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2 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 4 2 O DIREITO À INCLUSÃO ............................................................................. 5 2.1 Os direitos da pessoa com deficiência ................................................. 5 2.2 Atendimento educacional especializado............................................... 8 3 DO TGD PARA O TEA NO DSM-5 ............................................................. 12 3.1 Breve histórico do DSM ...................................................................... 12 3.2 Histórico dos Transtornos globais do desenvolvimento (TGD) ........... 13 4 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) ..................................... 16 4.1 O autismo se estende ao longo de um espectro ................................ 18 4.2 Por que existe um espectro? .............................................................. 21 4.3 Severidade e nível de prejuízo ........................................................... 22 5 O QUE CAUSA O AUTISMO? .................................................................... 24 5.1 Uma rápida retrospectiva do século passado ..................................... 25 5.2 Genética e autismo ............................................................................ 27 5.3 O cérebro da pessoa autista .............................................................. 28 5.4 O cérebro no autismo ......................................................................... 29 5.5 Diferenças na estrutura do cérebro .................................................... 29 6 OUTRAS CONDIÇÕES AFETAM CRIANÇAS COM TEA .......................... 31 6.1 Deficiência intelectual ......................................................................... 31 6.2 Transtornos da linguagem e da comunicação .................................... 32 6.3 TDAH .................................................................................................. 32 6.4 Problemas emocionais ....................................................................... 33 6.5 Questões médicas .............................................................................. 34 7 INTERVENÇÕES COMPORTAMENTAIS E EDUCACIONAIS .................. 36 3 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA 7.1 Método ABA e TEACCH ..................................................................... 37 8 TECNOLOGIA ASSISTIVA PARA ALUNOS COM TEA ............................. 39 8.1 A utilização de tecnologias assistivas para alunos com TEA ............. 42 8.1.1 Aprendizagem baseada em vídeo ................................................ 42 8.1.2 Instrução assistida por computador .............................................. 43 8.2 SCALA – Surgimento ......................................................................... 43 8.3 SCALA - Sistema de Comunicação Alternativa para letramento de pessoas com Autismo. ........................................................................................... 45 9 BIBLIOGRAFIA ........................................................................................... 47 4 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. 5 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA 2 O DIREITO À INCLUSÃO Fonte: https://diariodainclusaosocial.com/ A publicação do Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei Federal nº. 13.146/2015 (BRASIL, 2015), trouxe avanços importantes. Além disso, vários pesquisadores, familiares e segmentos da população têm lutado para que a sociedade seja inclusiva não apenas na lei, mas na prática. É necessário que as necessidades das pessoas com deficiência sejam percebidas para que a inclusão ocorra de fato na educação, na saúde, na locomoção, no esporte, na cultura, no lazer, na religião e em tantos outros contextos. Contudo, o que se observa é que as pessoas, em vez de incluir os diferentes, acabam excluindo- os ao não propiciar a acessibilidade arquitetônica, curricular, instrumental e comunicacional. 2.1 Os direitos da pessoa com deficiência A inclusão ocorre não apenas nas placas indicativas em filas preferenciais, mas por meio de ações que contribuem de fato para o reconhecimento das pessoas com deficiência. Entre essas ações, você pode considerar: 1. o ensino de Libras para todos, independentemente do curso ou da vivência, para que essa língua seja disseminada no Brasil, tendo em vista que é a segunda língua oficial do País (BRASIL, 2002); 6 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA 2. o uso de piso tátil e de placas indicativas, de semáforo sonoro, materiais e móveis em Braille para os cegos; 3. o uso da comunicação alternativa para todas as pessoas com deficiência intelectual e TEA; 4. a adaptação da arquitetura dos imóveis, dos carros, dos transportes públicos e das calçadas para os deficientes físicos. Assim, com respeito a todos e prezando pela igualdade, a sociedade, de fato, caminhará para a inclusão. Na Figura 1, a seguir, você pode ver a evolução do emprego formal das pessoas com deficiência no Brasil, conforme relatório do Ministério do Trabalho (BRASIL, 2017). A Constituição Federativa do Brasil, promulgada em 1988 (BRASIL, 1988), garante o direito de todos à educação, à saúde, à segurança e à vida. Contudo, para que exista a equalização de direitos e deveres, bem como o cumprimento das leis de 7 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA acessibilidade e inclusão de pessoas com deficiência, são necessárias mudanças nos hábitos e costumes da população. Em relação ao transporte, é necessário que exista gratuidade ou desconto em passagens no transporte público, intermunicipal e interestadual. Com isso, a adequação e a acessibilidade devem ser garantidas pelas empresas para que a mobilidade seja atendida. Há também a necessidade de reserva de vagas para as pessoas com deficiência, que têm prioridade para ocupar os assentos. Além disso, devem ser reservadas vagas em estacionamentos públicos e privados (desde que o automóvel esteja cadastrado para o transporte de pessoas com deficiência, seguindo a legislação de trânsito). Já no campo trabalhista, os concursos devem garantir a reserva de no mínimo 5% das vagas para as pessoas com deficiência. Muitas pessoas não sabem, mas a Lei de Cotas garante horário de serviço reduzido a essa população, dependendo de suas limitações, sem prejuízo salarial, desde que a deficiência seja comprovada com laudo médico. A recusa de empregar pessoas com deficiência sem uma justificativa plausível ou aceitável pelo Ministério do Trabalho é motivo para que a empresa seja denunciada e processada com multa. No que se refere à educação, as pessoas com deficiênciatêm o direto de ocupar 5% do total de vagas nas universidades públicas; em instituições privadas, devem existir programas para atender a esses estudantes. Na educação básica, é fundamental que a lei seja cumprida, ou seja, todos devem ter a escolarização garantida. Todavia, para que os direitos das pessoas com deficiência sejam garantidos, é necessário que o preconceito e a discriminação sejam continuadamente descontruídos e combatidos. As pessoas com deficiência também estão isentas de tributos previstos na Constituição Federativa do Brasil (BRASIL, 1988), tais como: IPVA e IPI em automóveis utilitários. Para que isso ocorra, o Código Nacional de Trânsito Brasileiro regulamentou que não há necessidade de o carro ser adaptado, mas o comprador deve apresentar os documentos necessários para a aquisição do veículo. No caso de pessoas com deficiência física e mobilidade reduzida, os carros devem ser adaptados. Vale destacar que os automóveis das pessoas com deficiência devem manter o selo de identificação no vidro dianteiro. 8 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA Além disso, a Lei nº. 9.394/1996 (BRASIL, 1996) se refere à importância do uso do cão-guia, o que se relaciona ao direito dos deficientes visuais de transitar e se locomover em todo o território brasileiro, inclusive em viagens nacionais e internacionais. De acordo com o art. 8º da Lei nº. 7.853/1989 (BRASIL, 1989), será punido com pena de reclusão de 1 a 4 anos e multa: a) quem recusar, suspender, cancelar ou fazer cessar, sem justa causa, a matrícula de aluno com deficiência; b) impedir o acesso de pessoa com deficiência a qualquer cargo público; c) negar trabalho ou emprego ao deficiente; d) recusar, retardar, diminuir ou dificultar a internação hospitalar ou deixar de prestar assistência médico-hospitalar ou ambulatorial, quando possível à pessoa com deficiência. Ao longo dos séculos, os deficientes foram adquirindo seus direitos e também deveres para a convivência em uma sociedade justa e igualitária. Em resumo, a Constituição Federal regulamenta o direito à igualdade de todos, bem como o direito ao acesso e à permanência das pessoas com e sem deficiência em espaços públicos e privados, além do direito à vida e à segurança. Para tanto, é importante a colaboração, a participação e o envolvimento do Estado e dos cidadãos. Assim, de fato, é possível construir uma sociedade justa, igualitária e sem discriminação. 