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1 FITO-HORMONAS Considerações gerais sobre a acção das fitohormonas Os organismos multicelulares são constituidos por uma grande número de orgãos e tecidos especializados, reunidos por forma a constituirem uma unidade funcional. A coordenação e a integração das várias partes do organismo é conseguida através de mensageiros químicos chamados hormonas. Duma maneira geral podemos definir as fitohormonas como substâncias de baixo peso molecular que, em concentrações muito baixas (ex. 10-6 a 10-8 M), desempenham funções reguladoras específicas, normalmente para além da célula individual, sem serem alteradas químicamente. Este efeito "catalítico" resulta do facto de elas se ligarem a receptores específicos, que, assim, passam a um estado activo. As hormonas vegetais provocam efeitos múltiplos, isto é, a mesma hormona é capaz de afectar, em diferentes células, muitas reacções fisiológicas diferentes. As fitohormonas conhecidas são moléculas relativamente simples. Elas ligam-se, especificamente e de forma reversivel, a moléculas receptoras existentes nos tecidos alvo. A formação do complexo hormona-receptor corresponde ao ligar de um interruptor de "off" para "on". Toda a restante informação necessária para a execução da complexa sequência de processos na planta está contida na programação das células que reagem (células alvo). As hormonas são, portanto, simples desencadeadores (gatilhos) não específicos de sequências de reacções pre´-estabelecidas nas células. Os receptores das hormonas são definidos funcionalmente através de dois critérios: 1) pela capacidade de ligarem específica e reversivelmente e com elevada afinidade, moléculas duma hormona; 2) pela capacidade de iniciarem, numa célula, uma cadeia de sinais bioquímicos que conduzem a uma resposta fisiológica. ligação transdução do sinal Hormona + receptor ⇔ Complexo hormona-receptor ⇔ Sequência de reacções⇔ Resposta Fig.1 – Esquema do modo de actuação das hormonas vegetais Recentemente tem sido possivel identificar, por métodos bioquímicos e genéticos, algumas proteinas associadas aos sistemas de membranas das células que são verdadeiros receptores, para algumas hormonas. 2 O esquema apresentado pretende ilustrar o modo como funcionam as fitohormonas Em muitas das respostas das plantas desencadeadas por fitohormonas devem participar vários tipos de moléculas como G-proteinas, proteina cinases e mensageiros secundários como o cálcio. Métodos de detecção, quantificação e análise das hormonas vegetais Os biotestes (bioensaios) foram instrumentos de grande importância nas investigações iniciais das hormonas vegetais, sendo alguns ainda usados para detectar a presença de actividade biológica em amostras vegetais. O primeiro bioteste usado (para as auxinas) foi o teste de curvatura de Avena ou de Went (Fig.2), mas vários outros foram utilizados no estudo dos diferentes grupos de hormonas. Entretanto, com o enorme aperfeiçoamento dos métodos de análise química e o desenvolvimento de equipamentos sofisticados de grande sensibilidade, foi possivel desenvolver métodos fisicoquímicos mais precisos os quais combinam processos de purificação das amostras (extractos) biológicas como a cromatografia em camada fina (TLC), a cromatografia de fase líquida de alto rendimento (HPLC) e a cromatografia de fase gasosa (GC), com a espectrometria de massa. Esta metodologia permite a identificação precisa de auxinas e de outras fitohormonas, e pode detectar quantidades de IAA da ordem de 10-12 g (1pg). Um outro método, designado rádioimunoteste, utiliza anticorpos específicos, que recohecem a hormona em estudo, e hormona radioactiva (marcada com tritium). Este método também permite a detecção e quantificação de niveis muito baixos de hormona na ordem dos 10-9 g (ng). Uma variante dos radioimunotestes utiliza, em vez de hormona radioactiva, a hormona conjugada com uma enzima (geralmente uma fosfatase alcalina). Este método, chamado teste ELISA (enzyme-linked immunosorbent assay) é igualmente sensivel. Fig.2 –Teste de curvatura de Avena ou de Went 3 Auxinas O processo que conduziu à descoberta da auxina iniciou-se com Charles Darwin que, por volta de 1880, investigava o fenómeno do fototropismo em coleoptilos da gramínea Phalaris canariensis. Seguiu-se um período de várias décadas em que se fizeram alguns progressos sobre os mecanismos do fototropismo, até que, cerca de 50 anos mais tarde (1926), o holandês Frits Went demonstrou a existência de uma substância química na extremidade dos coleoptilos de de aveia (Avena sativa) que estimulava o crescimento, à qual deu o nome de auxina. Went mostrou que essa substância podia difundir das extremidades isoladas dos coleoptilos para blocos de agar e que estes podiam ser usados para restabelecer o crescimento dos coleoptilos decapitados. Se o bloco de agar com auxina fosse colocado assimetricamente na secção de corte dos coleoptilos decapitados estes encurvam para o lado oposto àquele que se encontra directamente por baixo do bloco de agar, e que o ângulo de curvatura produzido era directamente proporcional à concentração de auxina no bloco. Este procedimento, que permite detectar e estimar a quantidade de substâncias com actividade auxínica presente numa dada amostra ou extrato vegetal, foi designado teste de Went ou teste de curvatura de Avena. Um bioteste é um método de estimar a concentração duma substância biologicamente activa através do efeito provocado em sistemas biológicos vivos. Em 1934, Kogl e colaboradores identificaram a substância activa tendo concluido tratar-se do ácido indol-3-acético (AIA) (Fig.3). Fig. 3 – Estrutura da molécula do ácido indol-3-acético Embora o AIA seja a auxina universal das plantas superiores, outros compostos naturais como o ácido 4-cloroindol-3-acético (4-Cl-IAA), o ácido fenilacético (PAA) e o ácido indol-3- butírico (IBA), também possuem actividade auxínica e podem ocorrer em alguns grupos de plantas (Fig.4). Fig. 4 – Fórmulas de estrutura de auxinas naturais Podem ainda encontrar-se nalguns grupos de plantas compostos como o indol-3-acetonitrilo (Fig.5), o indol-3-etanol e o indol-3-acetamida que, sendo por si sós inactivos, podem ser transformados (funcionam como precursores) em IAA pelas enzimas das plantas. 4 Fig. 5 – Precursores do IAA Auxinas sintéticas Após a descoberta do IAA, verificou-se existirem vários compostos não naturais (sintéticos), estruturalmente muito diferentes, que apresentavam actividade auxínica igual ou superior ao IAA no teste de curvatura de Avena. Alguns destes compostos como o 2,4-D (Fig. 6), picloram e dicamba foram utilizados como herbicidas selectivos. Fig. 6 – Fórmulas de estrutura de auxinas sintéticas Regulação dos niveis de auxina A concentração de auxina livre varia muito de região para região da planta e também com outros factores como a idade dos tecidos e o seu estado de crescimento. Dum modo geral, a concentração é mais elevada nas regiões com elevada actividade mitótica e crescimento activo como são os apices do caule, e de coleoptilos, folhas jovens, inflorescências e frutos em desenvovimento. Nesses locais a síntese da hormona é mais intensa, e vai diminuindo á medida que deles nos afastamos (Fig. 7). Contudo os niveis de auxina nas diferentes partes da planta também dependem de outros processos metabólicos como as taxas de degradação (oxidação) e inactivação (conjugação) da molécula do IAA e ainda do seu transporte e compartimentalização na célula. Fig. 7 – Distribuição do IAA na planta 5 BiossínteseOs meristemas apicais dos gomos caulinares, folhas jovens, flores, frutos e sementes em desenvolvimento, são os locais principais de síntese do IAA nas plantas superiores. A biossíntese do IAA pode fazer-se, num grande número de plantas, a partir do aminoácido triptofano através de várias vias alternativas (Fig.8). Para alem das vias biossintéticas dependentes do triptofano, estudos recentes com mutantes de milho (orp) e Arabidopsis (trp), deficientes em triptofano, mostraram que, o IAA pode ser sintetizado por uma ou duas vias independentes do triptofano. Embora, nesses mutantes, a síntese do triptofano esteja bloqueada, eles produzem quantidades normais de IAA. Fig. 8 – Vias de síntese do IAA dependents do triptofano Conjugação (Inactivação temporária) A auxina detectada nos biotestes (auxina difusivel) é auxina livre. Contudo, com métodos adequados, é possivel extrair de muitos tecidos vegetais auxina que se enconta ligada ou conjugada com outras moléculas. Esta forma de auxina ligada é constituida principalmente por ésteres de IAA com glicose ou mio-inositol ou por conjugados do IAA com aminoácidos ou, ainda, com peptídeos. Estas auxinas ligadas (Fig.9) são inactivas e representam provavelmente formas temporárias de armazenamento ou uma forma de protecção contra a degradação oxidativa. 6 Fig. 9 – Exemplos de conjugados de auxina Bio-Degradação O IAA pode ser degradado por acção de enzimas peroxidásicas, (sistema IAAoxidase), as quais provocam a descarboxilação oxidativa da auxina para produzir, principalmente, 3- metilenoxindol e ácido indol-3-carboxílico. Contudo, noutros casos actua uma, ou mais, via alternativa não descarboxilativa, em que a molécula da auxina, livre ou conjugada, é oxidada sem que ocorra descarboxilação. O ácido oxindol-3-acético é o principal produto destesprocessos não descarboxilativos (Fig. 10). Fig. 10 – Via descarboxilativa do IAA Transporte Existem dois tipos básicos de transporte de auxina nas plantas superiores: 1) um sistema de transporte unidireccional, polar, que requer energia metabólica; 2) um transporte passivo, não- polar, que se faz pelo floema. 