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Neurociências e o Processo de Aprendizagem W B A 0 2 5 1_ v1 .3 2/196 Neurociências e o Processo de Aprendizagem Autoras: Luciana Ramalho Pimentel da Silva / Tamires Araujo Zanão Como citar este documento: PIMENTEL-SILVA, Luciana Ramalho; ZANÃO, Tamires Araujo. Neurociên- cias e o processo de Aprendizagem. Valinhos: 2016. Sumário Apresentação da Disciplina 03 Unidade 1: Introdução à neurociência: o que é e qual sua relação com a educação 05 Unidade 2: Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sis- tema nervoso 31 Unidade 3: Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido nervoso 58 Unidade 4: Introdução às funções cognitivas e o córtex cerebral 87 Unidade 5: Bases neurológicas da aprendizagem (neuroplasticidade) 112 Unidade 6: Introdução às disfunções neurológicas associadas ao aprendizado 134 Unidade 7: Fisiopatologia das disfunções neurológicas associadas ao aprendizado (neurobiologia do desenvolvimento, fatores pré, peri e pós-natais) 157 Unidade 8: Neuroeducação: a neurociência explicando e otimizando o aprendizado 180 2/196 3/196 Apresentação da Disciplina Ver, aprender, pensar, lembrar, sentir, movi- mentar-se. Somos frutos de experiências e vivências, interagimos com o meio e uns com os outros. Podemos dizer que tudo que vive- mos e o que faz com que sejamos nós mesmos é, de certa forma, algo que foi “aprendido” e está armazenado em nosso cérebro. Além, é claro, das funções biológicas que regulam o funcionamento do nosso organismo e co- mandam ações conscientes e inconscientes, indispensável à manutenção da vida. A neurociência busca responder às inúme- ras questões sobre o nosso sistema nervo- so e, dentro dele, sobre um dos órgãos mais complexos que conhecemos dentre todos os seres vivos, o cérebro humano: como se es- trutura, seus mecanismos biológicos e como o sistema nervoso orquestra e integra das mais simples às mais complexas funções. Estamos longe de desvendar todos os misté- rios do cérebro, mas a neurociência já trou- xe grandes avanços para a compreensão do sistema nervoso e de processos normais e patológicos. Nesta disciplina, você poderá aprender sobre a estrutura e funcionamento do sistema nervoso e os mecanismos bioló- gicos por trás de diversas funções, além de encontrar as principais contribuições que a neurociência trouxe para compreendermos a biologia da aprendizagem, tanto do pon- to de vista neurológico quanto educacio- nal. Discutiremos também como os recentes achados da neurociência permitem otimizar o processo ensino-aprendizagem. Não importa qual sua formação básica: você verá que a neurociência está mais próxima de nós do que imaginamos e que todas as áre- as do conhecimento podem tanto contribuir 4/196 quanto se beneficiar de suas descobertas. Não poderia ser diferente para a educação. 5/196 Unidade 1 Introdução à neurociência: o que é e qual sua relação com a educação Objetivos 1. Apresentar a definição de neurociên- cia. 2. Apresentar conceitos iniciais sobre o sistema nervoso através de um breve histórico do desenvolvimento da neu- rociência ocidental. 3. Conceituar neuroeducação. Unidade 1 • Introdução à neurociência: o que é e qual sua relação com a educação6/196 Introdução Afinal, o que é neurociência e o que faz um neurocientista? Quase todos nós já ouvi- mos falar em neurologia, precisamos ou co- nhecemos alguém que precisou dos servi- ços de um neurologista ou temos uma boa ideia do que trata a neurologia. E quanto à neurociência? O que, afinal, significa o ter- mo neurociência? Você já ouviu falar dessa fascinante área do conhecimento? Poderíamos dizer, simplificadamente, que a neurociência é a ciência que estuda o siste- ma nervoso e neurocientista é o profissional que utiliza diversas técnicas para responder a questões sobre ele. Porém, a neurociência, na verdade, não é uma única ciência. Trata- -se de um conjunto de abordagens e áreas que se ocupam de questões sobre o sistema nervoso, tais como a neuroanatomia, neu- rofisiologia, neurobiologia, neuropsicolo- gia, a própria neurologia, entre outras. As- sim como o neurocientista pode ser médico, biólogo, psicólogo e até mesmo engenheiro. Podemos agrupar as neurociências em cin- co grandes disciplinas, que integram fer- ramentas e conceitos de diversas outras: a neurociência molecular, a neurociência celular, a neurociência sistêmica, a neuro- ciência comportamental e, por fim, a neu- rociência cognitiva. Todas contribuem para elucidar a estrutura, função e alterações ou doenças do sistema nervoso (LENT, 2010). As neurociências vêm tomando grande e crescente destaque nos últimos anos e parece, mesmo para nós, neurocientistas, que tudo aquilo que for acrescido do prefi- xo “neuro” é neurociência ou nela está in- Unidade 1 • Introdução à neurociência: o que é e qual sua relação com a educação7/196 cluído. Não deixa de ser verdade, afinal, se pensarmos que o sistema nervoso comanda nosso organismo e ainda é responsável pela interface que torna possível nossa intera- ção com o mundo e tudo o que nele se en- contra através de comportamentos, ações e emoções. Aliás, foi basicamente esse tipo de intera- ção que nos trouxe a neurociência. Foi as- sim, movidos pela curiosidade de entender, entre outras coisas, como nos relacionamos com o mundo, quem somos, o que somos e o que nos motiva, que provavelmente che- gamos ao sistema nervoso, mais propria- mente ao encéfalo, como o “culpado” por trás de tudo isso. Note que nos referimos ao encéfalo como o “culpado” por comandar o que somos e como interagimos com o meio externo. É que “cérebro” compreende apenas o telencéfalo, a parte do sistema nervoso que adquirimos mais recentemente do ponto de vista evolu- tivo e que comanda diversas funções, inclu- sive as chamadas funções superiores, como memória, linguagem e emoções. Encéfa- lo, nesse caso, é um termo mais adequado, pois compreende tudo o que está contido na caixa craniana: o cérebro, e também o cerebelo e o tronco encefálico, além de ser responsável pelas mais variadas funções, desde simples às mais complexas (BEARS; CONNORS; PARADISO, 2002). Unidade 1 • Introdução à neurociência: o que é e qual sua relação com a educação8/196 Para os propósitos deste texto, utilizare- mos o termo “cérebro” quando tratarmos de funções mais específicas dessa região e “encéfalo” para nos referir a funções de out- ras regiões dele. Por sua vez, o termo neuro- ciência ou neurociências, no plural, signifi- cará o mesmo, o conjunto de ciências que tentam compreender o sistema nervoso. Nesta aula, você vai encontrar conceitos ini- ciais sobre o sistema nervoso e neurociên- cias, além de descobrir através da história da neurociência ocidental como os neuroci- entistas foram delineando o que era o siste- ma nervoso e gradativamente desvendan- do seus diversos níveis, ora mostrando que eram mais simples, ora mais complexos do que postulávamos. 1 UM BREVE HISTÓRICO DAS NEUROCIÊNCIAS NO OCIDENTE As questões que levantamos sobre o funcio- namento do nosso sistema nervoso e qual seu envolvimento em funções biológicas e comportamentos são tão ou mais antigas que o surgimento da ciência em si. Podem- os arriscar dizer que devem ter surgido junto com a nossa própria capacidade de pensar. Para saber mais Fique atento: frequentemente, traduzimos a pa- lavra inglesa brain como “cérebro”, mas o correto seria traduzir como “encéfalo”, enquanto cere- brum é que significa “cérebro”, em português. Unidade 1 • Introdução à neurociência: o que é e qual sua relação com a educação9/196 Muitas das ciências que auxiliam à neuro- ciência em suas questões são igualmente antigas e bem estabelecidas, mas a neuro- ciência como a conhecemos hoje é relativa- mente jovem. Por isso, não é difícil rastrear seu histórico na medicina ocidental, desde as bases que permitiram seu desenvolvi- mento até a atualidade. Na Grécia antiga, o famoso erudito Hipócrates(460-370 a.C.), considerado pai da medicina ocidental, já associava o cére- bro ao intelecto, acreditando que nele es- tava o centro da inteligência. Entretanto, o filósofo Aristóteles (384-322 a.C.), pensa- dor grego de grande influência, contestava essa ideia e acreditava que o centro do in- telecto e emoções era o coração. Durante o império romano, Galeno (130- 200 d.C.), médico grego que concordava com Hipócrates, concluiu algumas obser- vações importantes sobre o sistema nervo- so a partir de suas dissecções em animais. De forma astuta embora um tanto empíri- ca, Galeno atribuiu ao cérebro, por sua con- Para saber mais Desde a Antiguidade, colocamos o coração como o responsável por emoções e sentimentos, como a paixão. Isso deve-se ao fato de que diversas situações com envolvimento de emoções são acompanhadas de atividades do sistema ner- voso que nos fazem “sentir” o coração, como o aumento da frequência cardíaca e dilatação dos vasos sanguíneos. Unidade 1 • Introdução à neurociência: o que é e qual sua relação com a educação10/196 sistência macia, funções como as sensações e a memória, enquanto ao cerebelo, mais rígido, devia ser reservado controlar a mus- culatura. Galeno acreditava que para sentir, lembrar e esquecer algo seria necessário que o tecido nervoso apresentasse certa flexibilidade, maleabilidade, enquanto que para controlar os músculos seria preciso fir- meza (HERCULANO-HOUZEL, 2008). Embora não fossem exatamente esses os mecanismos por trás das sensações, memória e do controle muscular, o raciocí- nio de Galeno estava em uma direção, de certa forma, correta. Hoje, sabe-se que o cérebro realmente comanda funções como a memória e o cerebelo está envolvido, entre outras coisas, com o movimento. Galeno fez ainda diversas observações empíricas sobre outras estruturas do cérebro, como os