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Bilinguismo na Educação de Surdos

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1
BILINGÜISMO
Não há opção, porque a questão configura-se nos
seguintes termos: a linguagem se aprende,
mas não pode ser ensinada.
(Sánchez, 1990, p. 92)
O
presente capítulo apresenta uma discussão sobre os aspectos que
são pressupostos em uma proposta bilíngüe-bicultural específica para
a aplicação em escolas voltadas para o ensino de pessoas surdas.
As questões teóricas e técnicas que subjazem tal proposta são menciona-
das no presente capítulo e desenvolvidas mais detalhadamente nos capítu-
los seguintes. Em “Uma proposta para educação de surdos” apresentam-se
os pontos críticos de propostas educacionais desenvolvidas ao longo dos
anos e busca-se evidenciar os fatores que determinaram a necessidade de
discussão a respeito de uma nova proposta alternativa às existentes. Após
terem sido levantadas as razões que motivaram o bilingüismo, ainda nesta
seção, analisam-se os aspectos que configuram tal proposta educacional. A
partir dessas informações, em “Experiências de alguns países” são apresen-
tados relatos de experiências de escolas onde tal proposta está sendo arti-
culada. Para finalizar o presente capítulo, sugerem-se algumas estratégias
que podem ser utilizadas em direção à implementação do bilingüismo.
UMA PROPOSTA PARA EDUCAÇÃO DE SURDOS
Fazendo uma espécie de digressão sobre a educação de surdos no
Brasil, apresentam-se duas fases que podem ser claramente delineadas e
uma terceira fase, a atual, que configura um processo de transição.
A primeira fase constitui-se pela educação oralista (Couto,1988), que
apresenta resquícios de sua ideologia até os dias de hoje. Basicamente, a
proposta oralista fundamenta-se na “recuperação” da pessoa surda, chama-
22 Ronice Müller de Quadros
da de “deficiente auditivo”. O oralismo enfatiza a língua oral em termos
terapêuticos. Lenzi (1995) menciona os estudos lingüísticos sobre a lingua-
gem com base inatista e conclui o seguinte:
(...) os surdos, como seres humanos que são, possuem, também, essa capa-
cidade, o que explica sua possibilidade de adquirir a língua falada em seu
país. Desenvolvendo a função auditiva e dispondo dessa capacidade inata,
o surdo precisa receber a linguagem de maneira natural, como acontece
com a criança que ouve. (Lenzi, 1995, p. 44)
Levanta-se a seguinte questão: é possível o surdo adquirir de forma
natural a língua falada, como acontece com a criança que ouve? Os profis-
sionais que trabalham com surdos não duvidam de que o processo de
aquisição da língua falada pelo surdo jamais ocorre da mesma forma que
acontece com a criança que ouve, porque esse processo exige um trabalho
sistemático e formal. O próprio Chomsky (1995, p. 434), um lingüista que
supõe o inatismo, menciona as línguas de sinais como possível expressão
da capacidade natural para a linguagem. O oralismo, contudo, é uma pro-
posta educacional que contraria tais suposições: não permite que a língua
de sinais seja usada nem na sala de aula nem no ambiente familiar, mesmo
sendo esse formado por pessoas surdas usuárias da língua de sinais.
Tomando como base o ensino desenvolvido em muitas cidades brasi-
leiras, o oralismo sempre foi e continua sendo uma experiência que apre-
senta resultados nada atraentes para o desenvolvimento da linguagem e da
comunidade dos surdos. Sacks expressa isso muito bem:
O oralismo e a supressão do Sinal resultaram numa deterioração dramática
das conquistas educacionais das crianças surdas e no grau de instrução do
surdo em geral.
Muitos dos surdos hoje em dia são iletrados funcionais. Um estudo realizado
pelo Colégio Gallaudet em 1972 revelou que o nível médio de leitura dos
graduados surdos de dezoito anos em escolas secundárias nos Estados Uni-
dos era equivalente apenas à quarta série; outro estudo, efetuado pelo psicó-
logo britânico R. Conrad, indica uma situação similar na Inglaterra, com os
estudantes surdos, por ocasião da graduação, lendo no nível de crianças de
nove anos (...). (Sacks, 1990, p. 45)
Duffy (1987) apresenta dados semelhantes a esses citados por Sacks.
O autor argumenta que as crianças surdas não estão tendo condições de
competir com seus pares ouvintes, porque somente 10% dos surdos adul-
tos são alfabetizados em inglês e a média da leitura e da escrita dos alunos
com o segundo grau completo corresponde à quinta série.
No Brasil, a realidade não é diferente. Apesar de não haver um levan-
tamento exaustivo sobre o desempenho escolar de pessoas surdas brasilei-
ras, os profissionais e a sociedade surda reconhecem as defasagens escola-
Educação de Surdos 23
res que impedem o adulto surdo de competir no mercado de trabalho. Nas
escolas brasileiras, é comum terem surdos com muitos anos de vida escolar
nas séries iniciais sem uma produção escrita compatível com a série. Além
disso, há defasagens nas demais áreas previstas para as séries consideran-
do o currículo escolar (defasagem em termos de conteúdos escolares). A
FENEIS (1995) cita uma publicação e dados da própria FENEIS a respeito
do desempenho escolar:
Através de pesquisa realizada por profissionais da PUC do Paraná em con-
vênio com o CENESP (Centro Nacional de Educação Especial) publicada
em 1986 em Curitiba, constatou-se que o surdo apresenta muitas dificulda-
des em relação aos pré-requisitos quanto à escolaridade, e 74% não chega
a concluir o 1º grau. Segundo a FENEIS, o Brasil tem aproximadamente
5% da população surda total estudando em universidades e a maioria é
incapaz de lidar com o português escrito. (FENEIS, 1995, p. 07)
Outro problema da proposta oralista está relacionado à questão da
aquisição da língua oral. Pesquisas desenvolvidas nos Estados Unidos (Duffy,
1987) constataram que, apesar do investimento de anos da vida de uma
criança surda na sua oralização, ela somente é capaz de captar, através da
leitura labial, cerca de 20% da mensagem e, além disso, sua produção oral,
normalmente, não é compreendida por pessoas que não convivem com
ela (pessoas que não estão habituadas a escutar a pessoa surda). Pode-se
citar como exemplo dessa constatação o caso de uma pessoa surda adulta
brasileira que, apesar de ter passado anos e anos em uma escola treinando
a fala com o reforço entusiasmado dos professores, percebeu que tudo que
havia aprendido de nada havia contribuído para a sua integração social.
Em conseqüência de tal decepção, sentindo-se enganada pelos profissio-
nais, essa pessoa nunca mais quis usar a voz.
Duffy também menciona o fato de surdos casarem com outros surdos
como uma das razões da necessidade de exposição à língua de sinais. Essa
necessidade é totalmente desconsiderada em uma proposta oralista. Confor-
me o autor, cerca de 90% dos surdos contratam matrimônio com outros
surdos. Para Duffy, o poder da necessidade de comunicação compreensiva
faz com que isso ocorra. Acrescenta-se a essa colocação do autor a questão
sócio-cultural. Aqui no Brasil é muito comum pessoas surdas casarem com
outras pessoas surdas. Normalmente as razões levantadas pelos casais sur-
dos é o fato de ambos pertencerem à mesma comunidade, além da questão
de usarem uma mesma língua. O relato de pessoas surdas que casaram com
pessoas não-surdas é igualmente interessante. Com muita freqüência, essas
pessoas já estão divorciadas e criticam a relação com pessoas não-surdas por
não haver comunicação e tolerância do parceiro não-surdo nas participações
sociais que envolvem pessoas surdas. A proposta oralista simplesmente
desconsidera essas questões relacionadas à cultura e sociedade surda.
