Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Absorção e metabolismo do ferro O ferro é um mineral importante para a homeostase celular, sendo participante de inúmeras reações pela sua capacidade de doar e receber elétrons. É componente essencial do heme e participa da formação de inúmeras proteínas, como a mioglobina. A homeostase do ferro corporal é importante para a respiração celular já que os complexos enzimáticos como NADH desidrogenase e citocromo c tem como grupo prostético o centro Fe-S ou o próprio grupo heme. Além disso, é importante para ligação e transporte de oxigênio, regulação do crescimento e diferenciação celular e síntese do DNA. Ele pode ser obtido pela dieta ou pela reciclagem de hemácias senescentes. O ferro da dieta pode ser encontrado na forma inorgânica (fontes vegetais) principalmente na forma férrica Fe3+ ou orgânica (fontes animais) na forma heme que pode ser adquirida pela quebra da hemoglobina e da mioglobina em carnes vermelhas. Em média 18 mg de ferro são ingeridos por dia, mas apenas cerca de 1 ou 2 mg é realmente absorvido. Alguns fatores facilitam a absorção intestinal do ferro – pelo epitélio duodenal superior – como a acidez e a presença de agentes solubilizantes, como açúcar. Depois de ingerido pela dieta, a absorção ocorre em três fases principais: 1) captação do ferro, 2) transporte intracelular e 3) transporte para o plasma. A forma inorgânica Fe3+ será absorvida e precisa ser translocada pela proteína transportadora de metal divalente 1 (DMT-1), essa está localizada na membrana apical do enterócito e também transporta outros íons como magnésio, cobre e zinco. Todavia, ela precisa que o ferro seja convertido para Fe2+ pela redutase citocromo B duodenal (DcytB). A forma heme pode ser internalizada pela proteína transportadora do heme 1 (HCP1) localizada na membrana apical das células do duodeno. Ela também transporta folato e pode ser expressa em locais como fígado e rins. Se houver deficiência de ferro ou hipóxia ela se redistribui do citoplasma para a membrana das células duodenais, acontecendo o oposto em excesso desse metal. Assim, pode-se aproveitar o heme da dieta quando necessário, assim como evitar a captação desnecessária e o acúmulo de ferro. O heme liga-se a membrana borda em escova e é internalizado, de modo que se apresenta ligado à membrana de vesículas no citoplasma das células. No interior das células ele é liberado da protoporfirina pela heme oxigenase e fará parte do pool de ferro não heme, podendo seguir para dois destinos dependendo da demanda de ferro. A regulação da absorção do ferro é feita pela formação do complexo HFE-TfR na membrana basolateral do enterócito por associação da proteína de hemocromatose (HFE) ao receptor de transferrina (TfR), esse que sinaliza a saturação do enterócito e controlando a absorção do ferro. Em casos de baixa necessidade ele permanecerá no enterócito, será sequestrado pela ferritina e eliminado com a descamação do epitélio intestinal. Quando a demanda é alta ele será transportado para fora do enterócito seguindo em direção ao plasma para poder ser transportado pela transferrina. O mecanismo pelo qual ele sai da célula e vai para o plasma é mediado pela ferroportina, que é um carreador localizado na membrana basolateral do enterócito duodenal e de outras células como hepatócitos e macrófagos. Esse é o único mecanismo de efluxo do ferro do enterócito, de modo que estará aumentado em quadros de hipóxia e deficiência desse mineral. A ferroportina pode ser considerada a protagonista do metabolismo férrico, já que aumenta o pool plasmático após saída das células. Ela será seletiva para o ferro na forma Fe2+, mas como a transferrina sérica tem afinidade pela forma sérica, o Fe2+ no meio externo deverá ser novamente convertido em Fe3+, processo que é realizado pela hefaestina. A transferrina é uma glicoproteína