7 Nos coleoptilos e nos rebentos caulinares jovens, o transporte é essencialmente polar e basípeto (do ápice para a base), enquanto que nas raizes esse transporte é polar, mas acrópeto (em direcção à extremidade da raiz) (Fig. 11). O movimento polar do IAA é um processo que requer energia metabólica, sendo, por isso, inibido por inibidores da síntese do ATP como o dinitrofenol ou o cianeto de potássio. É também inibido especificamente por substâncias como o ácido 2,3,5-triiodobenzoico (TIBA), o ácido naftilftalâmico (NPA) (Fig. 12) e as morfactinas (derivados do ácido 9-fluorenocarboxílico), entre outros compostos. Este transporte faz-se a uma velocidade que ronda cerca de 1cm por hora e é praticamente independente da acção da gravidade. Fig. 11 - Transporte polar Fig. 12 – Inibidores do transporte polar da auxina O IAA sintetizado nas folhas adultas parece ser transportado no floema conjuntamente com outros componentes da seiva floémica de forma passiva, não polarizada e com velocidades muito superiores Mecanismo do transporte polar do IAA O movimento polar do IAA é accionado por um gradiente electroquímico de protões transmembranar (com o exterior da célula mais acídico e positivo relativamente ao citosol) gerado por acção duma ATPase localizada no plasmalema, a qual utiliza a energia do ATP nesse processo (Fig.13). Fig. 13 -Esquema do mecanismo do transporte polar da auxina 8 No ambiente acídico (pH 5 ou inferior) que prevalece na parede (apoplasto) das células, uma parte significativa das moléculas de IAA apresentam o grupo carboxílico protonado, isto é, indissociado (IAAH). O IAAH é bastante lipofílico podendo atravessar, por difusão, a dupla camada lipídica das membranas. As moléculas dissociadas (IAA-) entram na célula por acção de um transportador de influxo em simporte com protões. No interior da célula, o citosol tem pH neutro e, nestas condições, a maior parte das moléculas de IAAH dissociam-se dando origem à forma aniónica (IAA-). A membrana citoplásmica é pouco permeável à forma IAA- a qual é transportada para fora da célula por um transportador de efluxo. O caracter polarizado do transporte deve-se à localização preferencial destes transportadores de efluxo na membrana plasmática da face basal das células As moléculas de IAA- transportadas para a parede celular vão sendo protonadas para dar IAAH, o qual pode difundir para o interior da próxima célula, repetindo-se o processo. Efeitos fisiológicos do IAA. Os efeitos do IAA nas plantas são extremamente variados (Fig.14). Ele promove o crescimento em extensão de caules e coleoptilos e inibe o alongamento das raizes. Ele estimula as divisões celulares nos caules, durante a activação do câmbio vascular, durante a indução de raizes adventícias ou na cultura in vitro de tecidos vegetais, mas inibe as mesmas divisões nas gemas axilares, mantendo a dominância da gema apical. Participa ainda no desenvolvimento dos frutos e no controlo da diferenciação das células de xilema e de floema. O tipo de resposta fisiológica induzida pela auxina depende de factores como: 1) estado de desenvolvimento do tecido ou do orgão; 2) concentração da auxina; 3) tipo de auxina (natural ou sintética); 4) participação de outras hormonas; 5) uso de plantas intactas ou de partes isoladas. Fig. 14 – Efeitos fisiológicos do IAA Alongamento celular em caules e coleoptilos. As auxinas promovem o alongamento de caules jovens e coleoptilos, principalmente quando estes se encontram privados da sua auxina endógena. A concentração óptima de auxina para o alongamento celular anda por volta dos 10-5 a 10-6 M. Esta resposta, que só se inicia ao fim de 8- 10 minutos, é proporcional à concentração de IAA (Fig. 15) Fig. 15 – Efeito da auxina no crescimento dos orgãos das plantas 9 10 A auxina e a extensibilidade da parede O IAA provoca um aumento rápido da extensibilidade da parede celular em coleoptilos e caules jovens. A auxina não actua directamente na parede celular, mas actua ao nivel da membrana plasmática activando H+-ATPases que vão provocar a acidificação da parede celular. Os baixos valores de pH assim produzidos vão activar enzimas chamadas expansinas que enfraquecem a estrutura da parede, permitindo o crescimento. Esta teoria, chamada teoria do crescimento por acidificação, procura explicar a expansão que ocorre nas células jovens sob acção da auxina através da acidificação da parede para valores de 5.5 ou inferiores o que pode ser observada ao fim de cerca de 10-15 minutos após aplicação de IAA (Fig. 16). Este processo requer ATP (para funcionamento da H+-ATPase), podendo ser inibido por inibidores metabólicos e também por inibidores da síntese proteica. O crescimento induzido pela auxina, é também inibido por tampões neutros que impeçam a acidificação. Uma toxina dum fungo chamada fusicoccina estimula a extrusão de protões e produz efeitos de curta duração no crescimento semelhantes à auxina. Fig. 16 – Cinética da acção da auxina no crescimento de caules e coleoptilos Apesar de tudo, a acidificação da parede não deverá ser a única forma pela qual a auxina induz o alongamento celular, visto que, contrariamente à auxina, a simples acidificação não consegue manter por muito tempo o crescimento celular. Papel das auxinas no crescimento das raizes e das folhas As concentrações de auxina que induzem o crescimento dos caules e coleoptilos são inibitórias para as raizes. Segundo se pensa, a auxina induz nas raizes a síntesede etileno que inibe o seu crescimento. As folhas jovens em expansão são locais de produção de auxina. Contudo, embora a auxina estimule o crescimento dos tecidos das nervuras, outras hormonas e outros factores (ex.a luz), parecem ser mais importantes na expansão dos tecidos intervenais. Auxina e o seu papel na dominância apical Na maior parte das plantas superiores, a gema apical em crescimento inibe em vários graus o crescimento das gemas laterais (axilares). A este fenómeno chama-se dominância apical. A remoção (decapitação) do ápice caulinar principal permite o desenvolvimento de uma ou mais gemas laterais. A aplicação de IAA ao ápice decapitado pode substituir a gema apical, permitindo manter a inibição das gemas laterais Fig. 17). O modo como a auxina da gema apical contribui para a inibição das gemas laterais não é conhecido. É possivel que a elevada concentração de auxina da gema apical do caule atraia para lá os nutrientes e outras hormonas vegetais, desviando-os das gemas laterais que assim ficarão privadas desses materiais. Embora seja claro que as auxinas participam no controlo da 11 dominância apical, outras hormonas e outros factores devem igualmente estar envolvidos no controlo deste processo. Fig. 17 – Influência do IAA no controlo da domonânia apical A auxina e a formação de raizes laterais e adventícias. Embora concentrações de auxina superiores a 10-8 M inibam o crescimento da raiz principal, niveis elevados de auxina favorecem a iniciação de raizes laterais e de raizes adventícias (Fig. 18). No primeiro caso, as raizes laterais iniciam-se a partir de pequenos grupos de células da região do periciclo, induzidas a dividir-se pela auxina. No caso das raizes adventícias o processo é semelhante, mas as novas raizes originam-se a partir da zona do câmbio vascular Fig. 18 – Efeito duma auxina no enraizamento A auxina e a abscisão das folhas A queda das folhas, flores e frutos da planta mãe é chamada abscisão. No caso das folhas, a abscisão ocorre próximo da base do pecíolo, na chamada zona de abscisão. Em muitas plantas, a abscisão é precedida pelo aparecimento, na zona de abscisão, de uma camada de células especial, chamada camada de abscisão. Durante o envelhecimento (senescência) das folhas a lamela média e a parede das células da camada de abscisão são digerida por acção de enzimas hidrolíticas, o que faz com que a ligação entre as células fique mais fraca. Qualquer acção mecânica pode fazer com que as folhas se separem pela camada de abscisão. Fig. 19 – Interacção da auxina e do etileno no controlo da abscisão foliar 12 A aplicação de IAA nas fases iniciais do processo de envelhecimento retarda a abscisão, enquanto que o mesmo tratamento em fases mais avançadas pode estimular a queda das folhas. Esta diferença de comportamento parece dever-se a diferentes sensibilidades ao etileno apresentadas pelas células em diferentes estados de desenvolvimento. Nas folhas jovens os niveis de IAA são elevados impedindo que as células da camada de abscisão sejam sensiveis ao etileno. À medida que a folha amadurece os niveis de auxina vão diminuindo e a sensibilidade das células ao etileno aumenta. Quando os niveis de auxina no limbo da folha atingem um valor mínimo crítico, os processos degrativos na camada de abscisão são estimulados e a folha acaba por cair. A auxina e a regulação do desenvolvimento dos frutos. A auxina está envolvida com outras hormonas no controlo do desenvolvimento dos frutos. O polen, o endosperma e os embriões das sementes em desenvolvimento, são fontes de auxina. Após a fertilização, o desenvolvimento do fruto parece ficar na dependência do IAA produzido no endosperma (primeiro) e nos embriões das sementes em desenvolvimento (depois) (Fig. 20). Fig. 20 – Efeito duma auxina (NAA) no crescimento