24 Ronice Müller de Quadros
Diante desse difícil contexto, surge uma proposta que permite o uso
da língua de sinais com o objetivo de desenvolver a linguagem na criança
surda. Mas a língua de sinais é usada como um recurso para o ensino da
língua oral. Os sinais passam a ser utilizados pelos profissionais em conta-
to com o surdo dentro da estrutura da língua portuguesa. Esse sistema
artificial passa a ser chamado de português sinalizado. O ensino não enfatiza
mais o oral exclusivamente, mas o bimodal. O bimodalismo passa aser
defendido como a melhor alternativa de ensino para o surdo. Tal proposta
caracteriza-se pelo uso simultâneo de sinais e da fala. Sacks critica o
bimodalismo de uma forma que vale a pena ser mencionada:
Há uma compreensão de que algo deve ser feito (diante do oralismo): mas
o quê? Tipicamente, usando os sinais e a fala, permita aos surdos se torna-
rem eficientes nos dois. Há outra sugestão de compromisso, contendo uma
profunda confusão: uma linguagem intermediária entre o Inglês e o Sinal
(ou seja, o Inglês Sinalizado). Essa confusão vem de longa data — remon-
ta aos “sinais Metódicos” de De l’Epée, que foram uma tentativa de ex-
pressão intermediária entre o Francês e o Sinal. Mas, (...) não é possível
efetuar a transliteração de uma língua falada em Sinal palavra por palavra,
ou frase por frase — as estruturas são essencialmente diferentes. Imagina-
se com freqüência, vagamente, que a língua de sinais é Inglês ou Francês:
não é nada disso; é ela própria, Sinal. Portanto, o “Inglês Sinalizado”,
agora favorecido como um compromisso, é desnecessário, pois não preci-
sa de nenhuma pseudolíngua intermediária. E, no entanto, os surdos são
obrigados a aprender os sinais não para idéias e ações que querem expres-
sar, mas pelos sons fonéticos em Inglês que não podem ouvir. (Sacks, 1990,
p. 47)
Torna-se relevante mencionar Ciccone (1990), que abordou a filosofia
da Comunicação Total (filosofia educacional que se baseia no respeito
pela diferença), enfatizando que “línguas de sinais e português são idio-
mas autênticos, e que equivalem em níveis de qualidade e importância
(...)” (Ciccone, 1990, p. 70)1. Esses aspectos mencionados por Ciccone são
inquestionáveis e, inclusive, poder-se-ia tomá-los como base filosófica de
uma proposta bilíngüe. A autora também menciona a opção bimodal (uti-
lização do português sinalizado) como prática educacional brasileira em
algumas escolas. Isso reflete o movimento que está sendo descrito breve-
mente neste trabalho: da primeira fase — oralismo — para a segunda fase
— bimodalismo. Registra-se aqui que a opção por uma proposta bimodal
para o ensino de crianças surdas deve ser reconsiderada tendo em vista as
colocações apontadas por Sacks anteriormente e também os resultados das
pesquisas citadas por vários autores (Duffy, 1987; Ferreira Brito, 1993;
Johnson, Liddell & Erting, 1989).
Duffy coloca que, muitas vezes, os sistemas de sinais artificiais, como
tentativas de ajustamento da língua oral-auditiva em uma modalidade es-
Educação de Surdos 25
paço-visual, são usados para negar à criança surda a oportunidade de criar
e experimentar uma língua natural. Dessa forma, tira-se a oportunidade
dessa criança de desenvolver sua capacidade natural para a linguagem.
Além disso, o sistema artificial não é adequado para o ensino da língua
oral, pois não representa um sistema completo de linguagem, conforme
acrescenta Duffy, com base em Strong (1986)2. Duffy salienta que as pes-
quisas têm indicado que somente 10% das expressões em sinais são exata-
mente iguais às que foram faladas quando do uso do inglês sinalizado (no
caso do Brasil: português sinalizado). Conforme o autor, alguns educado-
res defendem que é preferível comunicar 10% do que nada. Contudo, ob-
servando que o nível de alfabetização das crianças surdas não tem melho-
rado significativamente nas últimas décadas não seria mais razoável consi-
derar novas abordagens de ensino?
Ferreira Brito (1993) critica o uso do português sinalizado observando
a impossibilidade de preservar as estruturas das duas línguas ao mesmo
tempo. A autora salienta que expressões faciais e movimentos com a boca
na LIBRAS são impossíveis de serem usados concomitantemente com a fala
(por exemplo, um dos sinais para LADRÃO).
Ao analisar o acesso aos conteúdos e informações escolares, Johnson
et al. (1989) discutem sobre o inglês falado com o apoio simultâneo de
sinais. Os autores observam que o primeiro grande engano dos profissio-
nais que adotam esse sistema artificial é de chamá-lo de língua de sinais.
Esse fato também é observado entre os profissionais que trabalham com
surdos no Brasil e utilizam o português sinalizado. Algumas investigações
sobre os resultados da interação e acesso às informações utilizando esse
meio indicam muitas limitações. Johnson & Erting (no prelo) apontam suas
conclusões:
O professor constantemente distorce os sinais, além de articular de forma
errada e produzir sinais com outros significados (...). Mais problemático
ainda é a incongruência entre sinais e o Inglês falado. Os resultados dessa
situação evidenciam que seus sinais não são, de forma alguma, representa-
ção exata do Inglês falado. Muitas palavras do Inglês não estão representa-
das nos sinais e não há um critério consistente na omissão dos sinais. O
resultado final é um grupo de orações sinalizadas que são, em sua maior
parte, incompreensíveis, apresentando contradições quanto ao que se quer
dizer e consideravelmente incompletas. Mesmo nos melhores casos, as
orações não representam expressões fiéis ao Inglês. É ilusório esperar que
as crianças com pouca ou nenhuma audição e com escasso contato prévio
com o Inglês aprendam o Inglês com este modelo. (Johnson & Erting, In:
Johnson et al., 1989, p. 21)
Considerando o trabalho de Westphal (1995) sobre aquisição de se-
gunda língua sob perspectiva gerativista, a simultaneidade é impraticável
quando se intenciona preservar as duas estruturas lingüísticas3. Westphal,
26 Ronice Müller de Quadros
baseado na Teoria de Princípios e Parâmetros (Chomsky & Lasnik, 1991),
explica que cada língua ao ser adquirida permite à pessoa acionar parâmetros
da UG que variam de língua para língua4. Pode-se supor que haja parâmetros
comuns entre a LIBRAS e o português, mas, sem dúvida, há parâmetros
diferentes, caso contrário seriam a mesma língua. Então, como é possível
duas línguas com alguns parâmetros diferentes acionados internamente
serem acessadas ao mesmo tempo? A resposta a essa questão é óbvia: não
é possível.
As duas primeiras fases constituem grande parte da história da educa-
ção dos surdos no Brasil. Ainda hoje estão sendo desenvolvidos o oralismo
e o bimodalismo nas escolas brasileiras; porém, há algo que está aflorando
nas comunidades de surdos e isto tem afetado os educadores de surdos. As
comunidades surdas estão despertando e percebendo que foram muito
prejudicadas com as propostas de ensino desenvolvidas até então e estão
percebendo a importância e valor da sua língua, isto é, a LIBRAS. Além
desse despertar, os profissionais da área da surdez estão tendo acesso a
informações que são resultados de pesquisas e estudos sobre as línguas de
sinais, possibilitando assim uma retomada dos conceitos estruturados de
surdez e língua de sinais. Assim, a educação de surdos no Brasil está en-
trando em uma terceira fase, que caracteriza um período de transição. Os
estudos estão apontando na direção de uma proposta educacional bilín-
güe.
O oralismo é considerado pelos estudiosos como uma imposição so-
cial de uma maioria lingüística (os falantes das línguas orais) sobre uma
minoria lingüística sem expressão diante da comunidade ouvinte (os sur-
dos) (Sánchez, 1992; Ferreira Brito, 1990; Skliar et al., 1995). Muito além de
um problema educacional, nos encontramos diante de um problema social,
entre maioria e minoria, análogo aos problemas sociais enfrentados pelas
comunidades indígenas no Brasil. Podem-se citar, também como exemplo,
as comunidades de imigrantes, que, durante um determinado período da
história brasileira, não podiam expressar-se em sua língua nativa, mas eram
obrigadas a falarem o português.