ven- trículos cerebrais, associados à teoria dos quatro humores e ao funcionamento geral do encéfalo. Para Galeno, os ventrículos, es- paços ocos, conectavam-se com os nervos, que também acreditava serem ocos como os vasos sanguíneos, por onde passariam os humores responsáveis pelo movimento, por exemplo. Não cabe aprofundarmos esse assunto aqui, mas você pode encontrar mais detal- hes interessantes sobre essa e outras teo- rias da medicina antiga, inclusive da neuro- logia, em A Sombra do Plátano: crônicas de história da medicina, de Joffre M. de Rezende (REZENDE, 2009). As teorias de Galeno sobre os ventrícu- los cerebrais e humores foram reforçadas Unidade 1 • Introdução à neurociência: o que é e qual sua relação com a educação11/196 por comparações com as primeiras máqui- nas hidráulicas, fazendo crer que o cérebro também funcionasse assim, por líquidos bombeados através dos nervos; e chegaram até a época de Rene Descartes (1596-1650), filósofo francês que acreditava que o com- portamento humano era muito complexo para ser assim explicado. Para Descartes, as funções que apenas os seres humanos apresentam, mais refinadas que as funções básicas dos animais, estariam localizadas na mente. Aqui, nasce uma longa discussão, que segue até os dias atuais, sobre a mente estar ou não localizada no cérebro. Nos séculos seguintes, cientistas foram identificando outras estruturas e funções do sistema nervoso. Conheceríamos a orga- nização anatômica e divisão geral do siste- ma nervoso até o fim do século XVII. Logo após, descobriu-se também que o sistema nervoso é composto de substância bran- ca – relacionada aos nervos – e substância cinzenta (córtex cerebral), que processar- ia as informações conduzidas pelos ner- vos. Finalmente, entre os séculos XVIII e XIX, mostrou-se, com bases em evidências ver- dadeiramente científicas, que Galeno es- tava errado nesse aspecto e que os nervos na verdade eram como fios que conduziam eletricidade e não como vasos ocos. Entretanto, mesmo usando experimen- tações científicas (questionáveis, é cer- to), em alguns momentos as neurociências cometeram “deslizes” como a frenologia (BEARS; CONNORS; PARADISO, 2002). No início do século XIX, o médico alemão Unidade 1 • Introdução à neurociência: o que é e qual sua relação com a educação12/196 Franz Joseph Gall (1758-1828) mediu o crânio de centenas de indivíduos com dif- erentes características de personalidade e concluiu que as dimensões, saliências e regiões do crânio eram reflexo dos giros na superfície do cérebro e estariam relaciona- das com diversas características individu- ais e sentimentos, como bondade, firmeza, cautela, esperança, peso e até mesmo cor da pele. Felizmente, o francês Marie-Jean- Pierre Flourens (1794-1867) e outros cien- tistas, na busca de dados sobre a relação entre estrutura e função no sistema ner- voso, usando métodos como a ablação ex- perimental, mostraram que a frenologia estava equivocada. O tamanho do cérebro não se correlaciona com o formato do crâ- nio. Porém, algumas características não es- tavam de todo erradas, como, por exemplo, a linguagem estar localizada na região fron- tal do cérebro. Foram observações como as do neurologis- ta também francês Paul Broca (1824-1880) que de fato chamaram atenção para a lo- calização de funções específicas no cére- bro. Broca estudou o caso de um paciente com uma lesão no córtex cerebral, mais es- pecificamente, no lobo frontal esquerdo do cérebro que compreendia bem a fala, mas era incapaz de falar. Essa região é conheci- da até hoje por área de Broca e está relacio- nada com a articulação das palavras. Os estudos da localização das funções no cérebro continuaram pelo século XIX e XX e, como sempre, teorias muitas vezes opos- tas tentavam explicar o funcionamento do Unidade 1 • Introdução à neurociência: o que é e qual sua relação com a educação13/196 cérebro. O italiano Camilo Golgi (1843- 1926) e o espanhol Santiago Ramón y Cajal são exemplos das discussões ferrenhas que sempre permearam as neurociências. Golgi (criador da técnica histológica que leva seu nome, a coloração de Golgi) defendia a Teo- ria Reticular, segundo a qual o tecido nervo- so era um emaranhado de prolongamentos celulares conectados como uma teia única. A teoria reticular apoiava as suposições de que o cérebro tinha funções desempenha- das por extensas áreas conectadas (HERCU- LANO-HOUZEL, 2008). Para saber mais A coloração de Golgi é uma técnica histológica que permite a visualização ao microscópio de al- guns tipos de células nervosas impregnadas por precipitados de prata, com riqueza de detalhes sem precedentes para a época e que é utilizada até os dias de hoje. Por sua vez, Ramón y Cajal (usando a col- oração de Golgi e “armado” de um mi- croscópio muito mais potente) defendia a teoria neuronal, segundo a qual o tecido nervoso era composto de células bem de- limitadas, com um espaço entre elas e or- ganizadas em circuitos. Seus achados, além de gerar ilustrações que impressionam até hoje pela precisão e riqueza de detalhes, Unidade 1 • Introdução à neurociência: o que é e qual sua relação com a educação14/196 forneceram as bases que sustentavam a te- oria da localização delimitada de funções no sistema nervoso. Apesar de acreditarem em teorias comple- tamente opostas, Golgi e Cajal dividiram o prêmio Nobel de Medicina ou Fisiologia, em 1906, por suas imensas contribuições para a medicina, porém não sem trocarem farpas e discordâncias até mesmo durante o discur- so de entrega do prêmio (no artigo “Prêmio Nobel: dinamite, neurociências e outras iro- nias” (SALLET, 2008), você pode encontrar mais detalhes sobre as teorias, a premiação de Golgi e Cajal e exemplos das imagens da técnica de coloração de Golgi e dos desen- hos de Cajal). O trabalho de Cajal também forneceu as bases para responder às perguntas da neu- rofisiologia da época, mais condizentes com a existência de células individualiza- das, mas capazes de se conectar de alguma forma. O espaço entre essas células nervo- sas individualizadas foi mais tarde chama- do desinapse pelo neurofisiologista inglês Charles Sherrington (1857-1952). A teo- ria neuronal permitiu também que Eugen- io Tanzi (1856-1934) e depois dele Donald Hebb (1904-1985) explorassem a função dos neurônios no processo de aprendizado. No final do século XIX e início do século XX, conceitos antigos, como a noção de eletri- cidade animal demonstrada pelo médico, físico e filósofo italiano Luigi Galvani (1737, 1798), permitiriam que novos conceitos fossem investigados, como a representação dos movimentos e sentidos no córtex cere- Unidade 1 • Introdução à neurociência: o que é e qual sua relação com a educação15/196 bral. A estimulação elétrica do córtex por uma fonte externa levou os neurocirurgiões Harvey Cushing (1869-1939) e Wilder Pen- field (1891-1976) a tirar importantes con- clusões sobre a localização dos movimen- tos e sensações no cérebro. Os “mapas” de funções elaborados por Penfield, conhecidos como homúnculos de Penfield, ao contrário da frenologia, são aceitos até hoje. A recíproca foi verdadeira e a neurociência também conseguiu explorar a atividade elétrica do próprio córtex para obter pistas sobre a localização das funções. O uso do eletroencefalograma (EEG), técni- ca descoberta pelo psiquiatra alemão Hans Berger (1873-1941) nos anos 1920, permi- tiu demonstrar a presença de diversos tipos de ondas cerebrais, detectadas pelo couro cabeludo e associadas ao raciocínio, repou- so, sono e até mesmo alterações e lesões cerebrais (BEARS; CONNORS; PARADISO, 2002). 2 AS NEUROCIÊNCIAS NA ATUA- LIDADE Hoje, ainda temos divergências entre neuro- cientistas das mais diversas formações, teo- rias sendo formadas, outras sendo postas em xeque, mas, felizmente, o desenvolvimento da tecnologia permite grandes avanços rumo à uma melhor e mais clara compreensão siste- ma nervoso. A partir dos anos 1950, o con- hecimento sobre o metabolismo cerebral começou a ser usado e ampliado para entend- er mais sobre as funções cerebrais. Unidade 1 • Introdução à neurociência: o que é e qual sua relação com a educação16/196 Para saber mais Por definição, metabolismo é o conjunto de re- ações químicas pelas quais as moléculas de um organismo são sintetizadas ou degradadas, com liberação de energia. O metabolismo cerebral aqui se refere ao consumo de oxigênio pelas cé- lulas nervosas. O raciocínio é o seguinte: se uma célula fica mais ativa, significa que seu metabo- lismo aumenta e, assim, aumenta seu consumo de oxigênio. Considerando que o metabolismo de células em funcionamento aumenta, estudos ten- tavam estabelecer uma relação entre alter- ações do metabolismo e funções cerebrais, no entanto essas relações só foram melhor delineadas e compreendidas com o adven- to de técnicas mais elaboradas, como a res- sonância magnética funcional (RMf). Aqui, mais uma vez, conceitos já bem estabeleci- dos foram usados como base de novas de- scobertas e, assim, a RMf foi usada pela pri- meira vez em seres humanos na década de 1990. A RMf iniciou uma explosão de conhecimen- tos sobre o funcionamento do encéfalo sem precedentes, por ser não invasiva e bastante detalhada. Estudos com RMf têm permitido compreender que, apesar dos esforços para, Unidade 1 • Introdução à neurociência: o que é e qual sua relação com a educação17/196 literalmente, colocar todas as funções cere- brais no seu devido lugar, a localização de funções e comportamentos tão complexos não está restrita a apenas uma região. É fru- to de uma extensa e igualmente complexa rede de estruturas interligadas, ativadas e desativadas sistematicamente conforme necessário (BEARS; CONNORS; PARADISO, 2002). A compreensão de comportamentos com- plexos, como as memórias e aprendizado, a capacidade de tomar decisões e os padrões de consumo têm sido usado por novas “neurociências”, como a neuroeducação e a neuroeconomia. Parece que, de certa forma, nem os defensores das teorias que explica- vam o encéfalo como algo contínuo, nem aqueles que defendiam a localização exata de funções em regiões limitadas estavam de todo errados, não é mesmo? 