação etc., buscam compreen- der a importância daquele brincar coletivo e livre, que não vemos com tanta frequência, ou quase nenhuma frequência. E o que as novas gerações perdem com a falta dessas experiências que o brincar possibilita? Po- demos listar juntos: como a criatividade, a convivência em grupo, a liberdade de agir e pensar, o enfrentamento de conflitos e a resolução deles, a alegria de viver e a criação de laços de amizade, as experiências corporais e motoras, o desenvolvimento e a descoberta de habi- lidades e do autoconhecimento. Portanto nós iremos, por meio desse material, te apresentar alguns conceitos, características, legislações e conteúdos que permeiam as temáticas jogos, brinque- dos e brincadeiras, pois quando graduados em Educação Física, somos agentes do brincar, em especial, na área da educação escolar ou da recreação. E quando conhe- cedores dos nossos compromissos, podemos assumir o papel de valorizar as brincadeiras e concretizar ações que viabilizem essas experiências para as crianças e jovens, e por que não para adultos e idosos?! “É brincando que a criança – ou o adulto que não chegou a abandonar sua porção infantil – evidencia seu estado de abertura para o mundo, sua irrestrita e contínua curiosidade e a naturalidade com que funde o pensar e o agir” (ITAÚ CULTURAL, 2019). Sejam bem-vindos ao universo de possibilidades dos Jogos, Brinquedos e Brincadeiras! Bons estudos! sumário UNIDADE I 10 FUNDAMENTOS DOS JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS UNIDADE II 42 LEGISLAÇÕES E O DIREITO A BRINCAR UNIDADE III 72 JOGOS E BRINCADEIRAS: CARACTERÍSTICAS E CLASSIFICAÇÕES UNIDADE IV 100 O BRINQUEDO: ASPECTOS CONTEMPORÂNEOS UNIDADE V 126 JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS: DIFERENTES INFÂNCIAS, CONTEXTOS E INTERVENÇÕES Esp. Luana Biembengut Biato da Costa Oportunidades de aprendizagem Na Unidade 1, você terá a oportunidade de aprofundar os seus estudos sobre os conceitos de Jogos, Brinquedos e Brincadeiras, as mudanças sofridas no decorrer da história, as diferenças conceituais entre diversos teóricos da área; além de poder refletir sobre os seus próprios conceitos e vivências no campo da ludicidade. É importante entendermos todas essas questões na hora de desenvolver uma intervenção com crianças, jovens ou mesmo adultos e idosos. FUNDAMENTOS DOS JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS unidade I 12 Quando pensamos sobre o brincar, nossos con-ceitos estão em estreita relação com a nossa cultura, com os espaços em que vivemos e com o tempo em que fomos crianças, e como você pode perceber e facilmente constatar, esse conceito do brincar vem se alterando de forma veloz em razão das mudanças dos nossos costumes, rotinas, hábitos ou estilo de vida. Qual é o conceito de brincar dos dias atuais? Falar do brincar é falar de: quem brinca? onde brin- ca? com quem brinca? quanto tempo brinca? e final- mente: do que brinca? O curta-metragem “O Fim do Recreio” do diretor Vinicius Mazzon e Nélio Spréa, premiado na 11ª Mos- tra de Cinema Infantil de Florianópolis, nos convida a reflexionar sobre essas mudanças, que ao longo do tem- po, vem sofrendo a cultura infantil, ou melhor, a nossa cultura como um todo, e a minha pergunta é: estamos esquecendo de como é importante brincar? O enredo do filme traz a problemática de um pro- jeto de lei que pretende acabar com o recreio escolar e, ao mesmo tempo, a mobilização das crianças diante des- sa realidade. Te convido agora paraassistir essa história https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/14670 13 EDUCAÇÃO FÍSICA que mesmo sendo uma ficção, infelizmente, pode se as- semelhar muito com a realidade. Diante dessa problemática, o brincar e a atualidade, precisamos olhar para a nossa própria história e tam- bém para a história da humanidade, a fim de ampliar- mos nossa compreensão a respeito das mudanças e os seus impactos. Está aí, a maneira de compreendermos de onde viemos como indivíduos sociais e culturais, qual percurso trilhamos ao longo dos séculos e décadas, o que conquistamos, o que produzimos e para onde esta- mos indo enquanto organização social. Esse olhar para a nossa história nos revela que o brin- car e o jogar não são expressões unicamente da infância, essa atividade humana faz parte de todas as fases da vida e, durante muito tempo, diferente de hoje, era uma atividade essencialmente da vida adulta, em que as crianças podiam tomar parte na medida que fossem crescendo e se tornan- do capazes de participar da vida na comunidade. Um outro aspecto do brincar é a sua relação estreita com o estilo de vida dos adultos, pois nas brincadeiras as crianças assumem papéis, como uma forma de criar, recriar e reviver as situações observadas do dia a dia dos seus pais, familiares, professores etc. Eu te desafio a refletir sobre a sua própria história como indivíduo brincante e proponho que você faça essa reflexão preenchendo os quadros, a seguir, a fim de criar uma linha do tempo do seu brincar. Para isso, no item “ONDE?” descreva em quais espaços você brincava, como escola, praça, rua, quintal etc. “COM QUEM?” des- creva com quem você brincava, como irmãos, primos, pais, avós, vizinhos, amigos da escola etc. “QUANDO?” descreva com que frequência você brincava, quantas horas por dia, quantas vezes por dia, quantas vezes por semana etc. “DO QUE?” descreva do que você brincava, por exemplo, de correr, jogar bola, de “faz de conta” como casinha, de jogos eletrônicos etc. Vamos lá? 14 Até os 7 anos Onde? Com quem? Quando? Do que? Até os 12 anos Onde? Com quem? Quando? Do que? Até os 18 anos Onde? Com quem? Quando? Do que? A PARTIR Dos 25 anos Onde? Com quem? Quando? Do que? 15 EDUCAÇÃO FÍSICA Após esse registro da sua própria história, eu ainda te de- safio a fazer essas mesmas perguntas para alguém, pelo menos 30 anos mais velho que você, e comparar as mu- danças de experiências com o brincar que vocês tiveram. Esse exercício que acabamos de fazer é necessário para todos aqueles que um dia irão trabalhar com a in- fância ou com os conteúdos dos jogos e brincadeiras. Nosso objetivo aqui, é buscar em nossa própria memória recursos e experiências que nos deem base para a com- preensão do papel do brincar no desenvolvimento de uma criança, os impactos dessas experiências para toda uma vida. Nessa etapa do nosso estudo, você já começa a construir o seu próprio repertório, o qual se tornará seu material de trabalho para a sua vida profissional. Pensar em nossa própria história, também nos sensibili- za para que compreendamos a criança que vive na sociedade de hoje, e nesse sentido faço a seguinte questão: como é o brincar das crianças dos tempos atuais? Há espaços e tem- pos na rotina delas para brincar? Elas brincam com outras crianças? Quais mudanças também sofreram os brinquedos? Compare as mudanças que você consegue perceber da nossa cultura do brincar ao longo das décadas, pensando no seu brincar com o brincar das crianças de hoje e ainda, se possí- vel, compare com o brincar de gerações anteriores a sua. 16 Caro(a) aluno(a), nesta primeira unidade, iremos viajar um pouco pelo tempo por meio dos jogos, brinquedos e brincadeiras, para termos um panorama histórico geral do nosso assunto principal, mas, em especial, iremos compre- ender que o papel da criança na sociedade sempre sofreu mudanças e naturalmente o brincar também se modificou. A história do brinquedo, do jogo e da brincadeira é tão antiga quanto possamos ter acesso ao registro da história da humanidade. Se tivermos acesso aos museus, podemos identificar objetos que são considerados brinquedos de tempos longínquos como piões, bonecas e bolas, o que nos mostra que muitas manifestações desta natureza se man- têm nos tempos e são transmitidas de geração em geração. Kishimoto (1995) remonta à Antiguidade o registro do homem e do brincar, a autora nos conta que Platão exaltava o valor da aprendizagem a partir do brincar em detrimento da utilização da violência neste processo, ape- sar de que naquela época, atividades lúdicas e jogos, ainda não eram reconhecidos como uma linguagem apropriada para o ensino da leitura e do cálculo. Aristóteles nos diz sobre a possibilidade de ensinar às crianças pequenas, por meio de jogos, as atividades e ocupações dos adultos, con- sideradas mais sérias que as típicas infantis. Philippe Ariès (1981), um pioneiro nos estudos so- bre as concepções de infância, desenvolve em sua obra os elementos que nos contam sobre a infância e seu brincar. Diversos autores utilizam a obra deste historiador fran- cês como base para tratar dos jogos, das brincadeiras e dos brinquedos por meio dos séculos. Ariès desenvolve seus estudos a partir de diversos documentos da Idade Média e Moderna, especialmente, o contexto da França neste período, destacando a utilização de quadros e gra- vuras em suas pesquisas (CAMPOS, 2012). O autor parte da história das crianças e nos conta so- bre o brincar no século XVII com a história de uma criança da corte (que futuramente se tornaria o Rei Luís XIII), mas também se trata da história de outras crianças, pois, neste período, ainda não havia uma diferença tão marcada, como posteriormente haveria, entre as brincadeiras das crianças bastardas, nobres e as brincadeiras que envolvessem adultos. Muitas são as atividades lúdicas relatadas por Ariès (1981) como: jogos de malha, raquetes, xadrez, jogos de imitação, de rima, jogos de cartas, prática de arco e jo- gos de salão. Sobre os brinquedos, narra atividades com miniaturas de diversos objetos, bonecas, cavalos de pau, cata-vento, pião e atividades com recortes. 17 EDUCAÇÃO FÍSICA Tomando como exemplo a educação de uma criança no- bre – que não representa a totalidade da cultura lúdica infantil no período, mas nos fornece dados importantes sobre ela –, destacamos que, por volta dos sete anos, al- guns elementos da vida dos pequenos modificavam-se e eles passavam a se dedicar às atividades mais próximas ainda da vida adulta, “um pouco mais de bonecas e de brinquedos alemães antes dos sete anos, um pouco mais de caça, cavalos, armas e talvez teatro após essa idade: a mudança se faz insensivelmente nessa longa sequência de divertimentos que a criança toma emprestada dos adultos ou divide com eles” (ARIÈS, 1981, p. 72). de crianças pequenas, menores de seis anos e não entre crianças maiores ou adultos. As crianças menores tinham brincadeiras mais ca- racterísticas e, por volta dos quatro anos, já passavam a desenvolver suas brincadeiras mais relacionadas ao mundo adulto, podendo vivenciá-las com os adultos ou apenas entre os grupos de crianças. De acordo com Ariès, este cenário é possível de nos ser revelado, pois da Idade Média até o século XVIII, era corriqueiro, nas obras de arte, serem retratadas cenas de jogos, o que nos mostra o “[...] índice do lugar ocupado pelo divertimen- to na vida social do Ancien Régime” (ARIÈS, 1981, p. 77). Esta idade das crianças era marcada por mudanças em suas atividades, que eram recomendadas pela literatura educacional e moralista do período. As orientações afir- mavam que esta seria a idade ideal para o início dos es- tudos e do trabalho. É muito importante esclarecermos um traço que caracteriza o jogar e brincar neste período da história: crianças, adolescentes e adultos comparti- lhavam essas vivências, não havia um limite tão claro, como temos agora, entre atividades maisapropriadas para a infância e as mais apropriadas para os adultos no que se referia à ludicidade. Até o início do século XVII, a diferença no brincar era mais explícita quando se tratava O quadro anterior, datado de 1560, recebe o nome Kin- derspiele, que traduzido para o português, será Jogos In- fantis que é uma pintura do holandês Pieter Bruegel e está exposto no Museu de História da Arte de Viena - Áustria. A pintura impressiona pelas mais de 230 pessoas envolvidas em 83 diferentes jogos. Pieter Bruegel é co- nhecido por apresentar em suas obras a vida camponesa Descrição da Imagem a figura apresenta uma obra, datada de 1560, é uma pintura do holandês Pieter Bruegel. Na pintura são ilustrados diversos jogos, brinquedos e brincadeiras infantis. Figura 1 - Kinderspiele (Jogos Infantis) de Pieter Bruegel Fonte: Wikiart (1560, on-line). 18 da época e podemos observar também nos detalhes os materiais utilizados como brinquedos, bem característi- cos da realidade retratada. O Museu de História da Arte nos convida para um passatempo prazeroso: decifrar de forma minuciosa cada jogo presente na pintura. E ainda se refere a este trabalho como uma “enciclopédia” pinta- da, além de ser único na história da arte. Quantas brincadeiras e brinquedos (ou objetos usa- dos como brinquedos), você consegue reconhecer nesse quadro de Pieter Bruegel? Jogos/Brincadeiras Brinquedos O que você pensaria, hoje, como futuro(a) professor(a), se alguém afirmasse que as crianças com quais você tra- balha apostam dinheiro em seus jogos? Possivelmen- te, entenderia como uma atividade inapropriada para crianças. Entretanto, até o século XVII e início do XVIII, essa ação era completamente corriqueira, da mesma for- ma que se tem registros de adultos brincando entre eles e as crianças em uma forma de cabra-cega. Fazia parte do cotidiano que crianças apostassem e participassem dos chamados jogos de azar, que “[...] não provocavam nenhuma reprovação moral, não havia razão para proi- bi-los às crianças: daí as inúmeras cenas de crianças jo- gando cartas, dados, gamão etc., que a arte conservou até nossos dias” (ARIÈS, 1981, p. 89). Sendo assim, na atualidade, podemos ter a noção de que estes jogos de azar não são próprios para as crianças e que brincar de cabra-cega não é uma atividade própria da vida adulta. Podemos explicar a mudança desse pensa- mento pela modificação no sentido de infância e educa- ção que começa a se constituir especialmente a partir da orientação do âmbito religioso, e os preceitos da organi- zação social em formação, os princípios da Modernidade. Ao longo dos séculos XVII e XVIII, porém, estabe- leceu-se um compromisso que anunciava a atitude moderna com relação aos jogos, fundamentalmen- te diferente da atitude antiga. Esse compromisso nos interessa aqui porque é também um teste- munho de um novo sentimento da infância: uma preocupação, antes desconhecida, de preservar sua moralidade e também de educá-la, proibindo-lhe os jogos então classificados como maus, e reco- mendando-lhe os jogos então reconhecidos como bons (ARIÈS, 1981, p. 92). Assim, caro(a) aluno(a), em nome da constituição mo- derna de educação em busca de um comportamento moralmente aceito e de uma infância que necessitava de educação – que é a base da educação vigente até hoje –, inicia-se um processo de regulação mais rígida dos comportamentos em relação ao jogo e a brincadeira. As atividades lúdicas e coletivas têm diminuído sua impor- tância na vida comunitária, sendo denotada a elas uma importância secundária, ao ponto de passarem a ser mais características de uma única fase da vida: a infân- cia. Neste contexto, insere-se a atividade, que passa a ter mais valor na vida dos adultos, o trabalho. O estilo de vida e a organização social que fomos modificando ao longo dos séculos, como um exemplo marcante dessas mudanças, a separação do local de tra- balho com o local de convivência e lazer - o contrário do que tínhamos na vida camponesa e rural -, sendo agora 19 EDUCAÇÃO FÍSICA o local de trabalho cheio de regras e de comportamentos pré-estabelecidos, nos levou a uma concepção de que a vida é coisa séria e brincar não nos levará a nada. religiosos dançavam em comemorações e celebrações, pois a dança tinha uma conotação de integração. É tão evidente o distanciamento que atingimos com rela- ção a presença da dança em nossas comunidades, que até mesmo a cultura da infância, perdeu o seu caráter de dança e música dentro das brincadeiras, sem falar, é claro, dos adultos que não vivenciam mais as danças de caráter lúdico e coletivo em comemoração a uma boa colheita, em comemoração às estações do ano, às datas festivas religiosas, culturais, ancestrais etc. Sendo assim, até aqui, explicitamos o processo de valoração dos jogos, dança, música e brincadeiras na vida comunitária, e como tinham papel de destaque no cotidiano das pessoas. Com o advento da Idade Média e um aumento do sentido de privação e regulação de mui- tas expressões da vida do homem, o jogo e a brincadeira, que estudamos neste tópico, passaram a ter seu desen- volvimento orientados por um novo paradigma de mo- ralidade, a partir do entendimento de que os impulsos gerados por esta prática deveriam ser controlados para que os homens fossem mais obedientes e educados. [...] essa paixão que agitava