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Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação Vera Maria Vidal Peroni Organizadora 2015 OI OS E D I T O R A Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação © Dos autores – 2015 veraperoni@gmail.com Editoração: Oikos Capa: Juliana Nascimento Revisão (textos em português – Parte 1): Luís M. Sander Arte-final: Jair de Oliveira Carlos Impressão: Rotermund S. A. Conselho Editorial Antonio Sidekum (Nova Harmonia) Arthur Blasio Rambo (IHSL) Avelino da Rosa Oliveira (UFPEL) Danilo Streck (UNISINOS) Elcio Cecchetti (UFSC e UNOCHAPECÓ) Ivoni R. Reimer (PUC Goiás) Luis H. Dreher (UFJF) Marluza Harres (UNISINOS) Martin N. Dreher (IHSL – MHVSL) Oneide Bobsin (Faculdades EST) Raul Fornet-Betancourt (Uni-Bremen e Uni-Aachen/Alemanha) Rosileny A. dos Santos Schwantes (UNINOVE) Editora Oikos Ltda. Rua Paraná, 240 – B. Scharlau Caixa Postal 1081 93121-970 São Leopoldo/RS Tel.: (51) 3568.2848 / 3568.7965 contato@oikoseditora.com.br www.oikoseditora.com.br Catalogação na publicação: Bibliotecária Eliete Mari Doncato Brasil – CRB 10/1184 D536 Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação / Organizadora Vera Maria Vidal Peroni. – São Leopoldo: Oikos, 2015. 326 p.; 16 x 23 cm. ISBN 978-85-7843-539-4 1. Educação. 2. Educação – Estado. 3. Educação – Relação públi- co-privado. 4. Política educacional. 5. Democratização do ensino. I. Pe- roni, Vera Maria Vidal. CDU 37 Os textos redigidos em Espanhol ou traduzidos de outros idiomas (Parte 2), seguem as normas editoriais dos países de origem de seus autores e são mantidas nesta publicação. Sumário Apresentação ............................................................................................. 7 Prefácio ...................................................................................................... 9 PRIMEIRA PARTE Implicações da relação público-privado para a democratização da educação no Brasil ............................................................................... 15 Vera Maria Vidal Peroni O histórico da relação público-privado e a formação do Estado Nacional: implicações para a constituição da esfera pública .......... 35 Daniela de Oliveira Pires As relações do Estado com empresários nas políticas educacionais: PDE/PAR e guia de tecnologias educacionais. ......................................... 52 Liane Maria Bernardi Lucia Hugo Uczak Alexandre José Rossi A educação infantil no Brasil: direito de toda criança ainda em construção . 72 Maria Otilia Kroeff Susin Monique Robain Montano Ensino Médio no Brasil e a proposta educacional do Instituto Unibanco: considerações sobre a mercantilização da educação pública ...................... 89 Maria Raquel Caetano Vera Maria Vidal Peroni O Pronatec na fronteira entre o público e o privado ................................ 108 Romir de Oliveira Rodrigues Maurício Ivan dos Santos SEGUNDA PARTE Políticas, processos e atores de privatização da educação em Portugal: apontamentos .................................................................... 129 Fátima Antunes 6 Pela “causa” da educação pré-escolar em Portugal: aproximações às políticas de Terceira Via ............................................... 144 Emília Vilarinho “O efeito menina”: o investimento corporativo transnacional dos Estados Unidos na educação de meninas ......................................... 175 Kathryn Moeller Políticas educativas en el Chile actual ..................................................... 198 Rolando Pinto Contreras Mercados educativos y segmentación de la oferta escolar: efectos sobre las desigualdades educativas en Chile ................................... 216 Adrián Zancajo Xavier Bonal Antoni Verger Cambios en el sistema universitario argentino (2003-2013). ¿inclusión? ¿privatización? ...................................................................... 237 Laura R. Rodríguez Susana E. Vior Democratização e privatização da educação em Portugal: da revolução dos cravos à “Contrarevolução” liberal ............................... 256 Belmiro Gil Cabrito Luisa Cerdeira Dinámicas público-privadas en el posgrado en Argentina: redefiniciones de las tradicionales fronteras en la educación superior ...... 276 Estela M. Miranda Dante J. Salto Cenário emergente do ensino superior privado no Quênia ...................... 295 Ibrahim Oanda Tristan Mccowan Sobre os autores e as autoras .................................................................. 321 7 Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação Apresentação Este livro é parte da pesquisa “Implicações da relação público-privado para a democratização da educação”, financiada pelo CNPq, que tem como objetivos: 1) aprofundamento do debate sobre as mudanças ocorridas nas rela- ções entre o público e o privado, neste período particular do capitalismo, de redefinições do papel do Estado, e as suas implicações para a democratização da educação; 2) entendimento de como este processo de privatização está se materializando em políticas de educação básica no Brasil; 3) interlocução teó- rica com pesquisadores, para dialogar sobre instrumentos e conceitos para analisar diferenças e semelhanças entre realidades com trajetórias e correlação de forças específicas e que vivem o mesmo período particular do capitalismo de crise e de diminuição de direitos sociais universais materializados em polí- ticas públicas. Neste sentido, ele apresenta as duas partes complementares da pesquisa que estamos realizando: uma de mapeamento das formas de relação público- privado nas etapas e modalidades da educação básica no Brasil, que será apre- sentada na primeira parte do livro, e a outra de interlocução teórica com os autores internacionais, que será apresentado na segunda parte. Apesar de nos- sas pesquisas focarem na educação básica, vários autores com os quais dialo- gamos têm estudado como se materializa o processo de privatização na educa- ção superior. Assim, os últimos quatro artigos do livro tratam deste tema em diferentes países e contextos. O livro está inserido em um projeto maior e de longo prazo, que propõe o aprofundamento teórico de temas centrais para a análise da relação público- privado, como a concepção de democracia, relação Estado/sociedade civil, direito à educação, papel do Estado na consecução do direito, no atual perío- do de mudanças nas fronteiras entre o público e o privado, no que se refere tanto à mudança de propriedade quanto ao que permanece estatal, mas passa ter a lógica de mercado. Entendemos que a interlocução teórica com os pesquisadores e grupos de pesquisa ocorre em um processo. Assim, a proposta deste livro é a continui- dade e aprofundamento das questões que emergiram. Como parte dessa visão de processo, esta publicação é a continuidade do diálogo proposto no livro anterior, “Redefinições das fronteiras entre o público e o privado: implicações 8 para a democratização da educação”. Prosseguiremos o debate acerca das re- definições no papel do Estado, as diversas formas de relação entre o público e o privado, assim como questões teórico-metodológicas que envolvem o estudo do tema. No decorrer da pesquisa, ficou mais evidente a diversidade de formas de relação entre o público e o privado em cada país, de acordo com a sua história e atual correlação de forças políticas. Também por isso, julgamos inte- ressante trazer parte destas questões para o livro, através dos autores e suas pesquisas. Para continuar o diálogo com os outros países, analisamos as polí- ticas educacionais que envolvem a relação entre público e privado na educa- ção básica no Brasil, em todas as etapas (infantil, fundamental e médio) e modalidades (Educação de Jovens e Adultos, Educação Especial e Educação Profissional), assim como o histórico desta relação. O “Grupo de pesquisa relaçõespúblico-privado na educação” está vinculado ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGEDU/UFRGS). No decorrer da primeira parte do livro, apresentaremos a produção de cada subgrupo. Em nossas pesquisas, temos analisado que as fronteiras entre o público e o privado têm se modificado no contexto atual de crise do capitalismo, em que as suas estratégias de superação – neoliberalismo, globalização, reestrutu- ração produtiva e Terceira Via – redefinem o papel do Estado, principalmente para com as políticas sociais, como parte do diagnóstico de que a crise está no público e o privado deve ser o parâmetro de qualidade. As redefinições no papel do Estado implicam o processo de democrati- zação e a minimização de direitos universais e de qualidade para todos, o que traz consequências para as populações de todo o mundo. No entanto, em paí- ses que viveram ditaduras e um processo recente de luta por direitos materiali- zados em políticas, o processo de privatização é ainda mais danoso. Nossas pesquisas demonstram que no Brasil o processo de privatização do público ocorre de várias formas, tanto através da direção, como é o caso Movimento Todos pela Educação, em