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A2 - Compreesao e Producao de textos

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AULA 2 
COMPREENSÃO 
E PRODUÇÃO DE TEXTOS 
Prof. Phelipe de Lima Cerdeira 
 
 
2 
CONVERSA INICIAL 
Olá! Sejam bem-vindos à nossa segunda aula da disciplina Compreensão 
e Produção de Textos! Depois de seguir o nosso planejamento e dedicar especial 
atenção à reflexão dos conceitos iniciais de texto, discurso e enunciado, 
finalizamos o nosso último encontro discorrendo sobre os gêneros textuais, isto 
é, as múltiplas possibilidades de manifestações culturais e cognitivas que a 
linguagem encontra para se organizar e construir significados. Juntos, 
entendemos que um texto pode ser um conto, um romance e um bilhete, mas 
também uma fotografia, uma imagem projetada em um prédio histórico em um 
espetáculo, a receita de bolo da nossa avó, o grafite que leva a voz para as ruas, 
uma música, a fala do vizinho curioso sobre o que poderia ter acontecido na 
padaria... Além disso, também promovemos uma reflexão teórica a respeito do 
que está atrelado às instâncias do discurso e do enunciado. Nesta aula, vamos 
dar foco pontual para o que, na linguística textual, chamamos de textualidade. 
Sempre que possível, e com o objetivo de garantir uma abordagem mais 
leve e pragmática, iremos discutir os itens propostos sob a ilustração de exemplos 
de diferentes textos. Conto com a leitura atenta e a participação ativa de cada um. 
Bons estudos! 
CONTEXTUALIZANDO 
Ao cotejar algumas das principais teorias e nomes que contribuíram para 
área linguística, principalmente a partir do século XX, é possível entender as 
transformações sofridas na concepção da língua e como tais mudanças 
impactaram diretamente o que, agora, chamamos de texto. O grande residual que 
temos – ou devemos ter – até aqui é que um texto é mesmo uma unidade 
completa, capaz de expressar um significado e que espera a interação de 
um determinado interlocutor. Mais: que todo e qualquer texto é enunciado a 
partir de um horizonte de expectativas, e dialoga literalmente com outros textos e 
discursos que o antecederam, que são enunciados de maneira concomitante e – 
por que não dizer? – que ainda serão objetos do discurso. 
Não é segredo, portanto, que “um texto não se esclarece em seu pleno 
funcionamento apenas no âmbito da língua, mas exige aspectos sociais e 
cognitivos” (Marcuschi, 2008, p. 65). Para o linguista brasileiro Luiz Antônio 
Marcuschi (2008, p. 88), o texto é “a unidade máxima de funcionamento da língua”. 
 
 
3 
Dessa forma, podemos afirmar que todo texto aponta uma natureza discursiva, 
isto é, não se limita apenas a uma organização estrutural. 
Mas, afinal, por que fizemos exatamente esse caminho? Espera-se que 
essa importante discussão teórica inicial tenha servido como instrumento para 
alinhar os seus conhecimentos e para que, de maneira pragmática, cada aluno e 
aluna possa fortalecer qual a perspectiva que tomamos para estudar e praticar a 
produção e a compreensão textual. Nosso lugar de fala é o da linguística textual, 
uma área que, sem dúvida alguma, segue protagonizando transfigurações desde 
o seu desenvolvimento, na década de sessenta do século XX. 
Se antes a preocupação abarcava sobretudo o que dizia respeito ao texto 
escrito, hoje, há outras contribuições para pensar o texto não-verbal e o texto oral. 
A grande preocupação dessa perspectiva linguística sempre foi a de dar conta de 
entender as relações que certas frases guardavam com outras, justificando o seu 
sentido apenas a partir desse cotejamento. Tal enlaçamento entre as frases ficou 
conhecido como “relações interfrásticas” (Marcuschi, 2008, 73). Por meio de tal 
abordagem, passava a ser verossímil entender questões atreladas a uma anáfora 
ou a uma elipse, utilizadas em um texto, por exemplo. 
A linguística textual está atenta às descobertas proporcionadas por um 
texto e não, ao contrário, preocupada em definir um conjunto de regras que 
possam reger ou definir o que é um texto. Nunca é demais salientar que, para a 
linguística textual, a língua não deve ser entendida ou estudada de maneira 
nuclear, apenas considerando as suas unidades ou estruturas 
isoladamente. A busca é sempre pela análise de unidades que alcancem 
sentido. 
Dito tudo isso e esclarecidas tais premissas, concentremo-nos no tema 
central da nossa segunda aula: a textualidade. Não se trata de um sinônimo 
pomposo para falarmos do texto, tampouco de mais uma instância discursiva. 
Descobriremos que a textualidade está relacionada propriamente à maneira 
como iremos ler e atribuir significado a um dado texto, além de 
problematizar os aspectos externos responsáveis por sua constituição. 
Vamos tomar como base os sete critérios da textualidade arrolados pelos 
linguistas Robert de Beaugrande e Wolfgang Dressler (1981), e que foram, no 
Brasil, trabalhados de maneira atenta por Marcuschi em sua obra Produção 
textual, análise de gêneros e compreensão (2008). 
 