O bimodalismo é um sistema artificial considerado inadequado (Duffy,
1987; Ferreira Brito, 1990), tendo em vista que desconsidera a língua de
sinais e sua riqueza estrutural e acaba por desestruturar também o portu-
guês. Esse sistema vem demonstrando não ser eficiente para o ensino da
língua portuguesa, pois tem-se verificado que as crianças surdas continu-
am com defasagemtanto na leitura e escrita, como no conhecimento dos
conteúdos escolares. Uma medida paliativa usada pelas escolas especiais é
a permanência de dois anos numa série. Segundo essas instituições, tal
mecanismo tem como justificativa as limitações do próprio surdo em ter
acesso às informações.
A partir das considerações sobre o oralismo e o bimodalismo, levan-
tam-se as seguintes questões: Por que existem escolas especiais se as crian-
Educação de Surdos 27
ças continuam tendo difícil acesso às informações? Será que o problema
não está nas propostas educacionais? Qual o papel da escola para o aluno
surdo? Tais questões merecem ser analisadas mediante os estudos atuais
sobre a educação de surdos. A partir de agora, delinear-se-á o bilingüismo
e as questões implicadas nessa proposta educacional com o fim de ofere-
cer subsídios aos leitores para repensarem o ensino para pessoas surdas.
O bilingüismo é uma proposta de ensino usada por escolas que se
propõem a tornar acessível à criança duas línguas no contexto escolar. Os
estudos têm apontado para essa proposta como sendo mais adequada para
o ensino de crianças surdas, tendo em vista que considera a língua de
sinais como língua natural e parte desse pressuposto para o ensino da
língua escrita. Skliar et al. (1995) defendem que o reconhecimento dos
surdos enquanto pessoas surdas e da sua comunidade lingüística assegura
o reconhecimento das línguas de sinais dentro de um conceito mais geral
de bilingüismo.
A preocupação atual é respeitar a autonomia das línguas de sinais e
estruturar um plano educacional que não afete a experiência psicossocial e
lingüística da criança surda. Skliar et al. (1995) abordam a questão do pro-
cesso de aquisição da língua natural e salientam a sua necessidade
psicolingüística citando, dentre vários estudos, a declaração da UNESCO
(1954) transcrita a seguir:
(...) é um axioma afirmar que a língua materna — língua natural — consti-
tui a forma ideal para ensinar a uma criança (...) Obrigar um grupo a utili-
zar uma língua diferente da sua, mais do que assegurar a unidade nacional,
contribui para que esse grupo, vítima de uma proibição, segregue-se cada
vez mais da vida nacional (...) (UNESCO, 1994)5
Se a língua de sinais é uma língua natural adquirida de forma espon-
tânea pela pessoa surda em contato com pessoas que usam essa língua e se
a língua oral é adquirida de forma sistematizada, então as pessoas surdas
têm o direito de ser ensinadas na língua de sinais. A proposta bilíngüe
busca captar esse direito.
Essa necessidade psicolingüística de uma proposta bilíngüe está rela-
cionada à concepção de Gramática Universal (Chomsky & Lasnik, 1991;
Chomsky, 1981, 1986). Se há um dispositivo de aquisição da linguagem —
LAD — comum a todos os seres humanos que precisa ser acionado medi-
ante a experiência lingüística positiva, visível à criança, então a criança
surda brasileira deve ter acesso à LIBRAS o quanto antes para acionar de
forma natural esse dispositivo. A língua portuguesa não será a língua que
acionará naturalmente o dispositivo devido, à falta de audição da criança.
Essa criança até poderá vir a adquirir essa língua, mas nunca de forma
natural e espontânea, como ocorre com a LIBRAS.
28 Ronice Müller de Quadros
Skutnabb-Kangas (1994, p. 152) afirma que o nível ótimo de bilingüismo
deve ser o objetivo educacional para todas as crianças surdas6. Suas razões
para afirmar isso provêm de análises sobre os direitos humanos lingüísticos.
Tais direitos devem garantir 7:
a) que todos os seres humanos têm direito de identificarem-se com
uma língua materna(s) e de serem aceitos e respeitados por isso;
b) que todos têm o direito de aprender a língua materna(s) completa-
mente, nas suas formas oral (quando fisiologicamente possível) e
escrita (pressupondo que a minoria lingüística seja educada na sua
língua materna);
c) que todos têm o direito de usar sua língua materna em todas as
situações oficiais (inclusive na escola);
d) que qualquer mudança que ocorra na língua materna seja voluntá-
ria e nunca imposta.
Skutnabb-Kangas ainda observa que, além desses aspectos aponta-
dos, a declaração dos direitos humanos lingüísticos deve garantir que to-
dos os utentes de uma língua materna não-oficial em um país têm o direito
de serem bilíngües, isto é, o direito de terem acesso a sua língua materna
e à língua oficial do país. Garantindo cada um desses direitos às crianças
surdas brasileiras, ter-se-á o delineamento de uma proposta bilíngüe.
Deve-se atentar, também, para as culturas nas quais a criança está
inserida. A comunidade surda apresenta uma cultura própria que deve ser
respeitada e cultivada. Ao mesmo tempo, a comunidade ouvinte tem sua
cultura. Por isso, uma proposta puramente bilíngüe não é viável. Uma
proposta educacional, além de ser bilíngüe, deve ser bicultural para permi-
tir o acesso rápido e natural da criança surda à comunidade ouvinte e para
fazer com que ela se reconheça como parte de uma comunidade surda.
Isso somente será possível quando os educadores e surdos trabalharem
juntos. Observe-se a seguinte passagem:
(...) respeitar a pessoa surda e sua condição sociolingüística implica consi-
derar seu desenvolvimento pleno como ser bicultural a fim de que possa
dar-se em um processo psicolingüístico normal. (Skliar et al., 1995, p. 16)
Considerando o aspecto psicossocial, a criança surda irá integrar-se
satisfatoriamente à comunidade ouvinte somente se tiver uma identificação
bastante sólida com o seu grupo; caso contrário, ela terá dificuldades tanto
numa comunidade como na outra, apresentando limitações sociais e lin-
güísticas algumas vezes irreversíveis. Göes (1996) observa de forma bas-
tante adequada as condições sociais intrínsecas ao desenvolvimento da
criança surda8:
Educação de Surdos 29
A criança nasce imersa em relações sociais que se dão na linguagem. O
modo e as possibilidades dessa imersão são cruciais na surdez, consideran-
do-se que é restrito ou impossível, conforme o caso, o acesso a formas de
linguagem que dependam de recursos da audição. Sobretudo nas situações
de surdez congênita ou precoce em que há problemas de acesso à lingua-
gem falada, a oportunidade de incorporação de uma língua de sinais mos-
tra-se necessária para que sejam configuradas condições mais propícias à
expansão das relações interpessoais, que constituem o funcionamento nas
esferas cognitiva e afetiva e fundam a construção da subjetividade. Portan-
to, os problemas tradicionais apontados como característicos da pessoa
surda são produzidos por condições sociais. Não há limitações cognitivas
ou afetivas inerentes à surdez, tudo dependendo das possibilidades ofere-
cidas pelo grupo social para seu desenvolvimento, em especial para a con-
solidação da linguagem. (Göes, 1996, p. 38)
As realidades psicossocial, cultural e lingüística devem ser considera-
das pelos profissionais ao se propor o bilingüismo. A escola (professores,
administradores e funcionários) deve estar preparada para adequar-se à
realidade assumida e apresentar coerência diante do aluno e da sua famí-
lia. A família deve conhecer detalhadamente a proposta para engajar-se
adequadamente. Os profissionais que assumem a função de passarem as
informações necessárias aos pais devem estar preparados para explicar
que existe uma comunicação visual (a língua de sinais) que é adequada à
criança surda, que essa língua permite à criança ter um desenvolvimento
da linguagem análogo ao de crianças que ouvem, que essa criança pode
ver, sentir, tocar e descobrir o mundo a sua volta sem problemas, que
existem comunidades de surdos; enfim, devem estar preparados para ex-
plicar aos pais que eles não estão diante de uma tragédia, mas diante de
uma outra forma de comunicar que envolve uma cultura e uma língua
visual-espacial. Deve-se garantir à família a oportunidade de aprender so-
bre a comunidade surda e a língua de sinais.