que os empresários acabam influenci- ando o governo federal na agenda educacional, quanto na venda de produtos educativos; ou da execução direta, que ocorre principalmente para as pessoas mais vulneráveis, na Educação de Jovens e Adultos, creches, educação especi- al e educação profissional. Mas também acontece, ao mesmo tempo, na exe- cução e direção, como verificamos nos estudos sobre as parcerias, em que ins- tituições privadas definem o conteúdo da educação e também executam sua proposta através da formação, avaliação do monitoramento, premiação e san- ções que permitem um controle de que seu produto será executado. Apresentação 9 Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação Prefácio Uma das principais contradições que as sociedades democráticas en- frentam no mundo ocidental é a substituição gradativa dos direitos sociais pela priorização das necessidades do mercado e do capital. Em função disso, a reforma do Estado está no centro das discussões e impasses na luta para viabi- lizar ou os direitos, ou o mercado. A redefinição do papel do Estado vem sendo implementada a partir da tríade: 1) privatização e/ou terceirização, com repasse de obrigações do esta- do para privados e para viabilizá-los são estabelecidos “contratos de gestão”; 2) um processo de centralização crescente das atividades, envolvendo um pla- nejamento minucioso das ações e um monitoramento permanente das opera- ções e neste caso estabelece-se a uniformização como o critério principal de avaliação de competências; 3) a defesa do consenso, para permitir que a diver- gência, em qualquer setor seja punida ou deslegitimada, em especial, os con- selhos, sindicatos, associações científicas e movimentos sociais, que no mo- mento anterior deveriam garantir a gestão democrática por meio da participa- ção popular na definição das políticas sociais. Este complexo processo, no entanto, vem ganhando espaço político e convicções de grupos sociais que há pouco tempo atrás seriam inimaginá- veis. Tem sido comum, em muitos países, em nome da governabilidade, que governantes eleitos com um programa democrático de direitos, passem a defender e implantar as premissas dos conservadores ou do neoliberalismo, como são chamados, desempenhando o papel de convencimento e cooptação que os conservadores não conseguiriam, pois os teriam como adversários crí- ticos ativos. Neste comportamento contraditório perdem sua legitimidade de demo- cratas e defensores dos direitos de todos como condição de cidadania e justifi- cam a concretização da homogeneidade das propostas economicistas dos or- ganismos multilaterais como critério para a ressignificação de direitos sociais. “Não há mais condições para dar tudo a todos” é a justificativa alegada, pois os ricos já não se conformam em serem só ricos, eles precisam, cada vez mais, serem “mais ricos” para comandar o mundo a seu bel-prazer. Não por acaso, o próprio Banco Mundial admite que 10% da população é dona e usufrui de 75% de tudo que é produzido no planeta. É justo que seja assim? 10 Prefácio Nesta teia de relações, o público e o privado se confundem e suas dife- renças, gradativa, mas sistematicamente, vão sendo obnubiladas. Na área da educação este processo vem se tornando cada dia mais nítido e exigente. E os privados cada vez mais “gulosos” dos recursos financeiros públicos. Com a implantação de sistemas centralizados de avaliação da aprendi- zagem, introduz-se “indicadores de desempenho” cuja função é demonstrar a “incompetência estrutural” do estado para gerir o direito público. Poucas es- colas públicas atingem os valores desejados ou ideais e quando isso se viabili- za argumenta-se que foi por ação ou influência de entidade ou associação pri- vada, que “motivou” a escola à transformação mágica de suas práticas peda- gógico-educacionais. Fica suprimida, em função dessa lógica, a existência de classes sociais antagônicas, pois a atual organização social (capitalista) dispõe para todos os cidadãos, o conhecimento de tudo, bastando para isso “comprá-lo”. É verdade, também, que os preços variam e nem sempre os pobres – maioria da população mundial – conseguem o mesmo acesso, apesar das tecnologias informáticas, por falta de tempo, dedicação ou incompetência. Esta é outra falácia. Nesta hora, os empresários privados se apresentam para definir o que é básico e essencial que as escolas ensinem para que estes grupos sociais não fiquem “marginalizados” das conquistas do mercado e possam nele ser rapi- damente integrados. É verdade que este processo exige uma significativa uni- formização de conteúdos curriculares, pois facilita a produção e venda de materiais pedagógicos que garantem o lucro do investimento em grupos so- ciais que, se não forem por sua atuação, não compreenderiam sequer os avan- ços dos “novos” valores de consumo e estilos de viver da modernidade. Para que esta estratégia seja bem sucedida, os professores e os gestores escolares precisam colaborar cumprindo o que lhes foi determinado, seja na obediência aos conteúdos constante dos livros e apostilas propostos pelos es- pecialistas externos, seja no monitoramento do conjunto das ações desenvol- vidas, em função dos novos parâmetros de “sucesso escolar”. Redefine-se, assim, sub-repticiamente, a função da educação pública, o papel da escola e dos profissionais da educação que nela atuam, em qualquer dos níveis ou modalidades de ensino. Por isso, é importante que pesquisas acadêmicas sejam realizadas e seus resultados divulgados propiciando que suas análises críticas favoreçam e estimulem as ações e o pensamento contra hegemônico. Este livro repre- senta este esforço. São quinze artigos que tratam de forma consistente este 11 Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação fenômeno, que não é só brasileiro, e que corrói as políticas educacionais, emudecendo o pensamento crítico, a autonomia escolar e a ação coletiva no projeto educacional. É um convite à leitura ativa, aonde, de artigo em artigo vai sendo gesta- da a vontade e a necessidade de “fazer diferente” o que aí está. De reagir. De achar que a felicidade social é possível! Entremos nesta aventura! É um prazer ousado. São Paulo, setembro de 2015. Lisete R. G. Arelaro PRIMEIRA PARTE 14 15 Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação 1 O grupo de pesquisa está vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Univer- sidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGEDU/ UFRGS) e é composto por duas bolsistas PIBIC, mestrandos, doutorandos, mestres, doutores e docentes do Programa, assim como pes- quisadores de outras instituições, totalizando 15 membros. A pesquisa é financiadapelo CNPq. 2 Relação em processo na perspectiva de Thompson (1981). Implicações da relação público-privado para a democratização da educação no Brasil Vera Maria Vidal Peroni Introdução O artigo tem como objetivo propor algumas discussões teóricas que embasam a pesquisa “Implicações da relação público-privada para a democra- tização da educação básica no Brasil”1, que analisa como as redefinições no papel do Estado reorganizam as fronteiras entre o público e o privado, mate- rializando-se das mais diferentes formas na educação básica pública, e suas implicações para o processo de democratização da educação no Brasil. Na pesquisa, analisamos as políticas educacionais que envolvem a rela- ção entre público e privado na educação básica no Brasil, em todas as etapas (ensino infantil, fundamental e médio) e modalidades (Educação de Jovens e Adultos, Educação Especial e Educação Profissional), assim como o histórico desta relação. Constatamos várias formas de privatização do público: ou atra- vés da alteração da propriedade, ocorrendo a passagem do estatal para o ter- ceiro setor ou privado; ou através de parcerias entre instituições públicas e privadas com ou sem fins lucrativos, onde o privado acaba definindo o públi- co; ou, ainda, aquilo que permanece como propriedade estatal, mas passa a ter a lógica de mercado, reorganizando principalmente os processos de gestão e redefinindo o conteúdo da política educacional brasileira. Entendemos que o relacionamento entre o público e o privado na políti- ca educacional é parte constitutiva das mudanças sociais e econômicas; não é uma questão de determinação, mas de relação e processo2. Deste modo, tanto o Estado quanto a sociedade civil são partes constitutivas do movimento de 16 correlação de forças3 de sujeitos4 situados em um contexto histórico e geográ- fico5, perpassados por projetos societários distintos. Nesse sentido, não se trata de uma contraposição entre Estado e socie- dade civil, pois vivemos em uma sociedade de classes em que sociedade civil e Estado são perpassados por interesses mercantis. Tendo como base esta con- cepção, enfocamos em nossas pesquisas a sociedade civil mercantil, onde o privado está vinculado ao mercado (PERONI, 2013). E, assim como a sociedade civil e o Estado, a democracia também não é entendida como uma abstração, mas como materialização