todas as idades e todas as condições, a Igreja opôs uma reprovação absolu- ta. Ao lado da Igreja, colocaram-se também alguns leigos apaixonados pelo rigor e pela ordem, que se esforçavam para domar uma massa ainda selvagem e para civilizar costumes ainda primitivos. A Igreja medieval também condenava o jogo sob todas as suas formas, sem exceção nem reservas, e parti- cularmente nas comunidades de clérigos bolsistas que deram origem aos colégios e às universidades do Ancien Régime (ARIÈS, 1981, p. 92). Diante de tantas proibições e regulações da Idade Média, como a constituição do Renascimento, emergem outras concepções pedagógicas. Baseado no fato de que a fe- licidade é importante, e o corpo não é apenas fonte de Você já pensou a esse respeito? Como seria a nossa sociedade, na sua opinião, se destinás- semos algum tempo para o brincar, não só com as crianças, mas também entre os adul- tos, com atividades lúdicas desinteressadas de um resultado como vencer ou ganhar, apenas com fim na convivência e no prazer de brincar? Deixamos de lado um aspecto essencial do ser humano, que é brincar para conviver de forma saudável, lúdica, criativa, e que talvez, pudesse resultar disso, uma sociedade mais bem organizada, mais justa e respeitosa. Retomando nosso percurso histórico dos jogos, os con- siderados jogos de azar são, ainda, desenvolvidos nos dias de hoje, não sem deixar de lado o entendimento de que são jogos potencialmente perigosos. Essa noção de imoralidade, segundo Ariès (1981), foi sendo moldada e modificada na forma de desenvolver esses jogos, dimi- nuindo o papel do azar, da aposta a dinheiro e valorizan- do o aspecto do desenvolvimento intelectual do jogador, como no caso dos jogos de xadrez e cartas. De acordo com o autor, outra atividade que teve seu paradigma de desenvolvimento modificado, junto às novas exigências ao homem que se constitui como mo- derno, foi a dança. Tanto a dança quanto os jogos de azar eram expressões lúdicas e comunitárias, desenvolvidas por crianças e adultos, que tiveram suas manifestações alteradas com o tempo. Na Idade Média, os próprios 20 pecado e objeto de castigos, o jogo volta à cena. Jogar volta a ser incorporado ao cotidiano dos jovens como uma tendência natural (KISHIMOTO, 1995). Podemos afirmar que a atitude radical de proibição do jogar e do brincar, instituída na Idade Média, não foi atendida em absoluto e foi perdendo força ao lon- go do século XVII. Segundo Ariès, essa diminuição foi ocorrendo, especialmente, sob influência de um grupo da própria Igreja, os jesuítas, que destacavam o poten- cial educativodos jogos. É importante apontarmos que, nos colégios jesuítas, os jogos eram desenvolvidos com o sentido de educar, de empregar à expressão humana do jogar uma funcionalidade, jogar com fim de educar. Os padres com a função de educar compreenderam que não era possível inibir totalmente o desejo pelo jogar, pelo brincar. Desta forma, passaram a permiti-lo desde que o controle de seu desenvolvimento fosse realizado pelas autoridades das escolas. Assim, o jogo dentro das escolas passou a ser admitido, com a condição de que fossem reco- mendados alguns tipos de jogos reconhecidos como bons e que passassem pelo crivo e regulamentação para que ocorressem de forma disciplinada. Neste novo paradigma, o jogo constitui-se como um meio de educar as pessoas. Podemos compreender que atividades, até então condenadas como imorais pelos afoitos moralistas do período, começaram a ser admitidas em uma nova rou- pagem e sentido com mais rigor e disciplina: Reconhecemos as salas de aula, a biblioteca, mas também a aula de dança, e o jogo da péla e de bola. Um sentimento novo, portanto, apareceu: a educa- ção adotou os jogos que até então havia proscrito ou tolerado como um mal menor. Os jesuítas edita- ram em latim tratados de ginástica que forneciam as regras dos jogos recomendados. Admitiu-se cada vez mais a necessidade dos exercícios físicos (ARIÈS, 1981, p. 95). Podemos perceber que, neste momento da história do conteúdo que estamos estudando, os jogos passam a ter um status de conhecimento, de aprendizagem e têm mais valoração na nova organização social: ensinar e su- prir as necessidades educativas dos jovens. Os tratados educacionais que orientam a boa educação do período contêm orientações a respeito de exercícios físicos e jo- gos indicados para os jovens em formação. Na relação entre educação e jogos, no fim do sécu- lo XVIII, foi atrelada uma função importante: preparar os corpos e os espíritos dos jovens para as guerras, para constituir-se como um bom defensor da nação e de traba- lhador de excelência, eficiente para contribuir com a força de trabalho desta nação. Os exercícios físicos, os jogos e o que passou a ser chamado de Educação Física foram com- preendidos e utilizados como uma maneira eficiente para forjar o corpo do combatente e do jovem trabalhador. Assim, caro(a) aluno(a), temos um cenário de dis- tanciamento do caráter lúdico e de produção de sentidos que deveriam estar atrelados às expressões do jogar e do brincar, que são as bases e fundamentos desta expressão. Temos em detrimento dessas características uma fun- cionalidade empregada ao jogo de preparação do corpo e do espírito para o combate e para o trabalho. Assim, sob as influências sucessivas dos pedagogos humanistas, dos médicos do Iluminismo e dos pri- meiros nacionalistas, passamos dos jogos violen- tos e suspeitos da tradição antiga à ginástica e ao treinamento militar, das pancadarias populares aos clubes de ginástica. Essa evolução foi comandada pela preocupação com a moral, a saúde e o bem co- mum (ARIÈS, 1981, p. 95). Paralela a essa especialização dos jogos atrelados à fun- ção de treinamento educativo, temos também, no desen- volvimento da história dos jogos, brincadeiras e brin- 21 EDUCAÇÃO FÍSICA quedos, a realocação do sentido do jogo relacionado à idade das pessoas e da condição social que elas têm. Como já afirmamos, na Idade Média, esta distinção entre classes e idades no que se referia aos jogos era mui- to sutil. Segundo Ariès, uma das poucas distinções mar- cadas era em relação à prática dos jogos de cavalaria, que era reservada aos cavaleiros e aos adultos, sendo proibi- dos aos plebeus e aos petizes, mesmo que fossem nobres. Ariès (1981) afirma que este é um dos fatos que marcam, pela primeira vez, o hábito de proibir crian- ças e plebeus de participar de jogos coletivos. Esta di- visão social do hábito de jogar ocorre no contexto da constituição do entendimento de que a infância deve ser educada e que nobres e plebeus não devem parti- lhar dos mesmos hábitos. Entretanto, esta divisão entre nobres e plebeus em diversas atividades cotidianas não se constituiria como uma realidade por completo até que a função social dos nobres acabasse e tivéssemos a ascensão da “[...] burgue- sia, no século XVIII. No século XVI e no início do século XVII, numerosos documentos iconográficos compro- vam a mistura das classes sociais durante as festas sazo- nais” (ARIÈS, 1981, p. 98). As festas sazonais são realizadas em determinadas épocas do ano, podendo estar relacionadas ao calen- dário da agricultura ou religioso, como Natal, Festas de Reis etc. Há registros de diferentes idades e classes reu- nidas nestas festividades em torno de música, danças e jogos, como arremesso da barra, lutas, corridas e com- petições de saltos. Na sociedade antiga, o trabalho não ocupava tanto tempo do dia, nem tinha tanta importância na opi- nião comum: não tinha o valor existencial que lhe atribuímos há pouco mais de um século. Mal po- demos dizer que tivesse o mesmo sentido. Por ou- tro lado, os jogos e os divertimentos, estendiam-se muito além dos momentos furtivos que lhes dedi- camos: formavam um dos principais meios de que dispunha uma sociedade para estreitar seus laços coletivos, para se sentir unida (ARIÈS, 1981, p. 79). A divisão social das classes e o valor do trabalho consti- tuem-se como centrais com o advento da burguesia. Nes- 22 te contexto, no âmbito que estamos estudando, o brincar e jogar entre crianças e adultos não pode mais ocorrer da mesma forma e a separação entre estes grupos fica mais evidente no desenvolvimento da cultura lúdica. Sobre os jogos praticados por adultos e a evolução para serem jogos típicos do repertório infantil, Ariès (1981) nos ilustra com muitos exemplos, entre