Quanto ao ensino da língua portuguesa, a proposta bilíngüe para sur-
dos concebe o seu desenvolvimento baseadoem técnicas de ensino de
segundas línguas. Tais técnicas partem das habilidades interativas e cognitivas
já adquiridas pelas crianças surdas diante das suas experiências naturais
com a LIBRAS. Levanta-se a seguinte questão: como uma criança surda,
filha de pais ouvintes que nunca viram a língua de sinais, não conhecem
pessoas surdas e nem imaginam o que fazer para comunicarem-se com seu
filho, vai adquirir a sua primeira língua? Esse é um grande obstáculo para o
desenvolvimento psicossocial da criança surda e para o ensino eficiente da
língua portuguesa, pois a criança nem sequer nasce em um ambiente que
favoreça o desenvolvimento de sua primeira língua, no caso do Brasil, a
LIBRAS. Nota-se que não é um problema da criança por ser ela surda, mas
um problema social que pode gerar conseqüências irreversíveis no desen-
30 Ronice Müller de Quadros
volvimento da criança caso não seja oferecido a ela o direito de ter acesso
à aquisição de uma língua de forma natural.
Uma proposta bilíngüe deve considerar essa situação, pois a maioria
das crianças surdas que chegam às escolas é filha de pais ouvintes. A
criança precisa ter contato com surdos adultos. A presença de surdos adul-
tos apresenta grandes vantagens dentro de uma proposta bilíngüe. Primei-
ro, a criança, tão logo tenha entrado na escola, é recebida por um membro
que pertence à sua comunidade cultural, social e lingüística; assim, ela
começa a ter oportunidade de criar a sua identidade. Segundo, essa criança
começa a adquirir a sua língua natural. Tais vantagens são imprescindíveis
para o sucesso da proposta bilíngüe. Deve haver um ambiente próprio
dentro da escola (ou em outro lugar) para desenvolver a linguagem e o
pensamento da criança surda; assim, tornar-se-á possível o ensino de uma
segunda língua, caso contrário, a criança surda não terá chances de apre-
sentar um domínio razoável da língua portuguesa.
Vale ressaltar que o domínio da língua nativa, apesar de ser essencial,
não garante o acesso a uma segunda língua. Observa-se que, em algumas
escolas, embora haja o emprego da língua de sinais, as dificuldades em
relação à língua portuguesa persistem. Na verdade, o domínio da L1, ape-
sar de ser pressuposto para o ensino de L2, não parece ser suficiente para
que o processo de aquisição da L2 se concretize. Vários fatores determi-
nam esse processo9.
Quanto ao ensino da língua oral, Ferreira Brito (1995) apresenta a
seguinte sugestão:
A preocupação deveria centralizar-se mais na aquisição de conceitos e de-
senvolvimento do sistema semântico, processo através do qual a forma
seria mais facilmente apreendida pelo surdo. A parte externa de uma lín-
gua, que passada ao surdo através de enormes bloqueios concernentes ao
canal, será mais compreensível para ele se a sua relação com a faceta inter-
na da língua for enfatizada. (Ferreira Brito, p. 1995, 15)
É interessante considerar essa preocupação, porque não adianta ater-
se à forma oral sem tornar a expressão significativa. A forma oral ou espa-
cial são formas externas da língua. Os aspectos formais e do significado
(aspectos do processamento lingüístico) são internos, independente de
serem orais ou espaciais. Assim, o objetivo é fazer com que as línguas
externas sejam expressas mediante o amadurecimento das condições inter-
nas.
Quanto às formas de bilingüismo existentes em termos de educação
de surdos, pode-se citar duas básicas: uma delas envolve o ensino da
segunda língua quase de forma concomitante à aquisição da primeira lín-
gua e a outra caracteriza-se pelo ensino da segunda língua somente após a
aquisição da primeira língua.
Educação de Surdos 31
Considerando a primeira forma, a aquisição da língua de sinais e o
desenvolvimento da língua oral ocorrem paralelamente. Entretanto, esse
processo é bastante questionável. Segundo Skutnabb-Kangas (1994, pp.
143-144), afirmar que a aquisição de duas línguas ocorre dessa forma de-
pende da definição de bilingüismo. Para o autor, as variações nas defini-
ções ocorrem de acordo com a ênfase dada a cada critério que define
‘bilingüismo’. Os critérios que o autor menciona são os seguintes10:
a) origem – aprendizagem de duas línguas dentro da própria família
com falantes nativos e/ou aprendizagem de duas línguas paralela-
mente como necessidade de comunicação;
b) identificação – interna (a própria pessoa identifica-se como fa-
lante bilíngüe com duas línguas e duas culturas); e externa (a pes-
soa é identificada pelos outros como falante bilíngüe/ falante nati-
vo de duas línguas);
c) competência – domínio de duas línguas, controle das duas lín-
guas como línguas nativas, produção de enunciados com signifi-
cados completos na outra língua, conhecimento e controle da es-
trutura gramatical da outra língua, contato com a outra língua;
d) função – a pessoa usa (ou pode usar) duas línguas em variadas
situações de acordo com a demanda da comunidade.
Assim, para considerar a possibilidade de um bilingüismo concomitante
com crianças surdas, deve-se atentar à origem das duas línguas.
A segunda forma de bilingüismo apresenta duas alternativas: o ensino
da língua oral-auditiva é feito somente através da leitura e escrita ou, como
segunda possibilidade, incluindo, além da leitura e da escrita, a oralização.
Da mesma forma aqui, deve-se avaliar os critérios mencionados por
Skutnabb-Kangas.
Quanto às diferenciações dos tipos de bilingüismo, deve-se citar as
observações feitas por Felipe (1989). Ela salienta a diferença entre
bilingüismo e diglossia. O bilingüismo envolve a competência e o desem-
penho em duas línguas, podendo ser individual ou grupal. Diglossia en-
volve uma situação lingüística em que duas línguas estão em relação de
complementaridade, isto é, uma língua é usada em determinadas ocasiões
em que a outra não é usada. O bilingüismo e a diglossia podem ocorrer
simultaneamente. Felipe apresenta essa possibilidade no caso das pessoas
surdas. Parece que a língua portuguesa é usada pelo surdo somente em
situações que exige o contato com pessoas ouvintes e para leitura e escrita.
A língua de sinais, por outro lado, é usada entre os surdos preferentemente
em ocasiões informais. Interessante a observação mencionada a seguir por
Felipe:
Esse bilingüismo diglóssico da comunidade surda é o fator principal de
identificação e solidariedade enquanto grupo: os ouvintes são considera-
32 Ronice Müller de Quadros
dos pessoas de fora e são tratados com certo distanciamento até que eles,
através do aprendizado da LSCB, se integrem a eles, tornando-se bilíngües
e por isso não representando transtorno. (Felipe 1989, p. 107)11
Torna-se relevante mencionar que essas formas de se pensar no
bilingüismo são influenciadas por fatores de ordem ideológica e filosófica.
A opção que a escola fizer requererá muita reflexão sobre as razões, obje-
tivos e finalidades do tipo de proposta educacional adotada. A presença de
surdos adultos para a tomada de decisões contribui para que pontos de
vista obscuros relacionados à surdez sejam esclarecidos para os profissio-
nais.