de direitos e de igual- dade social6 (WOOD, 2003) e “coletivização das decisões” (VIEIRA, 1998), com efetiva participação na elaboração de políticas com base na prática social crítica e autocrítica no curso de seu desenvolvimento (MÉSZÁROS, 2002). Assim sendo, o foco da análise é a privatização do público, na lógica mercan- til, com implicações para a democratização da educação. É importante ressaltar a especificidade brasileira na análise das redefini- ções do papel do Estado, pois os avanços das lutas por direitos sociais acontece- ram no momento pós-ditadura, na década de 1980, mesmo período de crise do modelo fordista/keynesiano. Em seu lugar, o capitalismo propunha um conjun- to de estratégias para retomar o aumento das taxas de lucro, reduzindo direitos, com graves consequências para a construção da democracia e da efetivação dos direitos sociais, materializados em políticas públicas, dando lugar ao que temos chamado de “naturalização do possível” (PERONI, 2003, 2006, 2013). Entendemos que para avançar nas análises do tema, precisamos apro- fundar o referencial teórico metodológico que fundamenta nossa pesquisa. O item seguinte traz para debate as ferramentas que estamos construindo para interrogar tão complexa realidade. O caminho teórico metodológico No enfoque teórico metodológico que embasa esta pesquisa7, buscamos entender como se materializa a relação entre o público e o privado na educa- ção, neste período particular do capitalismo, analisando o objeto de estudo em 3 Correlação de forças na concepção de Gramsci (1982). 4 Sujeitos individuais ou coletivos na concepção de Thompson (1981). 5 Contexto histórico e geográfico na concepção de Harvey (2008) 6 Sobre a não separação entre o econômico e o político, ver Wood (2003.) 7 Pesquisa “Implicações da relação público-privada para a democratização da educação”, finan- ciada pelo CNPq e realizada pelo Grupo de Pesquisa: Relações entre o Público e o Privado na Educação, vinculado ao Núcleo de Política e Gestão da Educação do Programa de Pós-Gradua- ção em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. PERONI, V.. M. V. • Implicações da relação público-privado para a democratização da educação no Brasil 17 Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação suas múltiplas relações, enquanto movimento, que se materializa na realidade social com muitas contradições, através de sujeitos com processos societários distintos, em uma relação de classe e não como estruturas estáticas.8 Lukács nos ajuda a caminhar nesta difícil perspectiva de análise, quan- do enfatiza a importância do conceito de relação neste processo: “O singular não existe senão em sua relação com o universal. O universal só existe no singular, através do singular” (LUKÁCS, 1978, p. 109). E também quando enfatiza a importância do particular como mediação na análise: “O movimen- to do singular ao universal e vice-versa é sempre mediatizado pelo particular, ele é um membro intermediário real, tanto na realidade objetiva quanto no pensamento que a reflete de um modo aproximadamente adequado” (LUKÁCS, 1978, p. 112). Assim, entendemos o objeto de estudo, a relação entre o público e o privado na educação, como parte de um contexto histórico e geográfico particular, com contradições, e uma história de lutas pela demo- cratização da educação materializada em direitos. Também buscamos a categoria analítica do particular no sentido de en- tender as especificidades deste período particular do capitalismo, que conser- va questões estruturantes do capitalismo, mas tem particularidades que o defi- nem também. Não entendemos que seja um pós-capitalismo, mas capitalismo com características específicas, particulares, no sentido de que mantém a rela- ção com o universal e materializam o universal com as características e corre- lações de forças do seu tempo histórico. As fronteiras entre o público e o privado têm se modificado no contexto atual de crise do capitalismo, em que as suas estratégias de superação – neoli- beralismo, globalização, reestruturação produtiva e Terceira Via – redefinem o papel do Estado, principalmente para com as políticas sociais. O neoliberalis- mo e a Terceira via, atual social-democracia, têm o mesmo diagnóstico de que o culpado pela crise atual é o Estado e têm o mercado como parâmetro de qualidade. O papel do Estado para com as políticas sociais é alterado, pois com esse diagnóstico as prescrições são racionalizar recursos e esvaziar o poder das instituições, já que instituições públicas são permeáveis às pressões e deman- das da população e improdutivas, pela lógica de mercado. Buchanan et al. (1984), teóricos neoliberais, apontam as instituições democráticas contempo- râneas como irresponsáveis, e o remédio seriam medidas restritivas constitucio- nais para conter os governos, colocando-se os instrumentos de controle fora 8 Conforme Thompson (1989, 2012). 18 das instituições representativas e partindo-se do princípio de que os controles políticos são inferiores aos de mercado (PERONI, 2012). Nesta perspectiva, a responsabilidade pela execução e direção das polí- ticas sociais deve ser repassada para a sociedade. Observamos, nas pesquisas, que esta tem sido uma a justificativa apontada pelas instituições privadas para fazer a parceria. Outra questão metodológica importante é que não tratamos o público e o privado apenas como propriedade, mas como projetos societários em rela- ção, permeados por classes sociais em correlações de forças. Neste sentido, é importante definir que entendemos classe, na perspectiva de Thompson, como “uma relação e não uma coisa” (THOMPSON,1981, p. 11), “um fenômeno visível apenas no processo” (THOMPSON, 2012, p. 77) e, ainda, que “classe não é esta ou aquela parte da máquina, mas a maneira pela qual a máquina trabalha” (THOMPSON, 2012, p. 169). E assim, ao dialogar com autores dentro da própria concepção teórica marxista, Thompson enfatiza: “Não vejo classe como estrutura ou categoria, mas como algo que ocorre efetivamente (e cuja coerência pode ser demonstra- da) nas relações humanas” (THOMPSON, 1981, p. 10). Ainda, para o autor: Classe não é categoria estática, é uma categoria histórica descritiva de pes- soas numa relação no decurso do tempo e das maneiras pelas quais se tornam conscientes das suas relações, como se separam, unem, entram em conflito, formam instituições e transmitem valores de modo classista. Neste sentido, classe é uma formação tão “econômica” quanto “cultural”, é impossível favo- recer um aspecto em detrimento do outro (THOMPSON, 2012, p. 260). Quando analisamos as relações entre o público e o privado, observamos que estas ocorrem via execução ou direção, levando a lógica de mercado para o conteúdo da educação. Neste sentido, entendemos que existem projetos so- cietários e de educação em correlação. E assim, concordamos com Thompson (2002) quando afirma que classe, no seu sentido heurístico, é inseparável da noção de luta de classes: Não podemos falar de classes sem que as pessoas, diante de outros grupos, por meio de um processo de luta (o que compreende uma luta em nível cul- tural) entrem em relação e em oposição sob uma forma classista, ou ainda sem que modifiquem suas relações de classe, herdadas, já existentes (p. 275). Portanto, entende-se que as políticas sociais são respostas às lutas sociais, em um processo histórico de correlação de forças, conforme afirma Evaldo Vieira: Não tem havido, pois, política social desligada dos reclamos populares. Em geral, o Estado acaba assumindo alguns destes reclamos, ao longo de sua existência histórica. Os direitos sociais significam antes de mais nada a con- PERONI, V.. M. V. • Implicações da relação público-privado para a democratização da educação no Brasil 19 Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação sagração jurídica de reivindicações dos trabalhadores. Não significam a con- sagração de todas as reivindicações populares, e sim a consagração daquilo que é aceitável para o grupo dirigente no momento (VIEIRA, 2007, p. 144). Em síntese, analisamos a relação entre o público e o privado em uma perspectiva de classe social; conforme Thompson, “a noção de classe traz con- sigo a noção de relação histórica”, e a “relação precisa estar sempre encarnada em pessoas e fatos reais” (THOMPSON, 1981, p. 10). Assim, entendemos que esse processo não é uma abstração, é realizado por sujeitos (individuais e cole- tivos) em relação com um projeto de classe. Redefinições no papel do Estado – o mercado passa a ser parâmetro de qualidade Em trabalhos anteriores (PERONI, 2003, 2006, 2013a), analisamos as redefinições no papel do Estado como parte de mudanças sociais e econômi- cas deste período particular de crise estrutural do capital, em que as contradi- ções estão mais acirradas. Concordamos com Mészáros (2011) que “a crise do capital que estamos experimentando é uma crise estrutural que tudo abrange” (MÉSZÁROS, 2011, p. 2) e que a crise do fordismo e do keynesianismo foi a expressão fenomênica de um