Prévia do material em texto
Bittencourt RASTREAMENTO DE DOENÇAS – QUANDO FAZER? CONCEITO Quando falamos de screening, falamos de pessoas sem “pistas” ou “rastros”, diferente do rastreamento, que seria “seguir um rastro”. Então, rastreamento pode ser definido como a aplicação de testes diagnósticos ou procedimentos a pessoas assintomáticas com o objetivo de dividi-las em dois grupos: aquelas que têm doenças ou condições clínicas para as quais o tratamento precoce traria benefício e aquelas que não as têm. Outra definição seria: É uma atividade de diagnóstico pré- sintomático, em meio a um amplo espectro de atividades de cuidado, promoção e melhoria da saúde, muitas delas de alto poder de impacto sobre a produção da saúde e a prevenção de doenças. Exemplos de testes diagnósticos • Anamnese no rastreio do tabagismo • Exame físico no rastreio de sopros • Estudos laboratoriais no rastreio da dislipidemia • Procedimentos diagnósticos, como a retossigmoidoscopia RASTREAMENTO x DIAGNÓSTICO PRECOCE • Rastreamento = pessoas assintomáticas. É o “selecionamento” entre indivíduos assintomáticos • Diagnóstico precoce = pessoas doentes. É identificar uma doença em estágio inicial a partir de sintomas ou sinais clínicos TIPOS DE RASTREAMENTO CRITÉRIOS DE RASTREIO É através da MBE e do manejo adequado dos instrumentos disponíveis que podemos nos ancorar numa parte importante das decisões. Logo, as decisões são baseadas em evidências científicas para adequado manejo da situação = maior tranquilidade e assertividade. Entre os critérios, temos: • Características da doença o Impacto significativo no nível de saúde pública o Período assintomático no qual a detecção é possível o Melhores desfechos se o tratamento ocorre no período assintomático • Características do teste de rastreio o Sensibilidade suficiente para detectar a doença em período assintomático o Especificidade suficiente para minimizar os falsos positivos o Exame aceitável para as pessoas o Teste simples, barato e seguro • Características da população rastreada o Prevalência suficientemente alta que o justifique o Cuidados médicos acessíveis para o problema o Pessoas dispostas a aderir ao processo de investigação e tratamento Em resumo, os critérios para um programa de rastreio são: • A doença deve representar um importante problema de saúde pública que seja relevante para a população, levando em consideração os conceitos de magnitude, transcendência e vulnerabilidade; • A história natural da doença ou do problema clínico deve ser bem conhecida; • Deve existir estágio pré-clínico (assintomático) bem definido, durante o qual a doença possa ser diagnosticada; • O benefício da detecção e do tratamento precoce com o rastreamento deve ser maior do que se a condição fosse tratada no momento habitual de diagnóstico; • Os exames que detectam a condição clínica no estágio assintomático devem estar disponíveis, aceitáveis e confiáveis; • O custo do rastreamento e tratamento de uma condição clínica deve ser razoável e compatível com o orçamento destinado ao sistema de saúde como um todo; • O rastreamento deve ser um processo contínuo e sistemático Bittencourt DIFICULDADES Viés de seleção Os estudos sobre rastreamento tendem a selecionar pessoas mais esclarecidas e preocupadas com a saúde. Isso costuma produzir resultados mais favoráveis ao excluir aqueles que têm um estilo de vida menos saudável, que consistiriam em grupos populacionais de maior risco. Viés de tempo de antecipação O rastreamento produz uma antecipação diagnóstico, fazendo com que as pessoas convivam por maior tempo com o diagnóstico e com as consequências do tratamento após a intervenção. Isso cria a ilusão de viver mais e de que a intervenção foi benéfica. Viés de duração O rastreamento tende a selecionar patologias menos agressivas, deixando escapar as patologias mais agressivas entre os intervalos de rastreamento. Isso faz com que o resultado da terapêutica seja mais favorável, pois tratam-se de patologias de evolução lenta e menos agressiva, que geralmente respondem bem à terapêutica instituída (em relação às diagnosticadas clinicamente). Viés de sobrediagnóstico (overdiagnosis) No nosso organismo repousam patologias (incluindo cânceres) indolentes. Doenças e cânceres que não evoluiriam a ponto de manifestarem clinicamente ou cuja evolução seria tão arrastada que os pacientes morreriam por outro problema. Os rastreamentos geram um excesso de diagnósticos corretos no presente, que convertem pessoas assintomáticas em doentes, as quais são submetidas a tratamentos com grande potencial de efeitos adversos, quando comparadas à situação de não se rastrear. Paradoxo da popularidade Na maioria dos programas de rastreamento, algumas pessoas recebem tratamento “desnecessariamente”, dada a natureza precoce da intervenção. Ou seja, recebem tratamento para patologias que nunca se desenvolveriam para a fase clínica se deixadas sem tratamento. Quando maior o sobrediagnóstico e o sobretratamento (overtreatment), mais as pessoas acreditam que devem sua saúde ou mesmo suas vidas ao programa. RECOMENDAÇÕES (na APS) I. Dê preferência às intervenções redutivas (por exemplo, rastrear o tabagismo e aconselhar seu abandono). II. Apoie as intervenções preventivas aditivas cuja evidência científica está bem estabelecida (nível A de recomendação), que sejam de simples realização, de fácil aceitação pelo usuário, de baixo custo e mínimo ou nenhum dano ao paciente, tais como o teste do pezinho, rastreamento de sífilis e HIV na gestante. III. Desencoraje a prática do rastreamento quando as evidências forem duvidosas ou mistas IV. Não transforme o rastreamento em um imperativo ou prioridade de saúde pública quando as patologias rastreadas forem condições que afetam apenas a individualidade dos pacientes V. Caso seja o paciente quem demande por esses exames, explique os danos potenciais e os benefícios em se solicitar o exame de rastreamento. Lembre-se de que você estará atuando sobre pessoas assintomáticas e, a princípio, saudáveis