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ESTUDO DE CASO A MORTE DO MENINO ÍTALO EM SÃO PAULO

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A MORTE DO MENINO ÍTALO EM SÃO PAULO
INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa relacionar a perspectiva da mídia sobre as pessoas da
comunidade, como sua influência afeta a perspectiva da sociedade e colabora para a
validação da violência policial para casos de requisição mínima de uma intervenção
agressiva. Para tal, será realizado uma análise de Estudo de caso, em específico, o assassinato
do menino Ítalo, de 10 anos, durante o confronto policial.
Entende-se por mídia, o que Guareschi (2009) define como processos de produção,
circulação, recepção de mensagens e conteúdos informacionais nas diferentes plataformas e
meios de comunicação.
Autores como Pedrinho Guareschi serão utilizados para analisar a influência da mídia
sobre a sociedade e a validação da violência policial como método para trazer harmonia à
sociedade, enquanto Martin-Baró e Lewin estarão presentes na análise dos efeitos de grupos
minoritários e fatalismo, por ser um trabalho bibliográfico, outros autores também serão
utilizados, sobretudo aqueles com teses disponíveis em livros e revistas.
O CASO
O caso gira em torno da morte de uma criança de 10 anos, identificada como Ítalo,
suspeito de furtar um carro, assassinado durante confronto com a Polícia Militar por uma
arma calibre 38. No dia 2 de Junho de 2016, às 19h, durante a patrulha na Rua José Ramon
Urtiza, na Vila Andrade, os policiais militares identificaram um veículo furtado e ocupado
por duas pessoas. Segundo a versão dos policiais, ao realizar a abordagem do carro, o veículo
furtado perdeu o controle e os policiais foram recebidos a tiros. Durante o revide, a criança de
10 anos foi atingida, enquanto o menino de 11 anos foi detido e apreendido. Por ser menor de
idade mínima da Fundação Casa, que exige que a criança tenha 12 anos, devido a isso, o
menino de 11 anos foi liberado do Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa
(DHPP) na companhia da mãe.
Em 2017, foram realizadas investigações de policiais civis e da Corregedoria da
Polícia Militar havia concluído que a ação havia sido legítima, sendo o relatório final
concluído afirmando que os PMs atiraram e o menino Ítalo morto numa troca de tiros durante
perseguição a um carro furtado. Entretanto, o Ministério Público não concordou com a
conclusão do Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), que não
responsabilizou nenhum dos policiais pela morte do garoto, e devolveu o inquérito para que o
caso fosse investigado novamente.
Em 2018, a promotoria acusou dois agente da Polícia Militar (PM) de participarem
diretamente do assassinato de Ítalo Ferreira de Jesus de Siqueira, alteração da cena do crime e
simulação do suposto confronto juntamente com mais três PMs.
Em áudio do Centro de Operações da PM (Copom), gravação utilizada como parte da
investigação, há solicitação para que não haja confronto. O promotor do caso afirma:
"O crime foi praticado também com violação do deve inerente ao cargo de policial
militar (...), em afronta à (resolução da Secretaria de Segurança Pública), que dispõe
acerca do Procedimento Operacional Padrão da Polícia Militar de São Paulo". (não
identificado, 2018)
A defesa dos agentes da Polícia Militar (PM) contestou a denúncia afirmando:
"Espanta o oferecimento desta denúncia. São inocentes e em nenhum momento tiveram a
intenção de matar. Não há dolo. E se não há dolo não há homicídio. Só acertou a cabeça de
uma criança, porque não era um adulto. Não houve fraude processual, porque o garoto foi
socorrido com vida" (MANTEIGA, Marcos. 2018).
O único acontecimento confirmado até agora é do disparo realizado pelos policiais
contra o menino Ítalo. Durante o laudo pericial foi apontado que não ocorreram disparos de
dentro do carro para fora. O amigo dele, de 11 anos, que estaria no banco traseiro, não ficou
ferido.