quadro crítico mais complexo de tendência de- crescente da taxa de lucros (ANTUNES, 1999). Brenner (2008) destaca ainda que a “combinação da fragilidade da acu- mulação de capital com a crise do sistema bancário transformou o presente declínio econômico numa crise de difícil resolução pelo poder político e que potencialmente pode se tornar um desastre” (BRENNER, 2008, p. 1). E ad- verte que quem está pagando a “conta” da crise são os Estados e os trabalha- dores, já que ocorreu o aumento da exploração, com a expansão da jornada de trabalho e a diminuição salarial, além do endividamento dos Estados ao fi- nanciarem a crise (PERONI, 2013). O Estado foi chamado historicamente a tentar controlar ou regular as contradições do capital e a relação capital/trabalho. Atualmente, apesar do Estado mínimo anunciado pelo neoliberalismo, este é chamado a “socorrer” o capital produtivo e financeiro nos momentos de maior crise. E, contraditoria- mente, foi e é considerado o “culpado pela crise”, conforme a teoria neoliberal (PERONI, 2013a). Contudo, é importante frisar que o Estado mínimo proposto é mínimo apenas para as políticas sociais conquistadas no período de bem-estar social. Na realidade, o Estado é máximo para o capital, porque, além de ser chamado a regular as atividades do capital corporativo, no interesse da nação, tem, ain- 20 da, de criar um “bom clima de negócios”, para atrair o capital financeiro trans- nacional e conter (por meios distintos dos controles de câmbio) a fuga de capi- tal para “pastagens” mais verdes e lucrativas (HARVEY, 1989, p. 160). Além disso, há o fato de a acumulação flexível procurar, mais do que o fordismo, o capital financeiro como poder coordenador, o que significa maior possibilida- de de crises financeiras e monetárias autônomas. Essas crises fazem com que o Estado acabe intervindo no mercado financeiro. Assim, verifica-se que mes- mo os governos mais comprometidos com a lógica neoliberal não intervencio- nista têm sido grandes interventores a favor do grande capital. Harvey (2008) faz um balanço do neoliberalismo na prática, o que cha- ma de neoliberalização. No processo de neoliberalização, o mercado regula inclusive o bem-estar humano. A competição é o mecanismo regulador; “as regras de base da competição no mercado têm de ser adequadamente observa- das [...]”. E adverte ainda que “em situações nas quais estas regras não este- jam claramente estabelecidas, ou em que haja dificuldades para definir os di- reitos de propriedade, o Estado tem de usar o seu poder para impor ou inven- tar sistemas de mercado” (HARVEY, 2008, p. 13). Clarke e Newman (2012) destacam que com a crise de 2008 a fé nos mercados ficou abalada. “Os estados entraram como os salvadores de institui- ções financeiras falidas e tentaram apaziguar mercados assustados e em pâni- co. [...] As instituições públicas pareciam com os salvadores em potencial do capitalismo global.”. Mas, no que entendemos ser um processo de correlação de forças, a atitude de negócios como sempre foi rapidamente restaurada com o fra- casso da prometida regulação e reforma em se materializar e com a continu- ação dos piores excessos de atores gerenciais e empresariais empoderados, apesar de considerável descrédito e a raiva do público (CLARKE; NEW- MAN, 2012, p. 375). No livro The Managerial State, os autores (2006) apontam para redefini- ções no papel do Estado, o que não significa que ele tenha diminuído sua atuação, e sim apenas a modificou: O estado tem se retirado em alguns aspectos, seus poderes e aparelhos têm sido expandidos em outros – transferindo responsabilidades, mas simultanea- mente criando as capacidades de fiscalização e reforço para garantir que estas responsabilidades estejam sendo cumpridas. Isto tem envolvido a dispersão do poder estatal através de uma variedade de locais e espaços (CLARKE; NEWMAN, 2006, p. 126). É importante destacarmos que, nas parcerias estudadas na atual pesqui- sa, tanto no caso do Instituto Unibanco quanto do Instituto Ayrton Senna, a PERONI, V.. M. V. • Implicações da relação público-privado para a democratização da educação no Brasil 21 Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação fiscalização “para saber se as responsabilidades” estão sendo cumpridas ocor- re por parte do ente privado para com o público. Segundo os autores, o discurso gerencialista aborda representações particulares de relacionamento entre problemas sociais e so- luções. Ele é linear e orientado para um “único objetivo” através de padroni- zação.Ele é concebido com objetivos e planos em vez de intenções e julga- mentos. É sobre ação em vez de reflexão. Ele baseia-se em análises (dividindo problemas) em vez de sínteses. Estabelece fronteiras entre “política” e “execu- ção”, “estratégia” e “implantação”, pensar e agir. Oferece um discurso técni- co que separa o debate de seus fundamentos políticos, então o debate sobre meios suplanta o debate sobre fins (CLARKE; NEWMAN, 2006, p. 148). Observamos em nossas pesquisas que esta análise de Clarke e Newman está muito presente, no sentido de que o material proposto pelas parcerias é padronizado e replicável. Observamos, também, o retorno da histórica sepa- ração entre o pensar e o fazer, sendo que as instituições privadas determinam e monitoram e as escolas executam. Wood (2014) também trata do importante papel do Estado para o capi- tal neste período particular do capitalismo de financeirização e globalização: “O Estado é hoje mais essencial do que nunca para o capital mesmo – ou especialmente – em sua forma global. A forma política da globalização não é um estado global, mas um sistema global de Estados múltiplos” (WOOD, 2014, p. 18). A autora ainda argumenta que [...] o capitalismo global é o que é não somente por ser global, mas acima de tudo por ser capitalista. Os problemas associados à globalização [...] – não existem simplesmente porque a economia é global, ou porque as empresas globais são incomparavelmente cruéis, nem mesmo por serem excepcional- mente poderosas [...] a globalização é o resultado e não a causa. A autora ressalta que as empresas globais devem seguir as leis de merca- do para sobreviver e que nem mesmo a mais benigna ou responsável consegue fugir à compulsão do capital; assim, o problema não é uma ou outra empresa ou agência internacional, mas o sistema capitalista em si (WOOD, 2014). E critica as concepções que apontam para uma “soberania não estatal, que se encontra em toda parte e em parte nenhuma”; “essas visões não apenas des- prezam algo atual na ordem global, mas também nos deixam impotentes para resistir ao Império do capital” (WOOD, 2014, p. 18). E, neste sentido, critica também a concepção de governança global: Não existe forma concebível de “governança global” capaz de oferecer o tipo de regularidade diária das condições de acumulação de que o capital necessita. O mundo hoje, na verdade, é mais do que nunca um mundo de Estados-nação. A forma política de globalização é, mais uma vez, não um 22 Estado global, mas um sistema global de múltiplos Estados locais, estrutu- rados numa relação complexa de dominação e subordinação (WOOD, 2014, p. 27-28). Concordamos com as críticas da autora sobre o conceito de governança global, largamente utilizado por autores que analisam as relações entre o pú- blico e o privado. Entendemos que, neste conceito, as responsabilidades pela execução dos direitos ficam diluídas e ressaltamos a importância do Estado como o principal responsável pelo direito à educação, principalmente em paí- ses em que os direitos sociais não estão consolidados e o dever do Estado é ainda mais relevante. Muitos autores têm trazido uma multiplicidade de ato- res atuando na educação. Nossas pesquisas analisam criticamente o fato de o poder público se retirar da responsabilidade da execução e direção da política educativa. Outra questão relevante é que mencionamos o Estado como poder pú- blico, destacando que não se restringe ao governo. Entendemos que, em uma sociedade democrática, as instituições públicas devem atuar em um processo de coletivização das decisões, com espaços de participação que devem ser cada vez mais alargados. O “público”, em oposição ao privado, neste sentido, está sendo construido e está intimamente vinculado com o democrático. Assim, quando analisamos as redefinições do papel do Estado em rela- ção com o setor privado, através de nossas pesquisas, questionamos: como atua? financia? controla? se retira? está mais presente? imprime a lógica de mercado através do Estado gerencial? Verificamos, em nossas pesquisas, em relação ao papel do Estado na relação entre o público e o privado – que, no neoliberalismo, seria de retirar-se da provisão das políticas, através da execu- ção direta ou do financiamento, com a justificativa de racionalizar recursos – que, em muitos casos, o Estado continua financiando os programas, apesar da execução ser privada. No que se refere à direção, observamos, em alguns ca- sos, que o poder público continua sendo o executor, mas a direção e controle passam a ser de instituições privadas, como nos casos do Instituto Ayrton Sen- na9 e Instituto Unibanco10. Quanto ao controle, observamos que o Estado em parte permanece atuando, principalmente via avaliações, mas também através dos editais de contratação das instituições do Terceiro Setor que vão executar as políticas educativas. O governo acaba definindo um determinado produto e contrata 9 Sobre parceria entre Instituto Ayrton Senna e Escolas de Ensino Fundamental, ver Adrião; Peroni (2010). 