 
 
4 
TEMA 1 – A TEXTUALIDADE 
Em nossa Conversa inicial, ademais de aludir genericamente à discussão 
desenvolvida em nosso primeiro encontro, frisamos como a linguística textual 
acompanhou as transformações teóricas sofridas ao longo do século XX, abrindo 
o seu espectro de interesse para além dos textos escritos ou verbais. Tal conduta 
seguiu a concepção tomada para pensar o conceito de texto como um todo, 
sobretudo a partir das perspectivas de Bakhtin sobre a linguagem e a sua relação 
com o mundo. Daí, portanto, a máxima de que texto “pode ser tido como um tecido 
estruturado, uma entidade significativa, uma entidade de comunicação e um 
artefato sociohistórico. Assim, pode-se afirmar que o texto é uma (re)construção 
do mundo e não uma simples refração ou reflexo” (Marcuschi, 2008, p. 72, 
grifos nossos). 
Agora, cabe aprofundar a discussão e pensar que, para decodificar um 
texto, é sempre necessário ter em mente a grade situacional no qual ele está 
inserido. Ou seja, não podemos perder de vista os múltiplos discursos culturais e 
históricos que potencializaram a sua formulação enquanto enunciado. Sabemos, 
pois, que todo texto é o resultado de diversos elementos, os quais, por sua vez, 
são cruzados e ampliados, criando uma rede de sentidos a partir dos discursos 
que cada um traz consigo (dialogismo). Tal fenômeno e condição de construção 
“comprova que um texto se dá numa complexa relação interativa entre a 
linguagem, a cultura e os sujeitos históricos que operam nesses contextos” 
(Marcuschi, 2008, p. 93). 
Ao esmiuçar tais questões, Robert de Beaugrande e Wolfgang Dressler 
(1981) passaram a problematizar na esfera da linguística textual o conceito de 
textualidade. Ele é constituído a partir de três aspectos: 
1. Primeiro, o fato de que um texto não é um artefato, mas um evento 
discursivo; 
2. Segundo, a ideia de que um texto é definido por um contexto sociointerativo 
e por uma relação cognitiva capaz de atribuir-lhe sentido; 
3. Terceiro, para forjar-se como texto, é necessário que uma sequência 
linguística possa ser interpretada. 
Tendo em vista tais aspectos, Beaugrande e Wolfgang vislumbraram o 
conceito da textualidade a partir de sete critérios principais: coesão; coerência; 
intencionalidade; aceitabilidade; informatividade; situacionalidade; e 
 
 
5 
intertextualidade. Diferentemente do que alguns possam imaginar, a textualidade 
não se erige como um engessamento para os estudos do texto ou tampouco está 
atrelada a um padrão normativo da língua. Cabe à textualidade mediar e avaliar 
a capacidade de que um texto possa cumprir com a função discursiva e 
cognitiva para a qual foi produzido. Reitera-se que, mesmo podendo 
sistematizar os critérios ao falar em textualização, não é correto pensar que cada 
um desses parâmetros ocorra de maneira isolada em um texto. Veremos nas 
próximas seções que os critérios se inter-relacionam, ganhando nuances 
específicas de acordo com os interesses previstos em um enunciado. Questões 
atreladas à coesão, por exemplo, acabamsendo cruzadas pela intencionalidade 
ou mesmo pela aceitabilidade. 
Para esta disciplina, tomamos a obra Produção textual, análise de gêneros 
e compreensão (2008), de Marcuschi, como leitura fulcral para o contexto teórico 
linguístico brasileiro. Sem dúvida alguma, o nome do professor da Universidade 
Federal de Pernambuco (UFPE) é uma referência quando falamos e produção e 
compreensão textual. Mais do que abrir novas frentes para os estudos da 
linguística textual, o trabalho de Luiz Antônio Marcuschi aponta como é possível 
– mantendo sempre o rigor e o critério acadêmico (vale lembrar que Marcuschi é 
pesquisador do CNPq e da Capes) – esmiuçar conceitos teóricos e 
problematizações densas a partir de uma linguagem estratégica, didática e 
acessível. 
Antes de discorrermos a respeito de cada critério e pensarmos as suas 
características por meio de exemplos de textos selecionados, resgato apenas uma 
figura criada por Marcuschi para que seja possível avaliar, de maneira clara, como 
é construído o processo de textualização. 
 
 
 
6 
Figura 1 – Para compreender o processo de textualidade 
 
Fonte: Elaborado com base em Marcuschi, 2008, p. 96. 
Como pode ser notado, a textualidade ou o processo de textualização se 
compõe a partir do tripé autor-texto-leitor. Ao partir desse alicerce discursivo, 
caberá avaliar como se estruturam a configuração linguística ou a cotextualidade 
(ou seja, tudo o que é interno e partícipe do texto) e, ainda, o que se fundamenta 
a partir da situação comunicativa ou contextualidade (cabe aqui pensar na ideia 
de discurso já arrolada na Aula 1, dando especial atenção ao que chamamos de 
conhecimento de mundo). Tendo em vista toda essa dinâmica e fluxo para pensar 
na construção de um texto, passaremos a problematizar cada um dos critérios da 
textualidade, garantindo, em um primeiro estágio, uma especial atenção aos 
elementos atrelados à formulação concreta do texto, aos elementos que dão 
fundamento à cotextualidade. 
 
 
 