2.2 Atendimento educacional especializado Na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), a educação especial é compreendida como uma modalidade de ensino transversal, ou seja, perpassa todos os níveis de ensino. Nesse sentido, ela atua desde a educação infantil até o ensino superior e realiza o atendimento educacional especializado. Esse atendimento é definido da seguinte forma: O atendimento educacional especializado tem como função identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas. 9 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA As atividades desenvolvidas no atendimento educacional especializado diferenciam-se daquelas realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas à escolarização. Esse atendimento complementa e/ou suplementa a formação dos alunos com vistas à autonomia e independência na escola e fora dela (BRASIL, 2008, p. 10). Com base nessa definição, a caracterização desse serviço e do público a que se destina precisa ser compreendida. Afinal, quem é o grupo de alunos que poderá frequentar e ser matriculado no atendimento educacional especializado? Somente os alunos com alguma deficiência? Será que os alunos com dificuldades na leitura e na escrita, aqueles que não conseguem se alfabetizar, os alunos agitados ou com déficit de atenção e os hiperativos também podem frequentar o AEE? O mesmo questionamento vale para os alunos com dificuldades de conduta, os agressivos e aqueles que têm dificuldades em acompanhar o currículo escolar. Historicamente, a educação especial organizou os seus serviços de forma que todos os alunos com necessidades educacionais especiais eram atendidos por essa modalidade de ensino. Porém, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) — e todas as normativas que se seguiram ao seu lançamento, como a Resolução CNE/ CEB nº. 4/2009, que institui as Diretrizes Operacionais para o atendimento educacional especializado na Educação Básica, na modalidade Educação Especial — define, em seu Artigo 4º, quem são os alunos a quem se destina o atendimento educacional especializado: I – Alunos com deficiência: aqueles que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual, mental ou sensorial. II – Alunos com transtornos globais do desenvolvimento: aqueles que apresentam um quadro de alterações no desenvolvimento neuropsicomotor, comprometimento nas relações sociais, na comunicação ou estereotipias motoras. Incluem-se nessa definição alunos com autismo clássico, síndrome de Asperger, síndrome de Rett, transtorno desintegrativo da infância (psicoses) e transtornos invasivos sem outra especificação. III – Alunos com altas habilidades/superdotação: aqueles que apresentam um potencial elevado e grande envolvimento com as áreas do conhecimento humano, isoladas ou combinadas: intelectual, liderança, psicomotora, artes e criatividade (BRASIL, 2009, documento on-line). Conforme a atualização de nomenclatura publicada no DSM -5 (2013), onde se lê Transtorno Globais do Desenvolvimento (TGD), precisa-se ler Transtorno do Espectro Autista (TEA). Assim, os textos legais que normatizam o AEE sublinham 10 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA claramente um grupo específico de alunos, e não mais todos os alunos que apresentam necessidades educacionais especiais. Dessa forma, é importante que você compreenda que sujeitos com dificuldades de aprendizagem, distúrbios emocionais e de comportamento, déficit de atenção, hiperatividade, atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, dislexia, entre outros, não fazem parte do público- alvo da educação especial. É importante destacar que a partir da Nota Técnica nº 04/2014 - MEC/ SECADI/DPEE cai a obrigatoriedade da exigência de um laudo médico para incluir os alunos com deficiência ou dificuldades no Atendimento Educacional Especializado - AEE. Nesse sentido, muitos alunos com diversas dificuldades de aprendizagem têm a garantia de ingresso no AEE, mesmo não tendo nenhuma deficiência diagnosticada. A partir da compreensão do grupo de alunos que poderá frequentar o AEE, esse serviço é organizado de forma complementar e/ou suplementar ao ensino regular — ou seja, não substitui a escolarização. Portanto, o atendimento educacional especializado caracteriza-se como um serviço pedagógico que opera na oferta de recursos de acessibilidade que visam à participação e aprendizagem dos alunos público-alvo da educação especial no ensino regular. O Decreto nº. 7.611/2011, no Art. 30, dispõe sobre os objetivos do atendimento educacional especializado: I ‒ prover condições de acesso, participação e aprendizagem no ensino regular e garantir serviços de apoio especializados de acordo com as necessidades individuais dos estudantes; II ‒ garantir a transversalidade das ações da educação especial no ensino regular; III ‒ fomentar o desenvolvimento de recursos didáticos e pedagógicos que eliminem as barreiras no processo de ensino e aprendizagem; IV ‒ assegurar condições para a continuidade de estudos nos demais níveis, etapas e modalidades de ensino (BRASIL, 2011, documento on-line). Uma questão importante a ser pontuada se refere ao local onde é oferecido o atendimento educacional especializado. Para responder essequestionamento, novamente se faz necessário olhar para os documentos normativos que orientam a educação inclusiva no nosso país. Conforme o Artigo 5º da Resolução CNE/CEB nº. 4/2009: 11 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA O AEE é realizado prioritariamente, na sala de recursos multifuncionais da própria escola ou em outra escola de ensino regular, no turno inverso da escolarização, não sendo substitutivo às classes comuns, podendo ser realizado, também em centro de atendimento educacional especializado da rede pública ou de instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, conveniadas com a Secretaria de Educação ou órgão equivalente dos Estados, Distrito Federal ou dos Municípios (BRASIL, 2009, documento on-line). A orientação desse fragmento sublinha que o AEE deve ser realizado, prioritariamente, na sala de recursos multifuncionais da escola em que o aluno com deficiência, transtorno global do desenvolvimento ou altas habilidades/ superdotação está matriculado. Isso se justifica pela interlocução necessária entre o professor do AEE e os professores do ensino comum, considerando que essa articulação beneficia o processo de aprendizagem do aluno, uma vez que possibilita que o professor do AEE acompanhe ativamente esse processo. Desse modo, ele pode identificar os recursos pedagógicos e de acessibilidade necessários para a promoção da aprendizagem e apoiar o professor do ensino comum no gerenciamento das estratégias necessárias para apoiar a aprendizagem do aluno. Ideais que caminham ao encontro das perspectivas inclusivas desenvolvem as suas práticas no sentido de colocar-se à disposição do aluno que por muito tempo foi considerado como um fracasso escolar. Fonte: ttps://www.saobentodouna.pe.gov.br/ 12 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA 3 DO TGD PARA O TEA NO DSM-5 Fonte: educarepedagogia.com.br Em 1840, os Estados Unidos iniciaram um censo que incluía a categoria de "idiota / louco" com o objetivo de registrar a frequência de doenças mentais. No censo de 1880, a doença mental foi dividida em sete categorias diferentes (mania, melancolia, monomania, paresia, demência, dipsomania e epilepsia). Portanto, podemos observar que a primeira aplicação em larga escala da classificação de transtornos mentais na América do Norte é principalmente para fins estatísticos (ARAÚJO; NETO, 2013). 3.1 Breve histórico do DSM A American Psychiatric Association (APA) publicou a primeira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) em 1953, que foi o primeiro manual de transtornos mentais voltado para aplicações clínicas. O DSM-I consiste basicamente em uma lista de diagnósticos classificados com um glossário que contém uma descrição clínica de cada categoria de diagnóstico. Embora muito rudimentar, o 13 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA manual ajuda a estimular uma série de revisões de questões relacionadas à doença mental. O DSM-II, que foi desenvolvido em paralelo com o CID-8, foi publicado em 1968 e é muito semelhante ao DSM-I, com uma ligeira mudança na terminologia (ARAÚJO; NETO, 2013). Ainda segundo Araújo e Neto (2013), em 1980, a APA publicou a terceira edição do seu manual, introduzindo importantes mudanças metodológicas e estruturais, as quais foram parcialmente retidas para a edição mais recente. Além de promover pesquisas empíricas, sua publicação representa um importante avanço no diagnóstico dos transtornos mentais. O DSM-III propõe um método mais descritivo que organiza critérios diagnósticos claros em um sistema multieixo, com o objetivo de fornecer ferramentas aos médicos e pesquisadores, ao mesmo tempo que facilita a coleta de dados estatísticos. O manual foi revisado e corrigido, levando à publicação do DSM-III-R em 1986. Em 1994, uma onda de pesquisas, revisões de literatura e testes de campo levaram a APA a apresentar o DSM-IV. A evolução do manual representa um aumento significativo de dados, incluindo diversos novos diagnósticos descritos com padrões mais claros e precisos. A versão revisada desta versão foi lançada como DSM-IV-TR, em 2000, e foi usada oficialmente até o início de 2013 (ARAÚJO; NETO, 2013). O DSM-5 foi lançado oficialmente em 18 de maio de 2013. É a versão mais recente do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da American Psychiatric Association. A publicação é resultado de doze anos de pesquisas, resenhas e pesquisas de campo realizadas por centenas de profissionais divididos em diferentes grupos de trabalho. O objetivo final é garantir que a nova classificação que inclui, reformula e exclui diagnósticos forneça uma fonte segura e científica para aplicações em pesquisa e prática clínica, (ARAÚJO; NETO, 2013). 