10 Sobre parceria entre Instituto Unibanco e Escolas de Ensino Médio, ver Peroni; Caetano (2014). PERONI, V.. M. V. • Implicações da relação público-privado para a democratização da educação no Brasil 23 Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação quem se ajusta a este perfil, o que também prejudica o processo de democra- tização. Ao longo dos estudos, muitas questões foram surgindo, tais como quem são os sujeitos (individuais e coletivos) que atuam no setor privado, como atuam e como se organizam para influenciar em todas as esferas do público, desde o nível internacional, nacional, local até a escola e a sala de aula. Enfim, quem são os sujeitos deste processo e qual é o conteúdo da proposta do privado no público. O próximo item trata destas questões. O processo de mercadificação da educação pública: sujeitos e conteúdo da proposta do privado para o público São várias as formas como o privado tem atuado no setor público. Veri- ficamos na pesquisa o quanto a relação entre o público e o privado é complexa e multifacetada. Entendemos que a mercadificação da educação pública não é uma abstração, mas ocorre via sujeitos e processos. Trata-se de sujeitos indivi- duais e coletivos que estão cada vez mais organizados, em redes do local ao global, com diferentes graus de influência e que falam de diferentes lugares: setor financeiro, organismos internacionais, setor governamental. Algumas instituições têm fins lucrativos e outras não, ou não claramente, mas é impor- tante destacar que entendemos as redes como sujeitos (individuais e coletivos) em relação, com projeto de classe. O processo de mercantilização ocorre também com o privado definindo o conteúdo da educação. Neste caso, observamos em parte o poder público assumindo a lógica do privado na administração pública através da gestão gerencial e também quando abre mão de decidir o conteúdo da educação, re- passando a direção para instituições privadas. A propriedade permanece pública, mas a direção do conteúdo das polí- ticas educativas é repassada para o setor privado. As instituições públicas, se democráticas, são permeáveis à correlação de forças, com processos decisórios em que não se tem previamente o controle do produto. São instituições de propriedade pública, mas se o processo decisório está ausente, já que tudo é previamente definido e monitorado por uma instituição privada e os professo- res apenas executam tarefas, entendemos que este também é um processo de privatização da educação. Este processo de privatização do público tem consequências para a de- mocratização da educação, pois concordamos com Vieira que “não há estágio democrático, mas há processo democrático pelo qual a vontade da maioria ou a vontade geral vai assegurando o controle sobre os interesses da administra- 24 ção pública” (VIEIRA, 1998, p. 12). Afirma também: “Quanto mais coletiva a decisão, mais democrática ela é. Qualquer conceito de democracia, e há vários deles,importa em grau crescente de coletivização de decisões” (ibid.). O argumento para este repasse de responsabilidades nas decisões para o setor privado é parte do diagnóstico neoliberal (BUCHANAN et al., 1984) que aponta as instituições democráticas contemporâneas como irresponsáveis, e o remédio seriam medidas restritivas constitucionais para conter os gover- nos, colocando-se os instrumentos de controle fora das instituições represen- tativas e partindo-se do princípio de que os controles políticos são inferiores aos de mercado. Observamos, nas pesquisas acerca das parcerias entre o públi- co e o privado, que esta tem sido uma justificativa apontada pelas instituições privadas para fazer a parceria. Para Buchanan, o paradigma da ação humana em todas as dimensões passa pela relação de troca, pelo jogo de interesses. Isso é tanto um pressupos- to como uma prescrição, no sentido de que todas as relações tenham a troca como modelo (BUCHANAN et al., 1984). Essas mudanças ocorrem através da disseminação de valores e práticas de empreendimento, empreendedoris- mo e transposição do discurso internacional do gerencialismo. Clarke e New- man (2012) caracterizam o gerencialismo: [...] mesmo onde os serviços públicos não foram totalmente privatizados (e muitos permaneceram no setor público), era exigido que tivessem um de- sempenho como se estivessem em um mercado competitivo. Era exigido que se tornassem semelhantes a negócios e este ethos era visto como personifica- do na figura do gerente (em oposição ao político, ao profissional ou ao admi- nistrador). Isto introduziu novas lógicas de tomada de decisão que privilegia- vam economia e eficiência acima de outros valores públicos (CLARKE; NEW- MAN, 2012, p. 358). Ocorre também o que Ball e Olmedo (2013) chamam de filantropia 3.0, já que a filantropia está vinculada ao lucro, através da venda de produtos para as escolas e sistemas públicos, mesmo aquela que se diz sem fins lucrativos: “O que há de ‘novo’ na ‘nova filantropia’ é a relação direta entre o ‘doar’ e os ‘resultados’ e o envolvimento direto dos doadores nas ações filantrópicas e nas comunidades de políticas. [...]” (BALL; OLMEDO, 2013, p. 33). Os autores apontam que as mudanças na filantropia tradicional ocorre- ram em três etapas, “da doação paliativa (ou seja, a filantropia tradicional ou a ‘filantropia 1.0’) à filantropia para o desenvolvimento (‘filantropia 2.0’), e, finalmente, à doação ‘rentável’, constituindo aquilo que é chamado de ‘filan- tropia 3.0’ (BALL; OLMEDO, 2013, p. 34). Ball e Olmedo (2013) destacam ainda que esta terceira etapa da filantro- pia ocorre através das redes, “como nós interconectados que operam de acor- PERONI, V.. M. V. • Implicações da relação público-privado para a democratização da educação no Brasil 25 Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação do com lógicas de rede e configuram suas agendas e ligações de formas mutan- tes e fluidas” (BALL; OLMEDO, 2013, p. 40). Para Ball e Junemann (2012), o conceito de policy network (redes de po- líticas) é um termo analítico e descritivo que se refere a uma forma de gover- nança que entrelaça mercados inter-relacionados e hierarquias. Algumas par- tes do Estado têm menos controle e outras têm mais do que antes (BALL; JUNEMANN, 2012). O Estado pode mudar de parceiros facilmente, uma vez que programas e iniciativas podem ser encerrados, contratos rescindidos e agên- cias fechadas. Para os autores, é importante verificar o que é novo na nova filantropia, e destacam, entre outros fatores, a relação com os resultados (giving to outco- mes). Um empresário entrevistado por eles deixa claro que vai investir onde os resultados são mais efetivos. Outro aspecto da nova filantropia, vinculado aos resultados, é que os financiadores querem ver e mensurar os impactos. A filan- tropia estratégica busca projetos inovadores. Os autores ressaltam que, se o projeto prova a sua eficácia, é apresentado aos governos para ampliá-lo e fi- nanciá-lo. Os empresários têm investido em projetos-piloto (BALL; JUNE- MANN, 2012). Foi o que verificamos com o Instituto Unibanco: o Programa Jovem de Futuro passou por uma fase piloto, de validação da tecnologia, até se transformar em política pública. Outra característica da nova filantropia apontada pelos autores é o ven- ture capitalism, capitalismo de risco; isto é, os empresários querem ver o retor- no, mas aceitam riscos. E, assim, os filantropos tomam as decisões sobre onde colocar o dinheiro, influenciando ou definindo as políticas sociais em geral e, em particular, as políticas educacionais. Os autores destacam, ainda, os interesses indiretos com a filantropia, como o status e marketing, o que chamam de capital simbólico, através de fes- tas, jantares, colunas sociais, prêmios, associando a filantropia à celebridade e ao interesse de acesso a outros campos e redes. Apresentam o exemplo da revista Time, que revelou que a “generosidade é moda de novo” e apresentou uma lista dos filantropos com faixa de arrecadação. Os autores afirmam ainda que a localização na rede é chave para o capi- tal social. As redes são feitas de capital social que pode ser desenvolvido, in- vestido e acumulado e têm fluxos de ideias e pessoas entre o público e o priva- do. Os participantes são multifacetados: atores individuais podem ser envolvi- dos nas redes em uma variedade de modos (significados e tipos de influência). Foi o que se constatou na pesquisa, nas redes do Instituto Unibanco e do Movimento Todos pela Educação. 