3 NEUROCIÊNCIA E EDUCAÇÃO: A RECENTE NEUROEDUCAÇÃO A neuroeducação é uma das áreas que sur- giram como resultado dos achados encon- trados por diversas disciplinas, como a psi- cologia e a pedagogia, em pesquisas sobre o sistema nervoso, nesse caso, mais espe- cificamente sobre as chamadas funções cognitivas, como aprendizagem, memória, atenção e linguagem, junto às necessidades e dificuldades do dia a dia de uma sala de aula (TOKUHAMA-ESPINOSA, 2011). A neuroeducação busca, principalmente, responder a questões sobre como otimizar o Unidade 1 • Introdução à neurociência: o que é e qual sua relação com a educação18/196 processo de aprendizagem usando conhec- imentos sobre a estrutura e função do siste- ma nervoso. Como tornar o aprendizado em sala de aula mais eficiente e agradável, como otimizar a memorização, o que moti- va o aprendizado e como superar limitações neurológicas relacionadas ao aprendizado são exemplos de perguntas levantas pela neuroeducação. Estudos em neuroeducação têm mostra- do como técnicas muitas vezes inusitadas, como a meditação, e outras até mais óbvi- as, como a música, podem contribuir para o processo ensino-aprendizagem e a que mu- danças estruturais e fisiológicas do sistema nervoso estariam associadas. Muito ainda há a ser descoberto e, certamente, as neu- rociências só têm a ganhar com o desen- volvimento dessa jovem aprendiz, a neuro- educação. Unidade 1 • Introdução à neurociência: o que é e qual sua relação com a educação19/196 Glossário Encéfalo: divisão do sistema nervoso central que corresponde às estruturas que estão contidas dentro do crânio: o cérebro, o tronco encefálico e o cerebelo. Empírico: diz-se daquilo que foi concluído a partir de experiências vividas, de observações, do cotidiano, mas sem comprovação científica. Embora um raciocínio empírico possa estar correto, não é baseado em métodos científicos. De forma empírica, sem evidências científicas seguras, podemos até concluir algo verdadeiro, porém corremos o risco de atribuí-lo a razões e mecanis- mos equivocados. Córtex cerebral: camada mais externa do cérebro, que corresponde à substância cinzenta e onde são processadas as complexas funções cerebrais. Apresenta um padrão de sulcos e giros que de- limitam os lobos cerebrais. Ablação experimental: método que consiste em lesionar ou destruir criteriosamente estruturas e regiões do sistema nervoso, a fim de verificar que funções seriam prejudicadas e, dessa forma, averiguar as funções exercidas por determinada região. Lobo(s) cerebral(ais): divisões do córtex cerebral a partir do padrão de sulcos e giros. Em geral, são nomeados de acordo com as adjacências ósseas a que estão relacionadas: lobo frontal, lobo parietal, lobo temporal etc. Questão reflexão ? para 20/196 A neurociência, assim como outras ciências, tem vários exem- plos de observações corretas explicadas por raciocínios equi- vocados que, depois, foram corretamente compreendidos após experimentações científicas, devido às limitações da época em que foram estudados. Mas o que seria da ciência se teorias não fossem questionadas? Reflita sobre a importân- cia de se levantar questionamentos para a ciência, conside- rando que ela é baseada em um processo de aprendizagem, e qual sua relação com o processo ensino-aprendizagem. 21/196 Considerações Finais • A neurociência se ocupa do estudo do sistema nervoso e suas funções. Neu- rocientistas são profissional de diversas áreas de formação; • ao longo da história, de forma direta ou indireta, pesquisadores de diversas áreas foram, através de erros e acertos, descobrindo e desmistificando fatos sobre o sistema nervoso; • a busca de respostas sobre o sistema nervoso tem levado à junção ou contri- buição das neurociências para outros campos e proporcionado o surgimento de novas áreas do conhecimento; • a neuroeducação busca, principalmente,responder a questões sobre como otimizar o processo de aprendizagem usando conhecimentos sobre a estru- tura e função do sistema nervoso. Unidade 1 • Introdução à neurociência: o que é e qual sua relação com a educação22/196 Referências BEAR, M. F.; CONNORS, B. W.; PARADISO, M. A. Neurociências: desvendando o sistema nervoso. Porto Alegre: Artmed, 2002. HERCULANO-HOUZEL, Suzana. Uma breve história da relação entre o cérebro e a mente. In: LENT, Roberto (Org.). Neurociência da mente e do comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koo- gan, 2008. p. 2-17. LENT, Roberto. Cem bilhões de neurônios? Conceitos fundamentais de neurociência. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2010. REZENDE, Joffre Marcondes de. À sombra do Plátano: crônicas de história da medicina. São Pau- lo: Editora Fap-unifesp, 2009. Disponível em: <http://static.scielo.org/scielobooks/8kf92/pdf/ rezende-9788561673635.pdf>. Acesso em: 09 out. 2016. SALLET, Paulo Clemente. Prêmio Nobel: dinamite, neurociências e outras ironias. Rev. Psiquiatr. Clín., [s.l.], FapUNIFESP, v. 36, n. 1, p.37-40, 2009. (SciELO). Disponível em: <http://www.scielo. br/pdf/rpc/v36n1/a07v36n1.pdf>. Acesso em: 9 out. 2016. TOKUHAMA–ESPINOSA, Tracey. Why Mind, Brain, and Education Science is the “New” Brain- Based Education, 2011. Disponível em: <http://education.jhu.edu/PD/newhorizons/Journals/ Winter2011/Tokuhama1>. Acesso em: 10 nov. 2016. http://static.scielo.org/scielobooks/8kf92/pdf/rezende-9788561673635.pdf http://static.scielo.org/scielobooks/8kf92/pdf/rezende-9788561673635.pdf http://www.scielo.br/pdf/rpc/v36n1/a07v36n1.pdf http://www.scielo.br/pdf/rpc/v36n1/a07v36n1.pdf http://education.jhu.edu/PD/newhorizons/Journals/Winter2011/Tokuhama1 http://education.jhu.edu/PD/newhorizons/Journals/Winter2011/Tokuhama1 23/196 1. Podemos simplificadamente definir “neurociência” como: a) a ciência que estuda o cérebro; b) a ciência que estuda o encéfalo; c) a ciência que estuda o sistema nervoso, sua estrutura, funções e doenças; d) a ciência que estuda os nervos; e) a ciência que estuda técnicas para avaliação do sistema nervoso. Questão 1 24/196 2. A neurociência tem contribuição de profissionais: a) apenas médicos, como neurologistas e psiquiatras; b) apenas da área da saúde; c) apenas de físicos e engenheiros; d) de neurocientistas; e) de qualquer área de formação. Questão 2 25/196 3. Quais são cinco as grandes disciplinas básicas que compõem as neuro- ciências? a) Neurociências molecular, celular, sistêmica, comportamental e cognitiva. b) Neurociências química, física, fisiologia, anatomia e histologia. c) Neurociências básica, aplicada, clínica, translacional e social. d) Neurociências genética, histologia, anatomia, psicologia e medicina. e) Neurociências estrutural, funcional, sistêmica, comportamental e cognitiva. Questão 3 26/196 4. Segundo a teoria neuronal, o tecido nervoso é composto de: a) uma teia única e conectada de células; b) várias células individualizadas, com espaços entre si; c) uma única célula com números e extensos prolongamentos; d) várias células individualizadas, numerosas e sem espaço entre si; e) uma única célula com prolongamentos que se comunicam entre si. Questão 4 27/196 5. Que técnica de avalição permitiu às neurociências um avanço sem igual no estudo das funções do encéfalo? a) Ablação experimental. b) Frenologia. c) Eletroencefalograma. d) Ressonância magnética funcional. e) Coloração de Golgi. Questão 5 28/196 Gabarito 1. Resposta: C. A neurociência, mais especificamente as neurociências, é a disciplina que se ocupa em elucidar a estrutura, função e alterações do sistema nervoso. 2. Resposta: E. Qualquer profissional, de qualquer área de formação, pode contribuir com seu conhe- cimento, de forma direta ou indireta, para responder às questões da neurociência. 3. Resposta: A. Vimos que as neurociências podem ser agrupadas em cinco níveis ou grandes dis- ciplinas: a neurociência molecular, a neuro- ciência celular, a neurociência sistêmica, a neurociência comportamental e, por fim, a neurociência cognitiva. 4. Resposta: B. A teoria neuronal defendia que o sistema nervoso era formado por várias células ner- vosas individualizadas, com um espaço en- tre si, mas capazes de se comunicar. 5. Resposta: D. Várias técnicas criadas pela neurociência ou por elas aproveitadas e melhoradas contri- buíram para o melhor entendimento do fun- cionamento do encéfalo e, principalmente, do cérebro, porém a ressonância magnética 29/196 Gabarito funcional, por suas características, é a que mais tem elucidado questões sobre a fun- ção deles. 30/196 Unidade 2 Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso Objetivos 1. Apresentar a definição de sistema nervoso. 2. Conceituar e classificar o sistema ner- voso através das divisões anatômica e funcional. 3. Compreender as funções básicas dos principais órgãos e estruturas do sis- tema nervoso. Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso31/196 Introdução O sistema nervoso é um dos conjuntos de órgãos mais complexos do corpo humano e também dentre todos os animais que pos- suem algum tipo de sistema nervoso. Pou- cos animais têm um sistema nervoso tão complexo quanto o do ser humano, embora tal complexidade não seja sinônimo de su- perioridade. Cada ser vivo tem apenas o sis- tema nervoso que é mais adequado às ne- cessidades que enfrenta para se adaptar ao meio e sobreviver. Uma anêmona-do-mar tem um sistema nervoso muito simples, que responde a estímulos físicos e também químicos (se você já tentou tocar uma anê- mona-do-mar sabe do que estou falando), para que a mesma possa se alimentar e se proteger contra predadores. Isso é mais do que suficiente para a anêmona, um ser ma- rinho séssil (que vive preso em seu substra- to), mas não seria o suficiente para nós, se- res humanos, pois vivemos em sociedade, interagimos uns com os outros, viajamos e nos adaptamos a praticamente todos os lu- gares aonde vamos (MACHADO, 1998). Assim, vale ressaltar que esse grau de com- plexidade está relacionado com a igual complexidade de funções e comportamen- tos comandadas pelo sistema nervoso em questão. Logo, necessidades mais comple- xas levaram ao desenvolvimento de um sis- tema nervoso igualmente mais intrincado. Nós dependemos inteiramente do nosso sistema nervoso, de um simples passo que damos até as nossas complexas emoções, do controle da temperatura corporal a com- portamentos motivados, como a fome e a Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso32/196 consequente busca por alimento. Você deve estar pensando que sentir fome e se ali- mentar é algo simples e natural. Pode pare- cer simples, mas o comportamento alimen- tar envolve uma série de regiões encefálicas e redes neuronais complexas. Tudo isso e tudo que fazemos, pensamos e sentimos é comandado pelo sistema nervoso. Assim, a função principal do sistema nervoso é nos adaptar ao meio, através da percepção de condições internas, externas e a adequa- da resposta fisiológica e comportamental (MACHADO, 1998; BEARS; CONNORS; PA- RADISO, 2002). Para estudá-lo, a fim de desvendar toda a sua complexidade, convencionou-se dividir o sistema nervoso em diversos segmentos e estruturas, cuja localização e identifica- ção segue os chamados planos anatômicos. Além disso, também é possível classificá-lo com base em diversos critérios. Qualquer divisão do sistema nervoso serve apenas para fins didáticos, pois as várias partes que o compõem estão intimamente relaciona- das e integradas tanto morfológica quanto funcionalmente. Uma divisão baseia-se de acordo com os critérios desejados a serem estudados, podendo ser anatômico (com base em sua morfologia macroscópica), embriológico (pelas características do de- senvolvimento a partir da primeira célula que formará determinadostecidos, órgãos e sistemas), funcionais (pelas funções se- melhantes que cada divisão exerce) e seg- mentação (aparente divisão em segmentos que certas partes do sistema nervoso apre- Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso33/196 sentam devido à conexão com os nervos) (MACHADO, 1998). São usados termos aceitos internacional- mente (a nomina anatomica). Essa padroni- zação facilitaria o entendimento dos acha- dos sobre o sistema nervoso por qualquer anatomista, embora não sem alguma con- fusão devido a traduções e uso de outros idiomas diferentes do latim. Porém, não é difícil aprender e recordar o básico. A no- menclatura das estruturas do sistema ner- voso, em geral, vem das estruturas com que estão relacionadas (como os ossos do crâ- nio adjacentes ao córtex cerebral), da sua aparência (como o hipocampo, que signi- fica “cavalo marinho” em grego, devido ao formato que lembra o referido animal) ou da sua função (a exemplo do córtex motor, assim chamado por estar envolvido com o processamento do movimento) (MACHA- DO, 1998, DÂNGELO; FATTINI, 2001). Não se preocupe em decorar todos os no- mes. Ao final desta aula, você estará mais familiarizado com alguns e poderá fazer associações mais facilmente. Neste tema, você terá uma introdução sobre neuroana- tomia: a divisão da anatomia que estuda a organização do sistema nervoso. Irá des- cobrir mais detalhadamente como se en- contra organizado o sistema nervoso com base na sua divisão anatômica e na divisão funcional, ao passo que acompanhará tam- bém um pouco das funções que estruturas inclusas em ambas as divisões executam, além dos envoltórios e o liquor, que fazem sua sustentação e proteção. Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso34/196 1 PARA COMEÇAR: LOCALIZA- ÇÃO ANATÔMICA O estudo da anatomia é guiado por eixos e planos imaginários que fornecem referên- cias para a localização de estruturas no corpo. Não é diferente com a neuroanato- mia (embora seja diferente para o estudo de outros animais não bípedes). Para os fins deste tema, você precisa saber ape- nas as referências dadas pelos três planos anatômicos, que serão úteis para ajudá-lo a localizar as estruturas: plano sagital, fron- tal e transverso. O plano sagital divide o corpo em duas metades laterais, a direita e a esquerda. O plano frontal divide o corpo entre o que está à frente, ou seja, anterior (ou ventral), e atrás, que seria posterior (ou dorsal). Por fim, o plano transverso divide o corpo em uma metade superior (ou cranial), que está acima e outra inferior (ou caudal), abaixo dele (DÂNGELO; FATTINI, 2002). Existe ainda o que está, no meio, entre duas estruturas ou na parte de dentro, mais próx- imo ao meio do corpo: seria a referência medial. Assim podemos localizar qualquer estrutura tomando como referência uma estrutura vizinha e também nomeá-la de acordo com a posição que ocupa. Agora, você pode encontrar o lobo frontal do seu cérebro: ele está localizado posteriormente à sua testa (osso frontal) e recebe esse nome porque se relaciona com o osso fron- tal e, lógico, é o lobo localizado mais fron- talmente. Nele, temos o giro frontal superi- or (imaginando que o plano transversal está Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso35/196 abaixo dele, logo o giro é superior), o giro frontal inferior e o giro frontal médio, en- tre os dois outros giros (DÂNGELO; FATTINI, 2002). Você pode consultar atlas de anato- mia on-line a fim de visualizar as estruturas que serão descritas a seguir, além de obter outras informações sobre anatomia huma- na e neuroanatomia. 2 DIVISÕES DO SISTEMA NER- VOSO: CRITÉRIO ANATÔMICO Segundo o critério anatômico, o sistema nervoso se divide em duas partes principais: sistema nervoso central (SNC) e sistema nervoso periférico (SNP). O SNC é responsável por receber estímulos, processá-los e desencadear respostas. Já o SNP conduz os estímulos do meio externo e das vísceras para o SNC e também faz o ca- minho inverso, levando as respostas do SNC para as vísceras e meio externo. O SNC com- preende todas as estruturas que estão con- tidas dentro da coluna vertebral e da caixa craniana, mais protegidas: a medula espinal e o encéfalo, respectivamente (MACHADO, 1998). 2.1. Sistema nervoso central: medula espinal A medula é uma massa cilíndrica, com duas dilatações (intumescências causadas pela presença maciça de corpos de neurônios que irão emitir seus axônios para formar os nervos que inervam os membros superiores Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso36/196 e inferiores). A medula não ocupa a coluna inteiramente, terminando no início da colu- na lombar. Ao final da medula, encontra-se a cauda equina, um conjunto de filetes nervosos com aparência de uma cauda de cavalo que continua pela coluna, após o fim da medula. Na medula, a substância cinzenta está lo- calizada na parte interna e tem o formato da letra “H”. Na parte externa, está a substân- cia branca. Da medula partem 31 pares de nervos medulares, uma para cada um dos 31 segmentos vertebrais da coluna. A medula processa os primeiros estágios de funções motoras e sensitivas, e reflexos mais primi- tivos, que exigem processamento mais rápi- do, para nos proteger de situações nocivas (MACHADO, 1998; LENT, 2008). Para saber mais Um exemplo é o reflexo de flexão. Quando tocamos uma superfície quente, retiramos a mão rapida- mente e de maneira involuntária. O processamen- to da informação sensorial e a resposta motora são feitos na medula e só depois chegam ao encéfalo, para nos fazer perceber a dor (LENT, 2008). 2.2 Sistema nervoso central: en- céfalo O encéfalo é tudo que está contido na caixa craniana: o tronco encefálico, o mesencé- falo, o cerebelo, diencéfalo e o telencéfalo. As funções do encéfalo são bem mais com- plexas que aquelas desempenhadas pela medula e sua morfologia é irregular e mais Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso37/196 complexa (LENT, 2010). 2.2.1 Tronco encefálico, cerebe- lo e mesencéfalo O tronco encefálico é composto por bulbo, ponte e mesencéfalo. É como uma haste que conecta a medula ao cérebro e lembra um cone invertido. Da sua face ventral parte a maioria dos nervos cranianos. O tronco en- cefálico exerce diversas funções, a maioria vitais, como controle do ciclo sono-vigília, modulação da excitação do córtex cerebral, controle de funções viscerais (como bati- mentos cardíacos e peristaltismo), controle da coordenação motora junto com o cere- belo, além de ser caminho de inúmeras vias e feixes que vão do córtex em direção ao resto do corpo e vice-versa. O cerebelo está situado dorsalmente ao tronco encefálico e inferiormente ao mes- encéfalo e cérebro. Sua aparência lembra um pequeno “cérebro”, como o nome já diz. Possui dois hemisférios (duas metades) e vários lobos, divididos em córtex e núcleos. Está envolvido principalmente no controle motor: manutenção do equilíbrio corporal, tônus muscular, propriocepção da cabeça e do corpo e motricidade fina e também em funções mais complexas, como a apren- dizagem motora e a memória de procedi- mentos. O mesencéfalo é a continuação do tronco encefálico. Está situado superiormente à ponte. Participa do controle da dor, proces- samento dos estímulos visuais e auditivos, Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso38/196 integra estímulos sensoriais do ambiente e a respectiva resposta motora, inclusive al- gumas de origem emocional. Possui estru- turas que participam de circuitos relaciona- dos à memória e emoções e outras por onde o liquor flui entre as cavidades do sistema nervoso. Alguns pares de nervos cranianos emergem a partirdo mesencéfalo (MACHA- DO, 1998; LENT, 2008). 