sintetizada pelo fígado, retina, testículos e cérebro, podendo transportar dois átomos de Fe3+. Ela irá solubilizar o ferro e atenuar sua reatividade, facilitando sua liberação para as células. A internalização do ferro é feita pela ligação do complexo ferro-transferrina a um receptor específico na membrana de quase todas as células. Esse complexo será internalizado para o endossoma, onde uma bomba de prótons promove um pH ácido que auxilia na dissociação do ferro da transferrina. Ele é liberado na forma Fe3+, mas precisa ser reduzido a Fe2+ para que possa ser transferido para citoplasma pela DMT-1. Assim, esse ferro poderá formar o heme, que será combinado com cadeias de globina para formar a hemoglobina. A transferrina não é a única forma de transportar o ferro, então após sua saturação ele pode ser transportado de forma livre (NTBI), mas esse pool livre pode reagir com o oxigênio e formar espécies reativas – como o ânion superóxido e o radical hidroxila produzidos pela reação de Fenton – que agem sobre proteínas lipídios e DNA, causando graves lesões celulares e teciduais. Também pode transportar magnésio, cobre, zinco, entre outros Assim, a DMT-1 na porção apical do enterócito transporta o ferro para dentro da célula Fe3+ é transformado em Fe2+ pela citocromo b duodenal O ferro também pode ser adquirido pela reciclagem de hemácias senescentes, de modo que essa degradação fornece a quantidade suficiente de ferro para manter a eritropoiese diária. Os macrófagos do baço, da medula óssea e do fígado reconhecem modificações bioquímicas nas hemácias e sinalizam para que elas sejam eliminadas. Assim, elas sofrem um encolhimento e externalizam a fosfatidilserina que será reconhecida pelo macrófago, culminando em morte celular programara – eriptose. O heme é sintetizado por todas as células nucleadas, mas a maior quantidade é produzida pelo tecido eritroide. Esse processo é controlado por mecanismos enzimáticos e de degradação para não ter excesso de ferro. O heme possui um anel tetrapirrólico com um íon central de ferro, em que sua síntese ocorre parte nas mitocôndrias e parte no citosol. Na mitocôndria a glicina se condensa com o succinil-coA e forma o ácido aminolevulínico (ALA), reação que é catalisada pela delta aminolevulínico sintetase 2 (ALAS-2) e exige a participação do piridoxal fosfato (B6) como cofator. O RNA mensageiro da ALAS-2 tem elementos reguladores do ferro (IRE) que interagem com proteínas reguladoras do ferro (IRP) formando um complexo que depende da quantidade de ferro dentro da célula. Quanto tem muito ferro essa ligação não ocorre, permitindo então a expressão da ALAS-2 e a formação do heme para aproveitar o ferro disponível. Em baixas concentrações desse íon esse complexo IRE-IRP inibe a ação da ALAS-2 e diminui a síntese do heme. O ácido aminolevulínico (ALA) segue para o citosol e se dimeriza para formar o porfobilinogênio. Por ação da enzima porfobilinogênio desaminase é formado um polímero com quatro moléculas de porfobilinogênio conhecido como hidroximetilbilano, que será convertido em uroporfirinogênio III, que tem quatro grupo acetatos removidos e forma o coproporfirinogênio III. O coproporfirinogênio III é convertido em protoporfirinogênio IX pela oxidase de coproporfirinogênio, essa que é localizada no espaço intermembrana da mitocôndria. A oxidase de protoporfirinogênio transforma em protoporfirina IX capaz de incorporar o ferro para formar o heme, reação que ocorre na superfície interna da membrana mitocondrial por ação da ferroquelatase. A ferroquelatase é uma enzima produzida no citosol e alcança a mitocôndria na forma de uma sequência conduzida por um peptídeo controlador, onde será clivada para produzir a enzima madura. A sua expressão pode ser modulada pelos níveis de ferro intracelular e por quadros de hipóxia. Será importante por finalizar a rota de síntese