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1 Ana Catarina Rios – Odontologia – UFAL Obturação Endodôntica A obturação é a última etapa operacional do tratamento endodôntico convencional. Após a realização do preparo químico-mecânico e, se necessário, da aplicação da medicação intracanal, faz-se a obturação dos canais radiculares. Obturação Endodôntica “Obturar um canal radicular significa preenche-lo em toda sua extensão com um material inerte e asséptico, selando hermeticamente o mesmo, não interferindo e, de preferência, estimulando o processo de reparo periapical que deve ocorrer após o tratamento endodôntico radical”. Objetivos da Obturação Endodôntica 1. Impedir que bactérias lesem os tecidos periapicais: Devido a uma complexa anatomia dos canais radiculares, não é possível esteriliza-los, isto é, deixá- los completamente ausentes bactérias. Entretanto, através do PQM, da medicação intracanal e da obturação, torna-se possível vedar espaços que possam conter bactérias, retirando os substratos necessários para a sobrevivência e, consequentemente, impedindo sua proliferação. 2. Eliminação e preenchimento de espaços vazios: Além disso, a obturação endodôntica tem como objetivo o preenchimento de espaços vazios originalmente ocupados pela polpa dental e que serviram de nichos para a proliferação de microrganismos. 3. Permitir o processo de reparo: O processo de reparo tem início após a remoção do agente causador (bactérias). Assim, com o intuito de continuar promovendo o processo de reparo, o material obturador deve ser capaz de estimular a formação de tecido biológico na região e, consequentemente, a neoformação óssea. 4. Estimular o selamento biológico Momento da Obturação “A obturação do canal radicular é o fecho de segurança de toda a sequência operatória da técnica endodôntica, ... e deve ser realizada no momento oportuno”. Assim, a obturação não pode ser feita em qualquer momento do tratamento endodôntico. Existe um momento exato para a realização desta etapa final. Polpa Viva A obturação de um canal radicular com vitalidade pulpar (com disponibilidade de tempo e sem sangramento) deve ser realizada em uma única sessão. Assim, realiza-se o preparo químico-mecânico completo e, em seguida, obtura-se os canais radiculares. Momento oportuno = na mesma sessão do PQM. Polpa Necrosada A obturação de um canal radicular sem vitalidade pulpar deve ser realizada em uma sessão separada. Assim, preconiza-se primeiramente a realização do preparo químico-mecânico seguido da aplicação da medicação intracanal. Posteriormente, em uma segunda sessão, faz-se a obturação dos canais radiculares. Condições Vale ressaltar que, em ambos os casos, algumas condições são necessárias para realizarmos a obturação dos canais radiculares, como: • O PQM do dente deve estar finalizado. • Os canais radiculares devem estar secos. • O paciente deve estar assintomático (sem dor). A secagem deve ser feita com cones de papel absorvente. O canal radicular deve estar seco, uma vez que o material obturador (ex: cimento endodôntico) necessita dessa condição para tomar presa. Ex: ao iniciar o tratamento de um paciente com necrose pulpar, faz-se o PQM completo e aplica-se a medicação intracanal. Ao voltar para o consultório após 15 dias, este deve estar assintomático. Entretanto, caso (após os 15 dias) o paciente relate dor (estiver sintomático), não deve ser realizada a obturação dos canais radiculares. Neste caso, deve-se rever as etapas anteriores (ex: PQM). 