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1/1 Antecedentes históricos do Pós-Impressionismo e do Expressionismo Períodos de crise parecem ter produzido artistas que canalizaram as ansiedades de seu tempo para as suas obras. No Renascimento admitiu-se a personalidade do artista como fator determinante do caráter de uma obra de arte. Desde então a arte passou a funcionar como um modo de autorrevelação. No contexto do individualismo moderno, exarcebado com o desenvolvimento do capitalismo industrial, tal postura foi levada a extremos, com o surgimento do conceito de Expressionismo no início do século XX. Mas a única inovação verdadeira que o Expressionismo moderno apresentou foi a descoberta de que composições abstratas eram tão efetivas quanto quadros temáticos e figurativos. Percebeu-se que o tema, tendo servido como veículo para gestos expressivos, podia ser inteiramente abandonado. Compreendeu-se que o poder expressivo de cores e formas, de pinceladas e textura, de tamanho e escala, era mais do que suficiente para representar a manifestação artística. Este último desdobramento foi estimulado pela consciência crescente dos artistas, desde o começo do século XIX, de que a música possuía um caráter direto de impacto. Esse argumento foi usado por Kandinsky quando apresentou seus primeiros trabalhos abstratos por volta de 1910. Surgiu então na arte uma forma de criação que comunicava sem o auxílio da narrativa ou da descrição, sem mesmo qualquer recurso a reflexos associativos. O Romantismo havia permitido uma crescente consciência, muitas vezes impelida pelo nacionalismo, da liberdade desfrutada por artistas extra- acadêmicos de séculos anteriores. Alguns deles puderam ser considerados heroicos precursores, oferecendo tradições alternativas às das academias. Na Alemanha, a arte de Dürer e Bosch é marcada por qualidades expressionistas e, sobretudo, por uma ansiedade apocalíptica que ainda seduz fortemente em nosso século. Grünewald, contemporâneo desses artistas e autor do famoso Retábulo de Isenheim (cerca de 1515), inspirou admiração e imitação direta no século XX. Um livro publicado em Munique, em 1918, e intitulado Miniaturas Expressionistas da Idade Média Alemã, recuou ainda mais no tempo, oferecendo iluminuras alemãs dos séculos VIII ao XV, como exemplos para os modernos expressionistas e seu público. O público alemão podia dispor, no começo do século passado, de um volume crescente de literatura sobre arte popular, arte não-europeia, muitos exemplos de arte primitiva, arte infantil e arte de loucos, tudo isso familiarizando os leitores com alternativas ao idealismo clássico. Identificando o romântico (e consequentemente o Expressionismo descendente dele) com a vocação alemã. Mas até mesmo as tradições da arte ocidental, centradas no classicismo e alimentadas pela Itália e França, continham elementos que influenciaram o Expressionismo. Na Itália, a tradição veneziana de iluminação espetacular, cores opulentas e pinceladas individuais era, em certa medida, uma tradição expressionista. Dela derivaram pintores como El Greco, cuja fama extrema data do início do século 2/3 XX (foi reabilitado, com a valorização do Expressionismo. No período de predomínio do estilo neoclássico ele tinha sido “esquecido”. É um exemplo de revisão da História da Arte), bem como Rembrandt. Mesmo na Itália central, onde a teoria clássica havia sido fundada e de onde se propagou no sistema de academias de arte (como visto na aula 2), o ímpeto pessoal que tinha levado Michelangelo à veemência e à distorção foi imitado por gerações artísticas posteriores. Ambos os exemplos, dos meios pictóricos sobrecarregados e da distorção figurativa e de composição, foram fundamentais para o Expressionismo moderno. O barroco estava interessado na reação do público. Na medida em que, a serviço da Igreja ou da Coroa, a arte pretendia reafirmar a fé e a lealdade, métodos expressionistas foram usados para fins impessoais. A eficácia especial da obra de arte compósita (por exemplo, nas Igrejas em que estátuas são colocadas em nichos específicos para receber a luz, e cercadas de complexas decorações), na qual muitas artes colaboravam para um só fim, foi explorada pelo barroco sob formas plásticas que puderam ser transmitidas aos séculos subsequentes. Mas também foi uma era de grandes artistas individuais (como Velásquez e Rembrandt). As qualidades francamente emocionais da arte de Rubens fizeram dele um modelo ideal que se opôs aos cânones visuais do classicismo, convertendo-o em um modelo de pintor modernista. Em contrapartida, ao romper com o catolicismo durante o predomínio desse estilo, a escola holandesa (que se tornou protestante como a Inglaterra) desenvolveu novos tipos de pintura sem o auxílio do prestígio acadêmico. Seu interesse em uma temática de “baixo conteúdo” — como a paisagem e a natureza-morta — representou um importante fator na exploração que o século XIX fez da expressão. O uso que Rembrandt fez da cor, do chiaroscuro (claro/escuro) e do pincel, da linha e do contraste, em seus desenhos e águas- fortes, foi subjetivo em um grau sem precedentes. Já em torno de 1800, quando sua fama aumentou, ele passou a ser identificado como um grande paladino moderno. O Iluminismo do século XVIII valorizava a ordem acima do indivíduo, mas tal fato foi invertido com o advento do Romantismo. Goya, Blake e Delacroix parecem ter colaborado em uma campanha de introspecção e de questionamento social, que redefiniu todos os campos da arte. Em Turner, tal introspecção combinou-se com um amor às energias da natureza e às energias da tinta na tela. O conceito moderno de criação artística estava, então, enraizado em forças pessoais e suprapessoais inconscientes, surgindo daí uma convenção paradoxal de que o individualismo irrestrito podia produzir verdades universais. O próprio classicismo foi transformado e restabelecido de forma intencional por David, tornando-se cada vez mais abstrato. Foi no classicismo de Ingres e não no romantismo barroco de Delacroix que o primitivismo fez sua primeira contribuição estilística importante. O Romantismo do final do século XIX transformou-se na base imediata do Expressionismo moderno. A rejeição da civilização europeia por Paul Gauguin e 3/3 sua celebração de uma existência alternativa em forma e cor emocionais; o uso de imagens alucinatórias por Edvard Munch, através das quais o artista emprestava forma pública às suas angústias pessoais; a controlada, porém apaixonada, deformação da natureza por Vincent van Gogh, e a intensificação da cor natural, a fim de criar uma “arte comunicativa”, foram os modelos imediatos para os pintores do século XX, que buscavam meios expressivos. O exemplo de Auguste Rodin, que pôde transmitir a pura emoção através das superfícies e poses forçadas das figuras, revelou uma fonte de inspiração semelhante para a escultura moderna. A máquina fotográfica havia feito do naturalismo puro e simples um lugar- comum. A art nouveau, na virada do século, tomou notáveis liberdades com as aparências normais, a fim de explorar as possibilidades tanto expressivas quanto decorativas do traço, da cor e da forma, enquanto os psicólogos tentavam explicar como os estados mentais humanos reagiam a tais elementos. Novas inspirações derivaram, finalmente, do universo poético e filosófico dos livros de Dostoiévski, das peças de Ibsen e Strindberg, da visão de Nietzsche sobre um mundo sem Deus e dos movimentos místicos dos últimos cem anos, em especial, da teosofia de Rudolf Steiner.
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