7 
TEMA 2 – COESÃO E COERÊNCIA 
Para começar a pensar nos sete critérios da textualidade, iniciemos com a 
coesão e a coerência, potencializando o âmbito da cotextualidade, da 
configuração linguística. 
2.1 Coesão 
Quando pensamos em textualidade, a coesão se apresenta como uma 
espécie de paradigma clássico, uma unanimidade. Não à toa, para grande parte 
dos teóricos, a coesão é mesmo “o critério mais importante da textualidade.” 
(Marcuschi, 2008, p. 99). Tamanha presença em nossa vida como seres 
discursivos que é quase impossível que cada um de nós não tenha se deparado, 
em algum momento de nossa vida escolar, com o desafio de entender o porquê 
o(a) professor(a) de Língua Portuguesa tenha marcado em nossa redação aquela 
frase (que, aliás, nos parecia ser uma verdadeira sentença): “Não tem coesão!”. 
A sensação – garanto a cada um de vocês – não é rara e segue sendo narrada 
como uma das lembranças mais emblemáticas, não somente nas oficinas de 
redação, mas em diversas provas cujas resposta devem ser discursivas. Ao invés 
de ler, porém, a temida frase, bastava perceber aquele ponto de interrogação 
proeminente desenhado em cima da resposta dada à pergunta. A pequena 
narrativa faz você se lembrar de alguma experiência particular? É provável que 
sim. 
No entanto, qual é a sua impressão ao ler a mesma frase hoje? O que faz 
com que um texto tenha ou não coesão? Sem refletir a partir de parâmetros 
teóricos, é plausível que a relação imediata dada à coesão seja a organização que 
um dado texto possa apresentar. A intuição preliminar é bastante oportuna; no 
entanto, cabe discorrer sobre como a coesão organiza a cotextualidade de 
acordo com condições pontuais e pertinentes a cada texto. O que se quer 
dizer com isso? Que a coesão não é uma estrutura equânime. Cada texto 
determinará como deverá ser constituída a coesividade. Tal como apregoado por 
Marcuschi, “os processos de coesão dão conta da estruturação da sequência 
[superficial] do texto (seja por recursos conectivos ou referenciais); não são 
simplesmente princípios sintáticos. Constituem os padrões formais para 
transmitir conhecimentos e sentidos" (Marcuschi, 2008, p. 99, grifos nossos). 
 
 
8 
Está claro que a coesão textual, responsável pela organização e pela 
sequencialização de um texto, é operada no nível superficial e se constrói a partir 
de recursos conectivos ou referenciais. No entanto, a grande dissidência na 
linguística textual na contemporaneidade é justamente atrelada à coesão textual, 
sobretudo porque muitos teóricos entendem que tal critério não figura apenas 
como um simples mediador morfossintático ou um regulador para uma 
gramática textual. A coesão não pode, assim, estar resumida apenas à ideia 
equivocada de que se trata do fenômeno mais superficial do tecido textual. 
Segundo Koch e Travaglia (2010), haveria dois tipos de coesividade: a conexão 
referencial (relação com aspectos semânticos); e a conexão sequencial (relação 
com elementos conectivos). 
Diferentemente do que se pensava anteriormente, a coesão não é um 
critério essencial para se garantir a textualidade, o que permite a afirmação que a 
sua ausência (ao menos da coesão superficial) não impede a existência de 
textualidade. Dizer que não é necessariamente decisiva não significa, porém, que 
ela é irrelevante. Pensemos na coesão a partir do texto abaixo, um fragmento do 
conto O peru de Natal, de Mario de Andrade (2001, p. 125): 
O nosso primeiro Natal de família, depois da morte de meu pai 
acontecida cinco meses antes, foi de consequências decisivas para a 
felicidade familiar. Nós sempre fôramos familiarmente felizes, nesse 
sentido muito abstrato de felicidade: gente honesta, sem crimes, lar sem 
brigas internas nem graves dificuldades econômicas. Mas, devido 
principalmente à natureza cinzenta de meu pai, ser desprovido de 
qualquer lirismo, duma exemplaridade incapaz, acolchoado no 
medíocre, sempre nos faltara aquele aproveitamento da vida, aquele 
gosto pelas felicidades materiais, um vinho bom, uma estação de águas, 
aquisição de geladeira, coisas assim. Meu pai fora de um bom errado, 
quase dramático, o puro-sangue dos desmancha-prazeres. 
Morreu meu pai, sentimos muito, etc. Quando chegamos nas 
proximidades do Natal, eu já estava que não podia mais para afastar 
aquela memória obstruente do morto, que parecia ter sistematizado para 
sempre a obrigação de uma lembrança dolorosa em cada gesto mínimo 
da família. Uma vez que eu sugerira à mamãe a ideia dela ir ver uma fita 
no cinema, o que resultou foram lágrimas. De onde se viu ir ao cinema, 
de luto pesado! A dor já estava sendo cultivada pelas aparências, e eu, 
que sempre gostara apenas regularmente de meu pai, mais por instinto 
de filho que por espontaneidade de amor, me via a ponto de aborrecer o 
bom do morto. 
Escolher um excerto como anterior para versar a respeito do critério de 
coesão é, mais do que algo prazeroso, uma opção mais cômoda, afinal, estamos 
falando de um texto de Mario de Andrade. No entanto, não se quer aqui endossar 
uma impressão apressada de que somente na alta literatura ou em um texto 
canônico se pode exemplificar como se estrutura a coesão. A questão é que o 
 
