Prévia do material em texto
SEPSE · Caso clínico Paciente de 38 anos, sexo feminino, há 7 dias com disúria. Há 5 dias procurou assistência médica e foi medicada com pyridium (antisseptico urinário). Há 24 horas com febre e dor lombar à direita. Hoje trazida por familiares por ter apresentado tontura ao levantar e dispnéia. Refere infecções urinárias frequentes (3 no último ano) e antecedente de litíase urinária. Nega uso diário de medicamentos. Ao exame, paciente agitada, febril, taquipnêica, corada, desidratada e com má perfusão periférica (TEC > 3 segundos). PA = 70 x 40 mmHg – PAm = 50 mmHg FC = 140 bpm Tax = 39°C SpO2 = 88% (AA) FR = 34 irpm Ou seja, a paciente se encontrava hipotensa, taquicardica, taquipneica, febril e hipoxemia. Dados importantes da chegada. AR: MV audível universalmente sem RA ACV: RCR em 2T Bulhas normofonéticas sem sopros e/ou arritmias Abdome: Plano, doloroso à palpação profunda em flanco direito com “plastrão” nessa topografia, sem sinais de irritação peritoneal, sem visceromegalias, peristalse presente Extremidades: MMII sem edemas, pulsos presentes, panturrilhas livres · Diante desse quadro quais seriam as hipóteses diagnósticas? - Infecção urinaria alta complicada, pois tem dor lombar, sinais de repercussão sistêmica e pode ser que esteja com sepse, ate choque séptico. Associada a condições que aumentam risco de infecções e falência do tratamento: alterações anatômicas ou funcionais do trato urinário e/ou condições que diminuem a imunidade do paciente. - Choque séptico · O que seria ITU complicada ou de repetição? Repetição: pelo menos 3 episódios no ultimo ano Complicada: maior risco de infecção e falência de tratamento, quando existe a possibilidade de alguma alteração anatômica, funcional do sistema urinário ou imunodepressão Isso deve ficar bem definido, que uma paciente com infecção urinaria pode ter uma situação mais complicada que o habitual, por isso que o fato de ter infecções de repetição e antecedentes de litíase, já são fatores que predispões a infecção. Choque séptico: pois estava hipotensa na chegada. · Quando pensar em sepse? Toda vez que tiver um paciente com quadro infeccioso bacteriano, fúngico ou viral associado a critérios de SIRS- 2 dos 4 critérios, ou 2 dos 3 critérios do qsofa, existem críticas no qsofa porque quando é positivo, geralmente são pacientes mais graves e geralmente infere maior gravidade, prediz mortalidade. No nosso país e em países subdesenvolvidos como tem uma saúde falha, é melhor pecar por excesso, que use critérios de alta sensibilidade para não comer bola em pacientes que podem estar sépticos. Por isso que a sociedade latina de sepse diz para continuarmos usando os critérios de SIRS. - A paciente tinha: FR elevada, FC aumentada e temperatura axilar aumentada. Tinha 3 dos 4. No 4 critério precisa do hemograma pra ver se tem leucopenia ou leucocitose ou mais que 10% de forma jovem no hemograma. · Critérios para determinação de possível situação de sepse – SIRS relacionada à infecção: FR > 20 irpm ou paCO2 < 32 mmHg Tax > 38° ou < 36 ° FR > 90 bpm GB < 4000 ou > 12000 ou > 10% de bastões · qSOFA: Prediz mortalidade intra-hospitalar/baixa sensibilidade - não se recomenda a utilização do qSOFA como uma ferramenta de rastreio para sepse ou choque séptico: Alteração do nível de consciência FR > 22 irpm PAS ≤ 100mmHg - A paciente tinha 3 dos 3 critérios do qSOFA · Definições: 1) SEPSE: disfunção orgânica ameaçadora á vida secundária a resposta desregulada do hospedeiro a uma infecção. Disfunção orgânica: aumento em 2 pontos no escore Sequential Organ Failure Assessment (SOFA) como conseqüência da infecção. 