26 Questionamos as consequências para a democratização da educação em particular e dos direitos sociais em geral, já que as redes não têm represen- tatividade social e nem compromissos com justiça social ou com a materiali- zação de direitos. Em síntese, entendemos que o setor privado mercantil, organizado ou não em redes, não é uma abstração; é formado e operado por sujeitos indivi- duais e coletivos em um projeto de classe. E são parte de uma ofensiva históri- ca do capital e com especificidades neste período particular do capitalismo. A especificidade brasileira As redefinições no papel do Estado implicam o processo de democrati- zação e a minimização de direitos universais e de qualidade para todos, o que traz consequências para as populações de todo o mundo; no entanto, em paí- ses que viveram ditaduras e um processo recente de luta por direitos materiali- zados em políticas, o processo de privatização é ainda mais danoso. No Brasil, historicamente o Estado foi vinculado aos interesses priva- dos (FERNANDES, 1976; VIEIRA, 1998; PIRES, 2015; CURY, 2005). Após o último período de ditadura, a partir de meados dos anos 1980, entrou na pauta da sociedade, mesmo que de forma tímida, o processo de democrati- zação, participação, coletivização das decisões, assim como direitos sociais materializados em políticas. Ao mesmo tempo, os processos de neoliberalis- mo, reestruturação produtiva e financeirização redefiniam o papel do Esta- do para com as políticas sociais, com um diagnóstico de crise fiscal e redu- ção de custos. Assim, ocorreram avanços inegáveis no acesso à educação, no entanto com os “recursos possíveis” e, muitas vezes, em detrimento de salá- rios e condições de trabalho dos profissionais da educação. A ampliação de direitos pela universalização do acesso, inclusão de alunos com necessida- des especiais, maior participação na vida escolar não foi seguida de condi- ções materiais com a mesma intensidade das mudanças. Vivemos a contradição de que, ao mesmo tempo em que a privatiza- ção do público é cada vez maior, também, em um processo de correlação de forças, estamos avançando lentamente em alguns direitos materializados em políticas educacionais. Trata-se de direitos que foram reivindicados no pro- cesso de democratização, nos anos 1980, e materializados em parte na Cons- tituição Federal/88 e na Lei de Diretrizes e Bases de 1996, como a gestão democrática da educação, a educação básica entendida como educaçãoin- fantil, fundamental e média, a gratuidade da educação pública, entre outros. PERONI, V.. M. V. • Implicações da relação público-privado para a democratização da educação no Brasil 27 Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação Nos anos 1990, o Brasil viveu um processo difícil para a democratiza- ção, entendida como materialização de direitos em políticas sociais e também como a coletivização das decisões, pois, na primeira eleição direta após o perío- do ditatorial que iniciou em 1964, foi eleito pelo voto direto o presidente Co- llor de Mello, que representava assumidamente o projeto neoliberal para o Brasil, com o discurso da modernização e de que o país seria competitivo em nível internacional. Apesar do impeachment’ que afastou o presidente ter colo- cado novamente nas ruas os movimentos sociais, os governos que o seguiram tinham o ajuste fiscal como meta principal, com sérias consequências para as políticas sociais. Vivemos, então, o que chamamos de um processo de “natu- ralização do possível” (PERONI, 2013a), isto é, a população que mal tinha iniciado a luta por direitos sociais para todos e com qualidade acaba aceitando políticas focalizadas “para evitar o caos social”, priorizando populações em vulnerabilidade social e nem sempre oferecidas pelo poder público. Na educação, o processo de focalização aconteceu principalmente na priorização do ensino fundamental, em detrimento da educação infantil e en- sino médio, quebrando assim a ideia de educação básica, que permaneceu apenas na Constituição Federal. Só em 2007, com a criação do FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valori- zação dos Profissionais da Educação), a educação básica retorna em parte à pauta, mas a sua efetivação ocorrerá até 2016, quando o poder público será obrigado a oferecer a educação de 4 a 17 anos para todos (BRASIL, 2009). Registre-se, ainda, que a educação básica não será totalmente obrigatória, já que as creches ainda não foram contempladas. A oferta se ampliou para quem historicamente não teve acesso, e esta ampliação ocorreu na escola pública; conforme dados do IBGE em 2007, a taxa de escolarização era de 86,41para a população de 5 ou 6 anos, 97,67% de 7 a 14 anos, 98,13% de 7 a 9 anos, 97,41% de 10 a 14 anos e 82,35 % entre 15 e 17 anos. Observamos que no ensino fundamental e médio a oferta permanece pú- blica, com 84,26% das matrículas no ensino fundamental (EF) e 86,75% no ensino médio (EM), e em instituições privadas há apenas 15,73% no EF e 13,25% no EM (IBGE, 2014). A oferta permanece sendo majoritariamente pública, sen- do que a privatização ocorreu no que chamamos de “conteúdo da proposta”, com a lógica mercantil no pedagógico e na organização da escola pública. A luta pela universalização da educação foi acompanhada de um impor- tante debate, com algumas políticas já implantadas sobre as especificidades, como educação indígena, educação do campo; além disso, as questões de gênero e sexualidade foram incorporadas, assim como a luta contra o racismo e a homo- 28 fobia. Foi criada uma secretaria no Ministério da Educação, a SECADI (Secre- taria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão), que apre- senta políticas mais específicas para contemplar estas reivindicações. A gestão democrática, duramente conquistada na Constituição Federal de 1988, é parte do processo de aprendizagem da participação e está em dispu- ta com a gestão gerencial11 ou outras formas de gestão historicamente vincula- das ao mercado. Ela é parte do projeto de construção da democratização da sociedade brasileira. Portanto, a construção do projeto político-pedagógico, a participação em conselhos, a eleição para diretores, a autonomia financeira são processos pedagógicos de aprendizagem da democracia, tanto para a co- munidade escolar quanto para a comunidade em geral, porque a participação é um longo processo de construção. Entretanto, ao mesmo tempo em que ocorrem algumas conquistas so- ciais para a democratização da educação, em um processo de correlação de forças, verifica-se a organização de setores vinculados ao mercado, influencian- do as políticas educativas das mais diversas formas, redefinindo as fronteiras entre o público e o privado com implicações para o processo de democratização. Nossas pesquisas demonstram que, no Brasil, o processo de privatiza- ção do público ocorre tanto através da direção como da execução ou de am- bas. No processo de direção, pesquisamos o Movimento Todos pela Educa- ção, em que os empresários acabam influenciando o governo federal, tanto na agenda educacional quanto na venda de produtos educativos,12 e a assessoria do grupo internacional McKinsey & Company ao governo federal13. No processo de privatização via execução, pesquisamos a expansão da oferta via Terceiro Setor nas creches comunitárias14, nos Programas de Educa- ção de Jovens e Adultos como o Brasil Alfabetizado15, e de Educação profissio- nal como o PRONATEC (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego)16. Observamos que são políticas e/ou programas que ocorrem prin- 11 Sobre gestão democrática e gestão gerencial, ver Peroni (2012); Paro (2012). 12 Sobre a relação entre o Movimento Todos pela Educação e a venda de produtos educacionais no Guia de Tecnologias, ver o texto do grupo de pesquisa que trata deste assunto: Bernardi; Uczak; Rossi (2014); e sobre a presença do setor privado em geral no Guia de Tecnologias, ver Rossi; Bernardi; Uczak (2013). 13 Sobre assessoria da McKinsey & Company ao governo federal, ver Bittencourt; Oliveira (2013). 14 Sobre creches comunitárias ver Susin (2009) e Flores; Susin (2013). 15 Sobre o Programa Brasil Alfabetizado, ver o texto do grupo de pesquisa que trata deste assun- to, Comerlato; Moares, 2013. 