 
9 
fragmento do conto lido facilita percebermos como a coesividade se dá a partir do 
uso bem dosado de recursos como anáforas e elipses. Vejamos: mesmo tendo 
tido contato apenas com os dois primeiros parágrafos do conto, já é possível dizer 
que a narrativa oferece ao leitor interessantes eixos do enredo, garantindo certo 
entendimento e adiantando alguns traços de um narrador irônico, que parece 
descontruir estereótipos esperados de uma cena natalina. Entende-se que a 
experiência narrada é coletiva, quer dizer, não diz respeito a apenas uma pessoa, 
embora a perspectiva contada seja a do filho-narrador. Para garantir a coesão 
nesse âmbito, encontramos no texto o uso de anáforas (termos que fazem alusãoa outros), ora por meio de pronomes como “nosso”, “Nós” e “nos”, ora por locuções 
como “gente honesta”, ora pela marcação de pessoa e número em paradigmas 
verbais (“fôramos”, “sentimos”, “chegamos”). Da mesma maneira, para não 
registrar repetitivamente a palavra pai, o autor seleciona no eixo paradigmático 
diferentes léxicos para o signo “pai”. Neste caso, encontramos opções como “ser” 
e, de maneira contundente para a construção do traço de ironia do narrador, a 
opção “morto”. 
No eixo sintagmático, todas as orações obedecem à naturalidade da ordem 
que rege a norma culta do português brasileiro: sujeito, verbo e predicado bem 
determinados (“O nosso primeiro Natal de família [...] foi de consequências 
decisivas para a felicidade familiar”). Destaca-se, neste caso, como a coesão se 
dá em âmbito referencial, utilizando, para tanto, formas remissivas referenciais 
(elementos linguísticos que estabelecem referências a partir de duas 
possibilidades – sinônimos – itens lexicais plenos) e formas remissivas não 
referenciais (unidades que não têm autonomia referencial, como os artigos e 
pronomes). 
O conto ainda reserva um traço específico para que possamos pensar na 
coesão; trata-se do adiantamento de uma informação que será preponderante 
para o desenvolvimento e a organização de toda a narrativa: a morte do pai, 
sobretudo por conta da marcação do adjunto adverbial “cinco meses antes”. A 
estratégia de mencionar um dado que será explicitado posteriormente no texto é 
chamado de recurso catafórico. 
Em gêneros textuais relacionados ao âmbito jornalístico – a reportagem, 
por exemplo – fica claro como a coesão textual é criada a partir de anáforas que 
buscam a não repetição lexical. Observe o exemplo abaixo, publicado na página 
JusBrasil (Vieira, 2005, grifos nossos): 
 
 
10 
Senado aprova aumento do tempo de internação para menores 
infratores 
O Senado aprovou nesta terça-feira (14) por 43 votos a 13 projeto de lei 
que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e aumenta o 
tempo de internação de menores de 18 anos que tenham cometido 
crimes hediondos. A matéria seguirá agora para votação na Câmara dos 
Deputados. 
Pelo projeto, de autoria do senador José Serra (PSDB-SP), os jovens 
que tenham cometido esse tipo de crime poderão ficar internados em 
centros de atendimento socioeducativo por até dez anos. Atualmente, o 
tempo máximo de internação é de três anos. 
Originalmente, o relator do projeto, senador José Pimentel (PT-CE), 
havia proposto que o tempo máximo de internação ficasse em até oito 
anos. Porém, ele acatou emenda do próprio Serra e manteve o limite em 
até dez anos. [...] 
Outro ponto proposto por Pimentel prevê que os adolescentes passarão 
por avaliação, a cada seis meses, feita pelo juiz responsável pelo caso. 
O objetivo do petista é que o magistrado possa analisar e optar por 
liberar antecipadamente ou não o jovem da reclusão. 
Os internos ainda deverão estudar nos centros de internação até concluir 
o ensino médio profissionalizante. Atualmente, o Estatuto da Criança e 
do Adolescente prevê que os menores devem concluir somente o ensino 
fundamental. 
Na reportagem, percebemos como o autor do texto constrói a coesividade 
do texto a partir da seleção de diferentes léxicos para se referir ao que foi 
apresentado no título como “menores infratores”. Ao trabalhar também no eixo 
paradigmático, perceberemos como a coesão se constituiu a partir do uso de 
termos como “jovens”, “adolescentes”, “jovem” e “internos”. Cada uma dessas 
palavras opera como anáfora, ou seja, transforma-se em variações e ajuda a 
estabelecer, vez ou outra, relação com o referente do título “menores infratores”. 
A partir da reflexão rápida do conto O peru de Natal e da reportagem 
publicada no site JusBrasil, percebemos que a coesão pode ser explicada como 
uma arquitetura a partir de múltiplos processos de sequencialização, garantindo 
uma relação linguística entre as partes. Linguistas como Halliday e Hasan (1976) 
alertam que a coesão pode ser subdividida a partir de cinco mecanismos: a 
referência, a substituição, a elipse, a conjunção e a coesão lexical. 
Vale lembrar que, em textos orais, a coesão não se estabelecerá da mesma 
maneira que em textos escritos. Isso se dá pelo fato de que, na oralidade, nossos 
enunciados são construídos de maneira concomitante ao planejamento do que 
será dito. Basta pensar em uma ligação telefônica, por exemplo. Sobre tal aspecto, 
Luiz Antônio Marcuschi (2008, p. 111) reitera que os textos orais 
costumam ter um maior número de formas pronominais, mas aí elas 
assumem uma relação situacional e não confundem o interlocutor. Os 
textos orais são altamente dêiticos, ou seja, estruturam-se 
indexicalmente, já que a informação atual está se processando. Daí 
também o grau maior da complexidade correferencial no texto escrito, 
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1031134/estatuto-da-crian%C3%A7a-e-do-adolescente-lei-8069-90
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1031134/estatuto-da-crian%C3%A7a-e-do-adolescente-lei-8069-90
http://g1.globo.com/politica/politico/jose-serra.html
http://g1.globo.com/tudo-sobre/psdb
http://g1.globo.com/tudo-sobre/pt
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1031134/estatuto-da-crian%C3%A7a-e-do-adolescente-lei-8069-90
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1031134/estatuto-da-crian%C3%A7a-e-do-adolescente-lei-8069-90
 