2) CHOQUE SÉPTICO: anormalidade circulatória e celular/metabólica secundária a sepse o suficiente para aumentar significamente a mortalidade. Requer a presença de hipotensão com necessidade de vasopressores para manter a pressão arterial média >= a 65mmHg e lactato >= 2mmol/L após adequada ressuscitação volêmica. - O qsofa e o SIRS são scores usados na chegada, para uma possível sepse. Mas para definir sepse tem que ter obrigatoriamente uma disfunção orgânica, pelo menos 2 pontos do score de sofa. · Escore de SOFA - Avalia os subsistemas que estão traduzindo falência orgânica. - Alguns exames que precisa pedir para avaliar: gasometria, hemograma (plaquetas), bilirrubina, avaliação clinica e avaliar a necessidade de droga vasoativa (cardiovascular), glasglow (neurológico) e função renal (creatinina ou débito urinário) - Tem que somar 2 ou + pontos para dizer que tem disfunção orgânica · Quais seriam as condutas necessárias para essa paciente? - Repor volume (30mg/kg) - Antibiótico - Início de noradrenalina (droga vasoativa) · Guideline da campanha de sobrevivencia à sepse: Aspectos mais importantes: - Suporte hemodinâmico inicial - Antibioticoterapia precoce - Suporte ás demais disfunções orgânicas Por exemplo: paciente com insuficiência respiratória, precisa dar suporte. Não pode ficar evitando IOT, ventilação mecânica, adequação da troca gasosa, tem-se um tempo para isso, dar essa assistência dentro das primeiras horas. O suporte dentro das primeiras 3 horas deve estar já otimizado. · Conduta inicial a ser adotada: 1) Ter o paciente nas MÃOS: monitorização eletrocardiográfica com reavaliação constante dos sinais vitais e do nível de consciência – oxigênio – veia. MOVE!!! - A paciente estava com saturação de 88, então deveria ser ofertado oxigênio para a mesma, tava taquipneica, taquicardica. Ofertar um dispositivo de alto fluxo e alta concentração de oxigênio: mascara com reservatório. - Paciente taquidispneico e hipoxêmico, tem “fome de ar”, não é cateter de o2, é mascara com reservatório (pois não esta respirando pelo nariz) Mascara de alto fluxo: 7 a 15l/min de o 2 A partir de 7L: 70% de FO2 Acima de 10L estaremos ofertando 100% de o2 para o paciente Conduta inicial a ser adotada: 1) Ter o paciente nas MÃOS: monitorização eletrocardiográfica com reavaliação constante dos sinais vitais e do nível de consciência – oxigênio – veia. 2) ABCD 3) Hidratação endovenosa com SF ou Ringer lactato até 30ml/kg em 3 horas – alíquotas de 250 a 500ml e reavaliações contínuas. - Na sepse buscamos hoje a solução de ringer lactato, tem menos sódio e não tem cloro, evitando situações de sobrecarga. - Em pinça aberta, não é gotejar lento - Abro 500 ml e vou reavaliando o paciente. Perfusão, pressão, nível de consciência, ausculto pulmão.. · Guidelines da Surviving Sepsis Campaign 2021: cuidados iniciais na sepse e choque séptico “É muito importante entender que fluidos são importantes pela natureza do choque na sepse (choque distributivo). Para todo paciente, independente de comorbidades, como doença renal ou cardiopatia, estão indicados 30 mL/kg de cristalóides nas primeiras 3 horas de ressuscitação.” “A comorbidade por si só não contra-indica a administração inicial de fluidos, mas sim sinais de sobrecarga hídrica prévia. Após a ressuscitação volêmica inicial é provável que os pacientes ainda necessitem de fluidos. Nesse cenário, visando guiar a estratégia subsequente, utilize medidas dinâmicas de fluidorresponsividade como passive leg raising, variação de volume diastólico, variação de pressão de pulso ou ecocardiografia.” - Choque distributivo é a única situação que tem resistência vascular baixa. Paciente esta vasodilatado, tem um continento muito grande porque a gente sabe que grande parte da nossa circulação está na periferia, nos vasos e nos capilares e a medida que tem um choque distributivo, vários esfíncteres pré capilares vão abrindo e essa rede vai aumentando. Assim tem que adequar o conteúdo ao continente que está maior nessa situação. Recomenda-se então que seja passado os 30ml/kg de volume, independente se esse paciente tem comorbidades maiores, como doença renal, cardiopatia. Se for renal crônico que não urina é diferente do que urina. Tem que passar volume. - A comorbidade por si só não contraindica a administração inicial de fluidos, mas sim se esse pacientetiver sinal de sobrecarga hídrica prévia e mesmo após ressuscitação volêmica, esses pacientes ainda vão precisar de volume e assim pode se guiar por outros recursos para avaliar se esses pacientes vão ser respondedor de volume ou não. Que são as medidas dinâmicas de fluidorresponsividade como passive leg raising (elevação passiva das pernas), variação de volume diastólico, variação de pressão de pulso ou ecocardiografia. · Conduta inicial a ser adotada: 4) Vasopressor por via endovenosa: Noradrenalina – ampola tem 4ml e 4mg Diluir 4 