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Botulismo Introdução → • Clostridium botulinum; • Trata-se de um Bacilo Gram positivo, ana- eróbio (ambiente sem O • Esporulado: no meio-ambiente adquire essa forma para manter-se vivo; • É preciso assumir a forma vegetativa para produzir toxinas e ter repercussão no ser- humano; • Amplamente distribuído na natureza; • Encontra-se: - No solo; - Sedimento de lagos e mares; - Superfícies de legumes e vegetais, mel; - Intestinos de mamíferos, peixes e vísce- ras de crustáceos. → • Botulismo é uma doença não contagiosa (não é transmitida entre pessoas, apenas pela ingestão e transformação na forma ve- getativa) resultante da ação de uma potente neurotoxina proteica produzida pelo Clos- tridium botulinum; • É uma doença paralítica grave, causada pela liberação de neurotoxinas de alta leta- lidade, que deve ser considerada como uma emergência médica e de saúde pública. → • O botulismo foi primeiramente descrito na Alemanha, no século XVIII, após um surto associado à ingestão de salsicha de produ- ção doméstica (Botulus = salsicha); • No século XIX (1897), Émile Van Ermen- gem descreveu surto na Bélgica (consumo de presunto defumado). Isolou nesta época o bacilo e a toxina do tipo A; • Em 1943, foi descrito o botulismo por fe- rimento e em 1976, o botulismo infantil; • A partir de 1980, a toxina passou a ser usada como opção terapêutica em crianças com estrabismo paralítico; • Outras indicações: distonia cervical, ble- faroespasmo, mielomeningocele, nistagmo, distonia laríngea, dores e espasmos da mus- culatura facial e enxaqueca. → • As condições ideais para que a bactéria assuma a forma vegetativa, produtora de toxina são: - Anaerobiose; - pH alcalino ou próximo do neutro (em torno de 7 ou mais); - Temperatura entre 25°C a 37°C (entre- tanto, algumas cepas podem crescer em temperaturas < 4 °C); • Clostridium botulinum apenas se desen- volve em alimentos hermeticamente fecha- dos, onde não há oxigênio (ex: enlatados). → • A toxina é facilmente desnaturada pelas condições ambientes e é inativada: - Em 12 horas quando em suspensão no ar; - Em 1 a 3 horas pela luz solar; - Em 10 minutos, no mínimo, pelo aqueci- mento a 80°C; - Em poucos minutos a 100°C; - Durante 20 minutos no cloro (3mg/L). → • O esporo já não é termolábil como a to- xina. Necessita de altas temperaturas para inativação; • Os esporos são destruídos por: - Irradiação gama; - Autoclavação; Marianne Barone (15A) Infectologia – Prof. Mariana M. Dos S. Leal - > 120°C por 5 minutos; • A germinação é inibida por: - Refrigeração; - Congelamento; - Uso de acidulante (diminuição do pH); - Por uso de conservantes (nitrato de sódio); - Por substâncias hipertônicas, tais como uso de grande quantidade de sal (salgação) ou açúcar (geleia). Toxina botulínica • É uma exotoxina ativa (mais que a tetâ- nica), de ação neurotrópica (ação no sistema nervoso), e a única que tem a característica de ser letal por ingestão, comportando-se como um verdadeiro veneno; • São 8 no total: toxinas A, B, C, D, E, F, G, H (esta última descoberta em 2014); • As toxinas patogênicas para o homem: to- xinas A, B, E, F, G, H; • Toxina A, B e E são as mais frequentes; • É letal na dose de 0,09 a 0,15 mcg por via intravenosa ou 70 mcg por via oral num in- divíduo de 70 kg. → • Toxina é formada por 2 subunidades de polipeptídeos (cadeias A e B); • A cadeia A ou leve exerce seu efeito cito- tóxico, clivando as proteínas que formam o complexo de fusão sináptica (mediadoras da fusão da vesícula sináptica com a mem- brana terminal); • A cadeia B ou pesada liga-se aos recep- tores da membrana do axônio dos neurônios motores, penetrando por endocitose; • As vesículas sinápticas, carregadas de ace- tilcolina, encontram-se impedidas de reali- zar a fusão. Não haverá acetilcolina na junção neuromuscular, gerando paralisia da fibra muscular; • Esse mecanismo de interrupção da neuro- transmissão causa paralisia flácida dos nervos cranianos e da musculatura es- quelética; • Está na lista do CDC como uma das doen- ças mais importantes possíveis de bioterro- rismo. → • No Brasil se registraram casos nos anos 1995-2007 em conserva de palmito, patê de fígado e tofu em conserva (importação clan- destina da China); • Na China: conserva de feijão fermentado; conserva de tofu fermentado; • Nos EUA: conservas de vegetais (princi- palmente com pH alcalino) como feijão, ce- noura, milho e pimentão; • No Canadá: frutos do mar e ovas de peixe fermentados; • Ocorre sempre em conservas NÃO aque- cidas. Clostridium