 
11 
onde o universo de processamento deve ir sendo paulatinamente 
construído. 
2.2 Coerência 
Concentremo-nos, agora, no segundo critério da textualidade: a coerência. 
Da mesma forma que a coesão, a coerência costuma figurar em nosso horizonte 
de expectativas. Não se trata apenas de lembranças que temos em recados 
deixados pelo nosso professor após ler as nossas respostas em uma prova, mas, 
na atualidade, também quando enunciamos algo via uma mensagem instantânea 
e recebemos do nosso interlocutor a seguinte resposta: “????????????”. A 
inscrição com os repetidos pontos de interrogação é apenas uma variação para 
uma enunciação que você já ouviu ou construiu ao referir-se a algum texto: “Isto 
não faz sentido!”. 
Falar em coerência, portanto, é versar a respeito da verossimilhança, ou 
seja, da possibilidade de um texto fazer-se crível na leitura de um interlocutor. 
Para Marcuschi (2008, p. 119), a coerência “representa a análise do esforço para 
a continuidade da experiência humana”. 
Se a coesão está ligada à forma e à sequência de um determinado 
enunciado a partir de recursos linguísticos, sobretudo no nível morfossintático, no 
caso da coerência, há uma relação direta com a continuidade do sentido. Outra 
definição possível para a ideia de coerência textual é aquela que a entende como 
“um princípio da interpretação do discurso” (Charolles, citado por Marcuschi, 2008, 
p. 120). A coerência está, pois, diretamente relacionada à significação de um 
texto, ao exercício de interpretação e de decodificação estabelecidos pelo 
receptor. A seguir, aponto três casos em que a coerência textual, ao contrário do 
que se espera, não é bem executada em um primeiro nível de leitura, exatamente 
por contrariarem o nosso conhecimento de mundo e o contexto semântico aos 
quais se referem cada um dos exemplos (Koch; Travaglia, 2010, p. 9): 
1. Maria tinha lavado a roupa quando chegamos, mas ainda estava lavando a 
roupa. 
2. João não foi à aula, entretanto estava doente. 
3. A galinha estava grávida. 
Presentes como argumentos dos linguistas Ingedore Villaça Koch e Luiz 
Carlos Travaglia, na obra A coerência textual (2010), as três frases apontam, de 
uma maneira bastante elucidativa e pedagógica, como a coerência textual pode – 
 
 
12 
nos três casos, parece não poder – ser encontrada. Na frase atribuída com o 
número 2, percebemos como a conjunção “entretanto” confere uma função 
adversativa que não tem relação direta com o primeiro período; não há uma 
explicação do porquê de João não ter ido à aula,confundindo potencialmente o 
interlocutor (leitor). No último caso, diferenciado pelo número 3, porém, a não 
coerência textual se dá, muito provavelmente, por um critério semântico ou 
contextual. Isso porque, a não ser que o enunciado pertença a uma fábula ou a 
algum gênero ficcional, usar o adjetivo “grávida” para aludir ao substantivo 
“galinha” é, no mínimo, uma incongruência. 
Quando nos referimos à coerência, há de se pensar no jogo poético e nas 
inversões buscadas no gênero lírico, por exemplo. Neste caso, estratégias de 
deslocamento semântico (de sentido) poderiam ajudar a relativizar o que 
entendemos como coerência superficial, já que o sentido poderia ser construído a 
partir de um pacto com o leitor, por conta de informações que não operam no 
âmbito da diegese, ou seja, do texto propriamente dito. Um exemplo? Bastaríamos 
relembrar o quanto é possível fruir e atribuir significado ao que está enunciado no 
texto-poema O cão sem plumas, de João Cabral de Melo Neto. No poema, a 
coerência é garantida pela própria natureza do gênero textual analisado, por conta 
do conhecimento de mundo utilizado pelo interlocutor, pelo entendimento de que 
os jogos metafóricos e a polissemia construídos ajudam a construir imagens 
verossímeis, tal como a de um “cão sem plumas”. 
Para finalizar a discussão a respeito da coerência textual, entendemos ser 
fundamental retomar a seguinte reflexão: “É importante, no entanto, ter claro que 
as relações de coerência devem ser concebidas como uma entidade cognitiva. 
Isto faz com que essas relações em geral não estejam marcadas na superfície 
textual e que não tenham algum tipo de explicitude imediatamente visível” 
(Marcuschi, 2008, p. 122). 
Pode ser até mesmo um ponto de vista do leitor que estabelece a 
coerência. Assim, a coerência não é uma propriedade empírica do texto em si 
(não se pode apontar para coerência), mas ela é um trabalho do leitor sobre as 
possibilidades interpretativas do texto. É claro que o texto deve permitir o acesso 
à coerência, pois, do contrário, não haveria possibilidade de entendimento. 
(Marcuschi, 2008, p. 122). 
 
 
 
