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9
O que entendemos por “trabalhar em Análise do discurso”?
Bruno Deusdará
Décio Rocha
 
Introdução
A opção por trabalhar em Análise do discurso supõe do pesquisador, já desde 
as primeiras etapas de sua formação, uma tomada de posição frente ao campo 
disciplinar no qual pretende se inscrever, em um processo realizado por meio do 
reconhecimento da diversidade de suas orientações teóricas e dos conceitos de 
base, dos procedimentos analíticos, dos percursos metodológicos, das interfaces 
com disciplinas afins. 
Para os analistas do discurso, essa tarefa não é simples, uma vez que diversos 
são os roteiros que viabilizam tal mapeamento. Mesmo que, por uma orientação 
epistemológica de viés arqueológico1, se possa supor que os campos disciplinares se 
constituem mais por descontinuidades e rupturas do que continuidades e tradições, 
é preciso avançar um pouco mais e reconhecer que, no caso da Análise do discurso, 
sua emergência e configuração como “campo” se dá a partir de gestos diversos, que 
tornam especialmente distinta essa tarefa. No verbete “análise do discurso”, por 
exemplo, redigido por D. Maingueneau (2004), manifesta-se um índice da referida 
diversidade:
É difícil retraçar a história da análise do discurso, pois não se pode fazê-
la depender de um ato fundador, já que ela resulta, ao mesmo tempo, da 
convergência de correntes recentes e da renovação da prática de estudos 
muito antigos de textos (retóricos, filológicos ou hermenêuticos) 
(MAINGUENEAU, 2004, p. 43)
1 Com base em Foucault (1972), a perspectiva arqueológica se interessa pela condição de produção dos 
enunciados, buscando dar conta da dispersão do discurso em conjuntos de formações discursivas. Para 
tal, volta-se para a explicitação das relações entre enunciados e entre enunciados e acontecimentos não 
discursivos. Como analítica da produção de saberes de diversas ordens, o método arqueológico se volta 
para as lutas que os discursos travam pelo poder, promovendo o surgimento de certos objetos (e não de 
outros) e de posições legitimadas de sujeito. Desse modo, desnaturalizando o olhar sobre o cotidiano, 
a arqueologia cumpre uma função libertadora ao permitir a produção de novas apreensões do mundo.
10
A nosso ver, a impossibilidade apontada no verbete ressalta um outro 
aspecto interessante: a constituição de um campo de pesquisa marcado por 
gestos variados de contestação e deslocamento. Tal aspecto parece ensejar modos 
diversos de apresentação do percurso histórico e de propostas de organização do 
campo, a partir da variedade de experiências que acabam por reivindicar um mesmo 
rótulo. O próprio Dicionário chega a mencionar uma “Escola francesa da análise do 
discurso”, recuperando designação ainda em uso entre nós como modo de apontar 
uma certa circunscrição.
Se, em momentos anteriores, designações como “escola francesa” e “escola 
anglo-saxã” foram razoavelmente suficientes para a diferenciação de percursos 
discursivos, fornecendo pistas de uma dada inscrição teórica, de afinidades em 
relação à temática e às maneiras de constituir o objeto, hoje essas designações 
parecem não mais recobrir a diversidade de iniciativas e, principalmente, dos 
cruzamentos teórico-metodológicos que vêm sendo experimentados. 
Não podemos mais apostar na capacidade discriminadora de todos esses 
rótulos. Seu poder de diferenciação tornou-se insuficiente. Preferimos, como 
discursivistas, investir no debate de princípios que reivindicamos como definidores 
de uma opção ético-política que fazemos no tratamento das práticas linguageiras, e 
é a tal debate que se destina o presente capítulo. 
1. Um trabalho preliminar
Iniciamos nosso trabalho de explicitação das pistas de reconhecimento 
do campo dos estudos discursivos por meio de duas discussões particularmente 
significativas: em 1.1, o debate a respeito das fronteiras entre o uso corrente e o 
técnico de “discurso” e, em 1.2, uma discussão acerca do rótulo “análise do discurso”.
1.1 “Nunca tinha feito um discurso antes”
Um primeiro movimento em direção ao trabalho em Análise do discurso 
implica reconhecer que “discurso” é também uma palavra comum da língua 
portuguesa e que, para empregá-la como conceito, é preciso promover deslocamentos 
e problematizar aspectos que permanecem neutralizados em seus usos comuns. 
Na verdade, trata-se de uma palavra cuja acepção se costuma opor à ideia de ação, 
quando pejorativamente se diz: “isso é só discurso, quero ver a prática!”.
A distinção, operada pelo senso comum, entre discurso e prática tem merecido 
uma constante problematização da área, tal como veremos a seguir. Essa distinção 
tem consequências diversas na reiteração de certas ideias do senso comum. Uma 
dessas ideias é a de poder, concebida, nesse caso, de modo formalista e restritivo. 
Para apresentar essa discussão, o título escolhido para esta seção remete 
ao pronunciamento de uma estudante do ensino médio da rede pública estadual 
11
do Paraná em defesa do movimento de ocupação de unidades escolares como 
protesto contra as medidas anunciadas na vigência do governo Temer por Bezerra 
Filho, ministro da Educação e administrador de empresas por formação. Esse 
pronunciamento, realizado pelos estudantes daquela rede em outubro de 2016, 
foi apresentado, em discurso relatado, por matéria jornalística2 que promoveu sua 
repercussão. 
No enunciado proferido pela estudante, o item lexical “discurso”, empregado 
como palavra comum da língua portuguesa, atualiza alguns dos traços semânticos 
que são recorrentes nesse tipo de emprego, e o destaque conferido pela matéria 
jornalística ao referido trecho de sua fala reforça esses traços. Para ilustrar o que 
afirmamos, destacamos dois implícitos que, a nosso ver, sustentam esse tipo de 
emprego: i) é possível viver sem “fazer discurso”; ii) “faz-se discurso” em condições 
específicas. Como se observa, tais implícitos não só desqualificam a produção de 
linguagem inscrita em diversos contextos da vida social, como parecem também 
implicar que apenas alguns dos atores sociais estariam legitimados a tais usos. 