Outro aspecto a ser considerado é a questão abordada por Duffy (1987)
sobre o desempenho escolar de crianças surdas filhas de pais surdos. O
autor menciona que várias pesquisas têm demonstrado que essas crianças
têm melhor desempenho acadêmico do que crianças filhas de pais ouvin-
tes. A razão para essa diferença, conforme o autor apresenta, é a existência
de input comum entre os pais e a criança de uma língua nativa. No Brasil,
através do contato com alguns surdos que tiveram a oportunidade de de-
senvolver a língua de sinais desde a mais tenra idade (por serem filhos de
pais surdos), percebeu-se que a qualidade das produções escritas e de suas
leituras é superior à produção e compreensão de muitos alunos surdos que
não têm acesso à língua de sinais precocemente.
Considerando ainda o contexto familiar de crianças surdas filhas de
pais surdos, cabe mencionar que essas pessoas tratavam com naturalidade
o fato de terem nascido numa família de surdos, pois a comunidade surdaé a sua referência de normalidade. Isso é uma questão de perspectiva
social, pois assim como os surdos são tratados como diferentes pelo ouvin-
te, os ouvintes também o são pelos surdos. Dessa forma, para os surdos
que nascem em famílias de surdos não há problemas, pelo contrário há
identificação. Para os profissionais da área da surdez parece muito difícil
ter essa perspectiva, normalmente as pessoas não-surdas consideram a sur-
dez um problema. Tendo em vista essa dificuldade dos profissionais, a
escola deve oportunizar reflexões a respeito, pois o bilingüismo para sur-
dos deve estar baseado no respeito pela diferença, na aceitação da cultura
e língua da comunidade surda e na abertura de espaços para surdos adul-
tos.
Levando em conta o currículo escolar de uma escola bilíngüe, sugere-
se que esse deve incluir os conteúdos desenvolvidos nas escolas comuns.
A escola deve ser especial para surdos, mas deve ser, ao mesmo tempo,
uma escola regular de ensino12. Os conteúdos devem ser trabalhados na
língua nativa das crianças, ou seja, na LIBRAS. A língua portuguesa deverá
ser ensinada em momentos específicos das aulas e os alunos deverão saber
que estão trabalhando com o objetivo de desenvolver tal língua. Em sala
de aula, o ideal é que sejam trabalhadas a leitura e a escrita da língua
Educação de Surdos 33
portuguesa. A oralização deverá ser feita por pessoas especializadas, caso
a escola a inclua no ensino da língua portuguesa. Tendo em vista o tempo
depreendido para a oralização, esta deverá ser feita fora do horário escolar
para não prejudicar e limitar o acesso aos conteúdos curriculares pelos
alunos surdos.
Quanto às características de um professor em uma escola bilíngüe
para surdos, Davies (1994, pp. 111-112) descreve três aspectos básicos:
a) o professor deve ter habilidade para levar cada criança a identifi-
car-se como um adulto bilíngüe;
b) o professor deve conhecer profundamente as duas línguas, ou
seja, deve conhecer aspectos das línguas requeridos para o ensino
da escrita, além de ter bom desempenho comunicativo;
c) o professor deve respeitar as duas línguas — isso não significa
tolerar a existência de uma outra língua — reconhecendo o estatu-
to lingüístico comum a elas e atentando às diferentes funções que
cada língua apresenta para a criança.
Ainda quanto ao professor, Davies cita uma passagem de Bergmann
(1978) em que a autora confessa que é impossível discutir sobre diferentes
sistemas educacionais em que o professor não se comunica com o seu
aluno. De fato, é muito complicado pensar em educação de surdos sem
sequer ter como prioridade o domínio da língua de sinais. Estende-se essa
dificuldade a todos os profissionais que atuam diretamente na área da
surdez.
Para sumariar esta seção, serão apresentados os objetivos da educa-
ção bilíngüe-bicultural segundo a proposta de Skliar et al. (1995):
a) criar um ambiente lingüístico apropriado às formas particulares de
processamento cognitivo e lingüístico das crianças surdas;
b) assegurar o desenvolvimento sócio-emocional íntegro das crian-
ças surdas a partir da identificação com surdos adultos;
c) garantir a possibilidade de a criança construir uma teoria de mundo;
d) oportunizar o acesso completo à informação curricular e cultural.
EXPERIÊNCIAS DE ALGUNS PAÍSES
Atualmente, somente alguns países estão desenvolvendo a proposta
bilíngüe para surdos, destacando-se a Suécia e a Venezuela. Há algumas
experiências locais em alguns países, como, por exemplo, o Brasil. As
propostas desenvolvidas nesses países que foram mencionados serão, a
seguir, brevemente descritas. Vale destacar que todos os países que parti-
34 Ronice Müller de Quadros
ram para uma proposta bilíngüe enfrentaram e enfrentam os problemas
acarretados pelo oralismo.
O artigo de Wallin (1990) apresenta alguns aspectos do bilingüismo
desenvolvido na Suécia a partir de 1981, data em que foi aprovada a lei,
pelo Parlamento Sueco, dizendo que os surdos devem ser bilíngües (lín-
gua de sinais sueca e sueco). Exatamente em 1983 foi implementado o
novo currículo nas escolas de surdos. Wallin coloca que o currículo apre-
senta a disciplina “língua”, que, por sua vez, desenvolve o sueco e a língua
de sinais sueca. Algo interessante é salientado por Wallin: Não há nada de
novo nesse bilingüismo dos surdos. (...) A lei apenas legitima a nossa situa-
ção lingüística: a comunidade surda é bilíngüe.
A questão mais debatida na proposta educacional da Suécia foi o
ensino da língua sueca. Wallin afirma que a questão básica envolvida nesse
debate é de que os surdos não podem aprender qualquer língua oral como
os ouvintes aprendem. Os surdos dependem de instrução formal. A aquisi-
ção da língua de sinais deve acontecer de forma natural e espontânea.
Segundo o autor, as duas línguas apresentam funções diferentes: a língua
de sinais sueca é o principal meio de aquisição do conhecimento e é a
língua que os surdos usam na comunidade com as outras pessoas; o sueco
tem função em termos formais, principalmente para leitura e escrita e,
depois, para leitura labial e fala. A aprendizagem do sueco deve ser apoi-
ada pela comparação com várias expressões lingüísticas da língua de sinais
sueca. Aos alunos devem ser dadas todas as informações a respeito do
sueco (de estrutura, regras gramaticais, etc.) em língua de sinais sueca.
Após a leitura dos textos em sueco, conforme esclarece Wallin, os alunos
recontam o texto em língua de sinais mostrando sua compreensão. Depois
da compreensão do texto, o professor discute sobre sua estrutura. Quanto
à escrita, Wallin observa que os alunos usam-na para expressar o sueco,
momento em que eles podem demonstrar sua habilidade nessa língua.
Através da escrita, os alunos organizam suas idéias procurando observar a
estrutura do sueco. E é através das produções que os alunos passam a
perceber como é essa estrutura, pois nesse momento o professor discute
com o aluno os seus erros, explicando as razões dos mesmos e as razões
do uso no sueco de determinadas formas.
Wallin continua sua exposição dizendo que o ensino da leitura e es-
crita para surdos é feito através da língua de sinais com um método seme-
lhante ao que é usado no ensino de línguas estrangeiras para crianças. Os
alunos suecos ouvintes aprendem a ler e escrever inglês através do sueco.
O ensino de sueco para surdos deve restringir-se às aulas de língua.
A experiência da Suécia apresenta outro aspecto bastante interessan-
te: o ensino da língua de sinais como parte do currículo escolar. A proposta
envolve a aprendizagem da gramática da língua de sinais, a aprendizagem
do alfabeto internacional, o ensino dos alfabetos de outras línguas de si-
Educação de Surdos 35
nais (especialmente da região nórdica) e o acesso a informações gerais
sobre organizações nacionais e internacionais de surdos.