13 
TEMA 3 – INTENCIONALIDADE E ACEITABILIDADE 
Além dos critérios que governam a configuração linguística, sabe-se que a 
textualidade também é construída a partir da situação comunicativa. É 
justamente nesse âmbito que são formuladas a intencionalidade e a 
aceitabilidade. 
A perspectiva que rege a intencionalidade é bastante transparente e não 
requer muito esforço reflexivo: está ligada à intenção do responsável pela 
enunciação de um texto. Tal critério, além de centrar-se no responsável pela 
produção do texto, também se concentra em perceber a sua intenção no 
momento de produzi-lo, estando diretamente atrelado ao objetivo percebido na 
construção de um texto. Segundo Marcuschi (2008, p. 126), a intencionalidade 
“diz respeito ao que os produtores do texto pretendiam, tinham em mente ou 
queriam que eu fizesse com aquilo”. 
Há de se frisar a dificuldade em se registrar a intencionalidade construída 
em um texto. Não se quer, portanto, endossar a velha perspectiva estruturalista 
que tardou em deixar os manuais de língua portuguesa e literatura (seria mais 
adequado dizer “didatismo literário” ou “paraliteratura”), reverberando a 
inalcançável pergunta “O que o(a) autor(a) quis dizer?”. Falar em intenção não 
significa aceitar que podemos aceder aos critérios e razões mais profundas de 
enunciação de alguém, mas, sim, atestar, a partir de dados presentes no texto e 
no discurso que o envolve, o que é verificável e comprovável entre autor, texto e 
interlocutor. 
Já o critério de aceitabilidade discorre sobre como determinado texto 
pode ser aceito ou não pelo interlocutor, ajudando – inclusive – a relativizar e 
expandir os limites apregoados aos critérios de coerência e coesão. Há, sem 
dúvida alguma, uma estreita relação com a pragmática, já que a aceitabilidade 
acaba versando a respeito de certo enunciado dentro do seu contexto discursivo 
ou de comunicação. Para que possamos verificar como se constrói a 
aceitabilidade, concentremo-nos em um fragmento de outro texto, o famoso conto 
“Meu tio, o iauretê”, de Guimarães Rosa (1969, p. 75): 
Nhem? A’bom, a’pois... Trastanto que eu tava lá no alecrinzinho com ela, 
cê devia de ver. Maria-Maria é careteira, raspa o chão com a mão, pula 
de lado, pulo frouxo de onça, bonito, bonito. Ela ouriça o fio da espinha, 
incha o rabo, abre a boca e fecha, ligeiro, feito gente com sono... Feito 
mecê, eh, eh... Que anda, que anda, balançando, vagarosa, tem medo 
de nada, cada anca levantando, aquele pêlo lustroso, ela vem sisuda, 
mais bonita de todas, cheia de cerimônia... Ela rosnava baixinho pra 
 
 
14 
mim, queria vir comigo pegar o preto Tiodoro. Aí, me deu aquele frio, 
aquele friiio, a cãimbra toda... Eh, eu sou magro, travesso em qualquer 
parte, o preto era meio gordo... Eu vim andando, mão no chão... Preto 
Tiodoro com os olhos doidos de medo, ih, olho enorme de ver... Ô urro!... 
Mecê gostou, ã? Preto prestava não, ô, ô, ô... Ói: mecê presta, cê é meu 
amigo... Ói: deixa eu ver mecê direito, deix’eu pegar um tiquinho em 
mecê, tiquinho só, encostar minha mão... 
Ei, ei, que é que mecê tá fazendo? 
Desvira esse revólver! Mecê brinca não, vira o revólver pra outra banda... 
Mexo não, tou quieto, quieto... Ói: cê quer me matar, ui? Tira, tira revólver 
pra lá! Mecê tá doente, mecê tá variando... Veio me prender? Ói: tou 
pondo mão no chão é por nada, não, é à-toa... Ói o frio... Mecê tá doido?! 
Atiê! Sai pra fora, rancho é meu, xô! Atimbora! Mecê me mata, camarada 
22 vem, manda prender mecê... Onça vem, Maria-Maria, come mecê... 
Onça meu parente... Ei, por causa do preto? Matei preto não, tava 
contando bobagem... Ói a onça! Ui, ui, mecê é bom, faz isso comigo não, 
me mata não... Eu – Cacuncozo... Faz isso não, faz não... 
Nhenhenhém... Heeé!... 
Hé... Aar-rrâ... Aaâh... Cê me arrhoôu... Remuaci... Rêiucàanacê... 
Araaã...Uhm... Ui... Ui... Uh... uh... êeêê... êê... ê... 
A passagem final do conto de Rosa é um exemplo por excelência para 
pensarmos no critério de aceitabilidade, demonstrando como a fragmentação 
sintática e a extrapolação semântica podem alcançar limites não calculados em 
contextos discursivos não ficcionais. A estratégia de anacronismo verbal usada 
por Rosa no conto (aproximar a linguagem escrita do padrão oral) a um ponto em 
que o raciocínio habitual do personagem sofra uma espécie de metamorfose, uma 
animalização (o homem se transformando em onça), demonstra, sob o ponto de 
vista da linguística textual, como são criados os processos de aceitação. Frases 
fraturadas, sem a lógica sujeito-verbo-predicado, são altamente possíveis por 
conta do contexto de enunciação, pela relação com o todo. A mesma ideia poderia 
ser importada para uma avaliação de um texto da oralidade que, muito 
provavelmente, poderia seria considerado agramatical em um contexto escrito. 
TEMA 4 – INFORMATIVIDADE E SITUCIONALIDADE 
Se a coesão, para alguns linguistas, é tomada como o parâmetro mais 
importante da textualidade, a informatividade, ao menos para Marcuschi (2008, p. 
132) trata-se do critério mais “óbvio de todos”. A afirmação se deve ao fato de que, 
por conta desse parâmetro, é possível eliminar toda e qualquer hipótese que 
esteja distante da instância enunciada no texto. 
Para pensar sobre isso, bastaria pensar na charge abaixo. 
 
 
 
15 
Figura 2 – Charge 
 
Créditos: Thyago Macson, 2018. 
Ao vislumbrar o texto-visual, a charge em questão, poderíamos arrolar 
distintos significados, sejam aqueles ativados pelo plano textual (a ideia da 
máxima “do Rio de Janeiro continua lindo” como uma frase impregnada no dia a 
dia do brasileiro, plasmada na voz de grande parte dos brasileiros) até o plano 
discursivo (uma crítica ácida ao ufanismo da cidade maravilhosa, denunciada 
pelos gritos de milhares de pessoas que sofrem com o enfrentamentoentre o 
poder do estado e a força do tráfico e de milicianos, por exemplo). Seja como for, 
via o critério da informatividade, o que poderíamos asseverar sem quaisquer 
dúvidas é que: a) o texto não se trata da poluição vivida pelos paulistanos; b) as 
mulheres seguem influenciadas pela moda de Paris; c) o brasileiro médio continua 
sem saber a origem da estátua presente no Cristo Redentor etc. Cada uma das 
elucubrações anteriores serve para demonstrar como o critério da informatividade 
atua, ou seja, todas as suposições que ele é capaz de neutralizar. 
Quando pensamos em informatividade, é notório que o “essencial desse 
princípio é postular que num texto deve ser possível distinguir entre o que ele quer 
transmitir e o que é possível extrair dele, e o que não é pretendido. Ser informativo 
significa, pois, ser capaz de dirimir incertezas” (Marcuschi, 2008, p. 132). 
 