dos morangos O tratamento com auxina das flores não polinizadas de certas espécies como a macieira e o tomateiro, pode induzir o desenvolvimento de frutos sem sementes. A este fenómeno dá-se o nome de partenocarpia. Outras hormonas, como o etileno, estão também envolvidas neste processo. A auxina e os tropismos As plantas superiores, especialmente quando são jovens, respondem a estímulos ambientais, orientando os seus orgãos da forma mais favorável relativamente a esses estímulos. Quando a resposta da planta se faz em relação a um estímulo direccional, como uma iluminação lateral ou a força da gravidade, diz-se que se trata duma resposta trópica ou tropismo. No primeiro exemplo, em que o estímulo direccional é a luz, a resposta é chamada fototropismo: fototropismo positivo se o orgão (caule, folha, coleoptilo) se encurva na direcção do estímulo; fototropismo negativo se o orgão encurva afastando-se da fonte luminosa (certas raizes aéreas). De igual modo, quando uma planta é colocada horizontalmente a zona de crescimento da raiz encurva até que a extremidade da raiz volte a ficar apontada verticalmente para baixo (gravitropismo positivo), enquanto que a zona de crescimento do caule encurva para cima (gravitropismo negativo). Em ambos os casos as respostas trópicas são o resultado de diferentes taxas de crescimento nas duas faces do orgão relativamente à direcção do estímulo. A auxina (ou a sua distribuição assimétrica) parece ser o agente responsável pela transdução dos efeitos da luz ou da gravidade. Fototropismo No fototropismo, a luz controla a direcção da resposta fototrópica. Tanto em plântulas de dicotiledóneas, como nos coleoptilos das gramíneas (e também noutros sistemas), uma iluminação assimétrica provoca uma curvatura fototrópica. Em plântulas de dicotiledóneas o hipocótilo é positvamente fototrópico (curva na direcção da luz) (Fig. 21), enquanto a raiz principal geralmente não responde. No primeiro caso, as células do lado sombreado crescem mais rápidamente em relação às células do lado exposto à luz. Nos coleoptilos, a extremidade é o local de percepção da luz. No caso das plântulas de 13 dicotiledóneas a região de percepção do estímulo luminoso estende-se para trás da extremidade. Dos diferentes comprimentos de onda do espectro visivel, a luz azul é a mais eficaz na indução do fototropismo. No local de percepção a luz é absorvida por um fotorreceptor flavoproteico chamado fototropina. A absorção da luz azul pelo fotorreceptor provoca uma migração da auxina do lado iluminado para o lado sombreado produzindo um gradiente de auxina. O lado sombreado com mais auxina cresce mais que o outro lado fazendo com que se produza uma curvatura em direcção à luz Fig. 21 – Fototropismo positivo Gravitropismo Em geral a percepção da gravidade nas plantas envolve o movimento de corpos no interior da célula vegetal. Estes corpos são chamados estatólitos e as células que os contêm são chamadas estatócitos. Pensa-se que, na maior parte dos casos, os estatólitos são amiloplastos especiais, carregados de grãos de amido. Quando uma planta jovem é colocada horizontalmente (posição de estimulação) os amiloplastos deslocam-se no citosol da sua posição inicial acabando por se depositarem sobre o plasmalema que forra a face agora situada em posição inferior (Fig. 22). Esta deslocação dos amiloplastos provoca, por um mecanismo ainda não totalmente compreendido, uma re-orientação do transporte da auxina (e do Ca2+) e a sua acumulação na face inferior do orgão (Fig 23). Nos caules e coleoptilos, esta acumulação provoca um Fig. 22 – Sedimentação dos estatólitos maior crescimento nas células da face inferior originando uma curvatura para cima (gravitropismo negativo); na raiz principal, a acumulação de auxina na face inferior inibe o crescimentodas células desse lado e a raiz encurva para baixo (gravitropismo positivo). Na raiz os estatólitos localizam-se na zona central da coifa, sendo aí que é detectada a direcção da força da gravidade; nos caules e coleoptilos a detecção ocorre numa região mais extensa que se estende para trás da extremidade apical. 14 Fig. 23 – Modelo da via de transdução no gravitropismo Modo de acção das auxinas As auxinas participam na regulaçãode numerosos processos fisiológicos nas plantas, geralmente em combinação com outros factores quer ambientais quer hormonais. Algumas das respostas induzidas pela auxina são rápidas (ocorrem ao fim de poucos minutos após exposição à auxina) como o aumento da taxa de alongamento induzido pela auxina em coleoptilos e caules jovens de dicotiledóneas; outras são bastante mais demoradas (lentas) podendo ser “visiveis” apenas depois de vários dias, semanas ou meses após exposição à auxina. É natural que o mecanismo de transdução de sinal, ou seja a cadeia de acontecimentos bioquímicos que têm lugar nas células alvo seja muito diferente nos dois casos. De qualquer modo, para haver uma resposta por parte dum tecido, dum orgão ou duma planta à auxina é necessário, em primeiro lugar, que a molécula da hormona se ligue a um receptor específico, ligação essa que vai desencadear o processo de transdução que termina na resposta. Até ao momento, apenas se conhece um número pequeno de moléculas que parecem satisfazer os requisitos dum verdadeiro receptor. Uma dessas moléculas é uma proteina ABP1 (auxin binding protein 1) que parece estar envolvida no processo de alongamento celular induzido pela auxina em coleoptilos de milho. Homólogos desta proteina têm sido identificados noutras plantas. Trata-se de uma proteina periférica que se presume esteja ancorada a uma proteina transmembranar (Fig.24) que servirá de âncora. Esta proteina “ancora” poderá pertencer ao tipo de receptores acoplados a G-proteinas heterotriméricas. Outros possiveis receptors para a auxina foram identificados em tomateiro e em arroz. Fig. 24 – Modelo do mecanismo de transdução da auxina no crescimento de caules 15 Nas respostas rápidas a transdução de sinal deverá envolver principalmente alterações na permeabilidade das membranes e nos fluxos iónicos transmembranares. Nas respostas lentas, a auxina deverá actuar através do controlo da expressão de genes que respondem a esta hormona, por exemplo activando factores de transcrição de genes de resposta primária, cujos produtos irão regular a expressão de genes de resposta secundária ou “genes tardios”. Em ambos os casos, poderão estar envolvidos mensageiros secundários como os iões Ca2+, H+ e proteinas, bem como cascatas de proteinas cinases e outras enzimas (ex. fosfatases). 16 Giberelinas As giberelinas são um grupo numeroso (mais de 125) de compostos relacionados pela sua estrutura química, mas que podem diferir significativamente na sua actividade biológica, sendo algumas inclusivamente inactivas do ponto de vista biológico. A descoberta das giberelinas está relacionada com uma doença do arroz chamada doença das plantas loucas ou "bakanae", a qual é caracterizada por os caules das plantas infectadas se tornarem muito longos e frágeis (Fig. 25) com folhas amareladas, acabando por ficar prostradas. Por volta de 1926, o fisiologista japonês Kurosava chegou à conclusão que o grande alongamento do caule era provocada por uma substância química produzida por um fungo chamado Gibberella fujikuroi que infectava as plantas. Essa substância química foi isolada e cristalizada a partir de filtrados do meio de cultura do fungo por Yabuta, Hayashi e Sumiki e foi-lhe dado o nome de giberelina A. Em meados da década de 50, cientistas ingleses e americanos, trabalhando separadamente, redescobriram as giberelinas, purificaram e elucidaram a estrutura química do composto activo dos filtrados das culturas do fungo, ao qual deram o nome de ácido giberélico (Fig. 26) que corresponde ao actual GA3. Logo que o ácido giberélico se tornou disponivel foi possivel verificar que a sua aplicação tinha efeitos importantes no alongamento dos caules das plantas tratadas e especialmente das variedades anãs e das plantas com hábito em roseta. Em 1958 MacMillan e colaboradores identificaram a primeira giberelina (GA1) obtida a partir de tecidos (sementes imaturas de feijoeiro) de plantas superiores. Com o aperfeiçoamento das metodologias e do equipamento disponivel foi possivel isolar e caracterizar um número cada vez maior de giberelinas, principalmente a partir de culturas de fungos. Fig. 25 – Plantas de arroz infectadas com o fungo Gibberella fujikuroi Fig. 26 – Estrutura da molécula do ácido giberélico (GA3) Estrutura Todas as giberelinas apresentam uma estrutura baseada no esqueleto ent-Giberelano (Fig. 27). Algumas mantêm a totalidade dos 20 carbonos do esqueleto (GAs com 20C), enquanto outras apresentam apenas 19 carbonos, tendo perdido o carbono 20 durante o processo metabólico que conduziu à sua formação. São as GAs com 19 carbonos. Nos tecidos vegetais ocorre uma vasta e complexa gama de conversões metabólicas entre as várias giberelinas, em que umas servem de precursores ou intermediários para a síntese de outras, sendo o número de giberelinas biologicamente activas reduzido (c. 15). Para uma dada espécie vegetal, o número de giberelinas diferentes presentes também é baixo (c. 12). 