Formulados desse modo, os implícitos ressaltam um aspecto que será problematizado 
pelas diferentes definições da área: supõem-se contornos restritivos ao exercício 
dos “discursos”. Nesses usos correntes, estariam subjacentes elementos de uma 
concepção formalista e restritiva de poder com a qual não desejamos nos alinhar: o 
poder como ação privativa de certos espaços institucionais e como posse de alguns 
(seletos) atores sociais, legitimados por sua inscrição nesses espaços. 
Um segundo aspecto destacado é o recorte elaborado pelo enunciador 
jornalista. Tal recorte promove como efeito a secundarização da menção ao eco de 
outros textos no pronunciamento da estudante. 
Para uma contextualização do que dizemos, expomos a seguir um trecho da 
reportagem:
A estudante afirmou que nunca havia feito um discurso antes e que não 
esperava a repercussão - e disse inclusive ter decidido desativar temporariamente 
sua conta no Facebook por medo de ataque de hackers.
“Está um pouco tenso porque eu não estava preparada para isso. Fiquei 
sabendo um dia antes e não tive uma grande preparação, separei o que 
já tínhamos falado na ocupação, dividi em tópicos e fui no improviso”, 
contou a jovem.
Mesmo sem experiência na tribuna e com a voz embargada - “minhas 
pernas tremiam” - Ana Júlia falou com firmeza. Seu discurso não só virou 
um sucesso nas redes sociais, como também repercutiu na imprensa 
nacional e internacional.
2  http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2016/10/nunca-tinha-feito-um-discurso-ae-que-viralizou-
ao-defender-ocupacao-de-escolas-no-parana.html 
12
Como se percebe,a indicação de que o pronunciamento realizado pela 
estudante é obra coletiva ganha pouca visibilidade no relato fornecido pelo jornalista. 
Observe-se o seguinte trecho: “não tive uma grande preparação, separei o que já 
tínhamos falado na ocupação, dividi em tópicos e fui no improviso”. Aqui se explicita 
o que, para analistas do discurso, é um princípio teórico: todo texto se constitui a 
partir do vínculo indissolúvel com outros textos – princípio do interdiscurso. 
Mas algo mais se diz aqui, pois o pronunciamento evidencia a inscrição da 
locutora em um coletivo: o dos estudantes-em-ocupação. Trata-se de um vínculo 
que se realiza pela própria exposição da palavra pública. Pensada desse modo, 
outra concepção de poder emerge: a indissolubilidade entre falar e reivindicar o 
pertencimento a um coletivo que se constrói, entre outros aspectos, pelo próprio 
exercício da palavra, uma imanência entre dizer e fazer ver um território no qual se 
habita enquanto se fala. 
Sob a referida ótica e contrariamente às expectativas do senso comum, talvez 
o discurso não esteja tão distante de uma prática quanto se imagina. Com efeito, o que 
a estudante fazia naquele momento na Assembleia Legislativa do Paraná era muito 
mais do que mera “exposição verbal sobre determinado assunto”, “alocução que 
tem o poder de ludibriar aqueles a quem restou apenas a possibilidade de receber 
mensagens”, como regularmente se define “discurso” no senso comum. De fato, 
quem sobe à tribuna de uma casa legislativa e, diante de um público multifacetado, 
toma partido em matéria tão polêmica está inevitavelmente fadado a ... provocar 
efeitos importantes, exibindo as alianças que promove, e também as que rejeita. E 
não foi outra coisa o que aconteceu: quem não estava acostumada a fazer “discurso” 
(situação formal de fala pública sobre um tema em geral controverso) acabou 
efetivamente atualizando uma prática discursiva (termo que deve ser apreendido 
como conceito, conforme veremos adiante) das mais relevantes naquele momento. 
Explicamo-nos: o pronunciamento daquela estudante teve efeitos muito visíveis, 
como o comprovam posteriores reações de usuários das redes sociais, telefonemas 
e pronunciamentos de autoridades diversas, uma estrondosa repercussão na mídia 
nacional e internacional, a atitude do MBL ao cobrar a liberação das escolas, enfim, 
manifestações de toda a sociedade que acompanhou o evento. Eis por que nos 
referimos aqui a uma “prática discursiva”:
... falaremos de prática discursiva para designar esta reversibilidade 
essencial entre as duas faces, social e textual, do discurso. Assim 
procedendo, reformulamos um termo de Michel Foucault, que o utiliza 
para referir-se ao sistema que ... regula a dispersão dos lugares 
institucionais passí�veis de serem ocupados por um sujeito de enunciação. 
Aqui ver-se-á, de preferência, um processo de organização que estrutura 
ao mesmo tempo as duas vertentes do discurso. A noção de “prática 
discursiva” integra, pois, estes dois elementos: por um lado, a formação 
discursiva, por outro, o que chamaremos de comunidade discursiva, isto 
13
é, o grupo ou a organização de grupos no interior dos quais são 
produzidos, gerados os textos que dependem da formação discursiva. 
(MAINGUENEAU, 1989, p. 56)
Como se percebe, a formulação de um conceito como o de prática discursiva 
tem o mérito de afastar qualquer confusão entre discurso e prática, por um lado, e, 
por outro, entre discurso e texto. A produtividade do conceito tem-se revelado em 
muitas pesquisas, mas ainda de modo insuficiente, como procuraremos argumentar 
em 3.4, na discussão que fazemos a respeito da produção de um córpus. 
1.2 Análises do Discurso e análise do discurso de/sobre x
Mencionamos anteriormente a diversidade de “análises do discurso”, mas 
cabe agora retomar com mais precisão o tema, pois, na realidade, tal diversidade 
é bem mais restrita do que se poderia supor. Há, com efeito, um determinado uso 
de “análise do discurso” que apenas em aparência diria necessariamente respeito 
a uma abordagem discursiva de fenômenos linguageiros – fosse essa abordagem 
discursiva qual fosse –, como se pode constatar ao cotejarmos os dois grupos de 
sintagmas a seguir:
(i) “análise do discurso francesa”, “análise do discurso brasileira”;
(ii)“análise do discurso jornalístico”, “análise do discurso francês sobre os 
refugiados”. 