 
16 
Em vias gerais, a situacionalidade é a relação entre o texto e a situação 
discursiva que o relaciona, definindo se determinado enunciado se constitui de 
maneira adequada ou não. De maneira isolada, pode ser entendido como um 
critério redundante, já que é entrecruzado por outros fatores como a coerência e 
a aceitabilidade. De qualquer forma, é válido frisar que a situacionalidade “não só 
serve para interpretar e relacionar o texto ao seu contexto interpretativo, mas 
também para orientar a própria produção. A situacionalidade é um critério 
estratégico” (Marcuschi, 2008, p. 128). 
TEMA 5 – INTERTEXTUALIDADE 
Finalmente, a textualidade tem também a intertextualidade como critério. 
Esta é percebida de maneira equânime entre os linguistas como a propriedade 
dialógica existente entre os textos, uma condição, aliás, que rege o próprio 
funcionamento do discurso como um todo (tudo o que falamos, em algum grau, 
dialoga com os múltiplos textos que constituem a nossa comunicação). A linguista 
Julia Kristeva, uma das principais responsáveis por disseminar as ideias de 
Bakthin no Ocidente, fundamentará a ideia da intertextualidade definindo todo 
texto como um “mosaico de citações”. 
Ao partir do pressuposto de que enunciamos textos em constante diálogo, 
todo e qualquer texto que pudéssemos escolher a seguir seria um rico exemplo 
linguístico. No entanto, foi-nos irresistível escolher um trecho simbólico de um dos 
romances mais importantes de toda a literatura ocidental, o romance Dom 
Quixote, publicado pela primeira vez em 1605, de autoria do espanhol Miguel de 
Cervantes (2005): 
Dormia ainda D. Quixote, quando o cura pediu à sobrinha a chave do 
quarto em que estavam os livros ocasionadores do prejuízo; e ela lhe a 
deu de muito boa vontade. Entraram todos, e com eles a ama; e acharam 
mais de cem grossos e grandes volumes, bem encadernados, e outros 
pequenos. 
A ama, assim que deu com os olhos neles, saiu muito à pressa do 
aposento, e voltou logo com uma tigela de água-benta e um hissope, e 
disse: 
— Tome Vossa Mercê, senhor licenciado, regue esta casa toda com 
água-benta, não ande por aí algum encantador, dos muitos que moram 
por estes livros, e nos encante a nós, em troca do que nós lhes queremos 
fazer a eles desterrando-os do mundo. 
Riu-se da simplicidade da ama o licenciado, e disse para o barbeiro que 
lhe fosse dando os livros a um e um, para ver de que tratavam, pois 
alguns poderia haver que não merecessem castigo de fogo. 
— Nada, nada — disse a sobrinha; — não se deve perdoar a nenhum; 
todos concorreram para o mal. O melhor será atirá-los todos juntos pelas 
janelas ao pátio, empilhá-los em meda, e pegar-lhes fogo; e se não, 
 