17 As giberelinas inactivas são, normalmente, produtos do metabolismo de giberelinas activas. Os passos inactivadores são a hidroxilação na posição 2 β (ex. GA20 para GA29, ou GA1 para GA8) e a oxidação do carbono 20 para um grupo carboxílico. Não há indícios de que estes passos inactivadores sejam reversiveis. Eles parecem representar um mecanismo de a planta se ver livre de um composto com elevada actividade biológica. Fig. 27 – Estrutura do esqueleto ent-giberelano e de três giberelinas Detecção e análise Inicialmente o único meio de detectar as giberelinas era através de biotestes devido à sua especificidade e sensibilidade.. Actualmente, o método mais rigoroso, mais sensivel e que requer menos material para a detecção e quantificação das giberelinas, é o que usa uma combinação de cromatografia de fase gasosa (GC) e de espectrometria de massa (MS). Os biotestes mais utilizados para a detecção e quantificação das giberelinas têm sido: 1) o teste do alongamento do hipocótilo de alface; 2) o teste da microgota em plântulas de arroz anão, em que se mede o alongamento provocado na bainha da segunda folha; 3) o teste da produção de α-amilase em sementes (cariopses) de cereais em germinação. Biossíntese Os niveis mais elevados de giberelinas ocorrem nas sementes imaturas, donde poderão ser exportadas para os frutos e aí estimular o seu desenvolvimento. Niveis mais baixos de giberelinas ocorrem nos tecidos vegetativos das plantas, especialmente nas folhas jovens, gomos e zona apical dos caules. O transporte das giberelinas produzidas nos tecidos caulinares jovens para outros locais da planta faz-se principalmente no floema, enquanto que as giberelinas eventualmente produzidas na raiz podem ser transportadas para a parte aérea no xilema, onde têm sido detectada a sua presença. No entanto, não se conhece qualquer transporte polarizado semelhante ao das auxinas.. Químicamente as giberelinas são diterpenos tetracíclicos (4 anéis) constituidos por 20 (ou 19) carbonos resultantes da união de quatro unidades de uma molécula com 5 carbonos (IPP = isopentenil pirofosfato) (Fig. 28). Embora existamdúvidas quanto à origem do IPP no caso da biossíntese das giberelinaas, os passos imediatos consistem na adição sucessiva de unidades de isopreno para originar geranilpirofosfato (10C), farnesilpirofosfato (15C) e geranilgeranilpirofosfato (20C). Estes compostos são todos cadeias lineares de unidades de 5C. 18 Fig. 28 – Fase inicial não-específica da via de síntese das giberelinas A partir deste ponto, a biossíntese das GAs pode considerar-se dividida em três fases que ocorrem em diferentes locais da célula. A 1ª fase consiste num conjunto de reacções de ciclização que conduzem à formação do ent- kaureno, as quais têm lugar nos proplastídeos das células meristemáticas do ápice caulinar. Estas reacções podem ser inibidas especificamente por compostos como o AMO-1618, Cycocel, Phosphon D e outros. (Fig.29). Fig. 29 – Inibidores da síntese das giberelinas (Retardadores do crescimento) A 2ª fase consiste na oxidação sucessiva, por monoxigenases, dum grupo metilo (CH3) do ent- kaureno para carboxilo (dando origem sucessivamente ao kaurenol, kaurenal e ácido kaurenóico), e à contracção do anel B de 6 para 5 carbonos, acabando por se formar o aldeido GA12, sendo este, a seguir, oxidado para dar a giberelina A12 (GA12), a primeira verdadeira giberelina e a precursora de todas as outras (Fig. 30). Esta fase decorre no retículo endoplasmático (RE), podendo ser inibida pelo paclobutrazol e o tetcyclacis. 19 Fig. 30 – Fases da via de síntese específica das giberelinas A 3ª fase decorre no citosol por acção de dioxigenases soluveis e consiste na formação das várias giberelinas a partir da giberelina GA12 Os passos específicos da modificação da GA12 para dar outras giberelinas variam de espécie para espécie e de orgão para orgão. Mesmo assim podem apontar-se duas alterações químicas básicas que são: 1) as β-hidroxilações dos carbonos 3, e 2) a oxidação sucessiva do carbono 20 (CH2 ⇒ CH2OH ⇒ CHO), seguida pela perda do carbono 20 por descarboxilação. A β-hidroxilação na posição 2 converte uma giberelina activa num composto inactivo (Fig. 31) Fig. 31– Principais alterações químicas que ocorrem no citosol na síntese das giberelinas 20 As enzimas envolvidas na biosíntese das giberelinas e os genes que as codificam foram já isolados e caracterizados. Daquelas são particularmente importantes as: GA 20-oxidases que, em passos sucessivos, oxidam o carbono 20 e o removem por descarboxilação (na forma de CO2); GA 3β-oxidase que promove a adição de um grupo hidroxilo (OH) ao carbono 3. Por exemplo a β-hidroxilação do carbono 3 da GA20 transforma-a na GA1 que é a giberelina responsável pelo crescimento em extensão das plantas: GA 2β-oxidase que promove a β-hidroxilação do carbono 2 inactivando as giberelinas em que ocorre essa reacção. Por exemplo a β-hidroxilação da GA20 retira-a da via biosintética da GA1 e transforma-a na GA29 que é inactiva. Por sua vez a β-hidroxilação da GA1 transforma-a na GA8 que também é inactiva. As giberelinas podem ocorrer na forma livre ou conjugadas principalmente com glucose, sendo os glicosídeos e glicosil esters de giberelinas abundantes em muitas sementes. A glicosilação pode representar outra forma de inactivação das giberelinas ou um processo de armazenamento. Regulação do metabolismo das giberelinas São vários os factores que contribuem para a regulação do metabolismo das giberelinas. Por exemplo, o nivel de giberelinas endógenas regula o seu próprio metabolismo, estimulando ou inibindo a transcrição dos genes que codificam as enzimas da biosíntese das giberelinas (GA20ox e GA3ox), consoante os niveis existentes forem baixos ou elevados, respectivamente, ocorrendo o inverso com as enzimas degradativas (GA2ox). Isto permite manter os niveis das giberelinas numa gama estreita de valores, desde que haja disponibilidade de precursores e que as enzimas envolvidas estejam funcionais. Também os factores ambientais como o fotoperíodo (Fig. 32) e a temperatura podem alterar os niveis de giberelinas activas, afectando a transcrição de genes para passos específicos da via de síntese. Nas plantas de dias longos a exposição a fotoperíodos indutivos provoca um acréscimo na produção de giberelina activa a qual faz alongar o eixo floral; o inverso acontece quando estas plantas são sujeitas a fotoperíodos cada vez mais curtos. Fig. 32 – Efeito do fotoperíodo no metabolismo das giberelinas em espinafre 21 Efeitos fisiológicos As giberelinas estão envolvidas no controlo do crescimento do caule e de outros fenómenos de desenvolvimento nas plantas (Fig. 33), como tem sido demonstrado pela utilização de inibidores da síntese das giberelinas e, mais recentemente, de mutantes monogénicos em que a síntese das giberelinas está afectada. Fig.33 – Principais processos fisiológicos das plantas em que participam as giberelinas 22 As giberelinas e o alongamento caulinar Um dos efeitos mais dramáticos das giberelinas é a estimulação do alongamento do caule de plantas intactas, sendo particularmente notório o efeito em mutantes anões (Fig. 34) e em plantas com hábito em roseta. A aplicação de giberelina exógena a plantas anãs permite que elas atinjam dimensões semelhantes às variedades normais. Com base neste facto sugeriu-se que o fraco crescimento do caule das plantas anãs se devia a uma deficiência no conteudo de giberelinas. Essa hipótese foi comprovada em ervilheira, tendo-se verificado que as plantas anãs continham principalmente giberelinas inactivas, mas eram deficientes em giberelinas activas (ex.GA1). Este facto fica a dever-se ao bloqueio, nas ervilheiras anãs, da síntese da enzima que permite a conversão da GA20 para GA1. Estas observações foram também comprovadas para o milho demonstrando que a GA1 é a giberelina que controla o alongamento caulinar em todas as plantas superiores. Fig. 34 - Efeito da giberelina no crescimento de plantas anãs e com hábito em roseta As giberelinas estimulam o alongamento caulinar porque estimulam as divisões celulares (Fig. 35) e também a expansão das células. As divisões celulares são estimuladas porque aceleram a transição da fase G1 para a fase S do ciclo cellular. No que se refere ao seu efeito na expansão cellular sabe-se que as giberelinas aumentam a plasticidade das paredes celulares por um mecanismo ainda desconhecido, mas que é distinto do modo de acção das auxinas neste processo. Fig. 35 - Efeito da aplicação de giberelina nas divisões do meristema subapical de Samolus parviflorus 23 As giberelinas e a quebra de dormência em sementes e gemas As giberelinas quebram a dormência e estimulam a germinação das sementes de muitas espécies e das gemas de algumas plantas. Nas sementes das espécies que requerem luz ou uma exposição a baixas temperatura para germinar, a aplicação de giberelinas exógenas pode substituir aqueles factores. De igual modo, o abrolhar das gemas das árvores no início da primavera está, normalmente, associada com a diminuição do teor de inibidores (ácido abscísico = ABA) e com um aumento dos niveis de giberelinas nos tecidos. Na germinação das sementes dos cereais, um dos processos envolvidos é a mobilização das reservas acumuladas no endosperma por acção de enzimas hidrolíticas (Fig. 36). No caso do amido, a sua decomposição em açúcares simples envolve a actuação das enzimas α e β- amilase. Destas duas, a α–amilase é produzida de novo nas células da camada de aleurona em resposta à giberelina produzida no embrião em germinação e transportada através do escutelo para as células daquela região. O processo envolve a activação do gene da α-amilase e a sua transcrição, através duma via de transcrição de sinal jáconhecida