3.2 Histórico dos Transtornos globais do desenvolvimento (TGD) Os TGDs eram definidos no DSM- IV, publicado em 1994 e revisado no ano 2000, como aqueles distúrbios nas interações sociais recíprocas que costumam manifestar-se nos primeiros cinco anos de vida. Caracterizam-se pelos padrões de comunicação estereotipados e repetitivos, assim como pelo estreitamento nos 14 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA interesses e nas atividades. Dentro desse conjunto de transtornos estavam incluídos o Autismo infantil, a Síndrome de Asperger, a Síndrome de Rett, o Transtorno Desintegrativo da Infância (psicose) e a Transtorno Invasivo de Desenvolvimento - sem outra especificação. É importante esclarecer que a síndrome se refere a um conjunto de sintomas, não se limitando a uma única doença, que ocorre em um indivíduo; já em relação ao transtorno é utilizado para indicar a existência de uma série de sintomas ou comportamentos ao longo da infância, acompanhados pelo desenvolvimento e maturação do sistema nervoso central que pode ter danos ou atrasos. Os transtornos não são causados por trauma ou doença cerebral adquirida, mas desenvolve através de doenças neurológicas e tem origem em processos cognitivos anormais causados por disfunção biológica (FRANZIN, 2014). Depois do DSM – 5 manuais de diagnóstico e estatístico dos transtornos mentais desde de 2013, os transtornos globais do desenvolvimento foram integrados aos Transtornos do Espectro Autista. Portanto, os antigos TGDs são hoje voltados e caracterizados como autismo em grau leve, moderado e grave. Vale a pena considerar que mesmo que a nomenclatura TGD tenha sido retirada do DSM, no manual utiliza-se o termo Atraso Global do Desenvolvimento e está definido como: Este diagnóstico está reservado a indivíduos com menos de 5 anos de idade, quando o nível de gravidade clínica não pode ser avaliado de modo confiável durante a primeira infância. Esta categoria é diagnosticada quando um indivíduo fracassa em alcançar os marcos do desenvolvimento esperados em várias áreas da função intelectual, sendo aplicada a pessoas que não são capazes de passar por avaliações sistemáticas do funcionamento intelectual, incluindo crianças jovens demais para participar de testes padronizados. É uma categoria que requer reavaliações após um período de tempo (APA, 2014, p. 41). Antigamente as pessoas entendiam o autismo como patologia ou como sintomas muito grave ou severo, dessa forma as pessoas julgavam as crianças com autismo como as crianças que ficavam somente no canto da sala de aula, sem interagir com ninguém e fazendo movimentos repetitivos estereotipados, porém, hoje ampliou-se muito o leque de diagnóstico e consequentemente ampliou também as possibilidades dos sintomas dentro do transtorno do espectro autista. 15 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA O diagnóstico do TEA é realizado considerando uma lista de critérios comportamentais. Em vários países do mundo, especialistas na área recomendam que o diagnóstico seja feito com base nos critérios estabelecidos no DSM-5 (APA, 2014),que será o foco desta seção. DSM-V (APA, 2014, p. 42) determina a: Fusão de transtorno autista, transtorno de Asperger e transtorno global do desenvolvimento no transtorno do espectro autista. Os sintomas desses transtornos representam um continuum único de prejuízos com intensidades que vão de leve a grave nos domínios de comunicação social e de comportamentos restritivos e repetitivos em vez de constituir transtornos distintos. Essa mudança foi implementada para melhorar a sensibilidade e a especificidade dos critérios para o diagnóstico de transtorno do espectro autista e para identificar alvos mais focados de tratamento para os prejuízos específicos observados. O TEA é diagnosticado, segundo o DSM-V, quando “os déficits característicos de comunicação social são acompanhados por comportamentos excessivamente repetitivos, interesses restritos e insistência nas mesmas coisas” (APA, 2014, p. 31) e se caracteriza por: déficits persistentes na comunicação social e na interação social em múltiplos contextos, incluindo déficits na reciprocidade social, em comportamentos não verbais de comunicação usados para interação social e em habilidades para desenvolver, manter e compreender relacionamentos. Além dos déficits na comunicação social, o diagnóstico do transtorno do espectro autista requer a presença de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades. Considerando que os sintomas mudam com o desenvolvimento, podendo ser mascarados por mecanismos compensatórios, os critérios diagnósticos podem ser preenchidos com base em informações retrospectivas, embora a apresentação atual deva causar prejuízo significativo (DSM-V, 2014, p. 31-32). Além disso, deve especificar-se o TEA (APA, 2014): com ou sem comprometimento intelectual concomitante; com ou sem comprometimento da linguagem concomitante; está associado a alguma condição médica ou genética conhecida ou a fator ambiental; está associado a outro transtorno do neurodesenvolvimento, mental ou comportamental; está associado a catatonia. 16 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA Para fechar o diagnóstico do TEA, a criança deve apresentar pelo menos três sintomas dos três critérios A e dois sintomas dos quatro critérios B, bem como o critério C + D. Além disso, as características clínicas são registradas pelo uso dos especificadores supracitados (sem comprometimento intelectual, por exemplo). 4 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) Fonte: https://secad.artmed.com.br/ O transtorno do espectro autista (TEA) foi inicialmente descrito na década de 1940 como um transtorno único da infância. Os sintomas característicos descritos na época provavelmente são familiares para você: as crianças observadas então, assim como as crianças de hoje com autismo, tinham dificuldades substanciais com as interações sociais e a comunicação e uma gama restrita de interesses e comportamentos. Essas características clássicas fixas são vistas em comportamentos 17 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA como contato visual reduzido, expressões faciais limitadas e formas incomuns de interação com as outras pessoas. Você pode ter observado que, juntamente com interesses em geral limitados e muitas vezes intensos, muitas crianças com TEA também são altamente sensíveis a certos toques, texturas, sons ou visões – e preferem a mesma rotina todos os dias. Embora essas características ainda sejam essencialmente as mesmas que usamos para descrever o autismo nos dias atuais, temos, agora, uma compreensão mais complexa sobre o caminho de vida para aqueles com TEA. Os sintomas raramente são perceptíveis durante os primeiros 6 meses de vida e costumam surgir em torno dos 8 a 12 meses. Contudo, para cerca de um terço das crianças que irão ter autismo, o desenvolvimento é aparentemente normal até o fim da primeira infância, seguido por perda de habilidades no mesmo período. Independentemente da época do desenvolvimento, a severidade do transtorno varia de modo considerável – alguns indivíduos vivem e trabalham de forma independente; outros não conseguem. Alguns desenvolvem habilidades de linguagem adequadas; outros nunca a desenvolvem. Para a maioria, os desafios são contínuos ao longo de toda a vida, mas toda criança faz progressos e adquire habilidades, embora com ritmos muito variados. Em outras palavras, é certo que nem tudo o que dissermos sobre autismo vai se aplicar ao seu filho. Na verdade, embora por décadas os cientistas tenham tratado esse transtorno como uma condição única, isso já não faz mais sentido. As crianças com autismo diferem tanto umas das outras que é vital tomarmos os princípios gerais que iremos abordar e, então, adaptá-los ao seu filho individualmente. Sem dúvida nenhuma você já iniciou esse processo; faremos mais sugestões à medida que avançarmos. Por enquanto, é importante entender que a ciência concorda com a intuição de muitos pais de que existem vários tipos diferentes de autismo. Essas diferenças podem ser enormes. Os pais cujo filho não sabe falar ou fazer operações matemáticas irão questionar como ele pode ter a mesma condição que uma criança que resolve um problema de álgebra ou consegue explicar a tabela periódica dos elementos. Da mesma forma, embora as causas sejam apenas parcialmente conhecidas, estamos seguros agora de que há mais de uma causa para esse transtorno. De fato, 18 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA a visão científica mais recente é a de que o TEA é um conjunto de várias condições relacionadas, com características identificáveis e parcialmente compartilhadas. Essa nova compreensão abriu caminho para ganhos importantes no entendimento das causas – e nova esperança para tratamentos efetivos para crianças com TEA. Embora este livro explique muitos avanços recentes em nossa compreensão do TEA, alguns dos mais significativos para os resultados que podemos esperar para crianças com o transtorno – e os mais importantes para os pais estarem cientes – são apresentados a seguir. 