2 Ana Catarina Rios – Odontologia – UFAL Limite da Obturação Os estudos mostram que uma obturação: • 2 mm (ou mais) aquém do CRT = taxa de sucesso de 68% • Além do CRT = taxa de sucesso de 78% • 1 mm aquém do CRT = taxa de sucesso de 94% Dessa forma, preconiza-se a realização da obturação 1 mm aquém do comprimento real de trabalho (CRT). Ex: se o CRT de um dente é 24 mm, a inserção do material obturador deve ser feita calibrando-se em 23 mm. Do que depende a qualidade da obturação endodôntica? A qualidade da obturação endodôntica depende do (a): • Preparo químico-mecânico: A lima de finalização deve sair folgada (sair com facilidade) do canal radicular. Caso isto não ocorra, o PQM não foi finalizado de forma adequada. Isto é importante, visto que o cone de guta-percha será escolhido e medido de acordo com a última lima utilizada no PQM (lima de finalização). • Habilidade profissional: Com o tempo e com a prática, torna-se cada vez mais fácil realizar o tratamento endodôntico. • Materiais obturadores: Os materiais obturadores mais comuns são a guta- percha e o cimento endodôntico. • Técnica de obturação: Existem várias técnicas de obturação. Entretanto, existe uma técnica que é possível ser realizada na grande maioria dos casos. Materiais Obturadores Os materiais obturadores mais comuns são a guta- percha e o cimento endodôntico. Os materiais obturadores irão exercer ações no interior do dente, podendo ser uma ação física, química ou biológica. Propriedades Físico-químicas Um material obturador deve apresentar boas propriedades físico-químicas, como: • Facilidade de inserção. • Ser plástico no momento da inserção, tornando-se sólido (tomar presa) após a obturação. • Bom tempo de trabalho. • Permitir selamento adequado. • Não contrair após a presa. • Possuir bom escoamento. • Possuir viscosidade e aderência adequada. • Não ser solubilizado no interior do canal. • Ser radiopaco. • Não manchar as estruturas dentais. • Ser de fácil remoção. Propriedades Biológicas Além disso, este material deve possuir boas propriedades biológicas, como: • Tolerância tecidual. • Ser reabsorvido no periápice em casos de extravasamento. • Estimular ou permitir a deposição de tecido de reparação (fibroso ou mineralizado). • Ter ação antimicrobiana. • Não desencadear resposta imune nos tecidos periapicais. • Não ser mutagênico ou carcinogênico. Classificação dos Materiais Obturadores Os materiais obturadores são classificados em: • Semi-sólidos: representados pela guta- percha. • Pastas: mais utilizado na odontopediatria. • Cimentos: representados pelo cimento endodôntico. O cimento deve ser associado à guta-percha e, juntos, serem levados ao interior do canal radicular. Guta-percha 68% 78% 94% 3 Ana Catarina Rios – Odontologia – UFAL Introduzida por Bowman em 1867, a guta-percha é um polímero do metilbutadieno, sendo assim um isômero da borracha, porém mais dura, mais quebradiça e menos elástica. A guta-percha é obtida a partir da coagulação do látex de árvores da Malásia, dos gêneros Payena ou Palaquium. As técnicas de obturação mais difundidas entre os clínicos empregam a guta-percha sob a forma de cones. Tradicionalmente, os cones de guta-percha são classificados em cones principais (para preenchimento da maior parte do canal) e acessórios ou secundários (para os espaços existente entre o cone principal e as paredes do canal radicular). Os cones de guta-percha principais apresentam diâmetro e conicidade determinados. Assim, são classificados em 1ª (15-40), 2ª (45-80) e 3ª série (90- 140) e possuem coninicidade de 0,02 mm. Portanto, os cones principais são compatíveis com as limas endodônticas convencionais. Os cones auxiliares possuem conicidades variáveis (não padronizadas) e pontas mais afiladas, quando comparados aos padronizados. Eles são disponíveis nos tamanhos XF, FF, MF, F, FM, M, ML, L e XL. Embora sejam mais utilizados como cones acessórios (secundários ou laterais), durante a técnica da compactação lateral, os cones auxiliares podem ser usados como principais em diversas situações clínicas, principalmente quando da obturação de canais curvos. Na técnica preconizada pela FOUFAL utilizaremos os cones M e FM, uma vez que servem para todos os dentes. Assim, não é necessárioter cone acessório e cone principal, pois os cones M (medium) e FM (medium-fine) podem ser utilizados em ambos