Wallin cita a fala como um elemento complementar à proposta bilín-
güe. O currículo sueco apresenta a fala como um aspecto a ser desenvolvi-
do, observando-se as condições individuais de cada aluno. Além disso, o
aluno deve ter compreensão do que estiver desenvolvendo nas atividades
de pronúncia. Salienta-se que as atividades de fala não devem ser combi-
nadas com outras disciplinas do currículo.
Wallin descreve o êxito que essa proposta vem apresentando na Sué-
cia através de relatos de observações que ele fez da desenvoltura das crian-
ças. As crianças bem pequenas já apresentam boas explicações para diver-
sas coisas que acontecem ao seu redor. Os pais estão assumindo a função
de “pais”, em vez de terapeutas e de professores. As crianças não crescem
mais sem linguagem e apresentam uma boa auto-estima. Quando uma
criança surda ingressa na escola, ela é uma criança normal com comporta-
mento similar ao de qualquer outra criança: ela é curiosa e esperta, apre-
sentando riqueza de informações. A leitura e a escrita também apresentam
um bom desenvolvimento. Na Suécia, o objetivo de dar aos alunos surdos
uma educação equivalente à que é dada nas demais escolas, conseqüente-
mente fornecendo-lhesas habilidades necessárias para que possam cum-
prir satisfatoriamente as exigências da sociedade, em pé de igualdade com
os cidadãos ouvintes, está sendo concretizado.
Outro aspecto salientado por Wallin é a atuação dos surdos adultos na
sociedade dos surdos. Há muitos professores surdos trabalhando, princi-
palmente com sueco e língua de sinais sueca. A associação de surdos
sempre é consultada quando são discutidos assuntos que envolvem a co-
munidade surda, tanto em nível nacional como em nível regional.
A experiência da Venezuela apresenta algumas características diferen-
tes da experiência relatada por Wallin. Sánchez (1993) descreveu alguns
aspectos da proposta bilíngüe para surdos desenvolvida na Venezuela.
A proposta venezuelana caracterizou-se por envolver aspectos além
do campo educacional, evitando-se assim a burocracia tradicional. A im-
plantação foi feita em todas as escolas especiais de uma única vez, sem a
realização de experiências-piloto, possibilitando um intercâmbio entre as
escolas de forma mais evolutiva. Segundo Sánchez, formou-se um grupo
interdisciplinar (lingüistas, psicólogos e pedagogos) que atuava como in-
térprete de conceitos mais abstratos junto às escolas, diretamente com os
professores, a fim de acompanhar as experiências, servindo como “ponte”
entre teoria e prática. O aspecto mais importante da proposta implantada
na Venezuela é o de proporcionar à criança surda a possibilidade de adqui-
rir linguagem através da sua língua natural, que é a língua de sinais. Na
concepção de Sánchez, a criança não pode ser privada da linguagem já
que essa é um instrumento mental a que todo o ser tem direito. A proposta
da Venezuela, nesse sentido, é idealizada a partir do pressuposto de que os
36 Ronice Müller de Quadros
surdos fazem parte de uma comunidade minoritária, com valores, cultura e
língua natural próprios.
Considerando que cerca de 95% das crianças surdas venezuelanas são
filhas de pais ouvintes, o grande objetivo era de que essas crianças desen-
volvessem a linguagem com as mesmas condições de uma criança ouvinte.
É óbvio que essas crianças não têm um ambiente familiar que lhes propor-
cione o desenvolvimento lingüístico. Portanto, a oportunidade de ter aces-
so a um ambiente lingüístico adequado deve ser dada pela escola.
A escola venezuelana, então, apresenta quatro metas:
a) garantir o desenvolvimento da linguagem, do pensamento e do
indivíduo. Para atingir essa meta, a escola deverá ser um ambiente
em que a língua de sinais seja usada durante todo o período, isto
é, a língua usada na escola será a língua de sinais;
b) assegurar o desenvolvimento da personalidade de forma sadia.
Para isso, a criança precisa interagir com adultos surdos;
c) garantir que a criança surda construa uma teoria de mundo, pois a
criança surda que convive com adultos ouvintes não tem chance
de questionar as coisas, porque não obtém respostas. Quanto mais
experiências de vida forem comentadas e elaboradas, amplia-se
mais a concepção de mundo. A escola deverá oferecer esse tipo de
experiência para que a criança surda faça perguntas e obtenha
respostas, obviamente em língua de sinais, para construir a sua
teoria de mundo;
d) assegurar o acesso aos conteúdos escolares. A escola deve garantir
ao aluno surdo todos os conteúdos que são estudados em uma
escola de ouvintes.
Conforme salienta Sánchez, tais metas são imprescindíveis para o de-
senvolvimento global do aluno, pois não se quer mais surdos imaturos que
não consigam desempenhar atividades mais complexas e abstratas. Ele
continua: a importância da escola para surdos é muito maior do que a
escola para ouvintes. Por quê? Ora, porque a escola será o ambiente que
oportunizará o desenvolvimento da linguagem dessa criança.
Sánchez esclarece que o tipo de bilingüismo desenvolvido na Venezuela
prioriza a língua de sinais e o castelhano escrito. A língua escrita é a base
sobre a qual o aluno surdo aprende o castelhano. Há prioridade do escrito
sobre o oral, tanto em sua valorização quanto no tempo depreendido para
o seu ensino. O castelhano deve ser ensinado a partir de metodologias
apropriadas para o ensino de segunda língua.
No Brasil, há poucos relatos sobre a educação bilíngüe. Sabe-se de
experiências isoladas, mas não há publicações a respeito. Há algumas pu-
blicações brasileiras que merecem ser mencionadas e que abordam o
bilingüismo.
Educação de Surdos 37
Ferreira Brito (1993, pp. 45-52) apresenta o bilingüismo como uma
abordagem educacional para a integração social. A autora propõe um
bilingüismo diglóssico para surdos, justificando tal proposta através das
diferentes situações em que as duas línguas (língua portuguesa e língua de
sinais) são usadas. Ferreira Brito salienta que a língua de sinais apresenta
um papel central no processo educacional, pois essa será usada constante-
mente durante as aulas. A língua portuguesa será ensinada com ênfase na
escrita, considerando que o canal de aprendizagem do surdo é visual. A
autora acrescenta que os pais das crianças surdas devem aprender a língua
de sinais para interagir com mais eficiência com seu filho. Menciona, tam-
bém, o fato de a proposta incentivar a formação de pessoas surdas para
integrarem os quadros funcionais das escolas e assumirem o papel de pro-
fessores de língua de sinais.
Felipe (1992) relata uma experiência realizada no Centro de Educação
da Universidade Federal de Pernambuco em informática. A proposta en-
volve o uso da informática dentro de uma proposta bilíngüe. O trabalho foi
dividido em três fases: (1) fase de introdução da informática; (2) fase de
pesquisa lingüística da LIBRAS e (3) fase de produção de um software em
língua portuguesa e LIBRAS. As atividades que foram realizadas (cursos de
LIBRAS, coleta de dados da LIBRAS de Pernambuco, levantamento de ter-
mos ligados à informática na LIBRAS, aprendizado da linguagem logo pela
equipe e realização do curso de logo pelos surdos) apresentaram repercus-
são em termos comunicativos, em termos comportamentais e na aprendi-
zagem. A autora relata que houve uma ampliação da visão dos participan-
tes quanto às possibilidades de comunicação: a) os alunos sentiam-se res-
peitados; b) as dificuldades de comunicação eram suavizadas pelo intér-
prete de língua de sinais; c) o desempenho escrito dos alunos era variado
(Felipe detectou falhas no processo de alfabetização em decorrência do
fato de os alunos não gostarem de escrever e apresentarem problemas nas
suas produções) e d) a aprendizagem ocorreu de forma participativa
oportunizando a percepção dos erros e a construção do conhecimento.