16 Sobre o PRONATEC, ver o texto do grupo de pesquisa que trata deste assunto, Rodrigues; Santos (2013). PERONI, V.. M. V. • Implicações da relação público-privado para a democratização da educação no Brasil 29 Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação cipalmente para as pessoas mais vulneráveis. A oferta, com algumas exceções, dá-se de forma precarizada, com bolsas ou salários simbólicos, em locais pou- co apropriados, sem espaços democráticos de participação. Mas essec processo também ocorre ao mesmo tempo na execução e di- reção, como verificamos nos estudos sobre as parcerias, em que instituições privadas definem o conteúdo da educação e também executam sua proposta através da formação, avaliação do monitoramento, premiação e sanções que permitem um controle de que seu produto será executado. As parcerias anali- sadas na pesquisa ocorreram com escolas do ensino fundamental e médio, onde a expansão ocorreu pelo setor público, mas sem as condições materiais adequadas, pois ocorreu em períodos de ajuste fiscal e, também, com a natura- lização do possível. As avaliações constataram o óbvio, isto é, problemas de qualidade e, em vez de proporcionar políticas públicas para elevá-la, o poder público buscou o setor privado para comprar “pacotes de qualidade” para a educação básica. O setor privado, com base no diagnóstico neoliberal de que a crise é do Estado e não do capital e que o privado deve ser o parâmetro de qualidade, pressiona o poder público para assumir a direção e execução das políticas, o que temos chamado de “conteúdo da proposta” (PERONI, 2013). Considerações finais Na pesquisa apresentada, observamos no Brasil um misto de ampliação de direitos, principalmente na oferta educacional; no entanto, em um proces- so de correlação de forças políticas e econômicas, o setor privado pressiona para assumir a direção das políticas educacionais que considera mais adequa- das, instrumentais a este período particular do capitalismo. Vivenciamos um processo de ajuste fiscal no país, no mesmo período em que houve a ampliação da educação básica sem o financiamento necessá- rio. Neste período,ainda, houve a expansão do ensino fundamental em detri- mento de outras etapas ou modalidades da educação básica. O próprio ensino fundamental se expandiu com os recursos disponíveis, sem o financiamento necessário, tanto em termos de condições materiais das escolas quanto do sa- lário de professores. Houve, assim, a naturalização da precarização em todas as etapas e modalidades, e cada vez mais o repasse da execução ou direção para instituições privadas com ou sem fins lucrativos, mas que imprimem a lógica mercantil à educação. Observamos que no ensino fundamental e médio, no Brasil, a expansão da oferta ocorreu via escola pública e a privatização ocorreu via conteúdo da educação através de parcerias ou venda de sistemas de ensino17, em que o pri- 30 vado define a direção das políticas, mas também sua execução, já que atua na gestão, currículo, formação de professores, avaliação, além de monitorar os resultados. A expansão da oferta em creches, Educação de Jovens e Adultos, educação profissional ocorreu via Terceiro Setor com financiamento público. Neste caso, destacamos pontos polêmicos, como:: 1) os recursos públicos sen- do repassados para instituições privadas, em vez de fortalecer e expandir a rede pública; 2) a precarização da oferta, com expansão via racionalização de recursos; 3) as instituições privadas não necessariamente seguem princípios constitucionais de gestão democrática e gratuidade, apesar do financiamento ser público 4) a precarização do trabalho docente, que não tem estabilidade, plano de carreira e, em alguns casos, recebe bolsa e não salário; 5) o privado define o conteúdo da educação. Outra questão importante é que o mercado justifica a sua atuação no público para formar um sujeito instrumental à reestruturação produtiva e um projeto de desenvolvimento competitivo em nível internacional; no entanto, as parcerias atuam com produtos padronizados e replicáveis, no sentido de igual para todos, o que é considerado em nossas pesquisas como um retroces- so. Enfim, a educação sempre esteve vinculada ao capital, mas lutamos no período de democratização para avançar no sentido de uma proposta demo- crática e realmente pública de educação. Educação entendida como processo societário de formação humana. Neste sentido, consideramos a lógica de mer- cado na educação um retrocesso. Vivemos um período de naturalização da perda de avanços já havidos no campo da democratização da educação, o que não prejudica apenas a efeti- vação da gestão democrática nas escolas, mas também coloca em risco a cons- trução de um projeto de país mais democrático em todos os sentidos. Enten- demos que a democracia é pedagógica em seu processo de efetivação. Trata-se de uma aprendizagem, que envolve muitos conflitos, sendo o ambiente da es- cola um espaço privilegiado para esta construção. Vivemos um período peri- goso para a democracia em que o mercado determina o que é qualidade e quais são a cultura e os princípios educacionais a serem construídos. Questionamos até que ponto nosso país estaria desistindo de construir, de fato, uma sociedade democrática, já que a democracia não passa a existir apenas pela ausência da ditadura. Será que neste momento pensamos que já vivemos em uma sociedade democrática? Ou será que entendemos que a de- mocracia não deu certo e então partiremos para os critérios técnicos? A socie- 17 Sobre sistemas de ensino, ver Adrião; Garcia; Borgui; Arelaro (2009). PERONI, V.. M. V. • Implicações da relação público-privado para a democratização da educação no Brasil 31 Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação dade civil do capital está mais organizada do que a sociedade civil que luta pela escola pública. Quem são os interlocutores do governo federal para a de- finição das políticas educativas? Qual é o espaço dos diferentes sujeitos? Entendemos que a relação entre o público e o privado na direção e exe- cução da educação é um processo de correlação de forças, que não ocorre por acaso e que está cada vez mais dando direção para a política pública. Lutamos por processos democráticos e de justiça social na educação e quanto mais avan- çamos neste caminho, mais o capital se organiza para retomar o seu papel na educação. Assim, retomamos a ideia de que são distintos projetos societários de classe em relação. Referências ADRIÃO, T.; GARCIA, T.; BORGUI, R.; ARELARO, L. Uma modalidade peculiar de privatização da educação pública: a aquisição de “sistemas de ensino” por municí- pios paulistas. Educ. Soc., v. 30, n. 108, p. 799-818, out. 2009. ISSN 0101-7330. ADRIÃO, T.; PERONI, V. Análise das consequências de parcerias firmadas entre municípios brasileiros e a Fundação Ayrton Senna para a oferta educacional. Relatório de pesquisa. 2010. ANTUNES, R. 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V. • Implicações da relação público-privado para a democratização da educação no Brasil 35 Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação O histórico da relação público-privado e a formação do Estado Nacional: implicações para a constituição da esfera pública Daniela de Oliveira Pires Introdução O objetivo geral desse estudo é demonstrar a constituição histórica da correlação de forças entre o público e o privado na promoção do direito social à educação e as suas consequências para a consolidação da esfera pública no Brasil. A relação público-privado na educação demonstra os desafios para a constituição da esfera pública no Brasil, devido à permanente aproximação com o setor privado. Entendo que a relação entre tais esferas deve primar pela satisfação dos interesses de toda a coletividade. Porém, a esfera privada, sendo excludente, hegemônica e privatista, provoca exatamente o contrário. Nesse sentido, a educação passa a ser compreendida como parte de um movimento maior. Logo, o processo educacional deve considerar as caracte- rísticas do momento histórico do qual ele é parte constitutiva. O referencial teórico adotado é o do materialismo dialético. Ao escolher o objeto de pesqui- sa, levo em consideração as conjunturas políticas, sociais e econômicas relati- vas ao seu contexto histórico. Tenho presente que, qualquer que seja o método escolhido para a realização da pesquisa, ele procede de características e de uma apreciação própria do real. Nesse sentido, o referencial materialismo- histórico-dialético possibilita uma análise mais completa, já que não se funda- menta na análise do objeto propriamente dito, mas, necessariamente, relacio- na-se à realidade social. Portanto, pode-se inserir o objeto como parte consti- tutiva do movimento do real. O marco histórico inicial do estudo é definido a partir das especificida- des do final do séc. XIX e se deve principalmente à ênfase que a educação recebia naquele período. A educação passa a ser relacionada ao ideário repu- blicano de construção da nação, que acaba por estreitar ainda mais os víncu- los entre a esfera estatal e a esfera privada em relação à sua promoção. 