botulinum • Não se desenvolve em pH < 4,6 (ácido), uma das causas de surtos é a falta de acidez nas conservas; • Os esporos são muito resistentes ao calor, conservas não ácidas devem ser esteriliza- das (acima de 120°C). → • Ocorre no mundo todo, em geral conservas caseiras são os alimentos envolvidos. Muito raramente ocorre em conservas industriali- zadas; • Produzem 8 tipos de toxinas: A, B, C, D, E, F, G, H. Pelo tipo, podem se classificar epidemiologicamente: - Tipo A: humano, alimentos, conservas domésticas; - Tipo B: humano relacionada com con- servas de carne de porco; - Tipo C e D: ocorre em animais; - Tipo E: ocorre em humanos, relacionada com conservas de peixes; - Tipo F: desconhecido. A distribuição dos tipos é geográfica. → • Modo de transmissão tem importância na apresentação clínica e nas ações de vigilân- cia epidemiológica; • Principais tipos de transmissão: - Botulismo alimentar; - Botulismo por ferimentos; - Botulismo intestinal (infantil). Botulismo alimentar: • Ocorre por ingestão de toxinas presentes em alimentos previamente contaminados e que foram produzidos ou conservados de maneira inadequada (principalmente conserva artesanal); • Os alimentos mais comumente envolvidos são: - Conservas vegetais, principalmente as ar- tesanais (palmito, picles, pequi); - Produtos derivados de carnes cozidos, curados e defumados de forma artesanal (mortadela, salsicha, presunto, carne frita conservada em gordura – “carne de lata”); - Pescados defumados, salgados e fermen- tados; - Queijos e pasta de queijo e, raramente, em alimentos enlatados industrializados. Botulismo por ferimentos: • Ocasionado pela contaminação de feri- mentos com Clostridium botulinum, que em condições de anaerobiose, assume a forma vegetativa e produz toxina in vivo; • As principais portas de entrada para os es- poros são úlceras crônicas com tecido ne- crótico, fissuras, esmagamento de membros, ferimentos em áreas profundas mal vascula- rizadas, ou ainda, aqueles produzidos por agulhas em usuários de drogas injetáveis e lesões nasais ou sinusais em usuários de drogas inalatórias; • É uma das formas mais raras de botulismo. Botulismo intestinal: • Resulta da ingestão de esporos presentes no alimento, seguida da fixação e multipli- cação do agente no ambiente intestinal, onde ocorre a produção e absorção de toxina; • A ausência da microbiota de proteção permite a germinação de esporos e a pro- dução de toxina na luz intestinal. Ocorre com maior frequência em crianças com idade entre 3 e 26 semanas, e por isso foi inicialmente denominado de botulismo in- fantil; • Em adultos, são descritos alguns fatores predisponentes como cirurgias intestinais, acloridria gástrica, doença de Crohn e/ou uso de antibióticos por tempo prolongado, que levaria à alteração da flora intestinal; • Crianças menores de 1 ano não podem consumir mel, por poder estar contaminado por Clostridium botulinum e devido à baixa imunologia infantil, levá-la a óbito. → • Botulismo alimentar: pode variar de duas horas a dez dias,com média de 12 a 36 ho- ras. Quanto maior a concentração de to- xina no alimento ingerido, menor o perí- odo de incubação; • Botulismo por ferimento: pode variar de quatro a 21 dias, com média de sete dias; • Botulismo intestinal: o período não é co- nhecido devido à impossibilidade de deter- minar o momento da ingestão de esporos. Patogenia • Após a transformação do Clostridium bo- tulinum da forma esporulada para a vege- tativa, que se multiplica e libera toxina; • A toxina absorvida (pelo estômago e intes- tino delgado e cólon) dissemina-se por via hematogênica até as terminações nervo- sas, mais especificamente a membrana pré-sináptica da junção neuromuscular, bloqueando a liberação da acetilcolina; • Consequentemente, haverá falha na transmissão de impulsos nas junções das fibras nervosas, resultando em paralisia flácida dos músculos que estes nervos con- trolam; • Ocorre o bloqueio da ação do neuro- transmissor com paralisia da muscula- tura; • A recuperação depende da formação de novas terminações neuromusculares e, por este motivo, a recuperação clínica é pro- longada, podendo variar de um a 12 meses. Quadro clínico → • Manifestações gastrintestinais mais co- muns são: náuseas, vômitos, dor abdominal, constipação, e mais raramente diarreia que podem anteceder os sintomas neurológicos ou aparecer concomitantemente; • Manifestações neurológicas: podem ser inespecíficas tais como cefaleia, vertigem e tontura; • O quadro neurológico se caracteriza por uma paralisia flácida motora