Estamos convencidos de que apenas as formas do grupo (i) dizem respeito 
ao que denominamos “Análise do discurso”, e isto porque, nas expressões do grupo 
(ii), “análise do discurso” não é, conforme buscaremos demonstrar, um constituinte 
intermediário dos sintagmas maiores. Com o apoio de algumas lições deixadas pelo 
descritivismo linguístico norte-americano, procedemos a seguir a um breve exame 
de um sintagma de cada grupo, de modo a verificar se suas estruturas hierárquicas 
sempre preveem a presença do constituinte “análise do discurso”. Para tal fim, 
recorremos ao procedimento de parentetização: 
(i) [[[análise d[o discurso]] francesa]
(ii) [análise d[o discurso francês sobre [os refugiados]]]
Como se percebe, as hierarquias evidenciadas em (i) e (ii) revelam uma 
importante diferença estrutural. Em (i), um primeiro nível de constituição de 
sintagma pode ser identificado em “o discurso”; um segundo nível permite-nos 
apreender o sintagma “análise do discurso”, e somente em um terceiro nível 
hierárquico chegaríamos ao elemento que funciona como qualificador do sintagma 
formado no nível anterior, ou seja, é essa “análise do discurso” que se caracteriza 
como francesa (razão pela qual se encontra a forma feminina do adjetivo – “francesa” 
–, concordando com “análise”, que é o núcleo do sintagma formado anteriormente). 
Já em (ii), “o discurso francês sobre os refugiados” é um sintagma no qual “francês”, 
14
no masculino, só pode se referir a “discurso”, termo que acaba, então coincidindo 
com “alocução”, “reunião de textos produzidos a respeito dos refugiados”, para, num 
último nível, se falar da análise (isto é, o estudo, a investigação) dos textos proferidos 
sobre o referido tema. Não se tem, portanto, neste caso, o constituinte “análise do 
discurso” em nenhum dos níveis hierárquicos intermediários de formação do 
sintagma maior.
Por essa razão, restringiremos o campo das diferentes Análises do discurso 
(que, como disciplina, preferimos grafar com letra maiúscula), caracterizando-as 
como aquelas cuja estrutura hierárquica é a apontada no grupo (i)3. Quanto aos 
que anunciam um trabalho de análise de um dado tipo de discurso, característico do 
grupo (ii), várias serão as escolhas teóricas que poderão ser feitas para tal fim, visto 
que a(s) Análise(s) do discurso nunca pretenderam ter o monopólio do trabalho de 
leitura dos textos.
2. Quem trabalha com o discurso?
Fizemos referência à polissemia de “discurso” e mesmo à diversidade de 
“análises do discurso”. Por certo não se sustentou o projeto traçado por Z. Harris 
de instituir uma – e só uma – “Discourse Analysis” em 1952, em artigo publicado 
na revista Language que, mais tarde, em 1969, integrou o volume 13 da revista 
Langages, organizado por J. Dubois e J. Sumpf. O referido volume de Langages 
trata de temas como enunciado e enunciação e coloca em foco o das tipologias 
dos discursos. Seus organizadores, em “Problemas da Análise do Discurso”, artigo 
que abre o volume, defendem ponto de vista sobre discurso que se aproxima da 
perspectiva de Harris: “a sequência de frases constitui o enunciado que se torna 
discurso quando se podem formular regras de encadeamento de sucessões de 
frases” (DUBOIS; SUMPF, 1969, p. 3).
Tal reflexão sobre discurso, baseada em uma lógica de encadeamentos 
subjacente aos textos, distancia-se do que ao mesmo tempo se produz na França em 
um ano como o de 1969, emblemático da pujança dos investimentos nos estudos 
discursivos: a Análise do discurso que qualificamos de francesa (ou pêcheutiana), a 
linha sociolinguística, os estudos foucaultianos do discurso.
Nãopretendemos aqui refazer o longo itinerário de significações de “discurso” 
ou das diversas “Análises do discurso”, uma vez que esse não é nosso objetivo, e 
também porque tal temática já foi suficientemente explorada em muitos outros 
trabalhos. Estaremos interessados em pensar a diversidade dos estudos voltados 
para o discurso a partir da população que os pratica, para retomar a designação 
3 Desse modo, incluiremos nessa categoria, independentemente de nossas opções teóricas, orientações 
tão diversas quanto a Análise do discurso francesa, a Análise pragmática do discurso, a Análise 
semiolinguística do discurso, a Análise crítica do discurso, a Análise do discurso ecológica, a Análise 
positiva do discurso, etc.
15
utilizada por Maingueneau (2012, 2015). A razão de tal escolha prende-se a reflexões 
que consideramos necessárias ao tema e que não foram abordadas pelo autor.
Para tal fim, será importante proceder a um contraponto entre o que o autor 
discute no artigo de 2012, intitulado “Que cherchent les AD?”4, e no livro Discurso e 
Análise do Discurso, editado na França em 2014 (e, no Brasil, em 2015), para situar 
o debate sobre “análise do discurso” e “estudos do discurso”. Em seguida, faremos a 
crítica a tais posições do autor e proporemos alguns pontos que deverão nortear a 
Análise do discurso que desejamos praticar.
Entendendo por discurso a articulação de textos e de lugares sociais, o autor 
propõe uma diferença entre os estudos do discurso e a Análise do Discurso:
Em minha própria perspectiva (Maingueneau, 1995), a análise do 
discurso é apenas uma das disciplinas dos estudos de discurso: retórica, 
sociolinguística, psicologia discursiva, análises da conversa, etc. 
Cada uma dessas disciplinas é governada por um interesse específico. 