4.1 O autismo se estende ao longo de um espectro Vamos começar com a ideia de que o autismo ocorre ao longo de um espectro, um conceito que, em geral, é atualmente aceito por pesquisadores e clínicos. Antes de nos aprofundarmos no que pretendemos dizer quando usamos a palavra “espectro”, como foi que partimos da ideia de autismo como um transtorno único para chegarmos à noção de um espectro? Os clínicos usam um sistema comum para diagnosticar saúde mental e transtornos do desenvolvimento. O Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM) é um guia para diagnosticar uma ampla gama de condições que afetam a saúde mental e o desenvolvimento. Elaborado logo após a Segunda Guerra Mundial para padronizar a terminologia psiquiátrica, e atualmente publicado pela American Psychiatric Association (APA), o manual tem sido revisado de modo significativo com o passar dos anos e, agora, inclui condições que afetam o desenvolvimento do cérebro e o comportamento em crianças. Ele está atualmente em sua quinta edição (DSM-5), que foi publicada em 2013. Destinado a guiar os clínicos, o DSM lista os critérios que devem ser satisfeitos para tornar-se um diagnóstico válido; outros fatores que devem ser levados em conta, tais como outros diagnósticos a serem considerados; e informações atuais sobre os transtornos, como sua prevalência, causas conhecidas e seus aspectos fisiológicos. Os critérios listados geralmente incluem parâmetros para quais sintomas ou comportamentos devem estar presentes, por quanto tempo e quando tiveram início. Porém, o padrão de comportamentos também deve causar prejuízos significativos no funcionamento social, vocacional ou educacional. Em outras palavras, por definição, 19 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA os comportamentos devem estar causando prejuízosna vida da criança. Se eles não resultarem em desafios nesses domínios, não serão definidos como um transtorno no DSM. O autismo como uma entidade independente foi incluído pela primeira vez como uma entrada em 1980, na terceira edição do DSM (DSM-III), com a denominação “autismo infantil”. Em 1987, a APA publicou uma edição revisada (DSM-III-R), na qual o termo “transtorno autista” foi apresentado com alguns critérios mais formalizados com base em novas análises estatísticas. Em 1994, foi publicado o DSM-IV. O transtorno autista permaneceu, mas uniu-se a condições associadas sob o termo abrangente de “transtornos invasivos do desenvolvimento” (TID). A designação incluía transtorno autista, síndrome de Asperger e TID não especificado (esses três subgrupos se transformaram no futuro “espectro”), além da síndrome de Rett e do transtorno desintegrativo da infância. Outros termos associados, como transtorno de aprendizagem não verbal, (TANV), foram excluídos por não serem considerados cientificamente rigorosos. Assim, por quase duas décadas, de 1994 a 2013, tentamos estudar e tratar o autismo dentro de três subcategorias oficiais: transtorno autista, síndrome de Asperger e TID. Entretanto, como detalharemos em seguida, esse esforço para criar subtipos fracassou. Em 2013, o novo DSM-5 eliminou as subcategorias, tais como síndrome de Asperger versus transtorno autista, e criou um único transtorno do espectro autista – desse modo, ampliando os critérios para autismo e simplificando a tarefa diagnóstica do clínico. Os critérios atuais abrangem essencialmente o que já mencionamos – desafios de comunicação e interação social e comportamentos restritos e/ou repetitivos que aparecem no início da vida e causam prejuízos significativos. Embora os primeiros anos seguintes à identificação do TEA pelo psiquiatra Leo Kanner na década de 1940 tenham focado na descrição das semelhanças no TEA, com o passar do tempo, a ampla gama de desafios, pontos fortes e variabilidade tornou-se aparente – culminando na tentativa malfadada no DSM-IV de criar subcategorias formais. Várias descobertas convenceram o campo da psiquiatria a abandonar os diagnósticos separados para síndrome de Asperger e TID. 20 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA Um fator importante foi que não havia tratamentos específicos para os diferentes subgrupos. Ou seja, não havia diferenças padronizadas em como uma criança diagnosticada com síndrome de Asperger e outra diagnosticada com transtorno autista seriam tratadas. Mais importante ainda, descobriu-se que, na verdade, os clínicos especializados não eram muito fidedignos na determinação de quais crianças deveriam ser designadas a qual subclassificação diagnóstica. Um achado decisivo em 2012 que ajudou a solidificar a importância de conceituar o autismo como um transtorno de espectro, e não como três subgrupos distintos, ilustra isso. O achado envolvia a avaliação de práticas diagnósticas para 2 mil crianças em 12 centros universitários na América do Norte, onde as pesquisas clínicas estavam realizando avaliações diagnósticas para autismo exatamente da mesma maneira. Em cada localidade, os clínicos especializados nessas instituições de destaque usaram ferramentas diagnósticas com padrão de excelência para avaliar o autismo e administraram uma bateria de testes padronizada para qualificar outras características, como cognição e linguagem. Para assegurar que todos estivessem de fato conduzindo avaliações da mesma maneira e seguindo as diretrizes apropriadas do DSM-IV, todas elas foram gravadas em vídeo. A análise final mostrou que não havia diferenças nos tipos de crianças no estudo – nenhum dos locais viu mais crianças com deficiência intelectual, ou mais crianças com déficit na linguagem, irritabilidade, problemas motores, ou alguma das outras centenas de variáveis –, embora os clínicos tenham chegado a índices radicalmente diferentes das subclassificações. Um dos locais apenas diagnosticou crianças com transtorno autista. Outro local diagnosticou mais da metade das crianças com síndrome de Asperger. Outro, ainda, não diagnosticou nenhuma criança com TID. Em outras palavras, os clínicos concordaram que todas essas crianças satisfaziam os critérios diagnósticos para o termo abrangente “autismo”, mas não conseguiram entrar em um acordo quanto à subclassificação. A mensagem final foi a de que mesmo os principais diagnosticadores na América do Norte falharam no uso consistente e efetivo das subclassificações 21 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA baseadas no comportamento. Por fim, também não foram encontradas diferenças biológicas convincentes entre os subtipos. 4.2 Por que existe um espectro? O espectro autista inclui essas antigas subcategorias, além de variação na severidade e no perfil dos sintomas. Os cientistas acreditam que o autismo ocorre ao longo de um espectro porque as características centrais assumem diversas formas, e temos agora evidências de que os déficits principais no transtorno se desenvolvem por muitos caminhos causais distintos, envolvendo diferentes sistemas biológicos e diferentes contribuições genéticas e ambientais. Portanto, para aumentar nossa compreensão da ciência por trás do autismo, estudamos, atualmente, o espectro inteiro, e, conforme iremos discutir, essa abordagem já valeu a pena por seus achados biológicos mais claros (BERNIER; DAWSON, 2016). Reconhecendo que existe um amplo espectro, os cientistas podem usar imagem cerebral, genética e outras abordagens científicas inovadoras para entender sua variabilidade. Por sua vez, as informações que obtemos nos ajudam a elaborar planos de tratamento que irão beneficiar uma população diversificada no espectro e planejar intervenções inovadoras e que, por fim, serão mais individua-lizadas para determinada criança. Um modo de entender as diferentes faces, ou subtipos, do autismo envolve a genética. As informações genéticas têm sido úteis para fazer o mesmo para outras condições, como deficiência intelectual e déficit de aprendizagem. Pouco mais de um século atrás, considerava-se que todas as crianças com deficiência intelectual tivessem a mesma condição. No entanto, sabemos, agora, que deficiência intelectual, assim como TEA, é um transtorno comportamentalmente definido com muitas causas. Gradualmente, foi ficando mais claro, por exemplo, que algumas deficiências intelectuais ocorriam em famílias e algumas não, sugerindo que havia causas diferentes. Com o tempo, foram descobertas muitas causas de deficiência intelectual devido a um único gene, a ponto de hoje serem conhecidas mais de mil dessas condições raras. Entretanto, outros tipos de deficiência intelectual não têm causas por único gene. Um exemplo bem conhecido de uma causa por único gene é o transtorno 22 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA genético denominado fenilcetonúria, ou PKU. Antes da identificação dessa mutação genética, as crianças com PKU eram simplesmente diagnosticadas com deficiência intelectual com base em seus sintomas (BERNIER; DAWSON; NIGG, 2021). No entanto, a descoberta de que o gene associado à PKU é responsável pelo processamento da fenilalanina no corpo acabou conduzindo a um caminho simples para prevenir a PKU. Os bebês podem fazer um teste do pezinho no nascimento, e, quando este for positivo, a prevenção desse subtipo de deficiência intelectual é uma simples questão de retirar da dieta do bebê muitos alimentos que contêm fenilalanina. Embora seja improvável que a história termine assim para o TEA, a lógica é similar – os subgrupos biológicos e causais não serão óbvios na superfície, porém ainda há muito a ser aprendido para ajudar as crianças em vários pontos ao longo do espectro. Para nos debruçarmos sobre a genética por um momento, desde os primeiros estudos de gêmeos, na década de 1970,já sabíamos que a genética desempenha um papel no autismo. A partir de então, já foram identificadas muitas contribuições genéticas para o transtorno e cerca de mil genes diferentes e regiões genômicas implicados no autismo. Embora eles não determinem quem terá TEA da mesma forma que o fazem para alguns dos mil tipos de deficiência intelectual, os achados sugerem que o autismo é provavelmente mais bem entendido como um conjunto de muitas condições relacionadas e que existem diferentes caminhos para o desenvolvimento dos sintomas do que chamamos de autismo. Descobrir quais efeitos esses genes têm em comum, se houver algum, será um importante objetivo para pesquisas futuras. Nos próximos capítulos, nos aprofundaremos no que se sabe sobre as influências genéticas e ambientais no TEA (BERNIER; DAWSON, 2016). 