nas suas linhas gerais (ver abaixo). A enzima produzida é libertada no endosperma, onde vai decompor a molécula do amido. Fig. 36 – Indução da produção de α–amilase pelas giberelinas nas sementes dos cereais As giberelinas e a floração das plantas Nas plantas de dias longos e nas plantas que necessitam de ser submetidas a períodos de baixas temperaturas (vernalização) para produzirem flores, a aplicação de giberelina exógena pode induzir a floração daquelas plantas na ausência das condições indutoras. É um facto conhecido que a exposição a fotoperíodos longos e/ou a baixas temperaturas conduz a um aumento dos niveis de giberelinas endógenas. Fig. – Indução da floração por giberelina exógena numa planta de dias longos 24 As giberelinas e a indução de partenocarpia Nalgumas plantas (macieira, videira) o tratamento de flores não fertilizadas com giberelina pode induzir a formação de frutos partenocárpicos (frutos sem sementes) (Fig. 37). Além disso, em algumas variedades de uvas sem sementes o tratamento das plantas com giberelinas exógenas aumenta o tamanho dos cachos e das uvas (Fig. 38). Fig. 37 - Indução de maçãs partenocárpicas Fig. 38 -Aumento do tamanho das uvas As giberelinas e a expressão do sexo Em plantas com flores masculinas e femininas separadas (cânhamo, espinafre e pepino), a aplicação de giberelinas favorece a diferenciação de flores masculinas. Contudo, no milho, as giberelinas favorecem o desenvolvimento das flores femininas. Mecanismo de acção das giberelinas As giberelinas estimulam respostas fisiológicas nas plantas (germinação das sementes, alongamento do caule, floração) desencadeando a destruição de proteinas reguladoras negativas (DELLA) promovendo a sua marcação para actuação do complexo ubiquitina- proteassoma. As proteinas DELLA são uma família de factores de transcrição negativos (repressores), 5 em Arabidopsis (RGA, GAI, RGL1, RGL2 e RGL3) que impedem a expressão de genes que respondem às giberelina Apenas algumas destas proteinas actuam em cada um dos fenómenos controlados pelas giberelinas. A destruição destes factores negativos permite a activação dos genes que respondem às giberelinas. No alongamento dos caules No alongamento caulinar das plantas as giberelinas fazem aumentar quer o número de divisões das células quer o seu alongamento. O aumento de mitoses é particularmente notório no meristema subapical de plantas de dias longos com hábito em roseta após tratamento com giberelina (Fig. 35), mas também os entrenós de ervilheiras de porte elevado têm mais células e estas são mais longas que nas plantas anãs. Estes resultados são suportados por observações moleculares que mostram que os transcritos de genes que codificam proteina cinases dependentes de ciclinas aumentam nos meristemas intercalares do arroz após tratamento com giberelina. No que diz respeito aos seus efeitos no crescimento, as giberelinas estimulam a transcrição de genes que codificam enzimas implicadas no aumento da plasticidade da parede celular como sejam as xiloglucano endotransglicosilases (XETs) e as expansinas. Estas enzimas modificam as propriedades das paredes celulares fazendo com que elas cedam mais facilmente às pressões de turgescência que se desenvolvem no seu interior. As giberelinas são detectadas pelo receptor GID1 (gibberellin insensitive dwarf) uma proteina soluvel que se localiza principalmente no núcleo, mas também está presente no citoplasma (foi identificado em 2005 no arroz). Não se exclui a possibilidade de existir também um hipotético receptor membranar 25 Dessa via (Fig.39) fazem parte as proteinas repressoras RGA e GAI e o regulador negativo SPY que activa os genes que codificam RGA e GAI. Por outro lado, o gene SLY1 é uma activador da sinalização pelo GA. O factor por ele codificado inibe a expressão do gene GAI e medeia a degradação induzida pela GA do factor RGA pela via ubiquitina-proteassoma, o que vai activar os genes que respondem às giberelinas. Fig. 39 – Modelo da via de transdução de sinal das giberelinas no alongamento do caule em Arabidopsis thaliana Na produção de α-amilase em sementes de cereais A estimulação da produção de α-amilase pelo ácido giberélico resulta da produção de novo e não da activação da enzima preexistente nas sementes. Actualmente sabe-se que o ácido giberélico estimula a síntese de α-amilase através da regulação da expressão do gene da α- amilase, aumentando fortemente (Fig. 40) os niveis do seu mRNA. Este efeito é devido a um aumento da transcrição do mRNA e não a um aumento da sua estabilidade. Pouco se conhece acerca dos receptores para as giberelinas neste caso. Supõe-se que o receptor poderá encontrar-se na membrana citoplasmática. A ligação da molécula de giberelina ao receptor produziria um sinal que seria enviado ao núcleo e no final induziria uma proteina reguladora, GA-MYB, produzida por um gene de resposta primária, a ligar-se a determinadas sequências da região promotora do gene da α-amilase. Na fase inicial da via de transdução do sinal resultante da ligação da giberelina ao respectivo receptor estarão envolvidas proteinas-G heterotriméricas. Fazem ainda parte desta via, proteina cinases e GMPcíclico. O ião Ca2+ não entra na via de activação do gene da α–amilase, mas é essencial para a secreção da enzima das células da camada de aleurona. Fig. 40– Efeito do GA na produção do mRNA da α–amilase em sementes de cevada 26 Citocininas A descoberta das citocininas resultou dos esforços feitos para encontrar factores que estimulassem a divisão das células vegetais. A primeira citocinina foi descoberta pelo grupo de Folke Skoog, da Universidade de Wisconsin, após terem testado várias substâncias para encontrar alguma que tivesse a capacidade de iniciar e manter a proliferação do tecido de medula de tabaco em cultura. O êxito ocorreu quando Carlos Miller experimentou o DNA do esperma de arenque autoclavado, o qual se mostrou altamente eficaz a estimular divisões celulares naquele tecido, quando cultivado na presença de auxina. A partir do DNA desnaturado foi possível isolar a substância activa, a qual foi identificada como sendo 6-furfuril amino purina (Fig. 41) e a ela foi dado o nome de cinetina. Fig. 41 – Estrutura da cinetina e modo como é produzida por rearranjo do nucleósido de adenina A cinetina não ocorre naturalmente nas plantas. Ela é um subproduto da degradação do DNA pelo calor, em que o açúcar desoxiribose da adenosina é convertido num anel furfuril e deslocado da posição 9 para se ir ligar ao grupo amina associado com o carbono 6 do anel da adenina. Vários anos depois (1963) da descoberta da cinetina, Carlos Miller nos Estados Unidos e Letham na Austrália, descobriram que extractos das sementes (endosperma) imaturas de milho (Zea mays) continham uma substância com actividade biológica semelhante à cinetina. Letham isolou a molécula responsável por essa actividade e identificou-a como 6-(4-hidroxi- 3-metilbut-2-enilamino) purina e deu-lhe o nome de zeatina (Fig. 42). A kinetina e a zeatina diferem nas suas cadeias laterais, mas ambas são derivados da adenina (ou aminopurina) com as respectivas cadeias laterais ligadas ao N da posição 6 do anel de adenina. A zeatina é a citocinina mais frequente nas plantas superiores. Outros derivados da adenina, igualmente activos (como a N6- Δ2−isopenteniladenina e a di-hidrozeatina) foram isoladas em muitas plantas e bactérias (Fig. 35). Também estas diferem da zeatina pela cadeia lateral ligada ao N6 do anel aminopurínico. Estas citocininas naturais (bases nitrogenadas livres) podem também ocorrer nas plantas na forma dos respectivos ribosídeos (nucleósidos) ou ribotídeos (nucleótidos) em que umamolécula de ribose ou ribose associada a um grupo fosfato Fig. 42 – Estrutura da zeatina 27 se encontram ligados ao N da posição 9 do anel da adenina. Um outro composto derivado N6 da adenina, com actividade semelhante ou superior à cinetina, é a benzilaminopurina (Fig. 43). Fig. 43 – Fórmulas de estrutura de várias citocininas (naturais e sintéticas) derivadas da adenina Métodos de detecção e análise das citocininas As moléculas com ocorrência natural com actividade de citocininas podem ser detectadas e identificadas utilizando métodos químicos como a cromatografia de fase líquida de alto rendimento, a cromatografia de fase gasosa associada à espectroscopia de massa, métodos imunológicos e biotestes. Inicialmente foram muito utilizados biotestes baseados na proliferação celular de calos, originados da medula de tabaco ou de hipocótilos de soja, na presença duma concentração óptima de auxina. Outros biotestes basearam-se na expansão dos cotilédones de rabanete (Raphanus) e na retenção de clorofila em discos isolados da folha de tabaco (Nicotiana tabacum). Ocorrência As citocininas naturais tem sido encontradas num grande número de angiospérmicas, musgos, fetos e coníferas e ainda em bactérias e fungos. Algumas bactérias e fungos são capazes de infectar os tecidos de plantas superiores onde podem produzir e secretar, ou fazer com que as plantas produzam, grandes quantidades de citocininas e fazer com que as células se dividam. Estão nestes casos o Agrobacterium tumefaciens que origina a formação de tumores nas plantas, o Corynebacterium fascians e Pseudomonas savastanoi, além dos fungos Taphrina sp e Plasmodiophora brassicae. Biosíntese, metabolismo e transporte As cadeia laterais das citocininas com ocorrência natural são derivadas do isopentenil pirofosfato (IPP). O precursor para a formação do IPP é o ácido mevalónico, o qual é convertido em Δ2isopentenil pirofosfato após fosforilação pelo ATP e descarboxilação. 