descendente associado a comprometimento autonô- mico disseminado. Os sinais e sintomas co- meçam no território dos nervos cranianos e evoluem no sentido descendente (cabeça, pescoço, membros superiores e inferiores); • CDC sugere: - Ausência de febre; - Déficit neurológico simétrico; - Estado mental e sensório preservado; - FC normal ou baixa/PA normal; - Ausência de déficit sensorial, com exce- ção da visão turva; • Paralisia oculobulbar (4 “Ds”): - Diplopia; - Disartria; - Disfagia; - Disfonia; • A disfunção dos nervos cranianos pode le- var à visão turva, ptose palpebral uni ou bilateral; • Com a evolução da doença, a fraqueza muscular pode se propagar de forma des- cendente para os músculos do tronco e membros, o que pode ocasionar dispnéia, insuficiência respiratória e tetraplegia flácida. → • Semelhante ao do botulismo alimentar, en- tretanto os sinais e sintomas gastrintesti- nais não são esperados e pode ocorrer fe- bre decorrente de contaminação secundá- ria do ferimento. Deve ser lembrado nas situações em que não se identificam uma fonte alimentar; • Ferimentos ou cicatrizes nem sempre são encontrados e focos ocultos, como em mu- cosa nasal, seios da face e pequenos absces- sos em locais de injeção, devem ser investi- gados, especialmente em usuários de drogas injetáveis. → • Manifesta-se principalmente em crianças iniciando com constipação e irritabili- dade, seguidos de sinais neurológicos, ca- racterizados por dificuldade de controle dos movimentos da cabeça, sucção fraca, disfa- gia, choro fraco, hipoatividade e paralisias bilaterais descendentes, que podem progre- dir para comprometimento respiratório; • Casos leves: caracterizados apenas por di- ficuldade alimentar e fraqueza muscular discreta têm sido descritos. Diagnóstico → • A anamnese e o exame físico e neuroló- gico do paciente são imprescindíveis para o diagnóstico. Deve-se verificar a história alimentar, os tipos de alimentos ingeridos, tempo decorrido da ingestão e aparecimento da doença, quantidade e origem dos alimen- tos, existência de outros casos, fonte co- mum de ingestão, além dos sinais e sinto- mas apresentados; • Anamnese é muito importante para a in- vestigação das doenças neurológicas que se manifestam por fraqueza muscular descendente, é necessário realizar anam- nese cuidadosa, buscando identificar fatores de risco específicos; • Exame físico geral: prevalecem os sinais e sintomas neurológicos, sendo estes os pri- meiros e mais importantes achados ao se examinar o paciente. → Exame laboratorial dos alimentos suspeitos • Importante para detecção da toxina, auxi- liando no diagnóstico da doença, e para a to- mada de providências sanitárias e medidas de prevenção; • A família deve ser orientada pelo serviço médico para guardar os alimentos devida- mente acondicionados e em geladeira para possibilitar a investigação epidemiológica e sanitária; • A história alimentar deve ser cuidadosa- mente feita identificando-se os locais onde o paciente faz as refeições e alimentos inge- ridos nos dias imediatamente antecedentes ao início dos sintomas. Exames laboratoriais específicos no paciente • Investigação da toxina no sangue do paci- ente, cuja coleta deve ser o mais precoce possível e antes da administração do soro (antitoxina) específico; • A coleta tardia do sangue pode impedir a detecção de toxina no sangue, pois esta vai sendo rapidamente absorvida pelos tecidos; • A toxina pode estar presente no sangue até 12 dias da ingestão dos alimentos con- taminados; • A pesquisa da toxina do C. botulinum nas fezes (conteúdo intestinal) e lavado gástrico pode ser um meio auxiliar importante de di- agnóstico; • Além da determinação da toxina, o diag- nóstico pode ser complementado por cul- tura do C. botulinum nos casos de botulismo infantil, por ferimentos e por causa indeter- minada; • As amostras devem ser transportadas e conservadas sob refrigeração, por tratar-se de toxina termolábil; • A coleta de rotina da coprocultura será im- portante também para diagnóstico diferen- cial entre algumas doenças transmitidas por alimentos que possam apresentar quadros similares. Amostras clí- nicas Botu- lismo alimen- tar Botu- lismo in- testinal Botu- lismo por feri- mento Para detecção de toxina botu- línica Soro Fezes ou conte- údo intestinal Lavado gás- trico Exsudato do ferimento Sim Sim Sim Não Sim Sim Não Não Sim Não Não Não Para cultura do Clostridium botulinum Soro Fezes ou conte- údo intestinal Lavado gás- trico Exsudato do ferimento Não Não Não Não Não Sim Não Não Não Não Não Sim → Condição