4.3 Severidade e nível de prejuízo Até que os cientistas consigam identificar com precisão certos subtipos com base na biologia, nos genes e nas causas ambientais, pais e clínicos podem obter informações sobre como ajudar cada criança em particular entendendo em que ponto a criança se localiza ao longo do espectro. O ponto no qual uma criança específica se localiza no espectro depende em grande parte da gravidade da condição, bem como do nível de desenvolvimento da 23 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA criança e da sua idade cronológica. De modo muito geral, se as características definidoras de autismo forem consideravelmente severas e restritivas em uma criança, e ela tiver um nível de desenvolvimento muito inferior ao padrão para sua idade cronológica (digamos, um nível de desenvolvimento de 3 anos em uma criança de 12 anos), a criança se localiza no extremo do espectro e necessitará de muito suporte e intervenção. Mas, como demonstraram pesquisas recentes, esse próprio suporte e intervenção podem acabar melhorando a condição da criança e reduzir a quantidade de suporte que ela precisa na vida diária para seguir em frente (GEORGIADES; KASARI, 2018). Gostamos da ideia de um espectro, pois ela pode nos ajudar a focar no perfil individual, nos pontos fortes específicos e nos desafios da criança. Essa atenção individualizada permite que sejam feitos planos para incorporar os pontos fortes que uma criança tem, tais como processamento visual ou memorização mecânica, a fim de compensar os desafios no processamento social ou as dificuldades com transições. Além desses sintomas específicos para autismo, pesquisas feitas nos últimos 20 anos nos mostram que existe uma gama de outras condições frequentemente associadas ao transtorno, e estas também irão afetar o tipo de tratamento e suporte que a criança precisa. É por isso que é tão importante que pais e clínicos identifiquem tais fatores em cada criança que está sendo diagnosticada. Não são apenas os sintomas nucleares que precisam ser considerados para produzir um bom resultado para a criança, mas também essas outras condições (GEORGIADES; KASARI, 2018). Nesse sentido, apresentamos a classificação do TEA de acordo com o DSM-V da Associação Americana de Psiquiatria classifica (APA, 2014): Nível 3 – “Requerendo suporte muito substancial”. Os déficits severos nas habilidades de comunicação social verbal e não verbal causam graves prejuízos no funcionamento, iniciação muito limitada das interações sociais e resposta mínima às aberturas sociais de outros. Por exemplo, uma pessoa com poucas palavras de fala inteligível que raramente inicia interação e, quando o faz, faz abordagens incomuns para atender apenas às necessidades e responde apenas à abordagens sociais muito diretas. A inflexibilidade do comportamento, a extrema dificuldade em lidar com a mudança ou outros comportamentos restritos/ repetitivos interferem de maneira marcante no funcionamento de todas as esferas. Grande aflição/ dificuldade mudando o foco ou a ação. 24 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA Nível 2 – “Requerendo suporte substancial”. Déficits acentuados nas habilidades de comunicação social verbal e não verbal; deficiências sociais aparentes mesmo com suportes no local; iniciação limitada de interações sociais; e respostas reduzidas ou anormais à aberturas sociais de outros. Por exemplo, uma pessoa que fala frases simples, cuja interação é limitada a interesses especiais restritos e que tem uma comunicação não verbal marcadamente estranha. A inflexibilidade do comportamento, a dificuldade em lidar com a mudança ou outros comportamentos restritos/ repetitivos aparecem com frequência suficiente para serem óbvios para o observador casual e interferir no funcionamento em uma variedade de contextos. Aflição e/ ou dificuldade em mudar o foco ou a ação. Nível 1 – “Requerendo suporte”. Sem suportes, os déficits na comunicação social causam deficiências visíveis. Dificuldade em iniciar interações sociais e exemplos claros de resposta atípica ou malsucedida à aberturas sociais de outros. Pode parecer ter diminuído o interesse em interações sociais. Por exemplo, uma pessoa que é capaz de falar em frases completas e se engajar em comunicação. Mas cuja conversa para frente e para trás com os outros falha, e cujas tentativas de fazer amigos são estranhas e normalmente malsucedidas. A inflexibilidade do comportamento causa interferência significativa no funcionamento em um ou mais contextos. Dificuldade de alternar entre atividades. Problemas de organização e planejamento dificultam a independência (APA, 2014, p. 52). 5 O QUE CAUSA O AUTISMO? Fonte: ttps://www.unama.br/ Uma das perguntas mais comuns – e compreensíveis – que os pais fazem quando seu filho recebe o diagnóstico de TEA é O que causa o autismo? Algumas afirmações; lamentavelmente, muitas são mera especulação, e algumas são explicadas de uma forma que acaba aumentando a confusão. Para que sejamos 25 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA justos, a complexidade do que causa o autismo pode tornar um desafio explicá-lo ou entendê-lo (BERNIER; DAWSON; NIGG, 2021). De fato, nos últimos anos, os cientistas descobriram que o autismo é ainda mais complexo do que pensávamos. Sobretudo, o reconhecimento, agora, é o de que o TEA é um termo abrangente que provavelmente inclui diferentes condições com diferentes causas. Na maioria dos casos, não podemos determinar a causa de autismo para uma criança em particular (exceto em uma minoria dos casos, nos quais pode ser identificada uma mutação genética) (BERNIER; DAWSON; NIGG, 2021). O que realmente sabemos, com base na ciência mais recente, é que o transtorno é causado por uma mescla de mutações genéticas raras em um subgrupo de casos e por uma combinação de suscetibilidade genética comum e desencadeantes ambientais em outros casos (provavelmente na maioria) (BERNIER; DAWSON; NIGG, 2021). Você provavelmente já ouviu argumentos sobre “natureza versus ambiente”. Na verdade, a história das teorias sobre autismo está repleta de argumentos que favorecem uma causa em relação a outra. Com nossos novos conhecimentos, reconhecemos que essas teorias do tipo “ou... ou...” são falsas. Uma interação entre genes e ambiente está quase sempre envolvida (BERNIER; DAWSON; NIGG, 2021). 5.1 Uma rápida retrospectiva do século passado As teorias iniciais do autismo, nas décadas de 1940 e 1950, basicamente afirmavam que os problemas das crianças podiam ser rastreados até a relação inicial entre pais e filho. Sabemos, hoje, que essa relação é muito importante – de fato, exploramos essa força para ajudar a tratar crianças com TEA. Mas esta não é a causa de autismo. Por exemplo, uma ideia inicial era a de que crianças com o transtorno estavam “se voltando para dentro de si” por não receberem dos seus pais o amor e a atenção de que precisavam – especialmente de suas mães. Você pode imaginar o quanto isso era perturbador para pais que já estavam muito assustados. Este era um casode confusão entre uma correlação e uma causa. Afinal, às vezes realmente acontece de um genitor se afastar de um filho com TEA para se proteger da sua própria dor emocional. O pai responde dessa forma porque o 26 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA filho é irresponsivo ou difícil de compreender. Em outras palavras, a causa e o efeito são o oposto do que aqueles primeiros clínicos supunham (BERNIER; DAWSON; NIGG, 2021). Felizmente, a área avançou. Na década de 1960, uma teoria biológica e genética do autismo já estava conquistando espaço. Um momento decisivo foi a publicação de um estudo de gêmeos em 1977. Naquele estudo pioneiro, os cientistas viajaram pela Inglaterra identificando todos os pares de gêmeos em que pelo menos um deles tinha o transtorno – encontraram 21 pares ao todo. Então, examinaram com que frequência gêmeos idênticos, que compartilham quase 100% do seu DNA, tinham autismo, comparados com gêmeos fraternos, que compartilham cerca de 50% do seu DNA. Os cientistas relataram que ambos os gêmeos idênticos tinham TEA muito mais frequentemente do que os gêmeos fraternos. De fato, nesse estudo em particular, nenhum dos gêmeos dos pares fraternos tinham, ambos, autismo, mas, em 36% dos pares de gêmeos idênticos, os dois tinham. Mesmo com o pequeno tamanho da amostra (pelos padrões atuais), foi impossível conciliar o resultado com a hipótese da “mãe geladeira”, o que enfatizou o papel desempenhado pela genética no desenvolvimento do autismo. Estudos posteriores de gêmeos que usaram definições diagnósticas mais recentes de TEA e superaram algumas das limitações metodológicas daquele primeiro estudo confirmaram esse quadro, identificando que em quase todos os pares de gêmeos idênticos ambos tinham autismo, ressaltando ainda a forte influência genética no transtorno. Desde aquele estudo inicial pioneiro, a história genética assumiu a posição central – algumas vezes, talvez, tendo sido excessivamente enfatizada, já que agora também temos conhecimento das muitas influências ambientais no autismo (embora a paternidade não pareça estar entre elas). É importante entender que os pais não causam TEA, que a genética tem uma participação importante e que os primeiros insultos ambientais também desempenham um papel. Vamos separar os elementos genéticos e os ambientais para maior clareza e, depois, voltaremos a reuni-los no final (BERNIER; DAWSON; NIGG, 2021). 