28 Uma enzima chamada citocinina sintetase ou isopentenil transferase (ipt), presente nas plantas, transfere o grupo isopentenil do Δ2−IPP para a adenosina monofosfato (AMP). O produto desta reacção é o ribotídeo de isopenteniladenina o qual apresenta alguma actividade nos biotestes e pode ser fácilmente transformado em zeatina e outras citocininas (Fig. 44). Fig. 44- Biossíntese das citocininas derivadas da adenina As citocininas são sintetizadas principalmente no meristema apical das raizes e depois transportadas para as partes aéreas através do xilema. No tomateiro e outras plantas, os ápices caulinares poderão também ser locais de síntese de uma parte das suas citocininas. Outras fontes importantes de citocininas são os embriões em desenvolvimento e as sementes imaturas (especialmente o endosperma) de várias plantas. As células tumorais (transformadas) das galhas de coroa, provocadas pela infecção com Agrobacterium tumefaciens, possuem capacidade para sintetizarem não só citocininas, mas também auxinas. Estas células da planta incorporaram uma pequena porção do DNA (T- DNA) do plasmídeo Ti da bactéria, o qual contem os genes para a síntese de citocininas e de auxina. Muitos tecidos vegetais contêm uma enzima chamada citocinina oxidase que remove as cadeias laterais das citocininas convertendo-as em adenina e seus derivados (Fig. 45). Esta enzima parece ser a responsável pela inactivação da hormona nos tecidos impedindo que ela atinja niveis tóxicos. Nos tecidos vegetais podem existir várias formas de citocininas (bases livres, nucleósidos, nucleótidos ou mesmo gucósidos), contudo a forma activa da hormona nos tecidos é a base livre. 29 Fig. 45 – Degradação (oxidação) da molécula da citocinina isopenteniladenina Efeitos biológicos das citocininas Fig. 46 – Principais efeitos fisiológicos das citocininas nas planta 30 As citocininas podem produzir uma variedade de processos fisiológicos, bioquímicos e de desenvolvimento quando aplicadas a plantas superiors (Fig. 46). Dentre os vários fenómenos em que as citocininas desempenham um papel regulador importante poderemos apontar: a regulação do ciclo celular, o tipo de resposta morfogénica em cultura de tecidos, o crescimento das gemas axilares, o retardamento da senescência , a mobilização de nutrientes, a maturação dos cloroplastos e a expansão celular. Regulação do ciclo celular As citocininas desencadeiam a proliferação celular em tecidos que contêm, ou que são fornecidos com, um teor óptimo de auxina. Existem elementos que indicam que ambas as hormonas participam na regulação do ciclo celular. A auxina parece regular os acontecimentos que conduzem à replicação do DNA, enquanto a citocinina regula os acontecimentos que conduzem à mitose. Regulação da morfogénese em culturas de tecidos Tanto experiências com calos de medula de tabaco em cultura, como experiências que aplicam métodos de genética molecular em tecidos de galha do colo, mostraram que a razão auxina/citocinina determina o tipo de resposta morfogenética produzida. Assim, uma alta razão auxina/citocinina geralmente leva à formação de raizes, enquanto que uma razão baixa auxina/citocinina origina aformação de rebentos caulinares. Niveis intermédios destas hormonas fazem com que os tecidos cresçam como um calo indiferenciado (Fig. 47). Fig. 47- Efeito da razão auxina/citocinina no tipo de resposta morfogenética produzida em cultura de tecidos vegetais 31 Crescimento das gemas axilares Em muitas plantas, o desenvolvimento das gemas axilares encontra-se inibido devido à influência da gema apical do caule. Este fenómeno chama-se dominância apical e uma das principais causas para que esta situação se verifique é a auxina produzida no ápice caulinar e folhas jovens, que impede que as gemas laterais se desenvolvam. As citocininas normalmente contrariam o efeito da auxina promovendo o desenvolvimento das gemas, como pode ser comprovado aplicando citocinina exógena às gemas laterais (Fig. 48). O efeito das citocininas no levantamento da dominância apical é temporário de tal modo que, para que as gemas possam continuar a desenvolver-se, é necessário fornecer-lhes também auxina. Fig. 48 – Efeito da cinetina no desenvolvimento das gemas laterais Retardamento da senescência e mobilização de nutrientes pelas citocininas. As folhas separadas das plantas perdem lentamente clorofila, RNA e proteina, mesmo se forem mantidas num ambiente húmido e lhes forem fornecidos sais minerais. Este processo programado de envelhecimento, que acaba por conduzir à morte, chama-se senescência. A senescência foliar ocorre mais rápidamente no escuro que à luz. Em muitas espécies, o tratamento com citocininas de folhas isoladas retarda a sua senescência (Fig.49). Fig. 49 – Efeitos das citocininas no retardamento da senescência 32 Alguns investigadores consideram que este efeito das citocininas está relacionado com a sua capacidade de atrair para as folhas ou regiões tratadas nutrientes e outros factores. Experiências com açúcares ou aminoácidos radioactivos vieram confirmar esse efeito na mobilização de nutrientes (Fig. 50) Fig. 50 – Efeito da cinetina na mobilização e atracção de nutrientes Maturação dos cloroplastos A diferenciação e maturação normal dos cloroplastos pode fazer-se directamente dos proplastídeos quando as plântulas são germinadas à luz ou a partir de etioplastos quando as plantas etioladas são transferidas para a luz. Se as folhas de plantas etioladas forem tratadas com citocinina antes de serem transferidas para a luz os cloroplastos que se diferenciamapresentam-se mais organizados e com grana mais desenvolvidos. Além disso, a clorofila e as enzimas fotossintéticas são produzidas a uma taxa superior, nestas folhas tratadas, após iluminação. No escuro, as citocininas não têm efeito. As citocininas e a expansão celular As citocininas podem promover a expansão celular em certos tecidos e orgãos. Este efeito é mais evidente em dicotiledóneas com cotilédones folhosos, como na mostarda, no pepino e no girassol. O tratamento dos cotilédones com citocinina promove uma expansão adicional daquela que ocorre normalmente sem que isso se traduza por uma aumento adicional de peso seco. A expansão dos cotilédones é bastante maior nas plantas que se desenvolvem à luz do que nas que permanecem no escuro. O efeito do tratamento com citocinina observa-se em ambos os casos (Fig. 51). Por outro lado, as citocininas aplicadas a segmentos isolados de caules inibem o alongamento celular induzido pela auxina nesses orgãos. Fig. 51– Efeito duma citocinina na expansão dos cotilédones de rabanete 33 Mecanismo de acção As citocininas actuam em muitos processos biológicos nas plantas através do controlo da síntese de proteinas e da expressão de vários genes. Em algumas situações, é possivel detectar o aumento de determinados mRNAs específicos apenas alguns minutos após o tratamento com citocinina. O aumento de mRNAs pode resultar do papel das citocininas na regulação da transcrição de genes ou do seu efeito no aumento da estabilidade desses mRNAs. Tal como acontece com as outras hormonas, a via de transdução de sinal das citocininas deve iniciar-se com a interacção da hormona com proteinas receptoras específicas e originar respostas através das alterações provocadas na expressão diferencial de genes. Receptores para as citocininas São conhecidas várias proteinas que se julga poderem funcionar como receptores para as citocininas. A sua descoberta está associada com a análise de mutantes em Arabidopsis. Estão nessa situação a proteina CKI1 e a família de proteinas AHK1-5 (Arabidopsis Histidine Kinase) codificadas por uma família de genes (AHK). Trata-se de receptores com semelhanças aos receptores bacterianos de dois componentes funcionais e ao receptor ETR1 do etileno. Estes receptores são formados por duas proteinas iguais (dímeros) em que cada uma é constituida por um sensor histidina quinase, ao qual se liga a molécula sinal, e por um regulador de resposta, situado depois do sensor e que contem um resíduo aspartilo. O regulador de resposta é activado por fosforilação do seu resíduo aspartilo, sendo o grupo fosfato transferido da histidinaquinase do sensor. Cada proteina do sensor, neste tipo de receptores, é uma proteina transmembranar com dois domínios distintos: um domínio extracelular de reconhecimento do sinal e um domínio intracelular histidina-quinase ou “transmissor”. Por sua vez, o regulador de resposta também possui, nos procariotas, dois domínios: Um domínio receptor (contendo um resíduo aspartilo) e um domínio output. Nas plantas o domínio receptor com o resíduo aspartilo está ligado ao domínio histidina-quinase do sensor. A detecção dum sinal pelo domínio input provoca a dimerização do receptor e a autofosforilação do resíduo histidina do domínio histidinaquinase. Este grupo fosforilo é, em seguida, transferido para um resíduo aspartilo do domínio receptor, activando-o e conferindo-lhe a capacidade de fosforilar outras proteinas da cadeia de transdução. Na via de transdução de sinal das citocininas também participam proteinas de fosfo-relay (AHP) que, quando activadas, transferem o sinal do citoplasma para reguladores de resposta de tipo B (B - ARRs) situados no núcleo. Os B-ARRs controlam a transcrição de genes alvo como os genes ARR de tipo A cujos produtos modulam de forma positiva ou negativa as respostas às citocininas. Existe, ainda, a indicação que as citocininas podem, em certos casos, alterar a permeabilidade das membranas a iões (ex. Ca2+) fazendo aumentar a sua concentração no citosol. É o caso da formação das gemas no musgo Funaria hygrometrica. Fig. 52 – Tipos de receptores de dois componentes provavelemente a actuar na sinalização nas plantas. 