2.1.2 Diencéfalo e telencéfalo Diencéfalo e telencéfalo formam o que cham- amos de cérebro, propriamente dito. O di- encéfalo se continua superiormente com o mesencéfalo e por ele passam calibrosos feix- es de fibras que comunicam o diencéfalo e o telencéfalo com as regiões situadas inferior- mente. O diencéfalo é formado pelo tálamo, hipotálamo e subtálamo, com funções como organizar e distribuir as conexões sensoriais e motoras com o córtex cerebral, controle de ciclos fisiológicos, de comportamentos mo- tivados (como a fome, a sede e o comporta- mento sexual) e da regulação da homeostase em geral. O telencéfalo é a estrutura mais robusta do SNC, situada superiormente ao diencéfalo e dividida em córtex cerebral e núcleos da base. Para saber mais Alguns neurônios do mesencéfalo são muito sen- síveis ao efeito tóxico do álcool. O alcoolismo pode levar a uma perda de memória grave por destrui- ção desses neurônios; é a chamada Síndrome de Korsakoff. Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso39/196 riam entre os indivíduos. Entretanto, alguns se destacam por serem de localização e identifi- cação mais fácil: o sulco longitudinal, na face superior do cérebro, que o separa em hemis- fério direito e esquerdo; e o sulco central, na face lateral, que separa o lobo frontal, do lobo parietal. Anteriormente ao sulco central está o giro pré-central, que processa informações motoras e, posteriormente, está o giro pós- -central, que processa informações sensoriais (LENT, 2010). O córtex está dividido nos seguintes lobos principais: frontal, parietal, temporal e occipi- tal (todos visíveis na face lateral do cérebro, se relacionam com os ossos adjacentes, de mes- mo nome), lobo límbico (composto de regiões de outros lobos assim agrupadas por estarem envolvidas no processamento emocional) e Para saber mais Nos seres humanos, durante o processo evolutivo, o cérebro ganhou muito tecido nervoso, cresceu e acabou se dobrando sobre si mesmo e sobre o diencéfalo, tornando-se cheio de reentrâncias: os sulcos e giros. Isso permitiu um enorme ganho de função em um menor espaço. No telencéfalo, encontra-se o padrão inverso da medula: a substância cinzenta é a camada mais externa e a substância branca é a cama- da mais interna. Na substância branca, estão mergulhados os núcleos da base, aglomera- dos de corpos neuronais que se relacionam funcionalmente com outros núcleos e estru- turas do SNC (LENT, 2010). O córtex é marcado por giros e sulcos que va- Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso40/196 lobo da ínsula, um lobo mais antigo do ponto de vista evolutivo e que acabou encoberto por outros giros (LENT, 2010). O córtex exerce funções extremamente com- plexas: interpreta todos os estímulos senso- riais que recebemos em conjunto, integra di- versas áreas do SNC e SNP para gerar respos- tas motoras e comportamentos complexos; é onde as memórias são armazenadas, proces- sa as emoções, o reconhecimento de rostos e objetos, a noção do que é socialmente acei- tável ou não, a linguagem, o sono, atenção e inúmeras outras funções (LENT, 2010). 2.2 Sistema nervoso periférico O SNP, como o nome diz, compreende as es- truturas periféricas, fora do eixo central e de- sprovidas de proteção óssea. Conecta o siste- ma nervoso central com todo o corpo, sendo composto por nervos, gânglios e terminações nervosas. Os nervos medulares são do tipo misto, formados pela junção de uma raiz mo- tora anterior eferente (leva comandos mo- tores aos músculos e vísceras) e uma raiz sen- sitiva aferente (que leva informações sensori- ais dos músculos e vísceras do corpo, exceto da cabeça) para o encéfalo. Cada raiz sensi- tiva possui um gânglio nervoso, que contém os corpos neuronais cujos prolongamentos vão até o encéfalo. É interessante notar que, em geral, os hemisférios cerebrais comandam lados opostos do corpo: as fibras que saem do córtex cerebral trocam de lado na altura do tronco encefálico, antes de descer pela me- dula (LENT, 2008). Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso41/196 Na cabeça, o SNP é composto pelos 12 pares de nervos cranianos e seus gânglios, que partem do tronco encefálico e do mes- encéfalo. Os nervos cranianos podem ser mistos, exclusivamente motores ou apenas sensitivos. Já as terminações nervosas são a porção final dos nervos que fazem contato com músculos e órgãos e podem ser senso- riais ou motoras (MACHADO, 1998). 3 DIVISÕES DO SISTEMA NER- VOSO: CRITÉRIO FUNCIONAL 3.1 Sistema nervoso somático e visceral De acordo com sua função, o sistema ner- voso pode ser dividido em sistema nervoso somático (SNS) e visceral (SNV), mas esse é um critério apenas didático (ambos são par- te do SNP). O SNS relaciona o indivíduo com o meio: é composto pelos componentes aferentes e eferentes do SNP que inervam a pele e músculos do corpo e da cabeça. O SNS Processa as informações sensoriais de tato, pressão, temperatura, dor, posição e devolvem comportamentos motores, em geral conscientes. Já o SNV é responsável pela inervação das vísceras (músculos lisos, cardíaco, glându- las e vasos): é formado pelos componentes aferentes e eferentes do SNP que levam in- formações sensoriais das vísceras, como dis- tensão do músculo da bexiga e do estômago e devolvem ações motoras como aumento do peristaltismo, esvaziamento da bexiga, au- mento ou diminuição da frequência cardíaca. A parte eferente do SNV é chamada de siste- ma nervoso autônomo (MACHADO, 1998). Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso42/196 3.2 Sistema nervoso autônomo Formado apenas pelo componente efer- ente motor do SNV, devido à sua anatomia e função mais complexas. Exerce funções de controle visceral inconsciente (mas pode ter um certo controle consciente, como é o caso do esvaziamento da bexiga urinária) em resposta às informações sensoriais in- ternas (aferentes viscerais). O SNA também atua em resposta a estímu- los externos, como a contração da pupila de acordo com o estimulo luminoso do ambi- ente. Por sua vez, SNA é dividido em siste- ma nervoso simpático e parassimpático e existem diferenças anatômicas e funcionais entre eles, entretanto são complexas e fo- gem às necessidades desse tema. 3.2.1 Sistema nervoso simpáti- co e parassimpático As principais diferenças entre as duas divisões são: a localização dos neurônios, o tamanho de suas fibras pós-ganglionares, diferenças fi- siológicas (tipos de neurotransmissores e ex- tensão da área que controlam) e farmacológi- cas (relacionadas aos fármacos que induzem respostas em cada um). Muitas vezes, simpático e parassimpático têm funções opostas em um órgão, mas o correto seria dizer que em geral suas funções são com- plementares, visando manter a homeostase e o funcionamento geral do organismo. Por ex- emplo, o simpático determina a dilatação e o parassimpático a contração da pupila. Já nas glândulas salivares, ambos atuam aumentan- Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso43/196 do a salivação. Entretanto, a saliva produzida por indução do simpático é mais espessa, enquanto a secreção salivar induzida pelo parassimpático é mais fluida e abundante (LENT, 2010). Você pode vi- sualizar todas as divisões e estruturas abordadas nesse tema no Quadro 1. Quadro 1 – Quadro didático apontando as divisões anatômica e funcional do sistema ner- voso abordadas nesse tema e as estruturas que compõem cada uma. SNC Encéfalo Medula espinal Cérebro Cerebelo Tronco encefálico Telencéfalo Diencéfalo Mesencéfalo Ponte Bulbo Córtex cerebral Núcleos da base Tálamo, hipotálamo, subtálamo Córtex Núcleos SNP Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcionalbásica I: organização e função do sistema nervoso44/196 Nervos cranianos Nervos espinais SNS Aferentes – cabeça meio externo Eferentes – cabeça meio externo Aferentes – corpo meio externo Eferentes – corpo meio externo SNV Aferentes – vísceras cabeça Eferentes –vísceras cabeça Aferentes – vísceras corpo Eferentes – vísceras corpo Fonte: MACHADO, 1998; LENT, 2008. 5 ENVOLTÓRIOS DO SISTEMA NERVOSO E LIQUOR O sistema nervoso é envolvido pelas meninges e pelo liquor (ou líquido cefalorraquidiano). As meninges são três finas camadas de tecidos que protegem e sustentam o sistema nervoso, além de participar da sua irrigação sanguínea e inervação, chamadas de dura-máter (mais externa, próxima aos ossos, espessa e resistente, que se invagina entre estruturas do encéfalo, dando-lhe sustentação), aracnoide (localizada entre a dura e a pia-máter) e pia-máter (mais delgada e in- terna, próxima ao tecido nervoso) (MACHADO, 1998). Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso45/196 O liquor é um líquido aquoso, transparente e pobre em proteínas produzido por certas células nervosas nos ventrículos (cavidades do encéfalo). O liquor circula por todo o sistema nervoso, dentro do espaço subarac- noideo (entre a aracnoide e a pia-máter, onde são feitas as punções para coleta de líquor e aplicação de anestesia raquidiana) e sua função é absorver de choques mecâni- cos e deixá-lo mais leve (ao “boiar” nesse líquido, um encéfalo de 1,5kg no ar, pesa apenas cerca de 50g imerso em liquor). Para saber mais Curiosamente, o tecido nervoso percebe as sen- sações vindas de todas as partes do corpo, po- rém não tem terminais sensoriais nele próprio. Estímulos sensoriais, como a dor, são sentidas pelos terminais nervosos das meninges. A dor de cabeça, por exemplo, pode percebida nas menin- ges. Por isso, cirurgias no cérebro podem ser fei- tas com o paciente acordado e anestesia local. Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso46/196 Glossário Substância cinzenta e substância branca: na substância cinzenta predominam os corpos dos neurô- nios, que confere aspecto mais escuro a essa camada quando vista em peças anatômicas fixadas. Já na substância branca predominam os axônios dos neurônios, o que confere aspecto esbranquiçado. Aferência e eferência: aferência diz respeito às informações sensoriais do meio externo e interno (periféricas) que são levadas para o SNC. Por sua vez, eferências são as informações processadas pelo SNC que são levadas para músculos e vísceras. Propriocepção: capacidade de sentir e reconhecer a posição do próprio corpo e de partes deles no espaço, assim como a direção que seguem, força exercida etc. Motricidade fina: habilidade de executar movimentos finos e delicados, como a escrita. Homeostase: capacidade do organismo de manter o meio interno equilibrado e em condições ótimas para seu funcionamento, como temperatura estável, níveis de sódio e glicose ideais etc., de forma autorregulada. Núcleos e gânglios: ambos são aglomerados de corpos de neurônios, porém núcleos encontram-se no SNC, enquanto gânglios estão no SNP. Questão reflexão ? para 47/196 Imagine uma situação simples do seu dia a dia e tente associar as estruturas e funções que estão sendo envol- vidas. Descreva em um papel as atividades (andar, ves- tir-se, ministrar uma aula), as ações tomadas (mexer a mão, segurar um lápis, falar) e quais estruturas do sis- tema nervoso estariam envolvidas. Descreva os tipos de estímulos (tato, temperatura, visão) percebidos e a res- posta do seu corpo. 48/196 Considerações Finais • O sistema nervoso é dividido com base em critérios anatômicos em sistema nervoso central (SNC) e periférico (SNP); • o SNC compreende os órgãos e estruturas contidos no esqueleto axial, enquanto o periférico compreende estruturas que se projetam para todo o corpo; • o sistema nervoso também pode ser dividido com base em critérios funcionais em sistema nervoso somático (SNS) e visceral (SNV); • o SNA é uma divisão tanto anatômica (faz parte do SNP) quanto fun- cional (é a divisão do SNV que controla a parte motora das vísceras); • o SNA é dividido em simpático e parassimpático; • o sistema nervoso é envolvido pelas meninges e por um fluido cha- mado liquor, que o sustentam e protegem. Unidade 2 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica I: organização e função do sistema nervoso49/196 Referências BEAR, Mark F.; CONNORS, Barry W.; PARADISO, Michael A. Neurociências: desvendando o siste- ma nervoso. Porto Alegre: Artmed, 2002. DÂNGELO, José Geraldo; FATTINI, Carlo Américo. Anatomia Humana Sistêmica e Segmentar. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2001. LENT, Roberto. A estrutura do sistema nervoso. In: LENT, Roberto (Org.). Neurociência da mente e do comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. p. 20-42. LENT, Roberto. Cem bilhões de neurônios? Conceitos fundamentais de neurociência. 2. ed. São Paulo: Atheneu, 2010. MACHADO, Angelo. Neuroanatomia funcional. 2. ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 1998. 50/196 1. Quais são os três planos que auxiliam na localização de estruturas anatô- micas? a) Planos sagital, frontal e transverso. b) Planos ortogonal, sagital e frontal. c) Planos sazonal, frontal e coronal. d) Planos, eixos e linhas. e) Planos, eixos e suturas. Questão 1 51/196 2. O sistema nervoso pode ser dividido: Questão 2 a) com base em critérios anatômicos, embrionários, funcionais e segmentar; b) com base na semelhança física das estruturas; c) com base em critérios de sua localização; d) com base em diferenças de estruturas e funções; e) com base em critérios definidos por cada anatomista. 52/196 3. De acordo com o critério anatômico, o sistema nervoso se divide em: Questão 3 a) sistema nervoso central e somático; b) sistemas neurais e centrais; c) sistema nervoso autônomo e periférico; d) sistema nervoso central e periférico; e) sistema neurais e periféricos. 53/196 4. São exemplos de estruturas anatômicas que compõem o encéfalo: Questão 4 a) Nervos e gânglios. b) Meninges e líquor. c) Telencéfalo e diencéfalo. d) Medula espinal e nervos mistos. e) Telencéfalo e nervos espinais. 54/196 5. Assinale a alternativa correta sobre o sistema nervoso autônomo: Questão 5 a) É uma divisão do sistema nervoso central. b) È o componente eferente do sistema nervoso visceral. c) È uma divisão baseada em critérios anatômicos. d) È o componente aferente do sistema nervoso periférico. e) È uma divisão baseada em critérios embriológicos. 55/196 Gabarito 1. Resposta: A. Os planos que orientam a localização ana- tômica são os planos sagital, frontal e trans- verso, que dividem o corpo em regiões de referência (lateral direita - lateral esquerda, posterior – anteriorl e superior - inferior). 2. Resposta: A. O sistema nervoso pode ser dividido com base em vários critérios para fins didáticos, como os critérios anatômicos, embrioná- rios, funcionais e segmentar. 3. Resposta: D. De acordo com o critério anatômico, a prin- cipal divisão do sistema nervoso é em siste- ma nervoso central e periférico. 4. Resposta: C. O encéfalo é composto por todas as estrutu- ras e regiões contidas dentro do crânio, como, por exemplo, telencéfalo e diencéfalo, além de tronco encefálico, mesencéfalo e etc. 5. Resposta: B. O sistema nervoso autônomo é a parte efe- rente do sistema nervoso visceral, ou seja, os nervos motores que comandam e regu- lam as vísceras. 56/196 Unidade 3 Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido nervoso Objetivos 1. Introduzir o conceito de tecido nervo- so. 2. Apresentar os elementos constituin- tes do tecido nervoso e suas caracte- rísticas morfológicas e funcionais. 3. Conceituar a comunicação neuronal através das sinapses e da neurotrans- missão. Unidade 3 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básicaII: Organização e função do tecido nervoso57/196 Introdução Desde que o ser humano começou a ques- tionar a fonte de seus movimentos, pens- amentos, sentidos e emoções, um longo caminho já foi percorrido e diversos ob- stáculos superados. Hoje, sabemos que muito ainda há para se questionar e desco- brir, porém, após superadas algumas lim- itações, é fato que nosso sistema nervoso é o responsável por manter nosso organismo em equilíbrio e ainda permitir a nossa in- teração com o meio e com uns aos outros. Por sua vez, outro fato é que, desde as bri- gas entre os “inimigos” acadêmicos Cami- lo Golgi (1843-1926) e Santiago Ramón y Cajal (1852-1934), sabemos que a unidade básica do tecido nervoso são minúsculas células, assim como se acreditava ser para todos os nossos tecidos. Com o advento de técnicas histológicas de fixação (para conservar e enrijecer o teci- do até que seja possível cortá-lo em fatias muito finas) e de coloração (que nada mais são que empregar uma série de substâncias químicas com afinidade por certas molécu- las e partes da célula, dando cor a elas), foi possível observar essas unidades mi- croscópicas usando colorações que tingiam algumas células, enquanto outras não eram “coloridas”. Franz Nissl (1860-1919) criou a chamada coloração de Nissl (muito útil e usada até hoje praticamente da mesma forma de quando criada, no final do século XIX), mas foi a coloração de Golgi que per- mitiu a observação e descrição em detalhes das células do sistema nervoso, os famosos neurônios e suas companheiras principais, Unidade 3 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido nervoso58/196 as células da glia. Aprimorando a técnica e análise de Golgi, Cajal descreveu alguns ti- pos de neurônios e como eles se organiza- vam com uma riqueza de detalhes impres- sionante para a época. Observou que há um espaço entre os neurônios, que não se tocam fisicamente. Mais tarde, Charles Sherrington (1857-1952) chamou esse espaço de sinapse (BEARS; CONNORS; PARADISO, 2002). Depois disso, a neurociência foi descobrin- do que as propriedades únicas que as células nervosas apresentam é o que torna possível todas as funções que nosso encéfalo é ca- paz de exercer, como aprender, por exemplo. Aliás, podemos dizer que aprendemos algo, mas que, muito antes de nos darmos conta desse processo, nossos próprios neurônios também estão em aprendizado. Pode-se dizer que “ver” o tecido nervoso por dentro, com seus neurônios, células da glia e sua organização típica foi um dos maiores passos dados pela neurociência e permitiu a compreensão de muitos dos mistérios so- bre o sistema nervoso. Nesta aula, você estudará a estrutura e funções do tecido nervoso – a morfologia dos neurônios e células da glia, ou seja, sua estrutura básica, as partes dos neurônios, suas funções, como se dá a comunicação neuronal –, verá em mais detalhes as sinaps- es químicas e estudará é o papel da glia. Só para que você entenda melhor, a morfolo- gia é área que estuda a estrutura, a forma dos seres vivos. A morfologia pode ser dividida em anato- mia, que estuda a parte macroscópica, ex- Unidade 3 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido nervoso59/196 terna; e histologia, que se ocupa da estru- tura microscópica dos tecidos, interna. O foco são as células nervosas, portanto você terá o ponto de vista microscópico e de for- ma crescente: de suas partes centrais, para as partes periféricas, juntamente com suas funções. Porém, é importante ter em men- te que essa é apenas uma divisão didática. O sistema nervoso funciona de modo glob- al, com todos os seus elementos perfeita- mente integrados, como em uma orquestra bem afinada e regida de modo que o resul- tado final é uma harmoniosa música. 