ARTICULAÇÃO DO CASO
Uma das principais características das organizações policiais, como definido por
Bueno, Pacheco e Nascimento (2020) é a possibilidade do uso de violência como
instrumento de manutenção de ordem pública e administração de conflitos pessoais, regulada
por uma série de legislações, normas e protocolos nacionais e internacionais, mas há uma
dificuldade significativa em sua regulação, devido às defasagens do controle interno e
externo, marcado historicamente no Brasil. Essa violência é distinguida e julgada a partir da
legalidade em que a violência foi utilizada, como Neto (1999) enfatiza:
“Do ponto de vista jurídico, há uma tendência a distinguir os conceitos de força e de
violência com base na legalidade dos atos de força e na ilegalidade dos atos de
violência. Deste ponto de vista, são considerados atos de violência apenas aqueles
em que os policiais usam a força física de forma não relacionada ao cumprimento
do dever legal”. (NETO, 1999, p.132).
A partir das informações supracitadas, é possível perceber também a presença da
dominação na organização policial e do Estado sobre a população, sobretudo as pessoas da
comunidade. Tal qual é perceptível na história do Brasil, marcada de violência contra as
comunidades com propósitos de "embelezamento e limpeza" das cidades, como no caso da
Revolta da Vacina, movida pela insatisfação popular no Rio de Janeiro, 1904, sobre a
realocação forçada dos centros das cidades e a campanha de vacinação obrigatória contra a
varíola durante o governo de Oswaldo Cruz, resultando em 31 mortes e diversos danos
materiais.
"Portanto, a teoria dos miasmas, assim como a teoria pasteuriana dos germes
informam as campanhas de eliminação das favelas e cortiços, que os especialistas
passam a defender. A questão da habitação insalubre, suja e fétida sugere-lhes a
aplicação de táticas de "correção do meio"." (RAGO, Margareth. 1987, p.169).
Também observável em situações de subtração de alimentos, consequência de uma
sociedade desigual que acarreta diversos problemas sociais: o desemprego, a instabilidade
familiar, a má qualidade na formação educacional são alguns dos problemas sociais ligados à
pobreza. Carentes de políticas públicas efetivas que possibilitem a qualidade de vida,
responsabilidade essa que cabe ao Estado, pessoas em situação de extrema pobreza lutam por
sua sobrevivência, e consequentemente muitos recorrem a cometer delitos criminosos para
suprirem suas necessidades, sendo esses o roubo e o furto, crimes com sentença de
penalização, mesmo relacionados com o “estado de necessidade”, que o Estado falhou em
assegurar, como complementa Lima (2012).
Assim, percebe-se que não é possível penalizar um sujeito que comete a subtração
de alimento para saciar sua fome ou de família ante o fato de que tal situação fere o
princípio da humanidade. (LIMA, 2012, p.47).
O uso da força policial para conquistar harmonia na sociedade demonstra uma
ideologia polarizada: a violência é utilizada para alcançar a paz. Esta que também é reforçada
pela mídia, através de meios comunicativos que grande parte da população sabe de fatos que
acontecem a sua proximidade ou até mesmo do outro lado do mundo. Os telejornais ao
noticiarem violência e crime, contribuem para que as pessoas melhorem sua percepção sobre
violência, e também motivam a denúncia. O homem atual usa então esse meio para se
atualizar sobre diversas informações que fazem parte da vida moderna.
"Os meios de comunicação propiciam ao homem uma melhor compreensão de sua
realidade, pois através das notícias, conhece os fatos e acontecimentos da sociedade,
tendo possibilidades de se manifestar na busca de soluções para os seus problemas e
da sua comunidade." (CRUZ, 2009, p.55).
A segurança tem sido uma das maiores preocupações dos cidadãos, quase todos já
passaram ou conhecem alguém que passou por uma situação de violência e crime, quando as
pessoas têm acesso a notícias através da mídia, elas começam a acreditar que estão vivendo
em uma sociedade vulnerável e insegura. Pedrinho Guareschi (2009) afirma que a mídia se
tornou a alma da nossa sociedade, possibilitando, o que diz ser aos olhos de estudiosossobre
a ideologia, uma ferramenta capaz de utilizar formas simbólicas para criar ou reproduzir
relações de dominação.
Portanto, a mídia também está envolvida na geração e manutenção da estigmatização
da população mais pobre, como afirma Ramos e Novo (2003), a partir da desumanização, que
Mello (2001) descreve como rotulação, em que as pessoas pobres são culpabilizadas por
serem identificadas como: carentes, favelados, ladrões, menores infratores, delinquentes,
criminosos, bandidos e viciados.