(MAINGUENEAU, 2012, tradução nossa)
Cotejando as referidas obras, percebe-se uma diferença no que concerne ao 
problema da tipologia dos discursivistas proposta pelo autor. Com efeito, no artigo 
de 2012, os discursivistas são divididos em 3 blocos (ou “populações”, como prefere 
o autor): 
no primeiro incluem-se os pesquisadores cuja perspectiva é de ordem 
“parafilosófica”. Os temas preferidos dos estudos aí desenvolvidos por pesquisadores 
ligados aos “cultural studies” são “a diferença sexual, a subjetividade, o poder, a 
escritura, a dissidência” (MAINGUENEAU, 2012); as análises então oferecidas por 
essa perspectiva centram-se em teses de caráter geral sobre o discurso, que acabam 
sendo apenas ilustradas por meio da análise do funcionamento dos textos;
no segundo grupo de discursivistas, o autor inclui aqueles que utilizam 
a análise do discurso como “método qualitativo” ao qual se recorreria como 
instrumento a serviço das ciências humanas e sociais para o tratamento de um 
córpus5. Para este segundo grupo, o discurso oferece índices que permitirão ao 
pesquisador o acesso a “realidades” situadas fora da linguagem. O grande risco de 
tal posição frente à análise do discurso é “apagar ou, pelo menos, atenuar a fronteira 
entre o estudo do discurso e a ‘análise do conteúdo’6 ..., que propõe técnicas para 
4 Argumentation et Analyse du Discours, 9, 2012.
5 Conforme vimos defendendo, pensamos convir insistir na grafia córpus, que usamos tanto no singular 
como no plural, regularizando uma forma que, por seu largo uso nos estudos linguísticos, já nos parece 
merecer ser reconhecida em língua portuguesa. 
6 Sobre a distância entre análise do conteúdo e Análise do discurso, remetemos o leitor a Rocha e Deus-
dará (2017).
16
extrair informação de documentos, mas não leva em consideração sua estruturação 
linguística” (MAINGUENEAU, 2012). Segundo o autor, este é o grupo mais numeroso 
de discursivistas;
. o terceiro e último grupo, assentado mais solidamente nas ciências da 
linguagem, busca um “equilíbrio entre a reflexão sobre o funcionamento 
do discurso e a compreensão de fenômenos de ordem sócio-histórica ou 
psicológica” (MAINGUENEAU, 2012). 
Em Discurso e Análise do Discurso, o autor apresenta um panorama dos 
discursivistas ligeiramente modificado. Com efeito, em Maingueneau (2015), no 
subitem 2.3, intitulado “Teoria do discurso e análise do discurso”, o autor apresenta 
dois grandes grupos de discursivistas: aqueles que trabalham com a teoria do 
discurso, numa mescla de “preocupações advindas do pós-estruturalismo, dos 
‘cultural studies’ e do construtivismo”, e questionam os pressupostos das ciências 
humanas e sociais, por um lado; por outro, aqueles que são analistas – o itálico é do 
próprio autor – do discurso, ou seja, os que estudam diferentes córpus e, por essa 
razão, constituem o interesse dos estudos do autor na referida obra. Esse segundo 
grupo de discursivistas é, então, subdividido em dois subgrupos: (i) aqueles para 
os quais a análise do discurso é uma caixa de ferramentas no vasto conjunto dos 
“métodos qualitativos” das ciências humanas e sociais (grupo coincidente com o 
segundo grupo apresentado no artigo anterior); (ii) aqueles que o autor denomina 
“analistas do discurso canônicos” (grupo que corresponde ao terceiro grupo do 
artigo anterior).
A rearrumação do campo proposta pelo autor denuncia, ainda que sem 
o explicitar, o claro privilégio da natureza e do tipo de relação mantida com um 
córpus específico, tanto para promover a separação entre os dois grupos, quanto 
para proceder à subdivisão interna do segundo grupo. O referido critério, porém, 
parece, antes, cumprir a função de elidir um mapa da área que produziria um efeito 
indesejável: o de apartar em excesso um território disciplinar em torno da linguagem 
de outras áreas conexas, cujo intercâmbio conceitual se mostrou indispensável 
desde os primeiros gestos de uma perspectiva discursiva.
3. A Análise do discurso que desejamos praticar
Na primeira seção deste trabalho, interrogamos as operações promovidas 
pelo senso comum na atribuição de sentido a “discurso”, afirmando nossa opção pela 
indissociabilidade entre produção de textos e prática social, e demonstramos usos 
distintos para o rótulo “análise do discurso”, enfatizando que, em suas ocorrências, 
nem sempre se remete à diversidade das Análises do discurso. Na segunda seção, 
recuperamos uma proposta de desenho do campo que privilegia o córpus como 
17
critério para a delimitação da área. Entendemos que tal critério é insuficiente por 
fazer ver uma circunscrição restrita da Análise do discurso ao campo disciplinar dos 
estudos da linguagem. 
Nesta seção, nossa reflexão estará voltada para a opção que fazemos de 
intensificar o diálogo com a categoria de discursivistas interessados por uma teoria do 
discurso, conforme enuncia Maingueneau, por razões que apresentaremos à frente. 
Também tematizaremos duas questões relevantes do ponto de vista metodológico, 
referentes à produção de um córpus e à eleição de entrada(s) linguística(s) de leitura 
do córpus produzido, que costumam constituir verdadeiros impasses no trabalho de 
análise. Finalmente, buscaremos sintetizar o tipo de inscrição que reivindicamos no 
campo nos estudos do discurso.
3.1 Da necessidade de uma teorização plural
Iniciamos nossas considerações a respeito da tipologia de discursivistas 
proposta por Maingueneau por uma crítica à posição que consiste em isolar os 
de preocupação “parafilosófica”, interessados por uma “teoria do discurso”, para 
centrar a atenção nos que são apresentados como (verdadeiros?) “analistas do 
discurso”, aqueles que trabalham com um córpus, como diz o autor. No primeiro 
grupo, Maingueneau cita os nomes de M. Foucault, J. Butler, G. C. Spivak, E. Laclau, C. 