Fernandes (1994) aborda os tipos de bilingüismo e observa que mui-
tas das divergências na educação referem-se à opção realizada por uma
das formas em que o bilingüismo se expressa. No caso específico de edu-
cação de surdos, a autora realizou pesquisas para identificar a realidade da
aquisição de línguas de pessoas surdas brasileiras que estão em uma co-
munidade diglota (onde língua de sinais e língua portuguesa convivem).
Fernandes observou que os surdos apresentavam a interferência da língua
de sinais sobre a estrutura do português e que, definitivamente, os surdos
não dominavam a língua portuguesa. A autora conclui que isso pode indi-
car, provavelmente, a falta de um ensino sistematizado dessa língua e que
a língua de sinais deve ter sido aprendida de forma natural e espontânea.
Atualmente, Fernandes está trabalhando em um projeto para a implemen-
38 Ronice Müller de Quadros
tação do bilingüismo em convênio com o INES — Instituto Nacional de
Educação de Surdos — e UERJ no Rio de Janeiro13.
Foi realizada uma experiência (Quadros, 1993) na Escola Municipal
Helen Keller, de Caxias do Sul/RS, na perspectiva da proposta bilíngüe-
bicultural. O trabalho envolveu dois grupos de alunos, um de quarta série
(seis alunos) e outro de quinta série (cinco alunos). Esses alunos já esta-
vam na escola há muitos anos (8 a 12 anos). As concepções educacionais
desenvolvidas na escola eram baseadas no oralismo (até 1984)e na filoso-
fia da Comunicação Total (até 1991). Os alunos apresentavam uma produ-
ção escrita muito primitiva, isto é, era uma escrita mecânica, sem sentido e
vazia. Esse fator apresentava conseqüências no desempenho da leitura dessas
crianças que, é claro, era altamente limitado.
Inicialmente, foi elaborado um projeto de reeducação da língua por-
tuguesa. Antes da execução do projeto, priorizou-se o desenvolvimento da
LIBRAS. Esse trabalho foi realizado com um professor bilíngüe, filho de
pais surdos e um instrutor surdo de LIBRAS, objetivando ampliar o domí-
nio dessa língua e possibilitar o desenvolvimento da “leitura de mundo”. A
estratégia básica articulada no projeto era incitar os alunos a esgotarem um
assunto para que fosse solicitada a produção escrita. Todas as discussões e
análises de textos em português foram feitas na LIBRAS, língua natural das
crianças surdas envolvidas.
O projeto foi desenvolvido em três etapas básicas:
a) Desmistificação da escrita — Os alunos apresentavam resistên-
cia em escrever, pois consideravam a escrita inacessível. O mito da
escrita tinha sido construído com base em dificuldades dos própri-
os alunos e por ser uma prática sem sentido. Diante disso, foi
realizado um trabalho com o objetivo de despertar o “gosto pela
leitura e a escrita”, considerando que a leitura e escrita represen-
tam meios importantes de registro de idéias e pensamentos. Pro-
curou-se conscientizar os alunos desses meios para que se sentis-
sem à vontade para escrever. As primeiras produções não foram
mais frases isoladas e sem sentido, mas pequenos textos, escritos
com dificuldade, sobre temas relacionados à vida dos alunos. Es-
ses textos eram muito confusos, mas apresentavam idéias signifi-
cativas. Essa etapa foi chamada de “explosão de idéias”. A preocu-
pação não era com a estrutura da língua portuguesa, mas com a
expressão dos alunos.
b) Conscientização quanto à necessidade de dominar a estrutu-
ra e vocabulário da língua portuguesa — Essa etapa envolveu a
leitura de reportagens de jornais da cidade, algo que fazia parte do
interesse dos alunos. A conscientização da necessidade do domí-
nio da língua portuguesa foi atingida mediante a “sede” de infor-
mação e a frustração dos alunos ao reconhecerem a incompetên-
Educação de Surdos 39
cia que apresentavam na língua portuguesa. Salienta-se que, du-
rante essa etapa, a LIBRAS teve um papel fundamental, pois possi-
bilitou as reflexões e discussões em aula de forma eficiente, além
de permitir a descoberta dos alunos das suas possibilidades de
adquirirem a língua portuguesa.
c) Estruturação da língua portuguesa e ampliação do vocabulá-
rio — A partir das necessidades surgidas, os alunos começaram a
empenhar-se para adquirir a língua portuguesa, buscando a com-
petência. Depois das leituras realizadas ou de situações vivenciadas
e discutidas em aula exaustivamente, os alunos redigiam textos. As
produções já eram bem mais amplas que as primeiras: os textos
apresentavam idéias melhor estruturadas e tinham uma certa pro-
gressão temática. Após a produção escrita influenciada pela estru-
tura da LIBRAS, o aluno e o professor faziam a tradução do texto
para a língua portuguesa. Durante a tradução, eram analisados os
aspectos estruturais próprios da LIBRAS, observando-se semelhan-
ças e diferenças da língua portuguesa. Os aspectos estruturais da
língua portuguesa omitidos eram explicitados e introduzidos no
texto traduzido.
Até o momento em que esse projeto foi desenvolvido pode-se perce-
ber que houve um interesse muito grande por parte dos alunos em desco-
brir aspectos da estrutura da língua portuguesa. Também foi possível ob-
servar uma melhor compreensão de textos por parte dos alunos. A autora
observou que as tentativas dos alunos em aproximar a sua escrita à escrita
da língua portuguesa deram origem a uma espécie de pidgin escrito. Além
disso, houve um interesse espontâneo de alguns alunos em articular me-
lhor as palavras. Outro fator observado pela autora foi a interação profes-
sor/aluno de forma eficiente. A interação foi estabelecida mediante a lín-
gua de sinais (professor bilíngüe) e isso foi fator determinante no processo
educacional.
Em um trabalho que precede o presente, foi abordada a questão da
interação profissional ouvinte/surdo da seguinte forma:
São vários os problemas gerados a partir da comunicação não estabelecida
entre o surdo e o ouvinte. Tanto em nível de interpretação e tradução, como
em nível educacional, os problemas podem afetar o desenvolvimento da
comunicação. Os efeitos podem provocar bloqueios irreversíveis na
interação do profissional (professor e/ou intérprete) com o surdo. Fatos
como esses são verificados nas comunidades surdas e percebe-se que pre-
judicam sensivelmente o trabalho desenvolvido pelos profissionais, po-
dendo, inclusive, acarretar a exclusão desses pela comunidade surda. Os
surdos e os ouvintes precisam ser sensíveis e compreender o grau de difi-
culdade que envolve a tradução de uma língua numa modalidade oral-au-
ditiva (Língua Oral) para uma língua visual-espacial (Língua de Sinais) e
40 Ronice Müller de Quadros
considerar as diferentes formas de expressão de cada uma para determinar
o significado da mensagem. (Quadros, 1995b, p. 26)
A presente seção objetivou percorrer algumas experiências de execu-
ção da proposta bilíngüe. Diante desses relatos, é possível concluir que
existem variações entre as formas de aplicar tal abordagem e que há avan-
ços no processo educacional da criança surda. As conquistas em andamen-
to perfazem os seguintes aspectos: (a) o reconhecimento da pessoa surda
enquanto cidadã integrante de uma sociedade surda com o direito de ter
assegurada a aquisição da língua de sinais como primeira língua; (b) o uso
da língua de sinais na escola para garantir o desenvolvimento cognitivo e o
ensino de conhecimentos gerais; (c) o ensino da língua oral-auditiva com
estratégias de ensino de segunda língua e (d) a inclusão de pessoas surdas
nos quadros funcionais das escolas. Essas conquistas, já acenadas nas ex-
periências relatadas, são metas constantes de uma proposta educacional
bilíngüe para pessoas surdas.