eles o arco, que na Idade Média não era um utensílio de crian- ças pequenas e sim de crianças maiores - que atualmente chamamos de adolescentes -, que aparecem em registros utilizando o artefato em diversas situações, inclusive em danças. Entretanto, no fim do século XVII, o arco começa a ser retratado nas mãos de crianças cada vez menores, até o seu desaparecimento como brinquedo predominante. O autor relaciona essa diminuição da brincadeira com arco entre as crianças ao fato de que, para a brincadeira existir, é preciso estabelecer uma re- lação entre o brincar da criança e a atividade do adulto, que há muito, no caso do arco (com exceção da expres- são esportiva), não ocorre cotidianamente. Podemos indagar a respeito do que move estas alte- rações no curso de apropriação e desenvolvimento do jogo, do brinquedo e da brincadeira, e como afirmamos no início deste tópico, são os fenômenos sociais e a for- ma de organização social vigente. A partir de agora, caro aluno(a), com base nessa dis- cussão que traçamos até aqui, quando você ver crianças maiores ou adolescentes nos seus momentos de lazer, faça a sua própria análise e observe se há semelhanças entre essas atividades com as atividades do dia a dia dos adultos. Reflexionar sobre essa questão, talvez, nos leve a compreender o quanto é importante a experiência lúdica como uma forma de valorização e transmissão da nossa cultura de uma geração para a outra, o que inclui a neces- sidade de continuarmos brincando mesmo na fase adulta. Philipe Ariès nos brinda com uma análise extensa sobre o brincar e a concepção de infância e educação da sociedade antiga, passando pela Idade Média e chegan- do à modernidade, dentro dos padrões e população que ele se dedicou a estudar, a francesa. Iniciamos com uma análise que, entre crianças e adultos, e em todas as clas- ses, os jogos e brincadeiras eram muito semelhantes. Ele destaca que, gradativamente no desenvolvimento histó- rico, os adultos das classes mais abastadas vão abando- nando os jogos e estes se mantêm entre as pessoas mais pobres e as crianças de todas as classes sociais: É verdade que na Inglaterra os fidalgos não abandonaram,como na França, os velhos jogos, mas transformaram-os, e foi sob formas modernas e irreconhecíveis que esses jogos foram adotados pela burguesia e pelo “esporte” do século XIX. É no- tável que a antiga comunidade dos jogos se tenha rompido ao mesmo tempo entre as crianças e os adultos e entre o povo e a burguesia. Essa coinci- dência nos permite entrever desde já uma relação entre o sentimento da infância e o sentimento de classe (ARIÈS, 1981, p. 105). 23 EDUCAÇÃO FÍSICA A infância e o seu desenvolvimento atrelado ao brincar passam a ser alvo de estudos, destacando-se fortemente, a partir das pesquisas de Rousseau, no século XVIII - em sua obra Emílio -, uma educação que deve corresponder às características infantis. Posteriormente, temos a as- censão, no século XIX, dos estudos da psicologia infan- til, que procuraram entender as representações infantis e o brincar. Influenciando inúmeras teorias e reflexões so- bre o ensinar e a infância, podemos destacar os estudos de Piaget e Vygotsky, entre outros pesquisadores. Neste contexto, desenvolvendo debates sobre a infân- cia e o brincar, temos ainda pesquisas que consideram o brincar como uma construção cultural e que sofre a influ- ência do contexto histórico e cultural para a constituição de suas formas, significados e desdobramentos na socieda- de. Esta forma de compreender a linguagem lúdica, segun- do Kishimoto (1995, p. 41), “[...] faz emergir a valorização dos brinquedos e brincadeiras tradicionais como nova fonte de conhecimento e de desenvolvimento infantil”. Temos a ascensão de jogos e brincadeiras com fins peda- gógicos, como os jogos históricos, científicos e educativos. Dentro do desenvolvimento da história que conta- mos aqui sobre o brincar e o jogar, temos que destacar a trajetória dos brinquedos. Lembrando do quadro Jo- gos Infantis, de Pieter Bruegel, quantos brinquedos você pôde identificar? Ou melhor, quantos objetos utilizados como brinquedos podemos encontrar naquela pintura? Podemos resgatar em nossa história, nos períodos antes da Revolução Industrial, que a produção era pre- dominantemente artesanal, e a lógica de consumo era completamente diversa da atual, os brinquedos eram produzidos, pelos adultos ou pelas próprias crianças, com os materiais que tinham disponível naquele contex- to. O marceneiro, com os restos de material do seu tra- balho, produzia brinquedos de madeira para seus filhos e talvez vizinhos, já a costureira, transformava os reta- lhos em bonecas, o ferreiro por sua vez, fazia miniaturas de instrumentos de trabalho, sem falar dos brinquedos feitos de palha, pedra, galhos, barro etc. Dessa forma, o brinquedo tinha um valor profundo com a cultura da- quele que o produziu, e características da comunidade no qual o indivíduo vivia. E para compreendermos essas mudanças de signi- ficado e valor do brinquedo, partimos da compreensão que a expansão dos brinquedos está atrelada - assim como o brincar e o jogar - à forma de organização social e econômica vigente. A história do brinquedo, no con- texto do século XIX e XX, está fortemente relacionada à busca pela expansão do capital e do comércio europeu. Walter Benjamin nos conta que, antes do século XIX, os brin- quedos não eram fabricados por especialistas nesta produção, eles eram construídos com materiais nobres, como madeira e estanho, feitos de maneira artesanal. Isto conferia ao brinque- do uma característica única, construído por profissionais de outras áreas, “[...] assim como se podiam encontrar animais 24 talhados em madeira com o marceneiro, assim também sol- dadinhos de chumbo com o caldeireiro, figuras de doce com o confeiteiro” (BENJAMIN, 2002, p. 90). Por outro lado, na constituição de um comércio mais organizado, existia a figura do exportador de brin- quedos, que reunia, inicialmente em Nuremberg, os brinquedos originários das manufaturas e das indústrias domésticas e os distribuía no comércio pequeno. Esta forma de comércio impulsionou a fabricação de obje- tos menores, para decoração das casas e admiração de crianças e adultos pelas miniaturas (BENJAMIN, 2002). Na segunda metade do século XIX, com o objetivo de atender à nova forma de escala de produção, houve a diminuição da produção dos brinquedos pequenos para a produção de brinquedos maiores, com menos detalhes, com materiais e formas mais padronizadas. Os brinque- dos, então, são produzidos e têm sua disseminação esti- mulada pela associação entre brincar e instruir, ressaltan- do a funcionalidade deste objeto nos jogos pedagógicos. Sobre sua composição, passam a ficar mais adapta- dos aos gostos da criança, que é reconhecida como uma consumidora em formação. Os materiais utilizados são mais diversificados que anteriormente, produzidos em larga escala e com restrições relacionadas à segurança que o objeto oferece (KISHIMOTO, 1995). A história do brinquedo e do brincar, nos séculos XV ao XIX, passa a estar atrelada à lógica mercantil, no in- tuito de moldar o consumo destes bens. Contudo, então, devemos negar a apropriação dos brinquedos neste con- texto capitalista? Arruda (2011) explicita que não, mas que precisamos ter a dimensão de que estes brinquedos industrializados, muitas vezes, em nome de construir um imaginário adaptado ao modo de produção capita- lista, retiram das crianças a verdadeira potencialidade da criatividade, coletividade, ludicidade e da educação. Movidos pelo intuito de alavancar sempre a dinâmi- ca do consumo - não são poucos os exemplos de quando a criança conquista um brinquedo visto em uma propa- ganda e logo deseja outro -, os brinquedos e brincadeiras são constituídos como um elemento chave para nutrir este mercado. Entretanto, reivindicamos aqui uma histó- ria destes elementos como construções humanas e for- mas de expressão durante as diferentes épocas. Questões conceituais dos Jogos, Brinquedos e Brincadeiras Para compreender melhor as diversas possibilidades de intervenção e atuação profissional no campo dos jogos e brincadeiras, faz-se necessário elucidar as compreensões conceituais desses fenômenos a partir dos pesquisado- res e do nosso contexto atual. Essa temática faz vibrar a alegria não só da infância, mas de muitos