Mouffe, M. Pêcheux e J. Habermas, além de mencionar a influência de L. Althusser e 
J. Lacan.
Nossa reflexão incide aqui sobre o seguinte aspecto: os que se interessam por 
uma “teoria do discurso” são, coincidentemente, aqueles que têm proporcionado uma 
teorização, senão mais consistente, pelo menos mais diferenciada sobre inúmeros 
aspectos pertinentes a uma Análise do discurso. À lista de nomes mencionados 
pelo autorque acima transcrevemos acrescentamos, de nossa parte, minimamente 
os nomes de G. Simondon, G. Deleuze, F. Guattari, G. Agamben, B. Latour, por suas 
contribuições acerca do social e da subjetividade, tópicos que, dentre outros, não 
podem estar ausentes de um trabalho em Análise do discurso. 
Em relação a essa categorização em dois grandes grupos, entendemos que 
Maingueneau já defendeu posição mais “modalizada” e, por isso mesmo, a nosso ver, 
mais acertada, como é o caso, por exemplo, do texto do próprio verbete “Análise do 
discurso”, no Dicionário de Análise do Discurso: 
A análise do discurso, situada no cruzamento das ciências humanas, é muito 
instável. Há analistas do discurso antes de tudo sociólogos, outros, sobretudo 
linguistas, outros, antes de tudo psicólogos. A essas divisões acrescentam-se as 
divergências entre as múltiplas correntes. (MAINGUENEAU, 2004, p. 45)
Como se percebe, o rótulo “analistas do discurso” não é aqui reservado 
apenas “aos que trabalham com córpus”. Ainda que não entendamos como produtivo 
18
o fatiamento dos estudos do campo social, parece haver, por parte do autor, uma 
sensibilidade maior às necessárias interseções – e intercessões – entre considerações 
de ordem discursiva, sociológica, psicológica (e, acrescentamos, filosófica).
A esse respeito, cumpre observar que o que acima chamamos de “posição 
mais modalizada” do autor parece já estar presente no mesmo texto de 2015, em 
seu segundo capítulo, no subitem 2.2, intitulado “Fora da linguística”. Com efeito, se é 
categórica a posição defendida pelo autor em subitem posterior da mesma obra7, no 
sentido de excluir do campo dos analistas do discurso aqueles que buscam construir 
uma teoria do discurso, o próprio autor já havia reconhecido, em 2.2, o lugar 
decisivo das interações entre ciências da linguagem e ciências humanas e sociais no 
debate sobre as diferentes acepções de “discurso”. É nesse sentido que Maingueneau 
menciona, então, ao lado do interacionismo simbólico de Mead, ou do dialogismo 
de Bakhtin, muitos daqueles mesmos discursivistas que, posteriormente, serão 
excluídos do foco de sua atenção na referida obra (a exemplo de Foucault, Butler, 
Laclau e mesmo Deleuze, dentre outros).
O que ora desejamos enfatizar é que o trabalho daqueles que o autor inclui, 
no texto de 2015, na categoria dos que “estudam corpora” e que, por isso, são os 
que atraem o seu interesse (MAINGUENEAU, 2015, p. 32) incorre em uma tomada 
de posição, diríamos, paradoxal: são, ao mesmo tempo, excessivamente e não 
suficientemente articulados às ciências humanas e sociais. Um bom exemplo do que 
aqui dizemos pode ser localizado nos debates acerca do discurso político ou dos 
imaginários sociodiscursivos, em Charaudeau (2017), ou sobre ideologia e minorias, 
em trabalhos diversos de Van Dijk. Com efeito, nesses casos, é muito claramente 
assumida a contribuição de autores como Moscovici, Abric, Johnson-Laird, Eagleton, 
para citar apenas alguns nomes. Em contrapartida, estão sistematicamente ausentes 
de seus quadros teóricos e, diríamos mesmo, do quadro teórico da maioria de 
estudiosos da linguagem reflexões desenvolvidas por autores como Deleuze, 
Foucault, Simondon, Maturana, Varela, Nietzsche, Espinosa, que muito teriam a 
contribuir para os temas acima elencados e, certamente, para muitos outros. 
Somos da opinião de que é precisamente de uma reflexão mais diversificada 
que carecem os estudos da linguagem – uma diversificação que caracterizamos, 
grosso modo, como devendo incluir trabalhos assentados em uma filosofia da 
diferença, isto é, contribuições que não estejam confinadas à perspectiva da filosofia 
da representação. Esse tem sido o tipo de território ao qual vimos buscando 
dar consistência em nosso trabalho como discursivistas. Diante do que se tem 
apresentado como hegemônico no campo dos estudos linguageiros, parece-nos 
ainda distante a possibilidade de se atualizar esse novo posto de observação das 
práticas de uma sociedade a que se refere Maingueneau: 
7 Referimo-nos aqui ao subitem 2.3, intitulado “Teoria do discurso e análise do discurso”.
19
Os estudos de discurso aparecem como um campo de pesquisa que se 
alimenta de forças contraditórias, partilhado entre ... a vontade de 
delimitar um espaço específico e a de se deixar absorver pelas ciências 
humanas e sociais. Mas esse campo, por mais problemática que possa ser 
sua identidade, constitui um novo posto de observação das práticas de 
uma sociedade, um posto que modifica a forma pela qual apreendemos 
a linguagem, a subjetividade, a sociedade, o sentido. (MAINGUENEAU, 
2015, p. 181)
 3.2 Da produção do córpus de análise, ou “Já coletei 20 editoriais para 
minha pesquisa. Isso já basta?” 
Numa paródia da voz de muitos que se iniciam nas atividades de pesquisa, 
ilustramos, no título desta seção, um dos impasses recorrentes do trabalho com a 
Análise do discurso: como se chega à produção – e não mera coleta – de um córpus?