34 Etileno O etileno (Fig. 53) é uma hormona vegetal envolvida na regulação duma grande diversidade de respostas fisiológicas. Para além de ser considerada como a hormona do amadurecimento dos frutos, o etileno participa noutros processos fisiológicos como a senescência e abscisão de vários orgãos, germinação de sementes e respostas das plantas associadas com condições desfavoráveis. Fig. 53– Estrutura da molécula do etileno É a única fitohormona que é um gás em condições naturais e cuja actividade biológica se manifesta em concentrações muito baixas ( 0.01µl/l). A descoberta das suas propriedades como hormona vegetal deve-se ao estudante russo Neljubow que, em 1901, demonstrou que o etileno do gás de iluminação era o factor responsável por produzir em ervilheiras etioladas a chamada “resposta tripla” que consiste na inibição do alongamento caulinar, dilatação subapical do caule e crescimento horizontal do epicótilo. Já antes (séc. XIX) se tinha verificado que as árvores localizadas na proximidade dos candeeiros de iluminação pública perdiam as folhas mais cedo, mas não se conhecia a razão. No entanto, o estudo desta hormona só conheceu um verdadeiro incremento a partir da década de 1960. Propriedades O etileno é uma molécula de baixo peso molecular (p.m. = 28), mais leve que o ar sob condições fisiológicas. Sendo um gás liberta-se facilmente dos tecidos e difunde facilmente através de espaços gasosos , mas com alguma dificuldade na água. CH2=CH2 Os tecidos senescentes e frutos em processo de amadurecimento, são as fontes mais abundantes de etileno, mas todos os orgãos das plantas superiores podem produzir etileno. Tecidos não senescentes, quando danificados ou perturbados mecanicamente, aumentam temporariamente a produção de etileno ao fim de 25-30minutos. Mais tarde, a produção de etileno volta ao normal. Para além das Angiospérmicas também as Gimnospérmicas, fetos . musgos e hepáticas e outros organismos, como fungos e bactérias, produzem etileno. Biossíntese do etileno e sua regulação Nas plantas superiores o aminoácido metionina é o precursor do etileno. A metionina é convertida em etileno através duma série de reacções (Fig. 54): Metionina + ATP ⇒⇒ S-adenosilmetionina (SAM) + PPi + Pi ⇒ ⇒ Ácido 1-aminociclopropano-1-carboxílico (ACC) + (MTA) ⇒ ⇒ Etileno A biossíntese do etileno inicia-se com a combinação do aminoácido metionina com o ATP para dar o composto S-adenosilmetionina (SAM) + PPi + Pi. Esta reacção é catalizada pela enzima SAM sintetase. O passo seguinte consiste na cisão da molécula de SAM em ácido 1- aminociclopropano-1-carboxílico (ACC) e 5-metiltioadenosina por acção da enzima ACC sintetase. O ACC é o precursor imediato do etileno e o 5-metiltioadenosina é o primeiro elemento dum ciclo de reacções que têm como finalidade regenerar a metionina (ciclo de 35 Yang). O ACC é convertido em etileno por acção da enzima ACC oxidase, uma reacção que requer oxigénio. Neste processo é ainda produzido ácido cianidrico (HCN). Fig. 54 – Via de biossíntese do etileno O passo limitante na produção de etileno parece ser a conversão de SAM em ACC. De facto, a enzima responsável por esta conversão (ACC sintetase) existe em quantidades muito baixas nos tecidos. A concentração de metionina nos tecidos é baixa mas mantem-se mais ou menos constante em virtude do funcionamento dum mecanismo de reciclagem. Nem todo o ACC presente nos tecidos é convertido em etileno. O ACC pode também ser convertido em N-malonilACC (Fig. 54), um composto não volátil, que não podeser reconvertido em etileno nem se decompõe, acumulando-se nos tecidos. O etileno pode ser catabolizado (oxidado) ou conjugado nos tecidos originando produtos como o CO2, óxido de etileno, etileno-glicol e o conjugado de glicose do etileno-glicol. Factores que afectam a síntese de etileno A biossíntese do etileno é estimulada por vários factores incluindo o estado de desenvolvimento, condições ambientais de stresse, outras fitohormonas e danos físicos ou químicos. Por exemplo, durante o amadurecimento dos frutos os niveis de etileno e ACC, bem assim como a actividade da enzima ACC oxidase, aumentam consideravelmente à medida que os frutos amadurecem (Fig. 55). Também em condições de stress como a seca, alagamento, frio ou danos (ferimentos) mecânicos, se verifica um aumento da produção de etileno. O etileno induzido pelo stress participa no desencadear de respostas das plantas como a abscisão, a senescência, o revestimento dos ferimentos e o aumento de resistência às doenças. A reacção mais importante nestas circunstâncias é a conversão de SAM em ACC. Em algumas situações, as auxinas e o etileno provocam respostas semelhantes nas plantas, como por exemplo a indução de floração no ananás e a inibição do alongamento caulinar. 36 Estas respostas poderão ser devidas ao facto de as auxinas estimularem a síntese de etileno através do aumento da conversão de SAM em ACC. Assim algumas respostas anteriormente atribuidas às auxinas poderão ser controladas pelo etileno. Fig. 55 – Factores que influenciam a síntese e acção do etileno Inibidores da síntese e inibidores da acção do etileno. Conhecem-se substâncias que inibem especificamente determinados passos da via biossintética do etileno. Estão nesse caso o composto aminoetoxivinilglicina (AVG) e o ácido aminooxiacético AOA) que bloqueiam a conversão de SAM em ACC. Também o cobalto é um inibidor da via biossintética do etileno ao bloquear a conversão de ACC em etileno. A maior parte dos efeitos do etileno podem ser antagonizados por inibidores específicos da acção do etileno. Assim iões de prata como o AgNO3 ou o tiossulfato de prata são inibidores potentes da acção do etileno. Embora menos potentes que os iões de prata, também concentrações elevadas de CO2 (5 a 10%) inibem muitos dos efeitos do etileno incluindo o amadurecimento dos frutos. Detecção e quantificação do etileno Embora existam alguns biotestes que permitem detectar a presença de etileno, como a resposta tripla em plântulas etioladas de ervilheira, a epinastia e a abscisão das folhas de tomateiro, a forma mais rigorosa de quantificar os niveis de etileno é por cromatografia de fase gasosa. Efeitos biológicos do etileno O etileno participa na regulação de numerosos processos das plantas (Fig. 56) 37 Fig. 56 – Principais efeitos biológicos do etileno nas plantas Amadurecimento dos frutos O etileno é responsável por numerosos efeitos em espécies vegetais e orgãos diferentes. Em muitos frutos carnudos, o etileno acelera o seu amadurecimento (Fig. 57). Nestes frutos o inicio do processo de amadurecimento está frequentemente associado a um brusco aumento da produção de etileno e da taxa respiratória, um fenómeno chamado climatério. Nem todos os frutos respondem desta maneira. A manipulação de genes relacionados com a síntese do etileno ou com enzimas degradativas permite obter plantas em que o amadurecimento dos frutos é retardado (ex. tomateiro “never ripe”) 38 Fig. 57 – O etileno induz o amadurecimento de muitos frutos Abscisão Também a queda das folhas, das flores e dos frutos, um fenómeno chamado abscisão, é estimulada pelo etileno. No processo de abscisão das folhas (em muitas espécies) diferenciam-se camadas de células especiais, na chamada zona de abscisão que se localiza junto à base do pecíolo. O enfraquecimento das paredes celulares e da ligação entre as paredes de células vizinhas, na camada de abscisão, depende da acção de enzimas degradativas dos componentes da parede como a celulase e a poligalacturonase. Fig. 58 – Interação entre a auxina e o etileno no controlo da abscisão foliar Tem-se procurado explicar o processo de abscisão com base na interacção entre o etileno e a auxina (Fig. 58). Assim, numa fase inicial e de manutenção foliar, a auxina produzida no limbo impede a abscisão reprimindo a síntese das enzimas hidrolíticas implicadas na abscisão. A remoção da lâmina da folha estimula a queda do pecíolo e a aplicação de auxina exógena aos pecíolos desprovidas das respectivas lâminas retarda o processo de abscisão. Mais tarde, quando o nivel de auxina na folha diminui a sensibilidade ao etileno das células da camada 39 de abscisão e a produção desta hormona aumentam. O etileno estimula nas células da camada de abscisão a produção de enzimas que hidrolizam os componentes polissacarídicos das paredes das células e da lamela media, o que conduz ao enfraquecimento da parede, à separação das células e à queda das folhas). Epinastia O etileno, bem como concentrações elevadas de auxina, induz epinastia (Fig. 59), isto é, a curvatura para baixo das folhas. Esta reacção ao etileno resulta do facto de a parte superior do pecíolo cresçer mais rápidamente que a inferior. Certas condições ambientais adversas, como o alagamento do solo, também podem induzir epinastia das folhas. Isto deve-se ao facto de as raizes, na ausência de oxigénio, não converterem o ACC em etileno, de tal modo que aquele se acumula nas raizes donde é enviado para a parte aérea através do xilema. Nas folhas, onde existe oxigénio, o ACC é rapidamente