Observando a linha trilhada neste capítulo, cabe mencionar algumas
razões levantadas por Duffy (1987) para que a proposta bilíngüe-bicultural
não se concretize imediatamente, pelo contrário, essa envolve um proces-
so educacional que levará muitos anos até ser implementada. As razões
citadas pelo autor são as que se seguem:
a) 90% ou mais dos profissionais que trabalham com os surdos são
ouvintes, muitos desses não reconhecem ou aceitam a língua de
sinais como uma língua natural;
b) as pessoas surdas fazem parte de um grupo minoritário maior: a
comunidade de deficientes. Tradicionalmente grupos de deficien-
tes são considerados como necessitando de reabilitação a ser pro-
vida por profissionais especializados;
c) existe, entre educadores e pais, medo de que, se for permitido às
crianças surdas o acesso à sua cultura e linguagem, elas estarão
perdidas para sempre no “mundo dos surdos”;
d) se as escolas reconhecessem a comunidade de surdos como um
grupo minoritário legítimo, elas logo seriam forçadas a admitir que
não sabem nada sobre esse grupo. Diante disso, as instituições
teriam que reconhecer que as pessoas surdas poderiam ajudar-se
muito mais do que os ouvintes podem fazê-lo (Woodward,1982)14;
e) programas de formação de professores não requerem fluência na
língua de sinais;
f) os pais, após tomarem conhecimento da surdez de seu filho, não
são adequadamente informados sobre as implicações lingüísticas
e culturais desse fato;
g) os professores surdos são discriminados nas oportunidades de
empregos oferecidas pelas escolas.
Educação de Surdos 41
As instituições brasileiras devem estar atentas a essas possíveis razões
levantadas por Duffy, pois essas representam alguns dos motivos que cola-
boram para a manutenção dos problemas educacionais envolvidos no sis-
tema de ensino de pessoas surdas. Tendo em vista a necessidadeda
viabilização da proposta bilíngüe-bicultural, deve-se elaborar estratégias
de ação que minimizem ao máximo o tempo de implementação de tal
proposta. Sugere-se que tais estratégias incluam: (a) a contratação de pro-
fissionais surdos no quadro funcional da escola; (b) programas de ensino
de língua de sinais para os alunos, pais e profissionais integrantes da esco-
la; (c) reuniões sistemáticas com a presença de pessoas surdas para discutir
concepções individuais e sociais de deficiência, de surdez, de língua de
sinais, de comunidade surda; (d) cursos na área da lingüística, especial-
mente para os professores de línguas; (e) cursos para a formação dos pro-
fessores na área pedagógica; (f) programas diferenciados para alunos que
já freqüentam a escola há muitos anos e para alunos novos que chegam à
escola no período de implementação da proposta e (g) programas especi-
ais para o atendimento de pais e alunos.
Para concluir o presente capítulo, destacam-se as palavras de Sánchez
(1990) sobre a implementação de uma proposta bilíngüe-bicultural:
Mas que não se percam os esforços. A inauguração de uma nova etapa
histórica não significa que todos os problemas estejam resolvidos. Em
seguida se verá a realidade e funcionamento do modelo bilíngüe, se apreci-
arão seus alcances e suas limitações, e novos conhecimentos sustentarão
os atuais, mostrando suas insuficiências e seus erros. O modelo bilíngüe
tende a ser aperfeiçoado e, eventualmente, superado. Mas nesse processo
que se inicia teremos os surdos como protagonistas e poderemos dialogar
com eles num plano de igualdade, unidos por vínculos solidários na cons-
trução de um futuro melhor para todos. A prepotência, a segregação e o
desprezo serão coisa do passado, e “não terão uma segunda oportunidade
sobre a terra”. (Sánchez, 1990, p. 173)15
NOTAS
1. Um aspecto a ser observado é que há quem confunda a filosofia da Comuni-
cação Total com a proposta educacional bimodal. Isso é bastante comum no
Brasil, tendo em vista que os defensores da Comunicação Total são automa-
ticamente associados a uma prática bimodal. Entretanto, vale registrar que há
defensores da filosofia da Comunicação Total que estão buscando implementar
uma proposta educacional bilíngüe. Então, neste trabalho, as reconsiderações
feitas sobre as fases do processo educacional no Brasil atêm-se ao oralismo e
ao bimodalismo, embora este último esteja, normalmente, associado à filoso-
42 Ronice Müller de Quadros
fia da Comunicação Total (para mais detalhes desta possível associação ver
Göes [1996, pp. 39-46]).
2. Strong (1986) não foi consultado diretamente para este livro.
3. Esse trabalho é detalhadamente abordado no capítulo sobre Aquisição da
Linguagem do presente livro.
4. A UG — Gramática Universal — contém princípios invariáveis (comuns a
todas as línguas) e princípios abertos, chamados de parâmetros, que captam
a variação das línguas. Os parâmetros são altamente restringidos e apresen-
tam apenas dois valores possíveis. Por exemplo, o inglês marca o valor nega-
tivo do parâmetro que permite a omissão do sujeito sentencial, a LIBRAS
marca o valor positivo permitindo, então, sujeitos nulos (ver sistema de no-
tação usado no anexo).
(1) a. I ate the cake.
b. *Ate the cake.
(2) a. PRONOME
i
 AJUDAR PRONOME
j
.
b. e 
i
AJUDAR
j 
e
Para mais detalhes ver Quadros (1995)
5. Essa citação da UNESCO foi retirada do artigo de Skliar et al. (1995) e foi
traduzida do espanhol para o português por Ronice Müller de Quadros. Tal
passagem não foi consultada na sua forma original.
6. Segundo Skutnabb-Kangas (1994, p. 144), o nível ótimo de bilingüismo ca-
racteriza-se por quatro critérios: origem, identificação, competência e fun-
ção. Tais critérios serão explicitados ainda neste capítulo.
7 O autor usa a terminologia mother tongue(s) — língua materna(s). No pre-
sente livro, está sendo usado o termo ‘língua nativa’. Ambos os termos estão
sendo usados nesse contexto como a língua que a criança adquire de forma
natural mediante contato com adultos utentes nativos dessa língua.
8. O uso do termo ‘linguagem’ feito por Göes neste trecho está relacionado a E-
language, linguagem externa, como conseqüência de interações sociais.
9. Tais fatores serão abordados no Capítulo 3 deste livro.
10. A terminologia usada aqui não refere ao uso das mesmas dentro da concep-
ção da Teoria Gerativa. ‘Interna’ e ‘externa’ estão sendo usadas no sentido de
identificação/reconhecimento da própria pessoa com o uso da língua e no
sentido de identificação/reconhecimento das pessoas da comunidade do uso
da língua pela pessoa, respectivamente. E, ‘competência’, revista como I-
language (Chomsky, 1986), aqui está sendo usada pelo autor no sentido do
desempenho: a língua que o utente conhece melhor.
11. LSCB – língua de sinais dos centros urbanos brasileiros. Essa sigla era usada
pelos pesquisadores da língua de sinais (Ferreira Brito, 1986, 1989, 1991,
1993; Felipe, 1992, 1993; Quadros, 1994), mas foi substituída por LIBRAS –
língua brasileira de sinais.
12. A proposta de um ensino regular não exclui as reflexões necessárias quanto
à estrutura caótica das escolas regulares de ensino. A educação brasileira,
independente do público alvo, merece ser repensada, pois sem dúvida os
fracassos dos processos educacionais são alarmantes.
13. O INES é a primeira instituição no Brasil que atende exclusivamente pessoas
surdas. Esse instituto, além de oferecer o ensino para surdos, oportuniza a
formação de profissionais para atuarem na área de educação de surdos.
Educação de Surdos 43
14. Esse autor foi citado por Duffy e não foi possível consultá-lo diretamente
para a presente obra.
15. Todas as citações de Sánchez (1990) feitas neste livro foram traduzidas do
espanhol para o português por Ronice M. de Quadros.

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