Com efeito, uma diferença que precisa ser levada em conta diz respeito 
à distância que separa a coleta de um córpus versus a produção de um córpus 
de pesquisa. Não se trata, aqui, de uma questão de quantidade de textos a serem 
analisados, e sim da assunção de uma atitude que reconheça que a ordem e a sucessão 
de enunciados efetivamente produzidos no mundo nada têm a ver com uma ordem 
do discurso, a qual já é uma hipótese de trabalho do analista e que, por isso mesmo, 
implica uma constante recomposição dos procedimentos de análise. Em outras 
palavras, quando se fala de “coleta de córpus”, naturaliza-se o material com o qual se 
pretende trabalhar, assumindo-se uma postura que, com algum humor, poderíamos 
denominar “extrativista”: o pesquisador vai a campo colher os enunciados que lhe 
parecerem mais adequados para uma atividade de análise, numa atitude que, como 
é bem característico das diferentes formas de extrativismo, apresenta muitos pontos 
em comum com uma ação predatória. Nessa orientação, o plano institucional a partir 
do qual os enunciados emergem como materialidade costuma ser “achatado” e 
“colado” à rotina de um mero funcionamento organizacional – diferença que, grosso 
modo, residiria na oposição entre o plano das formas organizacionais instituídas 
e o das relações institucionais de força agindo na produção de regras e valores. A 
descrição dos espaços e das rotinas teria, assim, a função de apartar a materialidade 
linguística do campo de forças institucionais em jogo, tornando-o ilusoriamente 
estável e exterior aos enunciados.
Deste modo, o que pretendemos evitar é o que muitas vezes se dá: o analista 
acaba se tornando um “colecionador de córpus”, em procedimentos que lembram a 
guarda de documentos de uma língua morta, quando o pesquisador-taxidermista 
20
se esforça por fazer parecer vivo algo que, na realidade, em decorrência da cisão 
operada entre discurso e instituição, foi reduzido à inércia de um simulacro de 
produção verbal 8. 
3.3 Dos procedimentos analíticos, ou “Eu quero trabalhar com ‘negação 
polêmica’ no meu córpus”
 Um outro problema que também merece reflexão é o da passagem de um 
quadro teórico definido para a delimitação dos procedimentos analíticos.
Se, por um lado, o emprego de dispositivos analíticos é uma das preocupações 
centrais de um trabalho de pesquisa em Análise do discurso, por outro, a sua 
eleição sem um prévio exercício exaustivo de leitura dos textos que compõem o 
córpus oferece muitos perigos. Entre os vários perigos, está o de se “comprimir” 
e “achatar” o processo de problematização dos recursos e procedimentos a 
partir dos quais se tornou dizível um certo conjunto de enunciados e uma certa 
configuração institucional. 
O que queremos dizer aqui é que uma etapa incontornável do trabalho 
é o exame das marcas – verbais e não verbais – presentes nos textos, etapa que 
pressupõe leituras sucessivas do material trabalhado. É preciso abrir espaço para 
uma sensibilidade que dirá, ao cabo de um certo tempo, qual a entrada linguísticamais promissora para a investigação pretendida. Essa sensibilidade caracteriza o 
trabalho do analista do discurso como o de um analista institucional9, para quem as 
marcas linguísticas operam como expressão de forças em jogo numa dada instituição. 
Afinal, a insistência em um determinado perfil de materialidade – a ênfase em dada 
estrutura sintática, em dado campo semântico, na retomada insistente de um tópico, 
na presença de enunciados negativos – parece nunca ser gratuita, apontando, via 
de regra para a produção de efeitos de sentidos significativos no material sob 
investigação, em articulação com uma dada espessura institucional.
 Contrariamente ao que ora propomos, a eleição prévia de uma entrada 
linguística promove a cisão entre a gênese teórica e a gênese social de um trabalho 
de análise, gerando conceitos definidos antes de qualquer análise, bem como 
textos produzidos antes de qualquer recorte do pesquisador. Trata-se de um outro 
modo de investir na ficção de objetividade científica, ou, em outras palavras, de 
uma pretensa neutralização das forças que vinculam o pesquisador e uma dada 
realidade institucional.
À guisa de exemplificação do que ora dizemos, lembremos pesquisas como a 
de Rodrigues (2002). Interessada no debate centrado em bilinguismo e educação de 
8 Sobre a distância entre texto e córpus, a reflexão feita por Maingueneau (2015, p. 39-41) também 
poderá ser útil ao leitor. 
9 Para um aprofundamento dos vínculos entre Análise do discurso e Análise institucional, remetemos o 
leitor a Rocha & Deusdará (2010, 2017).
21
surdos, a autora optou por trabalhar com a revista Espaço, importante publicação 
do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). Após o necessário trabalho de 
saturação de leituras, Rodrigues se dá conta da insistente presença de enunciados 
negativos nos artigos publicados, o que a faz levantar a hipótese de que o “não” 
deveria ser constitutivo daquele conjunto de textos. Sua intuição se vê confirmada 
quando uma análise da negação polêmica no córpus lhe permite a depreensão 
de 4 diferentes tipos de enunciadores, cuja presença foi relevante no debate 
sobre a surdez. 
Muitos outros casos poderiam aqui ser citados. De forma breve, apenas 
mencionaremos algumas poucas manifestações desses lugares de produção de 
efeitos de sentido assentados na materialidade linguística. Lugares tão diversificados 
quanto os que a seguir enumeramos: 
(i) um padrão sintático de formas, como em texto extraído da tirinha As 
Cobras (Jornal do Brasil, Caderno B de 25/10/1998): “O empresário honesto paga 
pelo corrupto. Isso não pode continuar. Tem que pagar para o corrupto”;
(ii) uma escolha lexical, como foi o caso da “cruzada contra o inimigo”, 
anunciada pelo presidente norte-americano, G. W. Bush, em setembro de 2001, 
para se referir à reação dos Estados Unidos frente à destruição do World Trade 
Center – uma escolha equivocada, uma vez que o termo “cruzada” ativava uma 
memória discursiva não de enfrentamento de atos terroristas, mas de combate ao 
mundo árabe10;
(iii) a captação de implícitos, como é o caso de alunos de uma instituição 
pública de ensino superior que, desejando saber de cada um de seus professores 
se dariam aula ou não durante uma greve, preferem perguntar “professor, você vai 
aderir à greve?”, formulação que lhes parece bem menos “ofensiva” do que “professor, 
você vai furar greve?”.