36 Quando busco a compreensão acerca do processo histórico da relação público-privado, procuro aprofundar a temática escolhida, associando-a a uma perspectiva que compreende a história enquanto processo, por vezes, com rup- turas e/ou descontinuidades, já que não a entendemos como resultante de fatos isolados, isto é, sem relação aparente uns com ou outros. A metodologia adotada tem como fundamento a pesquisa bibliográfica histórica e legislativa com base em diversas fontes. As escolhas se justificam na medida em que a relação público-privado necessita de uma regulamentação ante a esfera jurídica, quais sejam, as fontes legislativas. Assim, analiso as Cons- tituições brasileiras, bem como as legislações ordinárias esparsas e os decretos que possuam relação com o tema deste estudo. O artigo apresentará a relação público-privado, especialmente através da formação do Estado Federalista Republicano Presidencialista Brasileiro, especificamente em relação ao período da chamada “Primeira República” ou ainda “República Velha” (1889-1930). O enfoque é o do aprofundamento das suas particularidades sociais, políticas, econômicas e jurídicas, por intermédio da sua produção normativa e das correlações de forças que influenciaram na promoção do direito à educação. Nessa parte será abordado o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova de 1932, entendido como uma tentativa de altera- ção do status quo, no qual sustenta que a educação é uma responsabilidade do Estado e um direito de todos os cidadãos. Os seus principais articuladores foram Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Fernando de Azevedo e outros. Em contraposição, o governo federalfortalecerá a presença da esfera privada tanto na Reforma do Ensino Secundário (1931) quanto na criação do Sistema “S”, em meados da década de 1940, significando o incentivo à formação profissio- nal aliada às necessidades da indústria. Também será apresentado o contexto da conturbada posse de João Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros em 1961; relato a tentativa de reconfiguração do papel do Estado na educação e a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1961, em que destaco o aprofundamento da relação público-privado. A partir da conflagração do Golpe Civil-Militar, em 1º de abril de 1964, problematizo o legado ditatorial, principalmente na área educacional com a hegemonia da lógica privatizante e do favorecimento aos grupos privados. Por fim, apresento o advento do neoliberalismo, que irá redefinir a rela- ção entre o público e o privado, aproximando estas esferas na promoção do direito à educação. No que diz respeito à relação público-privado, devo mencio- nar que, nos anos de 1980, vimos a propagação do neoliberalismo e, posterior- mente, o surgimento da Terceira Via. Tanto o neoliberalismo quanto a Tercei- ra Via acreditam que a crise dos Estados advém do fato de que, ao se legitima- PIRES, D. de O. • O histórico da relação público-privado e a formação do Estado Nacional 37 Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação rem perante a população, investiram muito em políticas sociais, entrando em crise, e que, para superá-las, deviam passar por reformas no seu campo de atuação. Nas conclusões será ratificada a relação público-privado na educação como parte constitutiva de um processo histórico-dialético, que sofre avanços e retrocessos ao longo da trajetória política brasileira. O processo de proclamação da república e a formação do Estado Brasileiro Florestan Fernandes afirma que o processo de Proclamação da Repúbli- ca é o momento pelo qual se caracteriza a “expansão da ordem social compe- titiva” (FERNANDES, 2005). Esse momento se caracteriza também pela cons- tituição da classe burguesa e pelo incremento do sistema capitalista, que pos- sui raízes que remontam ao período da colonização. A configuração do Esta- do nacional republicano se estabeleceu com a instauração do federalismo e com o desenvolvimento da chamada “burguesia nacional” e da “nação brasi- leira” e com as suas implicações para o desenvolvimento da relação público- privado na educação. Quando toco na questão da especificidade do caso brasi- leiro, é deveras relevante mencionar que a ordem burguesa brasileira, em ter- mos particulares, não se coadunava com as características que ensejavam a formação da burguesia europeia. Tomando como fio condutor o ordenamento jurídico vigente, constatei que a constituição da relação público-privado, na primeira fase republicana brasileira, apresenta, inicialmente, a transferência interna da responsabilidade entre as esferas públicas da União para os estados, restando à primeira o suporte financeiro em caso de necessidade, de acordo com o parágrafo quarto do mes- mo decreto: “§ 4º: Fixar a despesa pública do Estado e criar e arrecadar os im- postos para ela necessários, contanto que estes não prejudiquem as imposições gerais dos Estados Unidos do Brasil”. O parágrafo é claro, “desde que não pre- judicasse os interesses emergentes do recém-criado Estado republicano”. Par- tindo deste pressuposto de que não havia interesse na educação por parte da União, de que o repasse de verbas não seria contemplado, os investimentos edu- cacionais estariam dificultados, quando não impedidos de acontecerem. A descentralização da educação, segundo pude perceber, fazia parte de um projeto de Estado liderado pelos setores da alta burguesia nacional, ex- pressos nos interesses da atividade agroexportadora. O texto da Carta de 1891 também servia como manifestação de tais propósitos. Com a Proclamação da República, a ordem social se estabeleceu com base nos autênticos valores capi- talistas, entre eles a competitividade e a lucratividade, de modo semelhante à 38 atuação da aristocracia durante o Império. Nesse contexto, sobressaíram duas nações: a “nação concreta ou real” e a “nação minoritária ou privilegiada”. Sobre este aspecto destacamos a contribuição de Fernandes (2005): [...] a Primeira República preservou as condições que permitiam, sob o Impé- rio, a coexistência de “duas nações”, a que se incorporava à ordem civil (a rala minoria, que realmente constituía uma “nação de mais iguais”), e a que estava dela excluída, de modo parcial ou total (a grande maioria, de quatro quintos ou mais, que constituía a “nação real”) (FERNANDES, 2005, p. 242). A República Velha, também denominada Primeira República, velha no sentido da manutenção da estrutura de privilégios da fase imperial, ao excluir principalmente os analfabetos do exercício dos direitos políticos, acabava por assumir a configuração de um Estado “liberal” republicano, que se afastava da titularidade na promoção dos direitos sociais. Portanto, distanciava-se da edu- cação, tão necessária e essencial como mecanismo de inclusão da massa de analfabetos à possibilidade do voto, ao exercício da cidadania. O que noto aqui é que a teoria liberal se justifica a partir dos interesses das potências esta- tais hegemônicas do referido período histórico, um período de aprimoramen- to do capitalismo industrial. É possível relacionarmos o processo de construção da República com o consequente rompimento formal entre o Estado e a Igreja, com o avanço do capitalismo agroindustrial, com a propagação do ideário liberal e, por conse- guinte, com a ausência do Estado brasileiro no campo da promoção dos direi- tos sociais, especialmente no campo educacional, justificando a tese dos “dois brasis”, fortalecida no final da Primeira República. O que observo é uma coa- lização de forças políticas internas e da ordem hegemônica internacional, sen- do que as mudanças políticas advindas da República não aconteciam isolada- mente, mas faziam parte de uma conjuntura liderada pelos países imperialis- tas naquele momento histórico específico. Esses exigiam o desenvolvimento da industrialização em escala global. Resta claro que, durante a Primeira República, em termos legais, a edu- cação não era uma prioridade do Estado federalista brasileiro. Fazendo men- ção ao texto constitucional, apenas o ensino secundário e o ensino superior eram tratados como tal, não havendo qualquer referência à educação funda- mental. O texto reservava maior destaque aos direitos civis do que aos direitos sociais. De acordo com os autores Carlos Roberto Jamil Cury, José Silvério Baía Horta e Osmar Fávero: [...] sob o ímpeto de um Estado federativo e não interventor nas relações contratuais e acalentando as ilusões de uma generalizada “sociedade de (in- divíduos) iguais”, a educação escolar primária sequer conseguiu avocar para PIRES, D. de O. • O histórico da relação público-privado e a formação do Estado Nacional 39 Diálogos sobre as redefinições no papel do Estado e nas fronteiras entre o público e o privado na educação si, ou melhor, reinscrever o princípio da gratuidade, tal como rezava a Cons- tituição Imperial de 1824 (CURY; HORTA; FÁVERO, 2005, p. 06). Entre o prescrito e o real, entre o legal e o material existia um profundo distanciamento em termos histórico-educacionais no Brasil. Quando me pro- pus a analisar o histórico da relação público-privado no Brasil, especialmente na etapa inicial da instauração da República, inferi haver muitos interesses em disputa, que acabaram redefinindo as fronteiras desta relação. Neste período, vislumbra-se um esforço para a construção da esfera pública, e a educação como parte deste processo sofre as consequências, pois ela é declarada públi- ca, mas não existe a contrapartida em termos de financiamento, acesso e difu- são, abrindo espaço para os interesses privados, ou ainda, para a ação privada e a influência católica, no qual se afigura uma espécie de continuísmo,
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