estudiosos e professores como eu, e convido você a se permitir envol- ver por essa valiosa ferramenta de fazer cultura, educa- ção e desenvolvimento como um todo. Antes de investigarmos o que os pesquisadores abor- dam sobre esses fenômenos culturais, eu gostaria de dis- cutir com você, para pensarmos juntos, sobre as defini- ções que construímos ao longo das nossas experiências de vida. Durante o nosso estudo, te convido a desconstruir alguns conceitos que você já traz, para dar espaço a novas reflexões sobre os jogos, brinquedos e brincadeiras. Qual tipo de jogo você mais gosta? Jogo de cartas, de tabuleiro, com bola, com peteca, com raquete, com corda, jogo de amarelinha, jogos de rua, jogos de salão, jogos peda- gógicos.... Você consegue lembrar mais algum tipo de jogo? Essa relação de jogos que acabamos de fazer, nos mostra como é difícil definir o que é jogo, pois o mesmo termo pode ser utilizado em diversas situações e com distintos significados. Entretanto, ao longo desse mate- rial dentro do nosso contexto, a Educação Física, fare- mos o esforço em definir algumas características, para que possamos didaticamente elaborar nosso próprio re- 25 EDUCAÇÃO FÍSICA pertório de jogos, o que se tornará nosso instrumento de trabalho nos diversos espaços de atuação. Será necessário também, definirmos juntos, o que é brincar, ou melhor, o que são brincadeiras, e da mesma maneira, como o jogo, não é possível limitar o seu signi- ficado a um único sentido. Podemos brincar de casinha, boneca, carrinho, esconde-esconde, pega-pega, de roda cantada, de cabra-cega, de imitação, brincar no parquinho, brincar com areia. E no final das contas, muitas brincadei- ras também serão chamadas de jogos, isso porque, quando falamos decultura popular, cultura local, produção cultu- ral, não há regras, não há certo ou errado, pois se trata da cultura do jogar e brincar, da cultura lúdica daquele povo, daquela localidade, que surgiu e se produziu por meio da história, sendo passada de geração em geração. Ao falar em geração, não podemos desconsiderar a importância dessa transmissão dos mais velhos para os mais novos. Se não fosse isso, muitos brinquedos da an- tiguidade não teriam sobrevivido aos séculos, como te- mos até hoje. A respeito do brinquedo, apesar do concei- to atual, como material industrializado produzido para o público infantil, podemos também entrar nos mesmos questionamentos, o que é brinquedo? Nas mãos das crianças, um pneu, uma tampa de panela, um pente de cabelo, um cabo de vassoura, uma garrafa plástica vazia, uma cadeira, um pedaço de tecido, ou mesmo um galho de árvore, se transformam em brinquedo. SOBRE O JOGO Segundo Kishimoto (2016, p.7), jogo, brinquedo e brin- cadeira têm sido utilizados com o mesmo significado, com a hipótese de que isso se deva ao pouco avanço dos estudos sobre o tema. E a autora, com base nos estudos de diversos autores, reúne um grupo de pontos comuns que caracterizam uma atividade como jogo, e esses são: 26 JOGO liberdadede ação dojogador o caráter voluntário episódico de ação lúdica o prazer o "não sério" as regras - implícitas ou explícitas a incerteza de seus resultados a relevância do processo de brincar (o caráter improdutivo) a representação da realidadea não literalidade contextualização no tempo e no espaço a imaginação Descrição da Imagem: Estas estão representadas através de um fluxograma, no centro há um círculo com a palavra “jogo”, ao redor há 12 círcu- los pequenos com as características do mesmo cada circulo tem uma seta que aponta para o centro. Começando pelo círculo a cima da palavra jogo, seguindo o sentido horário temos, a característica “o prazer”, seguida por “o não sério”, “as regras implícitas ou explicitas”, “ a incerteza de seus resultados”, seguida pelo círculo “a relevância do processo de brincar (o caráter improdutivo)”, “ a representação da realidade”, “a não literalidade”, “ contextualização no tempo e no espaço”, a seguir temos a característica “a imaginação”, depois a “ liberdade de ação do jogador”, a penúltima característica é “o carácter voluntário”, sendo a última o “episódio de ação lúdica”. Figura 2 - Características do jogo / Fonte: a Autora. Refletindo a respeito de cada uma dessas características, iremos identifica-las em todas aquelas atividades da ca- tegoria de brincadeiras. Somos provocados, por estudos como esse, a analisar cada atividade infantil nos diversos espaços que possibilitam o brincar, em busca da com- preensão do que é realmente brincadeira e o que não é. Para avançarmos nos nossos estudos, chamo a aten- ção para o aspecto que, alguns autores vão concordar entre si em alguns pontos, enquanto em outros poderão divergir completamente. E é a partir disso, que podere- mos tirar as nossas próprias conclusões sobre os termos e definições dessa temática tão rica e tão diversa. Bruhns (1996) explicita que, para considerarmos uma atividade como jogo, devemos, pelo menos, considerar cin- 27 EDUCAÇÃO FÍSICA co critérios para esta reflexão. O primeiro critério exposto pela pesquisadora trata do aspecto desinteressado do jogo, que pode ser questionado, pois durante seu desenvolvi- mento há muita preocupação e interesse dos participantes em torno de diversos elementos, por exemplo: as regras, as conquistas, a vitória e a derrota no jogo. O caráter de serie- dade distancia-se do que seria sério na lógica do consumo. O jogo apresenta relações consideradas sérias, pelo menos naquele momento, para os envolvidos no jogar. O segundo critério que temos que levar em conside- ração, para Bruhns (1996), é a relação entre jogo e prazer. Muitas possibilidades e vivências de jogo podem resultar em prazer, assim como outras que não envolvem o jogar e que resultam neste sentimento. Entretanto, para a auto- ra, esta não é uma certeza em todas as situações de jogo. O jogo pode provocar sentimentos desagradáveis, frustrações, assim como outras atividades desenvolvidas pelos homens. A desorganização é outro elemento atribuído com frequência ao jogo. Esta característica pode ser destacada por uma pessoa que observa superficialmente a situação de jogo e presencia a agitação, barulho e movimentação. No entanto, nesta vivência, estão implicados diversos ele- mentos organizacionais para que ocorra o jogo. Bruhns (1996) aponta que nestas situações de identificação de de- sorganização, quando um adulto pretende corrigir a situ- ação impondo mais ordem, “[...] a quebra da espontanei- dade é nítida e os movimentos antes soltos e dinâmicos, preenchendo um espaço determinado, tornam-se ‘presos’, com a mobilidade reduzida, assim ocorrendo também com a dinamicidade” (BRUHNS, 1996, p. 29). Este tipo de intervenção buscando uma ordem, muitas vezes, não atenta para as regras já estabelecidas e a organização própria daquela ação. O quarto critério que temos que considerar é a afirma- ção de que o jogo é espontâneo. Este critério origina-se na diferenciação que alguns fazem entre [...] ‘jogos superiores’, constituídos por meio da ciência e da arte, e os “não supe- riores”, aqueles simples e puros. Tal postura conduziria a um polo de atividades controladas pela sociedade e pela realidade, e outro de atividades verdadeiramente espontâ- neas porque não-controladas” (BRUHNS, 1996, p. 30). Bruhns (1996) aponta como último critério, comu- mente utilizado na constituição do debate conceitual sobre o jogo, o da libertação dos conflitos, que estaria relacionado, na situação de jogo, à supressão e resolução naquela ação de possíveis problemas ou conflitos. Este entendimento é muito utilizado em técnicas de ludoterapia na psicologia “nessa perspectiva, na área do jogo, a criança utilizaria seu domínio sobre os objetos, organizando-os de tal forma, su- pondo-se proprietária dos destinos da viola, transforman- do passividade em atividade” (BRUHNS, 1996, p. 30). Tendo isso em vista, o jogo precisa ser problematiza- do em sua dimensão de significação individual e coletiva. Descrição da Imagem Bruhns (1996) explicita que, para conside- rarmos uma atividade como jogo, devemos, pelo menos, consi- derar cinco critérios para esta reflexão. Aspecto desinteressado, a relação jogo e prazer, a desorganização, o jogo é espontâneo, e libertação dos conflitos. Figura 3 - 5 critérios para uma atividade ser considerada como jogo Fonte: a Autora. 