27 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA 5.2 Genética e autismo Já mencionamos estudos de gêmeos; estudos de famílias também apoiam um elemento genético (embora as famílias compartilhem tanto os genes quanto o ambiente). Com base em nossas estimativas atuais, o autismo ocorre em aproximadamente 1 em 59 crianças nos Estados Unidos, ou cerca de 1,5%. Mas, se uma família tiver um filho com o transtorno, as chances de que o próximo filho o tenha aumentam para aproximadamente 1 em 5 – ou cerca de 20%. Este é um aumento muito grande – mais de 10 vezes. E, se uma família tiver dois filhos com TEA, as chances de que o terceiro filho o tenha aumenta para cerca de 1 em 3 (HANSON et al, 2014). Mas o campo não se baseia mais em estudos de gêmeos ou famílias. A revolução na pesquisa genética na última década nos possibilitou focar diretamente nos genes em estudos moleculares e laboratoriais. Aproximadamente 1,5% das crianças norte-americanas desenvolve autismo – um número que aumenta para 20% quando a família já tem um filho com autismo e para 33% quando a família já tem dois filhos com autismo. No entanto, esse é um esforço complicado precisamente porque o autismo é conhecido como uma doença “complexa”. Diferentemente de condições “simples” como a doença de Huntington, na qual uma única mutação genética é a causa como a maioria de outros traços e condições, o TEA costuma ser causado por uma combinação de fatores, que pode ser distinta para diferentes indivíduos. Sabemos que o autismo, assim como muitos outros transtornos complexos, está associado à mutação em genes específicos, embora estes sejam raros, a alterações estruturais nos cromossomos que influenciam o funcionamento genético e a uma combinação de variações em múltiplos genes, bem como a contribuições de vários fatores ambientais específicos (HANSON et al, 2014). Centenas de genes com risco para autismo já foram identificados até o momento, e uma hipótese racional é a de que 1.000 diferentes genes e eventos genéticos possam desempenhar um papel importante no transtorno na população inteira. Alguns desses genes são muito raros, mas, quando presentes, é altamente 28 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA provável que resultem em TEA – nesses casos raros, estamos muito confiantes a respeito do que causou o autismo da criança. Outros genes são comuns, porém desempenham apenas um papel pequeno no peso da balança. Além disso, certas mutações raras estão associadas a índices mais altos de determinadas condições médicas, como convulsões ou problemas GI. Pode ser importante ter essa informação para que você esteja atento a essas condições e garanta que elas sejam tratadas rapidamente. É por isso que a testagem genética é atualmente recomendada quando uma criança tem o transtorno, embora ainda seja raro ter um teste genético positivo mesmo que uma criança tenha autismo (HANSON et al, 2014). 5.3 O cérebro da pessoa autista O autismo é um transtorno do desenvolvimento. Isso significa que alguma coisa é diferente no cérebro e em como ele evolui. Identificou-se que diversas regiões e circuitos cerebrais se desenvolvem de forma distinta nos indivíduos com autismo. Como há uma ampla variação individual, esses aspectos do cérebro ainda não podem nos auxiliar a fazer diagnósticos, mas nos ajudam a entender os desafios e os pontos fortes que são característicos do autismo (HANSON et al, 2014). Uma descoberta importante dos últimos anos é que o desenvolvimento do cérebro é muito dinâmico, mudando rapidamente com o tempo em resposta a diferentes tipos de experiências. Os cientistas usam o termo “neuroplasticidade” para se referir a como o cérebro se altera de forma drástica para se adaptar ao desenvolvimento e às suas experiências. Ele faz isso com muito mais frequência do que se acreditava anteriormente. Podemos usar esse conhecimento para nos auxiliar a proporcionar experiências, como intervenções, que irão ajudar a moldar o curso do desenvolvimento cerebral e comportamental das crianças com TEA, agora e ao longo de suas vidas. Vamos começar com o que já sabemos sobre o cérebro no autismo (HANSON et al, 2014). 29 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA 5.4 O cérebro no autismo Durante as três últimas décadas, os cientistas conduziram milhares de estudos que pintam um quadro complexo das diferenças estruturais e funcionais do cérebro em indivíduos com o transtorno. Revisões sistemáticas cuidadosas desses estudos revelam a emergência precoce de diferenças no tamanho, na forma e na organização do cérebro; diferenças nas conexões entre as regiões cerebrais; e diferenças no funcionamento das regiões cerebrais associadas a comunicação social, processamento da informação social, funcionamento executivo e comportamentos repetitivos – tais como a amígdala e o córtex pré-frontal (HANSON et al, 2014). 5.5 Diferenças na estrutura do cérebro Uma revisão sistemática publicada em 2017 de 52 estudos de imagem cerebral conduzidos desde os anos 2000 nos fornece um bom resumo. Todos foram estudos que usaram MRI, uma abordagem por imagem poderosa, relativamente não invasiva, que oferece uma boa representação da anatomia interna e das conexões entre partes do cérebro e no seu interior, tanto no tamanho quanto na atividade aparente (HANSON et al, 2014). Apresentamos, aqui, os principais achados sobre o desenvolvimento da estrutura cerebral que emergiramda revisão: Associação entre autismo e um maior volume de células no córtex, especialmente nas regiões frontal e temporal. Conforme introduzido no Capítulo 2, o córtex é a parte do cérebro associada a como pensamos, tomamos decisões e coordenamos nossas ações. Os lobos frontais, especificamente, estão envolvidos na nossa memória de trabalho, na habilidade para inibir nossas ações e no planejamento motor, enquanto os lobos temporais estão envolvidos no processamento das emoções, linguagem, aprendizagem e memória, incluindo a interpretação dos sinais sociais (como as expressões faciais). O volume maior pode parecer um contrassenso – isso não deveria significar que as crianças têm melhores habilidades nessas áreas? No entanto, aparentemente, esse volume maior contribui para o funcionamento ineficiente nessas áreas. Durante 30 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA o desenvolvimento, o cérebro expande de forma excessiva seu crescimento para permitir uma nova aprendizagem, depois, aos poucos, poda as conexões desnecessárias ou ineficazes. O fracasso dessa poda pode levar a um cérebro maior, porém menos eficiente e adaptável (HANSON et al, 2014). Variação incomum na espessura do córtex. Ou seja, quando medimos de dentro para fora, a espessura do cérebro é atípica no TEA. Esta é uma medida cerebral estrutural diferente, mas é semelhante à ideia de volume celular e consistente com a ideia de poda insuficiente que resulta no cérebro menos eficiente. Alterações no cerebelo, uma estrutura do cérebro associada ao equilíbrio e à coordenação motora, assim como ao funcionamento cognitivo. Alterações nessa estrutura podem impactar o desenvolvimento de habilidades motoras, aprendizagem e habilidades cognitivas. Tamanho geral reduzido, mas volume aumentado dentro de regiões particulares do corpo caloso, uma estrutura que liga os dois lados do cérebro. As ligações entre as regiões do cérebro permitem a comunicação eficiente entre os circuitos cerebrais, portanto, as ligações atípicas podem resultar em comunicação cerebral demorada e problemática. Alterações no desenvolvimento da amígdala, uma estrutura associada à aprendizagem emocional. Alterações no desenvolvimento do hipocampo, que está envolvido na aprendizagem e na memória (HANSON et al, 2014). Alterações no desenvolvimento dos gânglios da base, que estão envolvidos no controle dos movimentos físicos. Alterações no desenvolvimento de todas essas três estruturas sugerem que a aprendizagem emocional, a memória e as habilidades motoras podem estar perturbadas. Uma recente revisão de pesquisas nos mostrou quais regiões do cérebro são alteradas no autismo e, portanto, onde devemos concentrar pesquisas futuras. O que todas essas diferenças significam? Estamos trabalhando nisso, mas as diferenças estruturais vistas entre os estudos nos dão alguma direção sobre quais regiões vale a pena investigar. Além disso, essas regiões cerebrais estão todas conectadas em circuitos. É possível que apenas um pequeno número de circuitos-chave esteja ligado ao transtorno, mas que eles envolvam várias regiões, portanto, saber quais regiões estão afetadas pode nos ajudar a identificar os circuitos relevantes (HANSON et al, 2014). 31 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA 6 OUTRAS CONDIÇÕES AFETAM CRIANÇAS COM TEA Fonte: https://blog.matheustriliconeurologia.com.br/ Um dos aspectos mais óbvios no qual as crianças com autismo diferem entre si são as outras condições que frequentemente ocorrem paralelas ao transtorno. Elas podem ser físicas e comportamentais. A razão para essas frequentes sobreposições, embora elas representem uma pista potencial importante para as causas, de modo geral, não é bem conhecida. No entanto, a forte sobreposição destas tem feito parte da motivação para a crescente visão científica contemporânea de que o TEA e várias das condições listadas aqui constituem uma família de comorbidades relacionadas e associadas a alterações específicas, ainda a serem identificadas, no desenvolvimento inicial do cérebro e no crescimento (Lord et al, 2018). 