Fraqueza muscular Sensi- bilidade Carac- terísticas do liquor Botulismo Inicia pela face des- cendente e simétrica Normal Normal Síndrome de Guil- lain-Barré O envolvi- mento da face é me- nos co- mum que no botu- lismo as- cendente e simétrica Em alguns casos pode haver défi- cit sensi- tivo Dissocia- ção proteí- nocitoló- gica, hiper- proteinor- raquia, ce- lularidade normal ou discreta- mente ele- vada (≤ 50 célu- las/mm3) Na pri- meira se- mana pode ser normal Síndrome de Müller Fisher (variante da Sín- drome Fraqueza simétrica da face Di- plegia fa- cial Ptose palpebral Parestesias ou dimi- nuição da sensibili- dade da Dissocia- ção proteí- nocitoló- gica, hiper- proteinor- raquia Guillain Barré) Dificul- dade de mastiga- ção e de deglutição Não há compro- metimento de mem- bros supe- riores e in- feriores face e da língua Celulari- dade nor- mal ou dis- cretamente elevada (≤ 50 célu- las/mm3) Miastenia Gravis Flutuante no trans- correr do dia, piora com ativi- dade física e melhora com re- pouso A maioria dos casos se inicia por ptose palpebral e diplopia Normal Normal Tratamento • Pacientes devem ser hospitalizados e mo- nitorados rigorosamente (a assistência ventilatória é essencial para evitar o óbito, podendo ser necessária por 4 (toxina tipo B) a 8 semanas (tipo A) ou maisse houver complicações; • Oximetria de pulso e medição de gases sanguíneos arteriais em antecipação à insu- ficiência respiratória incipiente; • A eliminação da toxina do trato gastrintes- tinal pode ser tentada com o uso de lavagem gástrica, laxantes e de enemas. → • Administração de antitoxina trivalente A, B e E de origem equina (7500 UI de A, 5500 UI de B e 8500 UI de E) por via endovenosa e que será repetida após duas horas; • O cloridrato de guanidina na dosagem de 15 a 50 mg por dia pode ser utilizado, mas sua eficácia é discutida; • No caso de hipersensibilidade deve ser feito um esquema de dessensibilização idêntico ao de outras antitoxinas, como por meio de antihistamínicos e corticosteróides. → • A suspeita de Botulismo deve ser notifi- cada imediatamente ao Serviço de Vigilân- cia Epidemiológica Regional, Municipal e Central; • O botulismo de origem alimentar é consi- derado emergência em saúde pública, pois outras pessoas poderão vir a apresentar a doença, caso tenham ou venham a consumir do mesmo alimento; • O Centro de Vigilância Epidemiológica do Estado de São Paulo conta com o Centro de Referência do Botulismo, sediado na Cen- tral de Vigilância Epidemiológica, funcio- nando 24 horas, sete dias da semana, e nos feriados, para atender as notificações, orien- tar tecnicamente os profissionais de saúde frente a suspeita de botulismo e para a libe- ração do soro antibotulínico. Seus técnicos estão preparados para informar os aspectos técnicos e operacionais relativos à doença. O telefone é 0800-555 466; • A investigação epidemiológica a partir da notificação deve cumprir os seguintes pas- sos: - 1º: levantar a história do doente e de sua internação; - 2º: estabelecer o início preciso da doença e a progressão dos sinais e sintomas; - 3º: avaliar os resultados dos exames clí- nicos e neurológicos; - 4º: levantar a história de alimentos con- sumidos dentro de um período mínimo de 5 dias, relacionando-os por ordem de data de consumo em relação ao início dos sintomas; - 5º: acionar imediatamente a Vigilância Sanitária para coleta das sobras dos alimen- tos ingeridos para análises; - 6º: monitorar e acompanhar a evolução do paciente, de seus familiares, de pessoas próximas ou aqueles que tenham sido ex- postos aos mesmos alimentos; - 7º: preencher a Ficha de Investigação de Botulismo do SINAN e, quando surto, pre- enchimento da Ficha de Surtos de DTA (SI- NAN e Form. 05/DDTHA CVE), com en- vio imediato dos dados. Considerações • O botulismo não é contagioso e sua toxina não penetra a pele intacta; • A prevenção da doença é obtida por des- truição dos esporos, inibição da multiplica- ção vegetativa da bactéria e inativação da toxina; • Prevenção: - A melhor prevenção está nos cuidados com o consumo, distribuição e comerciali- zação de alimentos; - Evitar a ingestão de alimentos em con- serva que estiverem em latas estufadas, vi- dros embaçados, embalagens danificadas ou com alterações no cheiro e no aspecto; - Produtos industrializados e conservas ca- seiras que não ofereçam segurança devem ser fervidos ou cozidos por 15 minutos, an- tes de serem consumidos; - Não conserve alimentos a uma tempera- tura acima de 15ºC.
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