5 critérios segundo Bruhns(1996) Aspecto desinteressado A relação jogo e prazer A desorganização O jogo é espontâneo Libertação dos con�itos 28 Diante dos critérios que precisamos levar em conside- ração na análise conceitual de um jogo, podemos agora elucidar para você, prezado(a) aluno(a), alguns elemen- tos conceituais sobre o jogo. Para Huizinga (2000), autor da obra clássica Homo Ludens, o jogo é parte constituinte da cultura do ho- mem. Entretanto, para o autor, o jogo é anterior à pró- pria cultura e essa afirmação dá-se devido ao fato de que até os animais brincam, ou seja, eles não dependeram do homem para que sua atividade lúdica fosse desenvol- vida. O jogo não é um fenômeno apenas fisiológico ou psicológico, ele ultrapassa essas esferas. O jogo está relacionado a nossa esfera irracional, “Se brincamos e jogamos, e temos consciência disso, é por- que somos mais do que simples seres racionais, pois o jogo é irracional” (HUIZINGA, 2000, p. 7). O jogo também é considerado uma atividade volun- tária que nos dispomos a realizar e também se caracte- riza pela liberdade. Para o autor, “[...] o jogo não é vida ‘corrente’ nem vida ‘real’. Pelo contrário, trata-se de uma evasão da vida ‘real’ para uma esfera temporária de ativi- dade com orientação própria” (HUIZINGA, 2000, p. 10). Assim, o homem tem total noção dequando rea- liza uma ação por estar brincando ou quando é uma ação da vida “real”. Entretanto, este entendimento de que a situação do jogo “é de mentira” ou de “faz de conta” não o limita a não ser sério. O jogo tem muita relevância para seu execu- tor e a possibilidade de jogar pode ser uma experiência muito intensa, ao ponto de que, para Huizinga (2000, p. 10), “Todo jogo é capaz, a qualquer momento, de absor- ver inteiramente o jogador”. O jogo em seu caráter desinteressado caracteriza-se pelo fato de ser exterior à vida comum, como uma ativida- de temporária, um intervalo e “tem uma finalidade autô- noma e se realiza tendo em vista uma satisfação que con- siste nessa própria realização” (HUIZINGA, 2000, p. 10). Outra referência importante quando tratamos de jogos é Caillois (1967), antropólogo e ensaísta francês que desenvolve teorias sobre o homem, o jogo, o lúdico, o profano e o sagrado, o mito, o ritual, a festa e as dife- rentes culturas. No livro “Os jogos e os homens: a más- cara e a vertigem”, de 1967, estrutura uma importante contribuição na nossa área a respeito dos jogos (LARA; PIMENTEL, 2006). Para Caillois (1967), inúmeras atividades são atri- buídas à nomenclatura jogo, como os de destreza, de azar, ao ar livre, de paciência, entre outros. O jogo, no entendimento do autor, está atrelado às inúmeras carac- terísticas, como a diversão, a atmosfera de descontração, facilidade, riso ou liberdade, distanciamento da serie- dade e das consequências que pode ter na vida real. O jogo nesta concepção é oposto ao trabalho e à produção, constitui-se como estéril. Todas estas características conferem, segundo Cail- lois (1967), um de seus eixos mais importantes: a gratui- dade. A gratuidade que entramos para jogar é seu cerne, que permite que nos entreguemos ao jogo com indife- rença, distanciando-o do que seriam atividades produti- vas, como o trabalho. Caillois (1967) também designa as diversas possibili- dades do jogo e que este basicamente pode ser chamado assim, entre outras proposições, pois têm definido se é ou não um jogo a partir do estabelecimento de um agrupa- mento de regras e normas que não podem ser quebradas. Se as regras forem quebradas, fundamentalmente o pró- prio jogo acaba. E o que faz a regra ser imposta no ato do jogo? O próprio desejo de jogar, de respeitar as regras da atividade, de entrar em acordo voluntariamente. Outro traço que caracteriza o jogo, para o autor, é que ele estimula qualquer capacidade humana, seja ela física, seja intelectual. Este estímulo é possível, pois pode tornar mais acessível e fácil, por meio do prazer e obs- tinação que o jogo proporciona, o que poderia a prin- 29 EDUCAÇÃO FÍSICA cípio ser considerado difícil ou inacessível para quem joga. Exemplifica que o jogo competitivo, por exemplo, leva ao desporto; que os jogos de azar e de combinação serviram de base para muitos “[...] desenvolvimentos matemáticos, de cálculos de probabilidades à topologia” (CAILLOIS, 1967, p. 15). Sobre as contribuições do jogo, Caillois (1967) aponta que este é muito fecundo para o desenvolvimen- to cultural, como também ao desenvolvimento de cada indivíduo, e nos conta que os estudos da psicologia de- tectaram este potencial: “[...] reconhecem-lhes um papel vital na história da autoafirmação da criança e na forma- ção de sua personalidade” (CAILLOIS, 1967, p. 15). O jogo, na teoria desenvolvida por Caillois, não pre- para o sujeito para o trabalho que desenvolverá na vida adulta, ele é apenas, aparentemente, uma experimenta- ção do trabalho. O jogo introduz a pessoa na sua vida de maneira geral, no todo, levando-o a desenvolver capaci- dades frente às dificuldades da vida, não para preparar o indivíduo para uma profissão definida. Assim, uma criança que brinca de ser professora e se posiciona em frente a seus amigos para ministrar uma aula não vai, necessariamente, ser professora. Para Caillois (1967, p. 16), O jogo supõe, sem dúvida, a vontade de ganhar, pela utilização plena dos recursos e pela exclusão das jogadas proibidas. Mas exige mais: é preciso ser cortês para com o adversário, dar-lhe confian- ça, por princípio, e combatê-lo sem animosidade. É preciso aceitar antecipadamente uma eventual derrota, o azar ou a fatalidade, admitir a derrota sem cólera nem desespero. Desta forma, o jogo nos convida a desenvolver o auto- domínio relatado anteriormente, pressupõe que, para ser um jogador, precisamos compreender estes acordos. Se ocorrer a derrota, pode ser realizada uma nova joga- da, o jogo pode recomeçar e, em um novo jogo, existe a oportunidade de aperfeiçoar sua performance ao invés de desanimar frente ao jogo. A lei do jogo, para o autor, implica acolher uma der- rota como um contratempo e a vitória sem excessiva vaidade, valorizando como se joga em detrimento da vitória em si e mais importante que o que se aposta. Esta lei que recusa a mesquinhez e o ódio é “praticar um ato de civilização” (CAILLOIS, 1967, p. 17). Caillois (1967) afirma que “o jogo assenta indubita- velmente no prazer de vencer o obstáculo, mas um obs- táculo arbitrário, quase fictício, feito à medida do joga- dor e por ele aceito. A realidade não tem estas atenções” (CAILLOIS, 1967, p. 18). Deste modo, o jogar é colocado com transposições a serem superadas, mas estas são quase inventadas, com um traço importante: as regras são aceitas pelas partes que compõem o jogo para que este se desenvolva. Destarte, o autor nos aponta, prezado(a) aluno(a), que o jogo caracteriza-se por ser “[...] uma atividade livre e voluntária, fonte de alegria e divertimento. Um jogo em que fôssemos forçados a participar deixaria imediatamente de ser jogo” (CAILLOIS, 1967, p. 26). Se o jogo fosse realizado de forma coercitiva, ou ape- nas recomendado, perderia sua essencialidade. Quando nos impõem que façamos algo, temos a necessidade de nos livrarmos rapidamente daquela tarefa e se assim for no jogo, para Caillois, perde-se uma de suas principais características: a liberdade de escolha, de se entregar li- vremente àquela atividade por puro prazer. O jogo, para o autor, também ocorre em um deter- minado tempo e espaço. Desenvolvendo-se como uma atividade separada do restante da vida dos indivíduos. Por exemplo, em relação ao espaço, se uma bola sai da área determinada para se jogar em duplas (espaço), o jogo é paralisado (tempo) e são aplicadas as penalidades determinadas, então o jogo é retomado no local deter- 30 minado (espaço) e tem sua duração determinada por algum sinal, como um apito (tempo). Podemos ir além e refletir sobre os espaços e tempos que nós dispo- nibilizamos para jogar ou brincar. Falar do brincar da criança, dentro desse as- pecto, é ainda mais urgente, sem o elemento tempo e es- paço não há jogo. Assim, Caillois (1967, p. 29) nos apresenta as princi- pais características do jogo em seis elementos: O autor expõe que a característica de ser regu- lamentada e fictícia é con- traditória e quase mutua- mente excludente. O jogo é, anteriormente ao seu de- senvolvimento, ou regula- mentado ou fictício, consti- tuindo, para Caillois, como pontos incongruentes. Porque não gera bens, nem riquezas, nem elementos novos de espécie alguma; e, salvo alteração de propriedade no interior do círculo dos jogadores, conduz a uma situação idêntica à do início da partida. Circunscrita a limites de espaço e de tempo, rigorosa e previamente estabelecidos. Acompanhada de uma consciência especí�ca de uma realidade outra, ou de franca irrealidade em relação à vida normal. Uma vez que, se o jogador fosse a ele obrigado, o jogo perderia de imediato a sua natureza de diversão atraente e alegre. Já que o seu desenrolar não pode ser determinado nem o resultado obtido previamente, e já que é obrigatoriamente deixada à iniciativa do jogador uma certa liberdade na necessidade de inventar. Sujeita a convenções que suspendem as leis normais e que instauram momentaneamente uma legislação nova,a única que conta. LIVRE DELIMITADA INCERTA IMPRODUTIVA REGULAMENTADA FICTÍCIA Descrição da Imagem as principais características do jogo em seis elementos: livre, delimitada, incerta, improdutiva, regulamenta- da, fictícia Figura 4 - Principais caracterís- ticas do jogo em seis elementos Fonte: a Autora. 