6.1 Deficiência intelectual A primeira a ser entendida é a deficiência intelectual – um termo que substitui outros mais antigos e estigmatizantes, como “retardo mental”. Basicamente, significa que as habilidades intelectuais do indivíduo não são tão desenvolvidas quanto às da maioria das pessoas com a mesma idade e que, além disso, as habilidades do indivíduo para a vida prática (o que o clínico do seu filho chamaria de habilidades “adaptativas”) também são menos desenvolvidas. Estas incluem habilidades como tomar banho e manusear dinheiro sem ajuda. Cerca de um terço das pessoas com TEA também tem deficiência intelectual. Tal 32 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA deficiência pode variar de leve (talvez não óbvia para um leigo) a severa. Se o seu filho se enquadra nesse último grupo, então suportes especiais adicionais estarão envolvidos para ajudá-lo. 6.2 Transtornos da linguagem e da comunicação Outra condição que comumente está associada ao autismo é o desenvolvimento da linguagem com atraso ou reduzido. Os déficits de linguagem variam desde uma linguagem mínima ou linguagem falada inexistente, que ocorre em cerca de 15% das crianças com TEA, passando por crianças que têm fala incomum, como a repetição de palavras ou frases automatizadas, ou a repetição do que alguém acabou de dizer (denominada “ecolalia”), até aquelas crianças cuja fala não é significativamente prejudicada. Outros tipos de uso de linguagem atípica incluem a utilização de palavras inventadas (denominadas “neologismos”), ou o emprego de inversões de pronomes, como referir-se a si mesmo na terceira pessoa ou trocando “você” por “eu” ao fazer uma pergunta. Por exemplo, uma criança que pergunta “Você quer um copo de leite? ” Pode, na verdade, querer dizer “Eu quero um copo de leite”. Outras crianças podem ter dificuldades somente ao se expressarem em palavras (denominada “linguagem expressiva”), mas podem conseguir entender melhor a linguagem (denominada “linguagem receptiva”). Crianças que têm pouca linguagem falada podem se beneficiar do uso da tecnologia, como um tablet ou outros aparelhos, para se comunicar e aprender. Felizmente, com terapia, todas as crianças são capazes de aprender a se comunicar, seja por meio de palavras, seja por outros meios (Lord et al, 2018) 6.3 TDAH O transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) é uma síndrome comum, também com um espectro de severidade, que descreve indivíduos que são extremamente desatentos, incapazes de se manterem focados ou organizados, ou então que são extremamente hiperativos (como se sempre estivessem ligados em um motor) ou impulsivos. Cerca de metade das crianças com TEA tem problemas 33 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA substanciais com desatenção ou hiperatividade e satisfariam os critérios para um diagnóstico de TDAH (BERNIER; DAWSON; NIGG, 2021). A partir do DSM-5, em 2013, os clínicos podem diagnosticar e tratar os dois transtornos. Para algumas crianças, os problemas com hiperatividade e dificuldade na regulação do comportamento podem exacerbar as dificuldades sociais existentes, porque, com o tempo, os pares podem ficar frustrados e se afastarem de uma criança que é impulsiva e hiperativa. Isso restringe ainda mais as oportunidades da criança com TEA de praticar e aprender habilidades sociais (BERNIER; DAWSON; NIGG, 2021). Se o seu filho se encontra nesse grupo, seus clínicos assistentes podem recomendar medicações para TDAH (além da conhecida Ritalina [metilfenidato], encontra-se disponível uma dúzia de outras formulações que podem ser úteis). Sabemos agora, a partir de estudos recentes, que crianças com TEA que também satisfazem os critérios para TDAH podem, de fato, se beneficiarcom tais medicamentos. Se o problema principal aqui não for hiperatividade, mas atenção, o clínico também pode recomendar o treinamento de habilidades especiais relacionadas a esta, para ajudar, por exemplo, com o trabalho escolar. O estilo de vida potencial e as propostas de tratamento alternativas para TDAH e TEA se sobrepõem fortemente, embora os dados coletados sobre o que funciona revelem alguma diferenciação entre essas condições também (BERNIER; DAWSON; NIGG, 2021). 6.4 Problemas emocionais Crianças com TEA podem também experimentar complicações emocionais. Vivemos em um mundo social, e, se você tem dificuldades de passar por situa-ções sociais, não é difícil imaginar que estaria suscetível a se sentir ansioso e triste. Como poderíamos prever, com frequência vemos índices mais altos de ansiedade e transtornos do humor, como depressão, naqueles com TEA – particularmente em adolescentes e adultos que têm maior percepção das suas diferenças. Indivíduos com linguagem limitada ou dificuldades de compreensão das próprias experiências emocionais terão problemas em contar às pessoas sobre seus 34 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA sentimentos de ansiedade ou tristeza. Mas você pode ser capaz de identificar isso no comportamento do seu filho, por exemplo, se ele é excessivamente receoso ou perde o interesse em atividades de que as crianças costumam gostar. Se o seu filho se encontra nesse grupo, um plano comportamental que leve em conta a ansiedade ou as questões de humor pode ser útil, assim como métodos para reduzir o estresse e melhorar o enfrentamento relacionado ao estresse, habilidades que seu clínico pode recomendar como parte do tratamento do seu filho. 6.5 Questões médicas As preocupações médicas que ocorrem com mais frequência do que esperaríamos com TEA, mais uma vez por razões pouco conhecidas, incluem convulsões, dificuldades com o sono e distúrbios gastrintestinais (GI). Essas condições médicas recentemente forneceram novas pistas para as causas de autismo. Por exemplo, a epilepsia é diagnosticada em surpreendentes 20% das crianças com TEA – muitas vezes, sua incidência na população em geral. Isso levou ao achado interessante de que muitos dos mesmos genes implicados no TEA estão implicados na epilepsia. Por exemplo, o gene SCN2A é o manual de instruções para a produção de uma proteína incluída nas paredes de nossas células cerebrais que controla a passagem de íons pela parede das células. Essa passagem de íons é o que determina como uma célula funciona e se comunica (BERNIER; DAWSON; NIGG, 2021). Uma disrupção do gene SCN2A pode facilitar em excesso ou muito pouco a passagem dos íons. Ocorre que a passagem excessiva dos íons origina epilepsia no início do desenvolvimento, enquanto muita pouca passagem leva a convulsões posteriormente no desenvolvimento – e ao TEA. Problemas para dormir são comuns no autismo. Mais da metade dos pais de crianças com TEA relata que seu filho tem algum tipo de problema de sono, e um quarto dos pais relata que seu filho não dorme o suficiente. Não é nenhuma novidade para os pais que esses problemas de sono ocorrem comumente no transtorno, pois há muitos anos eles relatam aos seus médicos essas dificuldades. No entanto, avanços científicos recentes mostraram que intervenções comportamentais para 35 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA melhorar a higiene do sono têm efeitos significativos na aprendizagem e na redução de comportamentos problemáticos. A melhora no sono do seu filho também tem um impacto positivo na sua capacidade para dormir (BERNIER; DAWSON; NIGG, 2021). A filha de Silvia, em idade escolar, tinha dificuldades para dormir, e sua família estava recebendo apoio de um especialista em sono. Ela tinha autismo e deficiência intelectual e havia experimentado problemas de sono significativos por toda a sua vida. Além disso, dormia apenas duas horas por noite e, algumas vezes, passava um dia ou dois sem dormir, o que também interferia no sono de todos os outros na família. Nas semanas seguintes à intervenção no sono, que incluía uma combinação de treinamento comportamental e prescrição de melatonina, Silvia foi ficando menos pálida, a vibração em seus olhos castanhos emergiu de suas grandes pálpebras, e até mesmo sua postura estava muito mais ereta. Ela disse que havia esquecido depois de 9 anos como era dormir uma noite inteira. Silvia sentiu-se revitalizada e se envolveu no mundo como não fazia havia quase duas décadas. As intervenções no sono que foram adaptadas para indivíduos com autismo podem ser muito eficazes, e os efeitos positivos se estendem além de simplesmente uma boa noite de sono para o seu filho (BERNIER; DAWSON; NIGG, 2021). De modo similar ao que ocorre com o sono, os problemas GI são comuns no TEA. E isso não é uma coincidência, e sim um forte indício das causas do transtorno. Apenas para dar uma ideia, nos dias atuais, estamos fazendo progresso na compreensão da relação entre problemas GI e autismo. Isso ocasionou uma rápida mudança na prática clínica. Até recentemente, os clínicos costumavam desvalorizar as queixas GI, considerando-as apenas de interesse secundário ou incidental. Você pode estar entre os pais aos quais foi dito “Precisamos focar no autismo” ou “Não tenho certeza do que podemos fazer quanto a isso”. Entretanto, tornou-se evidente que as queixas GI impactam significativamente o comportamento – crianças com tais queixas têm comportamentos mais problemáticos e desafiadores do que aquelas sem queixas. E isso faz sentido. Se você se sente desconfortável, ou com dor, estresses ou frustrações superáveis podem rapidamente se tornar insuperáveis. Com o tempo, a comunidade médica começou a levar a sério os comentários dos pais, e, atualmente, as intervenções GI para crianças com esses problemas são incorporadas aos planos de tratamento (BERNIER; DAWSON; NIGG, 2021). 36 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA Em suma, deficiência intelectual e de linguagem, TDAH, sono, problemas GI e outras condições associadas complicam o planejamento para seu filho, mas também fornecem pistas científicas úteis que transformaremos em dicas práticas ao longo deste livro. O objetivo é capacitá-lo a criar mais facilmente o plano individual “mais adequado” para o seu filho. 