convertido em etileno que provoca a epinastia. Fig. 59 – Epinastia em Xanthium Crescimento das plântulas. O etileno, para concentrações superiores a 0,1µl/L, reduz a taxa de crescimento longitudinal e aumenta a expansão lateral das células, provocando a dilatação da região abaixo do gancho (Fig. 60). A inibição do alongamento e estimulação da expansão lateral pelo etileno parece resultar de uma alteração das propriedades da parede celular, provocada por uma re-orientação das fibrilhas de celulose, de uma disposição transversal para uma orientação longitudinal. Fig. 60 – Efeito do etileno no crescimento de plantas etioladas de ervilheira 40 Abertura do gancho plumular As plântulas etioladas apresentam a extremidade apical do caule dobrada em forma de gancho, para facilitar a deslocação da planta através das camadas do solo e proteger o meristema apical caulinar de danos mecânicos nesse trajecto. Tal como a epinastia também a formação e abertura do gancho se deve a um crescimento diferencial induzido pelo etileno. A face exterior cresce mais rapidamente que a face interior. A abertura do gancho plumular é controlada pela interacção entre o fitocromo, que actua através da luz (vermelho/ vermelho distante), com o etileno. No escuro há produção de etileno pelas células do gancho o que inibe crescimento das células do lado interior. Fig. 61 – inibição pelo etileno da A luz vermelha inibe a formação de etileno abertura do gancho plumular e favorece o crescimento das células do lado interno, abrindo o gancho. Senescência das flores e das folhas O início da senescência das flores e das folhas é acelerado pelo etileno e consideravelmente retardado pelo tratamento com inibidores da síntese do etileno, como o AVG e o Co2+, ou da sua acção, como o Ag+ ou CO2 (Fig. 62) De igual modo, a perda de clorofila e o desaparecimento da cor, eventos típicos da senescênciadas flores e das folhas estão associados com a produção de etileno. Fig. 62 – Aumento da duração das flores do cravo pela acção do inibidor da acção do etileno (STS = tiosulfato de prata) Outros efeitos do etileno • O etileno pode quebrar a dormência e iniciar a germinação das sementes em algumas espécies de plantas incluindo os cereais. Noutros casoss, o etileno aumenta a taxa de germinação das sementes. A dormência dos gomos também pode ser quebrada pelo etileno, como acontece no caso das batatas e em alguns bolbos. • Concentrações elevadas de etileno (10 µl L-1) induzem a formação de raizes adventícias em folhas, caules e pedúnculos florais de algumas plantas herbáceas, bem como o desenvolvimento dos pelos radiculares • Embora o etileno iniba a floração em muitas espécies, ele induz a floração no ananás e em outras espécies de Bromeliáceas como a manga. Nas plantas com flores masculinas e femininas separadas o etileno pode provocar a mudança de sexo das flores em desenvolvimento. No pepino, por exemplo, favorece o aparecimento de flores femininas. 41 Mecanismo de acção do etileno O etileno actua principalmente através da regulação da expressão de genes. Isso acontece por exemplo durante o processo de amadurecimento dos frutos em que se observa o aumento da concentração de mRNAs da celulase e poligalacturonase e da actividade destas enzimas implicadas na hidrólise da cellulose e da pectina da parede celular e da lamela media. Estas observações indicam que o etileno regula a transcrição daqueles genes. Receptor para o etileno e transdução de sinal O gene para a proteina que funciona como receptor do etileno foi clonado a partir de mutantes de Arabidopsis (ETR = ethylene resistant) e tomateiro (NR = never ripe). Foi o primeiro receptor de uma hormona vegetal a ser identificado. O receptor é uma proteina membranar dimérica, do tipo sistema de sinalização com dois componentes fundidos, em que o sensor, além de ligar o etileno na superfície da membrana, tem um domínio proteina cinase capaz de se autofosforilar e de transferir o grupo fosfato para um residuo aspartato do domínio receptor do regulador de resposta. Quando o receptor é fosforilado fica activado e capaz de activar (fosforilar) a próxima proteina (componente) da cadeia de transdução de sinal (Fig. 63). O próximo componente da cadeia de transdução de sinal foi identificado num mutante de Arabidopsis que SEMPRE apresenta resposta tripla mesmo na ausência de etileno (CTR = Constitutive Triple Response), que é também uma proteina cinase (tipo Raf homóloga das MAPKKK). Dados experimentais de natureza genética sugerem que se trata de um regulador negativo (mutantes sem este componente apresentam resposta constitutiva como se estivessem a ser permanentemente activados pelo etileno, mesmo na sua ausência). É provavel que nesta via de sinalização participem também outras proteina cinases do tipo MAPKK e MAPK. Fig. 63 – Modelo da via de transdução de sinal do etileno 42 Outros componentes identificados da via de sinalização do etileno foram a proteina membranar integral EIN2, cuja função é ainda desconhecida, e no final da via de transdução os factores de transcrição EIN3 e ERF1. EIN3 liga-se à região promotora do gene ERF1 cujo produto ERF1 é um factor de transcrição positivo, mas provavelmente não o único a actuar. Usos comerciais do etileno Dada a grande facilidade de difusão do etileno, esta hormona é dificil de aplicar como gás no campo. Em vez dele usam-se compostos que libertam etileno como o ácido 2-cloroetil fosfónico (etephon ou ethrel). O etephon acelera o amadurecimento de maçãs e tomates e o amarelecimento dos citrinos. Também sincroniza a floração e o vingamento dos frutos no ananás e acelera a abscisão de flores e frutos. Por outro lado, favorece a expressão do sexo feminino nas flores do pepino, impede a auto polinização e inibe o crescimento terminal e favorece o crescimento lateral de algumas plantas, tornando-as mais compactas. No armazenamento de frutos há interesse em inibir a produção de etileno, para o que se utilizam atmosfera com baixos niveis de O2 e baixas temperaturas, factores que inibem a síntese da hormona. Atmosferas enriquecidas em CO2 (3-5%) impedem a acção do etileno no amadurecimento. Inibidores da síntese e da acção do etileno (STS e Ag+NO3) são também utilizados para aumentar a longevidade de várias flores de corte. 43 Ácido Abscísico A descoberta do ácido abscísico foi consequência dos estudos realizados sobre os fénómenos de abscisão e dormência nas plantas. Assim, em 1963 nos Estados Unidos um grupo liderado por Addicott isolou, purificou e cristalizou, uma substância que estimulava a abscisão dos frutos no algodoeiro, à qual deram o nome de Abscisina II. Quase ao mesmo tempo, em Inglaterra, outro grupo liderado por Wareing extraiu e purificou uma substância a partir das folhas de bordo que induzia a dormência dos gomos desta planta, tendo-lhe sido dado o nome dormina. Quando a dormina foi identificada verificou-se que era quimicamente semelhante à abscisina II e, por mútuo consentimento dos grupos, o composto activo foi rebaptizado como ácido abscísico (ABA) (Fig. 64). Distribuição O ácido abscísico tem sido encontrado em todas as plantas vasculares investigadas. Nas plantas superiores encontra-se em todos os principais orgãos ou tecidos vivos. O ABA é sintetizado praticamente em todas as células que possuam cloroplastos ou amiloplastos. Estrutura química do ABA O ABA é um composto isoprenoide com 15 carbonos (sesquiterpeno) (Fig. 64). Existem duas formas isoméricas (cis e trans) e dois enantiómeros (+ e -). Nas plantas existe quase exclusivamente a forma cis +. Fig. 64 – Estrutura da molécula do ácido abscísico Métodos de análise e quantificação do ABA Biotestes: - Têm sido utilizados a inibição da produção de α-amilase nas camadas de aleurona, induzida pelo ácido giberélico, a indução da abscisão das folhas de tomateiro e a indução do fecho dos estomas. Este último bioteste é altamente específico para o ABA. Métodos físicos:- Os métodos mais utilizados baseiam-se na cromatografia de fase gasosa associada com a espectrometria de massa (GC-MS). Estas técnicas requerem vários passos preliminares de purificação. Um outro método de purificar e quantificar o ABA em extractos vegetais é através do uso de imunotestes. Este método assenta no reconhecimento específico do ABA por anticorpos obtidos de coelhos ou ratos injectados com o regulador do crescimento. Controlo dos niveis de ABA nos tecidos Os niveis endógenos de ABA nos tecidos variam com as condições de crescimento e ambientais e são determinados pelas taxas de biossíntese, metabolismo e transporte. A biossíntese do ABA (Fig. 65) nas plantas faz-se por via indirecta. Nesta via o ABA é produzido a partir de um carotenoide oxigenado, com 40 carbonos, a violaxantina. Nos cloroplastos, ou noutros plastídeos, a violaxantina é convertida em neoxantina (igualmente uma xantofila com 40C) que sofre clivagem para dar um composto com 15 carbonos com propriedades fisiológicas semelhantes ao ABA chamado xantoxal, e um composto inactivo com 25 carbonos. Esta clivagem é catalizada pela enzima epoxi-carotenoide dioxigenase, que é rapidamente induzida em condições de stresse hídrico e se localiza na membrana dos tilacoides. Finalmente o Xantoxal é oxidado para ABA-aldeido e este, de seguida, para ABA. A oxidase que cataliza estes passos requer um co-factor de molibdénio. 44 Fig. 65 – Biossíntese e metabolismo do ácido abscísico (ABA) A concentração
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