os casos. Entretanto, estes cones devem ser calibrados de acordo com a lima de finalização. Características da guta-percha: A guta-percha possui: • Boa adaptação às paredes dos canais radiculares. • Boa tolerância residual. • Radiopacidade adequada. • Estabilidade físico-química. • Facilidade de remoção (se necessário). Cimento Endodôntico A guta-percha é considerada um material impermeável, mas ela não adere às paredes dentinárias. Por essa razão, torna-se imperioso o emprego do cimento juntamente com a guta-percha para a obturação do sistema de canais radiculares. Embora a guta-percha deva ser em volume o principal constituinte da massa obturadora, cimentos endodônticos são usualmente empregados para reduzir a interface existente entre a guta-percha e as paredes do canal. Existem diversos cimentos endodônticos, dentre eles cimentos: • À base de óxido de zinco e eugenol. • À base de resinas. • À base de hidróxido de cálcio. • À base de agregado trióxido mineral (MTA). • À base de biocerâmicos. Apesar de não ser muito biocompatível, devido ao custo-benefício, na FOUFAL utiliza-se cimentos endodônticos à base de óxido de zinco e eugenol – a exemplo do Endofil –, uma vez que este possui bons estudos clínicos e permite o processo de reparo. O eugenol possui atividade antibacteriana, efeito anestésico e anti-inflamatório.Entretanto, altas doses de eugenol inibem o crescimento e a respiração celular, podendo levar à morte, e promovem alterações vasculares, como vasodilatação e são neurotóxicas. Tais propriedades são consideradas indesejáveis. Contrariamente, baixas concentrações desta substância apresentam propriedades farmacológicas desejáveis, como ações anti- inflamatória e analgésica. Técnicas de Obturação dos Canais Radiculares Existem várias técnicas utilizadas para levar o material no interior do canal radicular, como: • Técnica da condensação lateral • Técnica do cone único • Técnica da condensação lateral com “plug” apical de hidróxido de cálcio • Técnica de Schilder • Técnica de MacSpadden • Técnica híbrida de Tagger Na FOUFAL, preconiza-se a utilização da técnica de cone único, uma vez que, por meio dela, conseguimos solucionar a maioria dos casos. Técnica do Cone Único Os materiais utilizados na técnica do cone único são: • Cones de papel absorvente • Cones de guta-percha Apesar de possui boa tolerância residual, isto é, não causar reação inflamatória, a guta-percha não é absorvida pelo organismo caso extravase além do ápice, uma vez que é formada por um isômero da borracha. Para não correr o risco de extravasar e lesionar o tecido periapical, deve-se trabalhar 1 mm aquém do CRT. 4 Ana Catarina Rios – Odontologia – UFAL • Cimentos endodônticos • Condensadores de paiva Etapas 1. Secagem dos Canais Radiculares: A secagem dos canais radiculares é feita através dos cones de papel absorvente. É necessário utilizar mais de um cone de papel absorvente a fim de que o canal se encontre completamente seco. A inserção dos cones de papel absorvente deve ser feita no comprimento real de trabalho (CRT), sempre na altura da cúspide/face que foi utilizada como referência no início do PQM. 2. Escolha do Cone Principal: Através da lima de finalização escolheremos o cone principal. Como visto anteriormente, 0 cone principal deve ser inserido 1 mm aquém do CRT. Ex: se o CRT de um dente é 24 mm, a inserção do cone principal deve ser feita até 23 mm. Para isso, devemos calibrar o cone principal através da régua endodôntica calibradora. Assim, é possível individualizar o cone M ou FM para um determinado elemento dental. Modo de uso: quando a lima de finalização é a 40 .05, deve-se inserir o cone principal M ou FM no orifício correspondente ao número 40. Após a inserção do cone no orifício, utilizando uma lâmina de bisturi, deve-se remover o excesso de cone. Dessa forma, o cone principal passa a ter uma ponta com diâmetro 0,4 mm. 3. Verificar se atingiu o CRT: Utilizam-se três técnicas para verificar se o cone principal encontra-se corretamente calibrado e inserido dentro do canal. • 1º: técnica visual; com o cone calibrado, deve-se medi-lo através da régua endodôntica. • 2º: técnica tátil; deve-se inserir o cone dentro do canal a fim de verificar se há resistência para a remoção da guta- percha; o cone deve ter uma leve resistência ao tentarmos removê-lo do canal radicular. • 3º: técnica radiográfica; deve-se inserir o cone no interior do canal e, em seguida, realizar a radiografia deste elemento dental a fim de verificar a adaptação da guta-percha (ou seja, se está localizada 1 mm aquém do CRT); isto é denominado “prova do cone”. 4. Manipular o Cimento: Em seguida, faz-se a manipulação do cimento de óxido de zinco e eugenol utilizando uma placa de vidro e uma espátula metálica flexível (n°24). O cimento deve ser manipulado até atingir a consistência de ponto de fio, não se quebrando ao levantar 2-3 cm. 5. Cone Principal com Cimento: Deve-se “melar” o cone de guta-percha no cimento endodôntico e inseri-lo no canal radicular. Se necessário, isto é, se houver algum espaço que não foi preenchido pelo cone principal, inseri-se um segundo cone e um pouco mais de cimento endodôntico no canal radicular. 6. Remover o Excesso de Cone: O excesso de cone deve ser removido através dos calcadores/condensadores de Paiva. Os condensadores de Paiva podem ser utilizados em temperatura quente ou fria. Através de uma lamparina ou um isqueiro, deve-se aquecer a ponta do condensador de Paiva até que esta fique com a coloração vermelha (bem quente). OBS: inicialmente o cone serve para todos os dentes. A partir do momento que o cone é calibrado, ele passa a servir apenas para o dente o qual o profissional está trabalhando. OBS: caso o cone atinja ou ultrapasse o CRT, deve-se remover o cone e corta-lo até que este esteja 1 mm aquém do CRT. OBS: Para facilitar a inserção do cone no comprimento correto (1 mm aquém do CRT), podemos fazer uma “marquinha” com a pinça na medida ideal. Assim, a marquinha feita com a pinça deve estar na mesma altura da face/cúspide de referência. 5 Ana Catarina Rios – Odontologia – UFAL Para cortar o excesso de cone, o condensador de Paiva deve ir de encontro à parede cervical do dente. Após a remoção do excesso de cone, com um outro condensador de Paiva faz-se uma calcação vertical à frio, ou seja, deve-se comprimir a massa obturadora no sentido vertical a fim de evitar a formação de bolhas e tornar a massa homogênea. A calcação vertical não promove o extravasamento apical, uma vez que a massa obturadora (cone + cimento endodôntico) encontra-se 1 mm aquém do CRT. Portanto, a compressão vertical não gera o extravasamento do material. 7. Limpeza da Câmara Pulpar: A guta-percha e o cimento endodôntico não devem estar presentes no terço cervical. Dessa forma, deve-se realizar a limpeza da câmara pulpar, uma vez que o cimento endodôntico pode manchar a coroa. Assim, com uma bolinha embebida em álcool 70%, remove-se o cimento presente na região da coroa dentária. 8. Restauração Coronária: Após a limpeza da câmara pulpar, deve-se restaurar o dente. Em casos de restauração provisória, esta sempre deve ser feita com ionômero de vidro. Em casos de restauração definitiva, esta deve ser feita com resina composta. Vale ressaltar que uma restauração coronária de boa qualidade aumenta significativamente a probabilidade de sucesso. OBS: para diferenciar o canal radicular do material obturador, podemos colocar uma leve camada de DiCal (que tem coloração amarela) em cima da guta-percha a fim de distinguir as estruturas caso seja necessárioabrir novamente o dente para fazer um retratamento. Se colocarmos resina composta em cima das embocaduras dos canais, podemos ter dificuldade de diferenciar as estruturas caso seja necessário abrir o dente para fazer o retratamento.
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