1 O TECIDO NERVOSO Um tecido é um conjunto de um ou mais tipos de células especializadas em realizar deter- minadas funções no organismo. Os tecidos se agrupam em órgãos e esses, por sua vez, em sistemas. O tecido nervoso se diferen- cia por ser sensível a estímulos: sua função é receber estímulos do meio ambiente e do meio interno do organismo e processar uma resposta adequada, que pode ser a ação de um órgão, contração muscular, um com- portamento, a percepção de uma sensação, tudo para manter a homeostase e permitir a interação com o meio externo. As células que os constituem são de dois tipos: neurô- nios e células da glia (MOURA-NETO, 2008). Para facilitar o estudo, você poderá acom- panhar fotos de lâminas de tecido nervoso e outras informações e conceitos sobre técni- cas de histologia em atlas de microscopia e patologia disponíveis on-line. Unidade 3 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido nervoso60/196 2 O NEURÔNIO Os neurônios são células do tecido nervoso que se diferenciam por serem excitáveis: são capazes de serem estimulados, recebendo informações tanto do meio externo, ou seja, o que vemos, ouvimos, sentimos, quanto do meio interno, do próprio organismo, como a temperatura corporal, a quantidade de sub- stâncias dissolvidas no sangue etc. São tam- bém capazes de interpretar esses estímulos e responder com alguma ação ou comporta- mento, como gerar contração muscular e au- mentar a sudorese a fim de regular a tempera- tura corporal, caso esteja alta, por exemplo. Possuímos cerca de 85 bilhões de neurônios, distribuídos em diversas regiões, e há muitos tipos de neurônios, sendo essa grande var- iedade morfológica que permite que nosso sistema nervoso execute tantas funções dif- erentes, entretanto a estrutura básica dos neurônios é a mesma. Um neurônio típico é basicamente composto de corpo celular e prolongamentos neuronais e, assim como qualquer célula, é totalmente envolvido pela membrana plasmática, que separa o meio in- terno da célula do meio externo (LENT, 2010). Para saber mais Até pouco tempo, acreditava-se que tínhamos cerca de 100 bilhões de neurônios. Calma, não perdemos neurônios. Devemos esse número a um grupo de neurocientistas brasileiros. Eles de- senvolveram uma técnica que permite contar o número de neurônios presentes numa “sopa” de cérebro de forma simples e inovadora, levando a neurociência brasileira a ganhar o reconhecimen- to da comunidade científica mundial (LENT, 2010). Unidade 3 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido nervoso61/196 2.1 Corpo celular O corpo celular dos neurônios, também chamado de soma neuronal, varia muito de forma e tamanho, conforme a localização e a função exercida no tecido nervoso: há corpos celulares com formato piramidal, estrelado, fusiforme, entre outros, que vari- am aproximadamente de 5 a 150µM. A membrana plasmática do neurônio fun- ciona como uma barreira que limita o meio interno da célula, chamado de citoplasma (ou pericárdio). Além disso, a membrana plasmática também é diferente entre os diversos tipos de neurônios, embora todas possuam alguns elementos importantes, como proteínas complexas que atraves- sam total ou parcialmente. Algumas dessas proteínas formam canais por onde passam apenas alguns íons ou moléculas específicas e, assim, contribuem para a manutenção de cargas elétricas diferentes dentro e fora da célula. No citoplasma neuronal, assim como em outros tipos de células, estão mergulha- dos o núcleo, que contém o material genéti- co, e várias organelas citoplasmáticas, pequenas estruturas com diversas funções Para saber mais Pode ser difícil imaginar quão pequena é essa célula que comanda todo nosso corpo e mente. Para ter uma ideia do tamanho de um neurônio em metros, por exemplo, basta dividir esse valor por 1 milhão. Assim, um neurônio de 5µM teria 0,000005m. Unidade 3 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido nervoso62/196 fisiológicas. O retículo endoplasmático rugoso (organe- la que recebe esse nome porque está asso- ciadoa ribossomos, o que lhe confere uma aparência rugosa) forma os grumos obser- vados por Nissl ao microscópio óptico, con- hecidos como corpúsculos de Nissl. Assim como outras células, o neurônio possui um citoesqueleto, um arcabouço de proteínas que dão sustentação e permitem o trans- porte de organelas e moléculas ao longo da célula e seus prolongamentos. O corpo celu- lar pode ser comparado ao motor do neurô- nio, pois concentra suas funções metabóli- cas, produzindo todas as proteínas (inclu- sive os neurotransmissores) que a célula necessita, além de ser local de recepção de estímulos que chegam pelos dendritos e de- pois são conduzidos para o axônio (MACH- ADO, 1998). 2.2 Prolongamentos Do corpo celular do neurônio partem diver- sos prolongamentos, alguns mais delicados, outros mais calibrosos, os chamados neuri- tos. Os neuritos, por sua vez, podem ser de dois tipos: dendritos e axônios (MACHADO, 1998). 2.2.1 Dendritos Os dendritos são prolongamentos em geral curtos, bastante numerosos e muito rami- ficados. A palavra dendrito vem do grego déndron e significa “árvore”, devido à ca- racterística ramificação desses prolonga- Unidade 3 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido nervoso63/196 mentos como os galhos de uma árvore, de um diâmetro maior para ramos de diâmetro menor. Os dendritos são responsáveis pela recepção dos estímulos que chegam ao neurônio, ou seja, são as terminações aferentes da célula e recebem as informações que chegam do ambiente, do próprio organismo ou de out- ro neurônio (MACHADO, 1998). 2.2.2 Axônios O axônio (do grego axón, que significa “eixo”) é um prolongamento único, cilíndrico e fino, que parte do corpo celular numa região de- nominada cone de implantação. Pode ram- ificar, mas, ao contrário dos dendritos, gera ramos de mesmo diâmetro e pode apresen- tar uma arborização em sua porção termi- nal, onde se comunicam com os dendritos de outros neurônios ou com uma célula efetuadora. Dessa forma, dizemos que o axônio é o prolongamento eferente, ou seja, que leva a informação do sistema nervoso em direção a outras regiões, como uma re- sposta a algum estímulo que foi recebido pelo neurônio. Ao contrário dos dendritos, que se ramificam apenas no local onde se encontram, o axônio alcança comprimentos variados. Na espécie humana, pode variar de alguns milímetros a até um metro ou mais. Esse último é o caso do axônio de um neurônio motor que deixa a medula espinal e segue seu caminho pela perna até chegar ao dedão do pé, inervan- do a musculatura responsável pelo movi- Unidade 3 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido nervoso64/196 mento do dedo. Os axônios também podem ser envolvidos por uma camada de lipídios (gordura), que funciona como um isolante elétrico, a bainha de mielina. Os neurônios cujo axônio possui bainha de mielina são chamados de fibras mielínicas, enquanto os que não possuem são classificados como fi- bras amielínicas. Isso é importante porque a transmissão da informação entre fibras (axônios) mielínicas e amielínicas é muito diferente. Existem pequenos espaços entre uma porção da bainha de mielina e outra (os nós de Ranvier, você verá mais sobre o assun- to no tópico “células da glia”). Como a gor- dura é um isolante elétrico, o impulso ner- voso passa “saltando” a mielina, pulando de um espaço de membrana sem mielina para o próximo rapidamente. Já nos axô- nios amielínicos, o impulso percorre toda a membrana continuamente, logo a trans- missão é mais lenta (MACHADO, 1998). 3 O POTENCIAL DE AÇÃO A membrana plasmática de qualquer célula permite que o meio interno da célula apre- sente uma carga mais negativa (rica em íons potássio) que o meio externo (com maior con- centração de íons cloro e sódio). Porém, os ca- nais que atravessam a membrana dos neurô- nios são de dois tipos e exclusivos do tecido nervoso: canais sensíveis a mudanças elétri- cas (canais voltagem-dependente) e canais que reconhecem certas substâncias químicas (canais ligante-dependente), os chamados Unidade 3 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido nervoso65/196 neurotransmissores. Os íons estão constan- temente saindo e entrando da célula a fim de manter a diferença de cargas estável. Essa dif- erença eletroquímica é responsável por cau- sar uma diferença de potencial, conhecida por potencial de repouso. Porém, os estímulos que os neurônios re- cebem têm a capacidade de modificar o po- tencial de repouso. Assim, ao serem excit- ados, respondem com o potencial de ação, gerado pela inversão das cargas elétricas da membrana. De forma bastante simplificada, ocorre o seguinte: em “repouso”, o interior do neurônio é mais negativo que o meio exter- no (ou seja, membrana negativa por dentro e positiva por fora). Se um estímulo chega ao neurônio e “perturba” o repouso, a carga mais negativa do interior da membrana sai e torna o meio interno menos negativo que o meio externo (agora a membrana está pos- itiva por dentro e negativa por fora). Esse processo é chamado de despolarização e começa no cone de implantação, região rica em canais dependentes de voltagem. O interessante é que a despolarização leva a mudanças que fazem com que a membrana volte ao normal e ainda fique impossibilitada de gerar um novo potencial de ação. No en- tanto, se o potencial gerado continuar com força suficiente, pode estimular o próximo tre- cho de membrana do axônio que ainda estava em repouso e o despolariza. Isso acontece em pequenos trechos da membrana por vez, em sequência, até que essa série de potenci- ais de ação, que constitui o impulso nervoso, chega ao terminal axonal do neurônio. Cada Unidade 3 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido nervoso66/196 potencial de ação dura cerca de 1 milissegun- do e o impulso nervoso ao longo do axônio é conduzido a uma velocidade de 20 a 200 m/ seg (MOURA-NETO, 2008; BEARS; CONNORS; PARADISO, 2002). sentar-se e, assim, a ola “caminha” através da arquibancada. A transmissão do impulso seg- ue o princípio do “tudo ou nada”, ou seja, não há meio-termo. Ou o potencial de ação ger- ado é intenso o suficiente para despolarizar a membrana neuronal ou não há despolar- ização e, consequentemente, o impulso ner- voso “morre” e não é passado adiante. Por fim, quando o impulso nervoso chega ao terminal axonal, pode provocar a liberação de neuro- transmissores. Agora, muda a linguagem de comunicação entre os neurônios: de elétrica para química, a neurotransmissão. 