do heme e ter ação redutase do ferro. A degradação do heme gera a biliverdina (tetrapirrólico linear), que forma a bilirrubina e será excretada pelo fígado na bile.A síntese do heme nas células eritroides está praticamente comprometida com a síntese de hemoglobina nos eritoblastos. Para isso, o fígado também produz heme, esse que será incorporado nas hemoproteínas microssomais, como a citocromo P450. O catabolismo intracelular do heme é feito por um complexo enzimático que originará CO, ferro e bilirrubina. Os aminoácidos da cadeia globínicas também serão aproveitados para a síntese de novas proteínas. Assim, o Fe2+ pode ser mantido no macrófago pela ferritina ou ser exportado pela ferroportina – sendo oxidado para forma Fe3+ e transportado pela transferrina, principalmente para medula óssea, para formar novos eritrócitos. O ferro fica estocado em células reticuloendoteliais do fígado, baço e medula óssea nas formas de ferritina e hemossiderina. A ferritina é uma proteína produzida principalmente pelo fígado, essa que tem função principal de reter o ferro dentro das células, demonstrando diretamente o estoque do mineral presente no organismo. A apoferritina – proteína livre do ferro – pode abrigar até 4500 átomos de ferro, de modo que com núcleo férrico forma a ferritina que é a forma solúvel de armazenamento. Desse modo, índices baixos de ferritina podem estar ligados a um estoque de ferro reduzido. A hemossiderina é a forma degradada da ferritina, em que a concha proteica foi parcialmente desintegrada e o ferro formou agregados. A hepcidina (HPN) é um peptídeo antimicrobiano sintetizado no fígado e também em outros tipos celulares em sua forma inativa, de modo que será clivada e transformada na forma ativa capaz promover a regulação sistêmica do ferro e também ser um mediador da imunidade inata por ser uma defensina. Geralmente o ferro será eliminado pelas secreções corpóreas, pela descamação do intestino e da epiderme, assim como pela menstruação nas mulheres. Todavia, o organismo não tem um mecanismo específico para eliminar esse excesso, de modo que se faz necessário manter um equilíbrio entre o estoque e a utilização. A hepcidina é um regulador negativo do ferro ao se ligar à ferroportina e formar um complexo HPN-FPN, esse que pode ser internalizado pelos macrófagos. Assim, tem-se o processo de degradação dessas duas proteínas, de modo que o ferro não será externalizado para o plasma, mas será estocado no citoplasma pela ferritina. Assim, ocorre o aumento da concentração de ferro nos macrófagos e nos hepatócitos e tem-se baixa saturação da transferrina. Além disso, a concentração de ferro os enterócitos reduz a absorção desse mineral. A hepcidina também inibe a redutase citocromo B duodenal (DcytB), impedindo a absorção de ferro. Assim, a sobrecarga de ferro aumenta a expressão da hepcidina. Além disso, interleucinas como IL-6, IL-1, IL-10, IFN- e TNF- aumentam rapidamente a produção de hepcidina e promovem o estoque de ferro nos macrófagos, podendo levar a um quadro de hipoferremia e anemia por eritropoiese deficiente de ferro. Em contraposição, quadros de anemia e hipóxia reduzem sua formação por inibirem o gene HAMP. Sabe-se também que a síntese de hepcidina é inibida em todas as situações de estímulo da atividade de eritropoiese, tendo como efeito garantir a mobilização do ferro para a medula óssea. Pode-se pensar que as hemocromatoses – doenças pelo acúmulo de ferro – podem surgir pela produção inadequada de hepcidina em relação aos estoques de ferro. A hemocromatose hereditária é caracterizada por aumento da absorção intestinal e acúmulo do ferro em diversos órgãos. Assim, a expressão da hepcidina está diminuída ou não responsiva ao excesso de ferro absorvido da dieta. Essa doença pode ser classificada em hemocromatose associada ao HFE (clássica) ou hemocromatose associada a mutações