Como se percebe, a diversidade de entradas linguísticas tem o mérito de, em 
cada contexto específico, proporcionar o acesso a posicionamentos em embate, a 
um jogo de forças sócio-historicamente constituído e que ganha expressividade na 
espessura textual. Um trabalho de análise sustentado na indissociabilidade entre o 
discursivo e o institucional se caracteriza justamente por essa busca.
10 O incômodo causado pelo termo “cruzada” ficou registrado na imprensa: “Washington - O porta-voz 
da Casa Branca, Ari Fleischer, disse que o presidente dos EUA, George Bush, lamenta ter usado a palavra 
“cruzada” ao se referir à sua guerra contra o terrorismo, por causa das implicações históricas e religiosas. 
No domingo, Bush havia dito a repórteres que “esta cruzada contra o terrorismo vai durar algum tem-
po”. “Acho que, à medida que essa palavra tem conotações que irritariam alguns de nossos parceiros ou 
qualquer um no mundo, o presidente lamenta que qualquer coisa assim tenha sido implicada. O sentido 
de sua declaração foi o tradicional em inglês, de uma causa ampla”, disse Fleischer.” (Estadão.com.br – 
18/9/2001).
22
3.4 Do trabalho com um córpus em diálogo com uma prática social
Já nos pronunciamos nos itens anteriores sobre a distância entre coletar e 
produzir um córpus, e também sobre a delicada decisão de escolha de uma entrada 
linguística. Se dizemos que não se coleta um córpus como quem colhe flores 
em um campo, é porque os enunciados só têm interesse quando efetivamente 
funcionam como tais, isto é, quando apreendidos na qualidade de correlatos de 
uma comunidade que os produz e que, a seu turno, por intermédio desses mesmos 
enunciados, ganha concretude. O que aqui lembramos é precisamente a definição 
de prática discursiva, que não pode ser esquecida quando tratamos de produzir um 
córpus de pesquisa: não há como autonomizar os textos e deixar de considerá-los 
sob a ótica da comunidade discursiva que é a contrapartida desses textos, na medida 
em que em tal conjugação é que reside a possibilidade de definir uma certa ordem 
social que, no final das contas, constituirá o interesse maior de toda análise.
Pela definição de discurso que nos serve de apoio, segundo a qual se trabalha 
na interseção de texto(s) e de uma comunidade, entendemos que, ao lado dos textos 
que nos interessam, há uma comunidade que enuncia em um dado tempo, um dado 
espaço, perseguindo determinados fins, etc. Talvez esses textos nos interessem 
justamente em função da reversibilidade que se produz frente a essa mesma 
comunidade que lhes dá legitimidade e cuja existência eles tornam possível. Logo, 
com base em um córpus, mas também para além deste, nosso interesse precisa estar 
centrado fundamentalmente em agenciamentos: de que modo uma enunciação – 
sempre coletiva – encontra a materialidade de corpos que se agrupam em torno de 
enunciados produzidos.
Assumindo tal posição, talvez o principal para a caracterização do analista do 
discurso não seja exatamente o fato de serem “estudiosos de córpus”, como valoriza 
Maingueneau:
a maioria absoluta dos discursivistas não trabalha neste campo da 
teoria do discurso; são analistas do discurso, com auxílio de múltiplos 
métodos, estudiosos de corpus. São os que me interessam nesta obra. 
(MAINGUENEAU, 2015, p. 32)
Constituindo-se já como uma visada especial do analista em relação a 
textos que circulam na sociedade – tanto os textos que pré-existem à ação do 
pesquisador, quanto os que são recortados e transcritos para posterior consideração 
(MAINGUENEAU, 2015, p. 40) –, um córpus se legitima quando em correspondência 
com a ação de protagonistas de uma prática que justifique a urgência de novas 
leituras como dispositivo de intervenção – a intervenção de que é capaz o analista 
do discurso – em uma dada ordem social.
23
Conclusões (como se concluir fosse possível ...)
Encerramos este capítulo no qual buscamos pistas para refletir acerca das 
diversas modalidades de inscrição dos pesquisadores no campo das Análises 
do discurso. Nesse percurso, as pistas perseguidas caracterizam, a nosso ver, um 
duplo movimento: (i) interrogar o senso comum e as implicações com imperativos 
aprisionantes acerca do exercício da pesquisa; (ii) discutir as fronteiras que 
pretendem inscrever problemas em territórios disciplinares. 
O percurso realizado procurou recuperar textos de ampla circulação e 
enunciados que nos são dirigidos em nosso trabalho cotidiano de orientação. Em 
certo sentido, o acesso a esses textos acaba por reiterar, de maneira particularmente 
interessante, a noção de prática discursiva à qualbuscamos nos alinhar: a captação 
desses textos marca simultaneamente nosso pertencimento a um grupo de pesquisa 
que ora se organiza e reúne textos neste livro.
Sem dúvida, este é um trabalho que marca a parceria de mais de uma década 
de seus autores – recorremos a uma estranha 3ª pessoa para cindir provisoriamente 
a enunciação no plural. Remontamos, assim, às primeiras experiências de pesquisa 
compartilhada entre orientador e bolsista de Iniciação Científica, que buscavam 
mapear, na emergência histórica e conceitual da Análise do discurso, uma trajetória 
de rupturas com o conteudismo (ROCHA; DEUSDARÁ, 2005, 2006, DEUSDARÁ; 
ROCHA, 2006). Uma experiência que se estende ao momento atual, quando, lotados 
em um mesmo departamento e participando de uma mesma linha de pesquisa, 
reconhecemo-nos na função de pesquisadores e orientadores de monografias, 
teses e dissertações, numa trajetória que sustenta sua coerência no investimento 
em um trabalho sempre coletivo de formação de um grupo de pesquisa que vem 
assumindo, ao longo dos anos, configurações diversas em sua composição, em suas 
escolhas temáticas, nos diálogos com outros campos do saber. Dando consistência 
a esse investimento, temos a certeza de que, para além das hierarquias implícitas 
no encontro de professores e alunos, graduandos e pós-graduandos, formar um 
coletivo de trabalho implica, acima de tudo, acolher um constante questionamento a 
respeito dos investimentos profissionais, das crenças sobre o trabalho de pesquisa, 
das disponibilidades e dos talentos, sempre presentes.