4 SINAPSES E NEUROTRANSMIS- SORES Você já sabe que a linguagem falada pelos Para saber mais Mais uma vez, para que você tenha uma ideia da velocidade de condução do impulso nervoso, transforme esse dado: multiplique 200m/s por 3,6 e você terá o valor em quilômetros por hora. São exatos 720km/h. Impressionante, não? É como se fosse aquela onda feita por torce- dores em um estádio de futebol. Uma file- ira de pessoas começa e se levanta com os braços erguidos, logo a segunda fila também se levanta, enquanto a primeira já voltou a Unidade 3 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido nervoso67/196 neurônios é um sinal elétrico, o potencial de ação. Mas o impulso nervoso não pode vencer o espaço existente entre dois neurô- nios. Como ocorre, então, a transmissão do impulso nervoso de um neurônio a outro? A resposta está na sinapse (do grego syn- apsis ”conexão”), o local onde dois neurô- nios fazem contato. Existem dois tipos de sinapses: elétricas e químicas. As sinapses elétricas são chamadas de junções comu- nicantes. Nelas, a transmissão do impulso nervoso ocorre de maneira direta entre as células, através de proteínas especiais que as conectam, e por isso é muito mais rápi- da. São muito abundantes durante o desen- volvimento do tecido nervoso, mas acabam por se tornar poucocomuns no sistema ner- voso humano adulto. No entanto, são mui- to comuns em animais invertebrados, que possuem funções nervosas mais simples e precisam responder rapidamente ao ambi- ente para poder sobreviver. A sinapse química, ou apenas sinapse, é mais abundante no sistema nervoso adulto e sua estrutura e funcionamento são mais complexas. A sinapse é formada por um neurônio chamado pré-sináptico, por um segundo neurônio, o neurônio pós-sinápti- co e pelo espaço entre eles, a fenda sináp- tica. O impulso nervoso chega ao terminal axonal do neurônio pré-sináptico. Se for intenso o suficiente, provoca a liberação dos neurotransmissores na fenda sináp- tica, que se difundem até chegar aos den- dritos do neurônio pós-sináptico. Proteínas na membrana (os receptores) do neurônio Unidade 3 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido nervoso68/196 pós-sináptico reconhecem a molécula de neurotransmissor e desencadeiam um novo potencial de ação nesse segundo neurônio. Imagine que você vive no início do século XX e quer saber um pouco mais sobre os neurô- nios que Cajal anda descrevendo, por isso você escreve uma carta para ele. Você trans- forma o que gostaria de perguntar a ele em palavras escritas e envia a carta. Nesse ex- emplo, você é um neurônio pré-sináptico. A distância entre você e Cajal é a sinapse, a sua pergunta é o impulso nervoso que deve chegar ao neurônio pós-sináptico e a carta é o neurotransmissor. Há vários tipos de neurotransmissores, pro- duzidos por tipos diferentes de neurônios: há os neurotransmissores excitatórios (que estimulam os neurônios), como o glutama- to; neurotransmissores inibitórios (que irão inibir a ação do próximo neurônio, “desli- gando” o potencial de ação) como o GABA (ácido gama-aminobutírico); alguns são hormônios, como a ocitocina e a vasopressi- na ou um gás, como o óxido nítrico. Os neu- rotransmissores têm diferentes funções: atuam em circuitos ligados a sensação de prazer e bem-estar, como a dopamina e a serotonina e outros estão associados ao aumento dos batimentos cardíacos, como a adrenalina, por exemplo (MOURA-NETO, 2008; BEARS; CONNORS; PARADISO, 2002). 5 CÉLULAS DA GLIA A palavra glia vem do grego e significa “cola”. São as células mais numerosas do tecido Unidade 3 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido nervoso69/196 nervoso e de menor tamanho. Relacionam- se diretamente com os neurônios, tanto no sistema nervoso central (SNC) quanto no sistema nervoso periférico (SNP), exercendo diversas funções (MOURA-NETO, 2008). As principais células da glia são: a) Astrócitos: tipo de glia mais numeroso do sistema nervoso central. São célu- las com formato de estrela de dois ti- pos: astrócitos fibrosos (localizados na substância branca) e astrócitos proto- plasmáticos (presentes na susbtância cinzenta). De seus prolongamentos partem expansões conhecidas por pés astrocitários, que envolvem vasos sanguíneos do tecido nervoso. Assim, formam uma barreira altamente se- letiva que retira do tecido nervoso os íons potássio em excesso e substân- cias tóxicas aos neurônios. Para saber mais Os astrócitos participam da barreira hematoen- cefálica, uma estrutura vascular que seleciona o que entra e sai do tecido nervoso. Fármacos que atuam no sistema nervoso devem ser capazes de atravessar a barreira hematoencefálica, o que torna o estudo e síntese dessas substâncias um desafio. Os astrócitos dão sustentação, isolamento e proteção aos neurônios, armazenam gli- cose como fonte de energia para uso dos neurônios, participam de processos de cica- trização do tecido nervoso e captam o glu- tamato da fenda sináptica, que em excesso é tóxico aos neurônios. b) Oligodendrócitos e células de Unidade 3 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido nervoso70/196 Schwann: são pequenas células cu- jos prolongamentos que partem do corpo celular envolvem os axônios dos neurônios, formando a bainha de mielina. Cada prolongamento irá for- mar um “internó” de mielina, alterna- do por regiões de membrana “nuas”, sem mielina, os nós de Ranvier. Cada oligodendrócito pode prover bainha de mielina para 50 axônios ou mais. Já as células de Schwann são equiv- alentes aos oligodendrócitos no SNP. Atuam formando a bainha de mieli- na de axônios que formam os nervos periféricos. Cada célula de Schwann é capaz de envolver apenas um axônio por vez. Além disso, algumas célu- las de Schwann envolvem o axônio e formam mielina, enquanto outras o envolvem da mesma forma, mas não mielinizam. c) Microgliócitos: células capazes de re- alizar fagocitose, ou seja, de englobar e digerir partículas e detritos celu- lares. São ativadas em reposta a in- fecções, inflamação, traumas (lesões mecânicas do tecido), isquemia (lesão por falta de irrigação sanguínea) etc. Realizam a destruição de microorgan- ismos invasores e “limpam” detritos de células nervosas mortas. d) Células ependimárias: conjunto de células que reveste as cavidades do SNC e estão envolvidas, principal- mente, no transporte de moléculas entre o líquor e o tecido nervoso. Unidade 3 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido nervoso71/196 Há ainda um tipo de glia que permanece indiferenciado, ou seja, com capacidade de se tornar outros tipos de células: as cé- lulas-tronco neurais. Ao contrário do que se pensava, o cérebro adulto ainda possui a capacidade originar outros neurônios ou glia em algumas regiões específicas, que podem migrar e substituir células lesiona- das (MOURA-NETO, 2008; LENT, 2010). Unidade 3 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido nervoso72/196 Glossário Diferença de potencial: grandeza física gerada pela diferença de cargas elétricas entre dois pontos, permitindo o fluxo de partículas carregadas em um condutor de um ponto a outro, a cor- rente elétrica. Células efetuadoras: são células não neuronais que recebem a “ordem” dada pelo sistema ner- voso para exercer alguma função ou comportamento, como uma célula muscular que se contrai ou uma célula secretora que libera um hormônio. Estímulo: qualquer evento que chegue por vias aferentes, na forma de sinal elétrico, captado por receptores que se comunicam com o meio ambiente ou com o meio interno, como uma imagem, som, dor, emoção, toque ou uma dor visceral, a distensão da bexiga quando está cheia, o alimen- to no estômago etc. Questão reflexão ? para 73/196 Considerando a estrutura das células nervosas que você acabou de estudar, reflita sobre a relação entre estrutu- ra e função. O que faz um neurônio ser capaz de se co- municar com outras células nervosas? Que importância isso tem para o funcionamento do sistema nervoso? 74/196 Considerações Finais (1/2) • O tecido nervoso é formado por unidades independentes, os neurônios e as células da glia; • os neurônios possuem um corpo celular e prolongamentos, os dendritos e axônios; • o que determina a existência dos vários tipos neuronais e as diferentes fun- ções que exercem é a grande variedade de formatos do corpo celular, den- dritos e axônios, dos neurotransmissores que produz e o local onde se en- contram o potencial de ação é um fenômeno elétrico que se propaga ao longo do axônio na forma do impulso nervoso e quando chega ao terminal axonal provoca a liberação dos neurotransmissores; • as células nervosas não se tocam diretamente e se comunicam através das sinapses, que podem ser elétricas ou químicas, sendo as últimas as mais re- levantes no sistema nervoso humano adulto; 75/196 Considerações Finais (2/2) • as células da glia têm função de sustentação, alimentação do tecido, reno- vação de neurotransmissores, defesa imunológica, cicatrização e regenera- ção. Unidade 3 • Fundamentos de neuroanatomia funcional básica II: Organização e função do tecido nervoso76/196 Referências
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