Perceptível também na notícia sobre a morte do menino Ítalo, em que os policiais o
assassinaram com a justificativa de ser um infrator perigoso, o qual descreveram como
armado e revidando a abordagem policial. No primeiro momento, a notícia identifica Ítalo
como um suspeito de furto, suspeito também de trocar tiros com uma calibre 38 contra os
policiais, enquanto dirigia. Ítalo é primeiro descrito como suspeito, antes de criança. É tratado
como rótulo antes de pessoa, sendo esta ideia reforçada pela defesa dos policiais, ao dizer que
“Só acertou a cabeça de uma criança, porque não era um adulto", fala carregada de conteúdo
estigmatizado em que há uma noção de que aquela situação seria passível de homicídio se
fosse um adulto infrator, desde que seja infrator a violência poderá ser utilizada.
Além disso, mesmo sendo uma criança, a morte de Ítalo foi acobertada, tanto com
alterações na cena do crime como tendo as investigações encerradas pela própria
Corregedoria da Polícia Militar.
Ítalo pertence a que Lewin (1977) chama de grupo de minoria psicológica, não
dependente de alta demografia, mas baseada na ausência de estrutura, estatutos e direitos que
permitam o indivíduo se autodeterminar no plano de seu destino coletivo. Essa condição de
não sentir responsável sobre seu próprio futuro, de estar numa condição predeterminada e
inevitável é o que Martín-Baró (XIMENES, p.3, 2016 apud 1998) define como fatalismo.
A partir da interlocução midiática, política e ideológica contra o grupo minoritário
psicológico, resulta no que Peres e Ryngelblum (2021) enfatizam sobre as falhas das políticas
públicas a partir de subnotificações e registros incompletos dos casos policiais, colaborando
para o desenvolvimento do fatalismo sobre essa população, que se vê abandonada por um
Estado e uma sociedade que deveriam contemplá-la.
Para que haja alguma mudança sobre esse cenário, é preciso lembrar que para Lewin
(1977) o futuro das minorias, assim como sua origem e existência, é social. Há três opções
possíveis para esse grupo: ser assimilado, a qual perdem sua crença no processo de
sobrevivência; podem ser integrados ou conquistar sua independência. Para a situação
elaborada, a independência torna-se fundamental, por se tratar de uma classe de pessoas
negligenciadas por um Estado, inspirando a auto-identificação e coletividade para exigir a
validação de seus direitos, assim como reformas políticas e legislativas para maior rigor
contra denúncias de violência policial, além disso, Lewin (1977) afirma que somente a
independência assegura a sobrevivência desse grupo, visto que ao integrar-se, posteriormente
serão assimilados.
CONCLUSÕES PARCIAIS
Atualmente, vivemos um período marcado pela violência policial, a qual já está
naturalizado na sociedade como método eficaz para resolver os conflitos dentro da sociedade,
assim como garantir sua “harmonia”, mantida por uma ideologia polarizante sobre a paz e a
violência.
Muitos esforços e métodos de conscientização serão necessários para que ocorra a
desestigmatização e as pessoas comecem a compreender melhor a realidade em que estão
inseridas, partindo de questionamentos sobre “será que era realmente necessário?”. Ademais,
é necessário que compreendam que a garantia dos direitos humanos não elide a
responsabilidade do indivíduo sobre as ações criminosas, mas permite entender que a
sociedade atual constrói pessoas que se veem incapazes de sair da atual situação de pobreza,
que por vezes beira a miséria.
Por ser um processo que exige longo investimento para apresentar mudanças e
resultados, é necessário realizar constantes reformas nos projetos para que se adapte
conforme as demandas trazidas pela população, caracterizando-se assim como um projeto que
exige uma pesquisa-ação, como Neiva (2010) define. Esses projetos podem ser realizados por
ONG’s assim como políticas públicas que implementam a individualidade, promovem o
bem-estar, saúde, escolarização e auxiliam na inserção do mercado de trabalho. Dessa forma,
permite que o indivíduo seja capaz de identificar-se como apto a discorrer sobre a própria
vida.

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