7 INTERVENÇÕES COMPORTAMENTAIS E EDUCACIONAIS Fonte: ttps://www.autismoemdia.com.br/ O tratamento do autismo envolve intervenções de caráter multidisciplinar e focaliza a orientação familiar, a terapia cognitivo-comportamental e os programas voltados ao desenvolvimento da linguagem e da comunicação. As intervenções comportamentais e educacionais são básicas no acompanhamento de pessoas com transtornos do espectro autista. Os métodos de intervenção e tratamento podem ser subdivididos em três grandes grupos: aqueles que usam modelos de análise aplicada do comportamento; os que são fundamentados em teorias de desenvolvimento; e aqueles que são fundamentados em teorias de ensino estruturado (ROTTA; OHLWEILER; RIESGO, 2016). 37 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA 7.1 Método ABA e TEACCH A maioria das práticas identificadas pelo National Professional Development Center on Autism Spectrum Disorders vem do campo da análise aplicada do comportamento. Essa terapia, conhecida pela sigla ABA (do inglês Applied Behavior Analysis), utiliza princípios fundamentais de teoria da aprendizagem para melhorar comportamentos em pessoas sem capacidades socialmente significativas. Trata-se de um programa utilizado por psicólogos, voltado para crianças com faixa etária entre um e 12 anos, para avaliar e intervir sobre áreas como: coordenação motora e visomotora, percepção, imitação, desempenho cognitivo e cognição verbal. É um programa estruturado em escalas de tarefas a serem realizadas em cada uma dessas áreas, combinandodiferentes materiais visuais para organizar o ambiente físico por meio de rotinas e sistemas de trabalho. O objetivo do TEACCH é desenvolver ao máximo a autonomia e a independência do autista para atuar no ambiente (CAMARGOS JR., 2005). Elementos essenciais de análise experimental do comportamento foram descritos por Skinner (1938), baseando-se em grande quantidade de dados de observação, manipulação e análise de comportamento animal e humano. Esses estudos levaram à hipótese de que o comportamento é uma função de suas consequências. É dada ênfase à relação funcional entre comportamento e meio ambiente, observação direta, documentação mensurável de comportamentos e respostas, bem como a princípios de reforço (ROTTA; OHLWEILER; RIESGO, 2016). A hipótese primária da ABA é de que, se alguns dos elementos essenciais descritos anteriormente são alterados, uma mudança comportamental pode ser obtida. Tais mudanças podem determinar alterações comportamentais tanto positivas quanto negativas. Alterações comportamentais permitem entender mais cuidadosamente as funções de comportamento. A aplicação de princípios de análise de comportamento nos permite estabelecer condições que sejam propícias a produzir mudanças comportamentais socialmente relevantes em humanos. Para alguns, a hipótese de que o comportamento humano possa ser controlado ou alterado da mesma maneira que o comportamento animal pode parecer extremamente simplista. No entanto, existem 38 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA dados de pesquisa e clínicos mais do que suficientes para recomendar a utilização de práticas de análise aplicada de comportamento no tratamento de crianças autistas (ROTTA; OHLWEILER; RIESGO, 2016). Nesse tipo de terapia comportamental, o foco principal é a conduta observada na criança, que nos permite compreender como o indivíduo aprende um padrão de comportamento que lhe proporciona reforços e que leva a alguma forma de resposta. Crianças com autismo frequentemente conseguem algum tipo de “resposta” ou “reforço” por meio de comportamentos inadequados (como comportamentos autoestimulantes, automutilantes, entre outros). Comportamentos socialmente mais apropriados podem ser “aprendidos” por meio de princípios de reforço. Esses, inicialmente, devem ser oferecidos rápida e frequentemente, de tal maneira que aumentem o “valor” de comportamentos mais novos e mais adaptados socialmente (ROTTA; OHLWEILER; RIESGO, 2016). Entre os modelos que utilizam princípios de ensino estruturado, o mais conhecido talvez seja o TEACCH (do inglês Treatment and Education of Autistic and Related Comunication-handicapped children), criado por Schopler e colaboradores na Carolina do Norte, nos Estados Unidos. Tal programa é responsável pelo serviço de avaliação, intervenção e coordenação de suporte em nível estadual na Carolina do Norte. Combina estratégias cognitivas e comportamentais, com ênfase em procedimentos com base em reforço para modificação de comportamento e em intervenções para déficit de habilidades que possam estar subjacentes a comportamentos inapropriados. Esse programa parte do princípio de que crianças com autismo têm uma interação diferente de crianças típicas e que o entendimento dessas diferenças proporciona a criação de programas para melhorar o seu potencial de aprendizagem. O programa tenta enfocar as capacidades visuoperceptivas de crianças com autismo e tem um papel importante no desenvolvimento de medidas diagnósticas que usam métodos de integração, bem como na proliferação dos sistemas visuais para essa população especial (ROTTA; OHLWEILER; RIESGO, 2016). 39 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA 8 TECNOLOGIA ASSISTIVA PARA ALUNOS COM TEA Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/ A Tecnologia Assistiva (TA) mostra-se uma poderosa ferramenta no que diz respeito ao desenvolvimento da capacidade de comunicação e de promoção à autonomia dos alunos, mas ainda temos que ver as formas abordadas para utilizá-la em sala de aula. Certamente, uma das grandes vantagens é que a TA proporciona a possibilidade de interação e comunicação entre os indivíduos envolvidos no processamento de informações. É essencial que todas as pessoas envolvidas, no processo (professor, equipe escolar, terapeutas e família), tenham acesso as ferramentas de integração para as pessoas com deficiência. Parece assim, óbvio, que a família possa contribuir para aumentar e melhorar para o professor e equipe escolar, as habilidades no uso da TA, já que os recursos disponibilizados geram a aprendizagem cooperativa. A aprendizagem cooperativa se caracteriza como uma estrutura que envolve a todos. Há, portanto, necessariamente a criação de uma reciprocidade das interações entre aluno-professor-família e consequentemente convida ao uso de habilidades interpessoais para ações práticas. Entretanto, a chave desta cooperação está na 40 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA comunicação. Dessa forma, segundo o dicionário on-line de português, comunicar significa “transmitir informação, dar conhecimento de; fazer saber, participar”, ou seja, colocar o mesmo assunto em questão num diálogo entre um grupo de pessoas. Se o assunto é recebido e compreendido da mesma forma, então podemos dizer que a comunicação e o diálogo estão acontecendo. Segundo Nunes (2003), a comunicação é uma necessidade básica entre os homens. A comunicação é um dos aspectos fundamentais da sobrevivência humana, logo de todos nós. Ao nascermos nos comunicamos através choro para que compreendam nossas vontades. Nosso contato vai aos poucos sendo refinado na medida em que aprendemos a falar mantendo assim contato com os demais e, simbolicamente nos formando humano como os demais. Dessa forma, não é incorreto afirmamos que a comunicação refere-se a comportamentos sinalizadores que ocorrem na interação de duas ou mais pessoas e que proporcionam uma forma de criar significados entre elas. A linguagem assim é entendida como um sistema composto por símbolos e códigos arbitrários, construídos e convencionados socialmente e governado por regras, que representam ideias sobre o mundo e serve primariamente ao propósito da comunicação (NUNES, 2003). Vygotsky estabelece uma relação da linguagem em seus aspectos sociais como a origem das interações que compõem a consciência humana. A linguagem assume um papel importante na formação da consciência, uma vez que, atravessados por constructos sociais, são ressignificados em sentidos e servem de elementos para construção de mundo dos sujeitos, de maneira contínua. Através da linguagem, por meio da palavra, surgem significados, que se transformam em sentidos pessoais a partir das emoções ou necessidades que estabeleceram o seu uso. A linguagem transforma os sujeitos, e quando estes não desenvolvem, estes sujeitos ficam afetados, sem poder se expressar o que reduz suas manifestações e o circunscreve num universo restrito e individualizado, o que o afasta de algumas condições básicas para socializar-se e buscar novas experiências. Nesta circunstância, se faz primordial que se estabeleça uma comunicação funcional, desenvolvida a partir da capacidade de transmitir e receber mensagens, com base no 41 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA- TEA contexto sociocultural. Ao se transmitir uma comunicação, existe uma finalidade, que no caso da educação inclusiva é contribuir para o êxito do processo inclusivo. Dessa forma, parte deste processo cabe aos profissionais responsáveis, que devem em parceria com a família do aluno com deficiência identificar quais fatores influenciam na dificuldade da comunicação dos alunos. Quando o professor se disponibiliza a ajudar e identificar algum fator que impeça a inclusão, e, ao conversar e interagir busque utilizar uma linguagem compreensível para a família este diálogo será entendido
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