raras em genes que regulam a expressão da hepcidina que não o HFE, como HJV, HAMP e TfR2. Outras doenças também podem ser relacionadas com o aumento do pool sistêmico de ferro, como doenças hepáticas crônicas (déficit de hepcidina) e doença hepática aguda não gordurosa (aumento da hepcidina). Assim, a dosagem sérica da hepcidina pode ser importante para diagnóstico de formas raras de hemocromatose, além de outras doenças relacionadas com a homeostase do ferro. As moléculas hemojuvelina, o TfR2 e a HFE regulam a expressão da hepcidina de acordo com os níveis de ferro circulantes. Um aumento dos níveis de ferro culminam no estímulo do gene HAMP para produção da hepcidina. A regulação intracelular do ferro é feita para evitar excesso de ferro livre ou falta dele dentro da célula, de modo que as proteínas reguladoras do ferro (IRP) controlam a expressão dos genes moduladores da captação e do estoque do ferro. Em quantidades baixas de ferro intracelular as IRP possuem alta afinidade e se ligam aos elementos reguladores do ferro (IRE) que irão promover o bloqueio da síntese de ferritina para reduzir o estoque, aumentar a tradução do TRF para aumentar a captação do ferro pela célula e bloqueia a síntese do heme. Nota-se que os níveis de mRNA da DMT-1 e FPN também aumentam significativamente na deficiência de ferro. Um pool aumentado de ferro intracelular inativa uma classe de proteínas reguladoras do ferro, de modo que ela não apresenta afinidade pelos elementos responsivos ao ferro, esses que induzirão seletivamente a expressão de proteínas intracelulares importantes para o metabolismo do ferro. Assim, ocorre aumento na expressão de ferritina favorecendo estoque do ferro e aumento da enzima ALA sintase para formação do grupo heme, além de bloquear a síntese do receptor de transferrina, reduzindo a captação do ferro pela célula. Metabolismo do ferro e homeostase de glicose Os estudos relatam uma relação com o excesso de ferro e o desenvolvimento de diabetes tipo II por causar resistência hepática à insulina. Os pacientes que apresentam sobrecarga de ferro podem apresentar distúrbios de hemocromatose pela via clássica, mas não apresentam mutações genéticas. Uma hiperferritinemia induz resposta hepática, do tecido adiposo e de células beta pancreáticas. Fígado Aumento de ferroportina e saída de ferro das células Captação de ferro do espaço extracelular aumentada pela distribuição de receptores de transferrina Aumento da ferritina para estoque de Fe Bloqueio da expressão da hepcidina Tecido adiposo Redução dos receptores de transferrina Liberação de adipocinas que medeiam uma resposta inflamatória Células beta pancreáticas Apoptose de células b-pancreáticas comprometendo a liberação de insulina O excedente de ferro promove estresse oxidativo e liberação de EROS. Um aumento da ingesta de gordura e o sobrepeso concomitante a entrada de ferro estimula o hepatócito a expressar o receptor de transferrina e otimizar a entrada de ferro na célula, além de aumentar a quantidade de hepcidina, podendo estar associado a ocorrência de infecção, inflamação, resistência insulínica e estresse oxidativo. Há uma resposta hepática para otimizar a captação do ferro, e liberação de adipocinas. Na privação de nutrientes tem-se o início de uma rota da gliconeogênese, em que o aumento do estoque de ferro intracelular aumenta a transcrição da fosfoenolpiruvato. Desse modo a hepcidina sinaliza um acúmulo de ferro no fígado e pode ser um sensor da gliconeogênese hepática. O músculo esquelético compõe cerca de 10 a 15% do ferro corporal pela presença da mioglobina. Sabe-se que a contração muscular estimula os receptores de transferrina, fato que, em sinergismo, contribui para o recrutamento de GLUT-4 para a membrana como estímulo para glicólise aeróbica – captação de glicose pelo músculo e estímulo do metabolismo aeróbio.
Compartilhar