Com isso, já quase ao final deste capítulo, uma questão parece atravessar toda 
a discussão que vimos desenvolvendo: a produção de grupo se realiza e se configura 
também pelas práticas de linguagem, o que reafirma nossa aposta em uma Análise 
do discurso como um campo de indagação da ordem sócio-histórica.
Em um último exercício de reflexão, parece-nos necessário fazer ver de que 
modo essa aposta multidisciplinar pode contribuir com uma indagação acerca de 
resquícios de noções cristalizadas, presentes no campo dos estudos linguísticos. 
Referimo-nos especialmente aqui a uma genérica noção de comunicação, muito 
24
regularmente presente nos debates centrados nas práticas linguageiras, como 
ocorre, por exemplo, quando Maingueneau, ao definir a população de analistas do 
discurso “canônicos” como aqueles que “se esforçam para manter um equilíbrio 
entre a reflexão sobre o funcionamento do discurso e a compreensão de fenômenos 
de ordem sócio-histórica ou psicológica”, explicita que tal equilíbrio consiste em 
“determinar de que maneira, em uma sociedade determinada, a ordem social se 
constrói por meio da comunicação” (MAINGUENEAU, 2015, p. 33). 
A esse respeito, apresentamos duas ordens de argumentos para deslocar 
a comunicação do lugar central que lhe designa o autor na construção do social, 
quando é grande o risco de uma excessiva dissociação entre o linguístico e o 
social, tal como se observa nas abordagens que se assentam em uma perspectiva 
fortemente representacional: por um lado, o linguístico é apenas um componente 
dentre outros a participar da construção de tal ordem social e seu coeficiente de 
transversalidade; por outro, em uma prática linguageira, a comunicação ou a 
informação são secundárias em relação à palavra de ordem. 
Nessas duas ordens de considerações, inspiramo-nos em conceitos oriundos 
da filosofia da diferença: transversalidade e palavra de ordem. Por transversalidade, 
Guattari busca superar dois impasses no nível do funcionamento institucional, 
a saber, “o de uma pura verticalidade e o de uma simples horizontalidade”. A 
hipótese que funda o referido conceito é a seguinte: “é possível modificar os 
diferentes coeficientes de transversalidade inconsciente nos diferentes níveis de 
uma instituição” (GUATTARI, 1987, p. 96). Como se vê, para o autor, a ordem social 
das hierarquias e dos especialismos que caracteriza, por exemplo, uma clínica 
psiquiátrica, pode ser apreendida, entre outros aspectos, pelo modo como os 
diferentes grupos tomam a palavra. Para ele, “a transversalidade no grupo é uma 
dimensão contrária e complementar às estruturas geradoras de hierarquização 
piramidal e dos modos de transmissão esterelizadores de mensagens” (GUATTARI, 
1987, p. 100).
Não parece difícil perceber a convergência entre o que se diz aqui e o que 
discutimos acima a respeito da relação imanente entre discurso e poder. Observe-
se como tal perspectiva abre contornos interessantes para a produção simultânea 
entre linguagem e ordem social:
... todo mundo está cansado de saber que o Estado não faz a lei em 
seus ministérios. Da mesma forma pode acontecer que num hospital 
psiquiátrico o poder de fato escape dos representantes patenteados da 
lei e se reparta entre diversos subgrupos: serviço, chefetes, ou – por que 
não? – clube inter-hospitalar, associação do pessoal, etc. (GUATTARI, 
1987, p. 97) 
25
A comunicação nunca é mera “transmissão de mensagens”, mas reiteração de 
palavras de ordem. Para Deleuze e Guattari, essa noção remete não a “uma categoria 
particular de enunciados explícitos (por exemplo, no imperativo)”, mas à “relação de 
qualquer palavra ou de qualquer enunciado com pressupostos implícitos, ou seja, 
com atos de fala que se realizam no enunciado, e que podem se realizar apenas nele” 
(DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 16). Longe de restringir o enunciado às informações 
que ele carrega, o que se deseja ressaltar é o modo como a circulação dos enunciados 
encontra-se indissoluvelmente implicada com os implícitos que agencia, favorecendo 
a emergência de mundos possíveis.
Os jornais, as notícias, procedem por redundância, pelo fato de nos dizerem 
o que é ‘necessário’ pensar, reter, esperar, etc. A linguagem não é informativa nem 
comunicativa, não é comunicação de informação, mas — o que é bastante diferente 
— transmissão de palavras de ordem, seja de um enunciado a um outro, seja no 
interior de cada enunciado, uma vez que um enunciado realiza um ato e que o ato se 
realiza no enunciado (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 17).
Para concluir com um exemplo bastante atual, recuperamos, em 3.3, dois 
enunciados que apenas aparentemente se equivaleriam: “professor, você vai aderir 
à greve?” e “professor, você vai furar greve?”. Antes mesmo de se obter algum tipo 
de informação a respeito da participação de docentes no movimento grevista, a 
preferência por um ou outro desses enunciados fornece pistas imprescindíveis para 
reflexões a respeito do modo como se vem contribuindo para instituir a relação entre 
professor-aluno (que solicitações se “autorizam” fazer?), a relação entre professores 
e os fóruns da categoria docente de uma dada universidade (que compromisso cada 
um de nós assume com a construção das decisões coletivas?), a aposta na fragilização 
de um coletivo de trabalho de base (que convocações para encontros em Unidades 
acadêmicas não são realizadas?). Como se vê, os enunciados a partir dos quais nos 
inscrevemos no mundo dão corpo a um conjunto bastante complexo de forças em 
jogo que podemos acessar por meio de sua materialidade, desde que não se perca de 
vista sua espessura institucional e não meramente comunicacional.
26
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