 
17 
carregaremos com eles para mais longito da casa, para nos não vir 
molestar o fumo apestado. 
Outro tanto disse a ama; tal era a gana com que ambas estavam aos 
pobres alfarrábios; mas o cura é que não esteve pelos autos, sem 
primeiro ler os títulos. 
O que mestre Nicolau primeiro lhe pôs nas mãos foram os quatro de 
Amadis de Gaula. 
— Parece coisa de mistério esta! — disse o cura — porque, segundo 
tenho ouvido dizer, este livro foi o primeiro de cavalarias que em 
Espanha se imprimiu, e dele procederam todos os mais; por isso entendo 
que, por dogmatizador de tão má seita, sem remissão o devemos 
condenar ao fogo. 
— Não senhor — disse o barbeiro — também eu tenho ouvido dizer que 
é o melhor de quantos livros neste gênero se têm composto; e por isso, 
por ser único em sua arte, se lhe deve perdoar. [...] 
Este é — prosseguiu o barbeiro — o Cancioneiro de Lopez de 
Maldonado. 
— Também o autor desse livro — replicou o cura — é grande amigo 
meu, e os seus versos, recitados por ele, admiram a quem os ouve, e tal 
é a suavidade da voz com que os canta, que encanta. Nas églogas é 
algum tanto extenso, mas o bom nunca é demasiado. Guarde-se com os 
escolhidos. Porém que livro é esse que está ao pé dele? 
— A Galatéia de Miguel Cervantes — disse o barbeiro. 
— Muitos anos há que esse Miguel Cervantes é meu amigo; e sei que é 
mais versado em desdita que em versos. O seu livro alguma coisa tem 
de boa invenção; alguma coisa promete, mas nada conclui; é necessário 
esperar pela segunda parte que ele já nos anunciou. Talvez com a 
emenda alcance em cheio a misericórdia que se lhe nega; daqui até lá 
tende-mo fechado em casa, senhor compadre. 
— Com muito gosto — respondeu o barbeiro — e aqui vêm mais três de 
cambulhada: A Araucana de João Alonso de Ercila, a Austríada de João 
Rufo, jurado de Córdova, e o Monserrate de Cristóvão de Virues, poeta 
valenciano. 
 A longa passagem transcrita se justifica, primeiro, pelo prazer da leitura. 
Em uma disciplina que se dedica à compreensão e produção textual, é sempre 
fundamental termos o texto como objeto da nossa atenção e experiência 
discursiva. Além disso, o excerto que narra o escrutínio e juízo da biblioteca de 
Dom Quixote ilustra o tecer do texto a partir da incorporação de outros textos de 
maneira mais do que evidente: trata-se, pois, de uma espécie de jogo, um 
exercício de catalogar todas as referências que pareciam fazer parte do campo 
intelectual e do universo literário do autor do romance. A intertextualidade em Dom 
Quixote atinge o ápice quando o próprio Miguel de Cervantes, a partir da menção 
de Galatéia, acabo sendo enunciado. Sem dúvida, uma oportunidade para que 
todos nós, leitores produtores de textos, possamos ver como o discurso é 
construído. 
FINALIZANDO 
 Nesta aula, problematizamos pontualmente sobre a textualidade e cada um 
dos critérios que a definem. Para tanto, tomamos como referencial teórico os 
18 
conceitos enunciados pelos linguistas Robert de Beaugrande e Wolfgang Dressler 
(1981), recuperados, no Brasil, por Luiz Antônio Marcuschi (2008). 
A partir de exemplos, foi possível demonstrar que a textualidade é 
construída a partir das esferas da configuração linguística (critérios de coesão e 
coerência) e situação comunicativa (aceitabilidade, intencionalidade, 
situacionalidade, informatividade, intertextualidade). Seja qual for o critério, passa 
a ficar mais claro o fato de que um texto deve ser avaliado não de maneira 
genérica, estática, mas dentro do seu contexto discursivo de enunciação. 
Mediante tais reflexões, partiremos, nas próximas aulas, para a análise mais 
efetiva da compreensão e produção de textos. 
LEITURA COMPLEMENTAR 
Texto de abordagem teórica 
MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São 
Paulo: Parábola, 2008. 
Texto de abordagem prática 
COSTA, I. B.; FOLTRAN, M. J. A tessitura da escrita. São Paulo: Contexto, 
2013. 
GOLDSTEIN, N.; LOUZADA, M. S.; IVAMOTO, R. O texto sem mistério. Leitura 
e escrita na universidade. São Paulo: Ática, 2009. 
Saiba mais 
GONÇALVES, F.; DIAS, M. da G. B. Coerência textual: um estudo com jovens e 
adultos. Psicologia: reflexão e crítica, n. 16, v. 1, 2003, p. 29-40. Disponível em: 
<http://www.scielo.br/pdf/prc/v16n1/16796.pdf>. Acesso em 01 jun. 2018. 
GREGOLIN, M. do R. V. Linguística textual e ensinode língua: construindo a 
textualidade na escola. Revista Alfa, n. 37, 1993, p. 23-31. 
 
 
19 
REFERÊNCIAS 
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ANDRADE, M. O peru de Natal. In: MORICONI, I. (Org.). Os cem melhores 
contos brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. 
CERVANTES, M. Dom Quixote. Primeira Parte. 2005. Disponível em: 
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/eb00008a.pdf>. Acesso em: 
11 set. 2018. 
COSTA, I. B.; FOLTRAN, M. J. A tessitura da escrita. São Paulo: Contexto, 
2013. 
FERNANDES. C. A.; PAULA, B. A. Compreensão e produção de textos em 
língua materna e língua estrangeira. Curitiba: InterSaberes, 2012. 
FIORIN, J. L.; SAVIOLI, F. P. Para entender o texto: leitura e redação. 17. ed. 
São Paulo: Ática, 2007. 
GIRALDI, J. W. Unidades básicas do ensino do português. In: ALMEIDA, M. J. et 
al. O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 2006. 
GOLDSTEIN, N.; LOUZADA, M. S.; IVAMOTO, R. O texto sem mistério. Leitura 
e escrita na universidade. São Paulo: Ática, 2009. 
GUIMARÃES, E. Texto & Argumentação. Um estudo de conjunções no 
português. Campinas: Pontes, 2007. 
HARTMANN, S. H. de G.; SANTAROSA, S. D. Práticas de leitura para o 
letramento no ensino superior. Curitiba: InterSaberes, 2012. 
KOCH, I. G. V.; ELIAS, V. M. Ler e escrever: estratégias de produção textual. 2 
ed. São Paulo: Contexto, 2010. 
KOCH, I. G. V.; TRAVAGLIA, C. L. A coerência textual. São Paulo: Contexto, 
2010. 
KÖCHE, V. S.; BOFF, O. M. B.; MARINELLO, A. F. Leitura e produção textual. 
Gêneros textuais do argumentar e expor. 6 ed. Petrópolis: Vozes, 2014. 
MACEDO, W. Elementos para uma estrutura da língua portuguesa. Rio de 
Janeiro: Presença Edições, 1976. 
 
 
20 
MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São 
Paulo: Parábola, 2008. 
MARQUESI, S. C. A organização do texto descritivo em Língua Portuguesa. 
Rio de Janeiro: Lucerna, 2004. 
ROSA, J. G. Meu tio o Iauaretê. In: _____. Estas Estórias. São Paulo: J. Olympio, 
1969. 
SANTOS, L. W. Análise e produção de textos. São Paulo: Contexto, 2012. 
SILVA, R. do C. P. da. Linguística textual e a sala de aula. Curitiba: 
InterSaberes, 2012. 
VIEIRA, L. B. JusBrasil, 2015 Disponível em: 
<https://lucasbz.jusbrasil.com.br/noticias/208347630/senado-aprova-aumento-
do-tempo-de-internacao-para-menores-infratores>. Acesso em: 11 set. 2018.

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