31 EDUCAÇÃO FÍSICA Prezado(a) aluno(a), frente a estes conceitos elementa- res do jogo, baseados na contribuição de Roger Caillois, podemos destacar que o jogo não se forja apenas de uma maneira. Suas características são fruto de inúme- ras combinações, nos permitindo afirmar que não é um fenômeno simples, pois é composto de inúmeros deter- minantes desde sua origem. Na busca pela conceituação de jogo, temos também a construção desenvolvida na Teoria Histórico-Cultural, que discute o desenvolvimento humano e, neste proces- so, também o jogo e a brincadeira. Uma das contribui- ções mais expressivas da área para a compreensão do jogo é desenvolvida por Daniil B. Elkonin, psicólogo, que estudou especialmente a educação escolar infantil e escreveu, entre outras obras, a “Psicologia do Jogo”. O autor trata da linguagem do jogo apoiado nos estudos e pesquisas de Lev Semenovitch Vygotsky, que assim como Elkonin, era psicólogo. Os estudos eram relacionados à brincadeira e ao desenvolvimento das crianças. Tratavam também de disseminar a compreen- são da necessidade de superarmos concepções que natu- ralizam essa linguagem humana e que o jogo e a brinca- deira são construções histórico-sociais. Elkonin (1998, p. 19) explica que o jogo “[...] é uma atividade em que se reconstroem, sem fins utilitários di- retos as relações sociais”. Compreendendo que o jogo é a reconstrução de uma atividade relacionada à vida social, tarefas e normas destas relações. O autor assinala que existe uma afinidade entre o jogo e a arte. Na moderni- dade, não existem constituições evoluídas de jogo entre os adultos, elas foram substituídas pelas inúmeras for- mas de arte ou pelos diferentes esportes. Por outro lado, na infância, o jogo de papéis persiste, ocorre nas mais diversas esferas na contemporaneidade. 32 Roger Caillois e Daniil Elkonin, deve ser entendida por você como um estímulo para que busque outras referên- cias neste vasto universo do jogo. SOBRE A BRINCADEIRA Assim como afirmamos no início desta unidade, não exis- te uma separação tão estanque como realizamos aqui en- tre o jogo, a brincadeira e o brinquedo e nos organizamos assim para um melhor processo de aprendizagem. Iremos nos debruçar sobre algumas especificidades do brincar, considerando que muitos conceitos trabalhados anterior- mente sobre o jogo correspondem também ao brincar. Se pudéssemos apontar uma diferença entre jogo e brincadeira - que é destacada por diversos pesquisado- res da área -, seria o fato de a brincadeira ter regras me- nos complexas e estruturadas que o jogo. Os jogos, para os autores que apontam esta divisão, têm na sua organi- zação regras estabelecidas e formas mais sistematizadas a serem praticadas em detrimento da brincadeira. Por exemplo, brincar de “veterinário” pode ter re- gras modificadas e definidas na hora, se assim os par- ticipantes quiserem; se observarmos um jogo de três- -corta (jogo que, em círculo, os participantes jogam a bola de voleibol e no terceiro toque o jogador corta com a bola objetivando “queimar” algum adversário e eliminá-lo do jogo), existe uma complexidade maior nas regras e que foram acordadas entre os participantes antes, senão o jogo não iniciaria. Com base nesse raciocínio, poderíamos arriscar di- ferenciar da seguinte forma: O jogo protagonizado “[...] nasce no decorrer do de- senvolvimento histórico da sociedade como resultado da mudança de lugar da criança no sistema de relações sociais. Por conseguinte, é de origem e natureza sociais” (ELKONIN, 1998, p. 80). A sua origem não tem relação com o instinto e na- tureza humana e sim com condições concretas que a criança vive. Os papéis que as crianças assumem nos jogos são o cerne destes, o que deve ser observado na evolução do jogo. Com diferentes idades, a criança compreende, se relaciona e desempenha diferentes papéis na situação de jogo. O jogo tem como eixo central as relações humanas e não os objetos, pois são as relações com o adulto que motivam o jogo em si e não o artefato que a criança tem acesso (MARCOLINO et al., 2014). Elkonin (1998) também afirma que o jogo pressu- põe uma ação lúdica abreviada e sintética. O que signi- fica isso? Que a criança, quando reproduz uma situação no jogo, não a desenvolve em todos seus passos e carac- terísticas, ela se apropria de elementos que compreende e desenvolve a ação lúdica. O que é mais relevante neste processo é que todos os envolvidos compreendam o sentido do jogo protagonizado. Assim, no desenvolvimento do jogo de papéis, a criança re- estrutura seu pensamento e estabelece seu desenvolvimento psíquico e sua personalidade (MARCOLINO et al., 2014). Prezado(a) aluno(a), temos inúmeras contribuições sobre a conceituação dos jogos. Esta abordagem reali- zada na disciplina, com três principais contribuições tão díspares uma das outras, a saber, de Johan Huizinga, 33 EDUCAÇÃO FÍSICA JOGO CAÇA AO TESOURO BOLA QUEIMADA BETS BASE 4 PEGA-PEGA Descrição da Imagem: relação de atividades consideradas como jogos. Figura 5 - Jogos / Fonte: a Autora. 34 Brincadeira Carrinho de rolimã Perna de Pau Imitação Pipa/ Papagaio Roda Cantada Descrição da Imagem: relação de atividades con- sideradas como brincadeiras. Figura 6 - Brincadeiras / Fonte: a Autora. 35 EDUCAÇÃO FÍSICA Contudo, essa diferenciação entre jogo e brincadeira aqui, em nosso processo de aprendizagem, é secundária. Consideramos que ela reduz estas expressões humanas e classifica algo que tem sua riqueza justamente pautada na diversidade. Pois, uma brincadeira ou um jogo pode ter outra nomenclatura em um local distinto, pode ter suas regras modificadas, pode não ser jogado com o material que conhecemos, entre outros elementos. Quanto à brin- cadeira de veterinário, os brincantes podem definir várias regras e normas para a brincadeira ser desenvolvida. Vamos nos atentar aqui a debater a partir do que já aprendemos sobre o conceito de jogo, elementos que nos enriqueçam como professores(as) em formação, para a compreensão da cultura lúdica da criança. Debortoli (2004), a partir da multiplicidade que é própria da brin- cadeira, a define como: Uma das formas mais sutis e sofisticadas de parti- lha de regras, por mais tácitas que sejam. Uma brin- cadeira entrecruza histórias, tempos e espaços. Não se brinca apenas com um objeto. Brinca-se com uma memória coletiva que muitas vezes transcen- de quem brinca e o próprio momento da brinca- deira: objetos, tempos, substâncias, regiões, épocas, cidades, países, estações do ano, rituais, os mais amplos e ricos contextos humanos. Prefiro dizer que toda brincadeira consiste num jogo, no sentido mais pleno da construção de regras e instauração de uma dinâmica coletiva de significação de suas relações (DEBORTOLI, 2004, p. 20). O brincar que se observa tem em si elementos atuais, re- presenta as marcas da sociedade em que está ocorrendo. No mundo contemporâneo, com características de pra- zer imediato, consumo, rapidez, relações superficiais e descartáveis, a brincadeira pode ser utilizada como ins- trumento para moldar comportamentos dos brincantes. Ela pode ser utilizada como ferramenta que reproduz este sentido de sociedade e não a característica da brin- cadeira em si como expressão de criação e produção do mundo (DEBORTOLI, 2004). O brincar, assim como afirmamos em algumas pro- posições sobre o jogo, tem ligação expressa na e com a realidade. No brincar ocorre a reconstrução da realidade e durante esta atividade a criança formula hipóteses, “[...] Num espaço à margem da vida comum, obedecendo as regras criadas pelos sujeitos brincantes diantedas situa- ções inesperadas que vão surgindo, as crianças brincam com o sentido da realidade mudando-o, transforman- do-o” (SILVA, 2004, p. 26). Desvelando o potencial imaginativo e criador do brin- car é que o destacamos como seu elemento constitutivo. Vygotsky (1991) nos apresenta a brincadeira como uma possibilidade de compreender e assimilar o mundo pela criança brincante. Na brincadeira, a criança enfrenta desafios e conflitos e nestas situações vai desenvolvendo a capacidade de aprender e assimilar as normas da sociedade. Assim, a brincadeira, para o psicólogo, contribui como mediadora do processo de desenvolvimento infan- til. Na brincadeira, a criança experimenta, imita e aprende sobre situações que vão além do seu cotidiano. Ela avança em outros territórios que ainda não podem vivenciar na infância, cria papéis e formula estratégias de como lidar com as situações geradas por aquela atividade. Estamos até agora tratando da brincadeira em si. Discutimos com você, prezado(a) aluno(a), significados e desdobramentos da brincadeira com seu significado nela. Entretanto, esse não é o sentido atrelado, muitas ve- zes, à brincadeira. Em geral, para a brincadeira ser reco- nhecida como importante na sociedade, ela tem seu sig- nificado relacionado a outro fator, um elemento externo. Neste sentido, para Debortoli (2004), a brincadeira, para ter importância, precisa erroneamente, especialmen- te na visão do adulto, estar atrelada à algo sério e de valor, como conteúdos ou habilidades. Desta forma, justifica-se a ocorrência delas em ambientes educacionais, por exemplo. 36 Dizer que o brincar e a brincadeira são coisas sérias reforça uma tentativa de dar um estatuto de impor- tância a partir da referência daquilo que o olhar adulto considera importante, como o trabalho e a ciência; ou outros conhecimentos, como a ma- temática, a leitura e a escrita, ou comportamentos disciplinados e considerados como adequados. O brincar, assim, adquire importância por subsidiar outras aprendizagens, mas não por seus temas, linguagem, tensões e suas relações específicas (DE- BORTOLI, 2004, p. 23). Os significados, historicidade e sentidos da brincadei- ra precisam ser mais bem compreendidos pelo mundo adulto. Esta busca desenfreada por dar um significado externo à brincadeira do que a ela é motivada por uma lógica de que, para valer a pena, uma situação deve gerar um produto imediato. Por exemplo, considere que as crianças brinquem de amarelinha, mas que devem resolver equações ma- temáticas para avançarex’m na brincadeira. Um adulto poderia olhar a situação e dizer: isso sim é uma brin- cadeira boa para a criança, esta brincadeira se justifica na escola. Enquanto em outra situação, se as crianças brincarem de amarelinha com sua própria organiza- ção, sem elementos exteriores (por exemplo, as equa- ções matemáticas), podem não ter a mesma relevância a partir do olhar de um adulto. Alves et al. (2011), a partir da leitura de Benjamin, nos aponta que na compreensão do mundo adulto sobre a brincadeira está implicada também o processo de me- mória. A relação e o olhar do adulto para com o brincar são influenciados pelas experiências vivenciadas por ele com o brincar em sua constituição como pessoa aliada às condições concretas que um adulto vivencia. É nesse processo que podemos compreender como brinquedos e brincadeiras infantis documentam o modo de o adulto se colocar em relação ao mundo da criança, uma vez que significativas interações da criança com o adulto e seu universo social passam pelo brincar e uso de brinquedos. A memória do brincar é, portanto, um substrato que pode estabelecer liames entre passado e presente, entre distintas realidades espaciais e temporais, individuais e sociais (ALVES et al., 2011, p. 49). Esta contribuição sobre a influência da memória do adulto e a relação com o brincar da criança é baseada nos estudos de Walter Benjamin, filósofo e sociólogo alemão que aponta que as diversas vivências do brincar na infância constituem e fazem parte do adulto e de sua subjetividade. Benjamin (2002) também assinala outro traço per- tinente ao brincar, que são os hábitos que a criança se apropria nesta atividade, como o dormir, o vestir-se, o pentear-se, entre outros hábitos que podem ser aprendi- dos no brincar e no jogar. Segundo o autor, “o hábito entra na vida como brin- cadeira, e nele, mesmo em suas formas mais enrijecidas, sobrevive até o final um restinho da brincadeira” (BEN- JAMIN, 2002, p. 102). Assim, mesmo os adultos mais enrijecidos pela vida tiveram a constituição de sua sub- jetividade na brincadeira. Mesmo que se negue e bus- que outros significados ao brincar, como no exemplo da amarelinha. 37 EDUCAÇÃO FÍSICA Em seus estudos, Benjamin evidencia a relevância da repetição da brincadeira pelas crianças. A repetição: [...] rege a totalidade do mundo do jogo [...]. Sabemos que para a criança ela é a alma do jogo; que nada a torna mais feliz do que o “mais uma vez”. [...] A criança volta a criar para si todo o fato vivido, começa mais uma vez do início. [...] A essência do brincar não é um “fazer como se”, mas um “fazer sempre de novo”, transformação da experiência mais comovente em hábito (BENJAMIN, 2002, p. 102-103). Nesta oportunidade de repetir a brincadeira, de fazer tudo novamente, iniciam-se zeradas as relações estabelecidas até então no brincar. Com este eco das ações na brincadeira, o brincante ressignifica e desenvolve a possibilidade de aprendizagem a partir das experiências vivenciadas, construindo hábitos. Assim, prezado(a) aluno(a), podemos afirmar que a brincadeira e o jogo são, diante das proposições até agora elu- cidadas em nossa caminhada, formas importantes e imprescindíveis para a constituição e organização da sociedade. Essas expressões refletem as relações dadas na contemporaneidade, não devendo ser consideradas ações menores ou de pouca relevância. O brincar precisa ser desvelado em seus meandros constitutivos, visando que a linguagem lúdica seja mais bem compreendida e garantida nos mais diversos espaços formativos, entre eles, a escola. SOBRE O BRINQUEDO Quando nos dispomos a refletir sobre brinquedo, em nosso imaginário é possível que apareça uma infinida- de de objetos: bola, carrinho, pipa, pião, quebra-cabeça, arco, boneca, trenzinho, ursinho de pelúcia, avião. Quan- ta coisa, não? Mas esta pequena lista é apenas uma parte ínfima da relação que podemos trazer de brinquedos existentes e que podem vir à cabeça de alguém quando pensamos nos brinquedos. Nunca será possível que esta A Professora Kishimoto, organizadora do livro, mantém um grupo de pesquisa no Brasil, em rede com grupos internacionais para discutir a infância e as pe- dagogias. Relaciona-se com grupos de pesquisadores na Itália e na França para estudar as especificidades do brincar e da infância. Entre outros interesses, pesquisa a cultura da infância em diferentes países, entre os quais o Japão, a França e Portugal. O livro O Brincar e suas teorias nos traz artigos que referendam concepções sobre o brincar provenientes de três campos de estudo: sociocul- turais, filosóficos e psicológicos que subsidiam trabalhos de pesquisa do grupo interinstitucional sobre o jogo na educação. Tais referenciais certamente serão de grande utilidade para os que buscam paradigmas para justificar pesquisas e reflexões a respeito do brincar. 38 lista seja exata. Os brinquedos estão diretamente relacio- nados aos elementos da cultura constituída e em consti- tuição, por isso são múltiplos e diversificados. Se pretendermos estabelecer uma conceituação do brinquedo, segundo Silva (2004), podemos encontrar diversas concepções, mas o autor destaca que o brinque- do, em geral, é visto como um suporte da brincadeira, ou como artefato industrializado confeccionado ou não por crianças e que apresenta uma referência à infância. Silva (2004) assinala que esta maneira de analisar o brinquedo não pode
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