ampolas em SG 234ml e correr em BI Concentração = 0,064mg/ml Dose de 0,05 a 2,0mcg/kg/min Infusão ml/h = peso x dose desejada/conc em mg/ml x 60 (cálculo) - Para pacientes com choque séptico em uso de vasopressores, recomenda-se o alvo inicial de pressão arterial média (PAM) de 65 mmHg em detrimento a valores maiores de PAM. (se tiver usando uma dose de nora muito alta, pode associar vasopressina) Vasopressina – ampola tem 1ml e 20U Diluir 1 ampola de SF 99 ml – não sofre interferência pelo peso do paciente Concentração = 0,2U/ml Dose de 0,01 a 0,04U/min = 3-12 ml/h (se dose de NOR > 0,5 mcg/kg/min) 5) Sondagem vesical de demora 6) Coleta de exames laboratoriais: HMG, função renal, eletrólitos, gasometria arterial com lactato, urina I, culturas de urina e sangue, coagulograma, bilirrubinas, proteína C reativa e pró-calcitonina. 7) Dipirona 1 ampola de 1g diluída em SF 10ml endovenosa - As drogas vasoativas tem doses terapêuticas muito variáveis por isso são corridas em bomba de infusão, sempre avaliando dose e resposta - Sempre sondar para avaliar o débito urinário (já passar na chegada) - Hemocultura faz-se para todos - Proteína C reativa é um marcador de atividade inflamatória, não é diagnóstico de sepse mas ajuda muito no tratamento da evolução do paciente. Colher a cada 2 ou 3 dias. - Pró calcitonina marcador inflamatório: mais utilizado na pneumonia - Fazer o antitérmico: dipirona 8. Solicitado exames de imagem (ajudam na identificação de focos de infecção): - Tomografia, geralmente com contraste - Raio x de tórax devido a hipoxemia - Tomografia de tórax helicoidal de abdome e pelve sem contraste 9. Acesso venoso central se necessário manter infusão contínua de noradrenalina - ressuscitação volêmica não suficiente para melhorar PA e perfusão periférica - Ideal de acesso venoso profundo para não ter risco de extravasar · Antibioticoterapia – ITU complicada Administrar antibiótico na primeira hora do atendimento – coletar culturas antes. Sempre por via endovenosa na maior dose possível e nos intervalos de tempo corretos. Iniciado antibiótico de amplo espectro com orientação de possível descalonamento após resultado das culturas. - ATB na primeira hora - Sempre de maior espectro no paciente mais grave e depois com o resultado das culturas, descalonar os atb - Principais germes causadores de infecção urinária de comunidade: E. coli e outros gram - (klebsiela, proteus) · Principais antibióticos utilizados na sepse: - Espectro estreito (infecções de comunidade): Penicilina, oxacilina, cefalosporinas de 1ª, 2ª e 3ª gerações, quinolonas, macrolídeos e antianaeróbios - Espectro amplo (infecções nasocomiais): cefalosporinas anti-pseudomonas, ureidopenicilinas, carbepenêmicos, glicopeptídeos - Cobertura para germes MR: aminoglicosídeos, polimixinas, linezolida e daptomicina - Para essa paciente foi prescrito imipenem (carbapenêmicos, bactérias gram - e pseudômonas) 500mg EV de 6/6 horas. É a dose plena, total, nas primeiras 24/48 horas da essa dose independente se o paciente tem disfunção renal ou não e depois corrige as doses. No caso dessa paciente poderia usar cefalosporina de 2 ou 3, carbapenêmicos (cefepime, carbapenem) · Fatores que definem a decisão da antibioticoterapia empírica: - Foco de infecção - Uso prévio de antibiótico - Internação recente ou uso de serviço de saúde - Comorbidades e imunodepressão - Dispositivos invasivos - Padrões de resistência locais - Levar em consideração para escolher o antibiótico que irá dar · Exames complementares dessa paciente: Tinha leucocitose, plaquetopenia, eletrólitos normais, bilirrubinas normais, INR tendendo a alargar PCR de 10, olhar sempre a metodologia do laboratório · Porque a paciente faz alteração de coagulação na vigência de um quadro séptico? Devido ativação inflamatória dos fatores de coagulação e inflamatório e a primeira manifestação pode ser a plaquetopenia. Mulher jovem geralmente fica grave. - Na gasometria tem alteração no PH, bicarbonato. Tem acidose metabólica e esta tentando compensar com alcalose respiratória e hipoxemia - Lactato aumentado (geralmente o normal é até 2) - Urina com características de infecção: 1 milhão de leucócitos (proteína e nitrito positivos) - Relação PO2 e FO2, relação PF: 238 e o normal é em torno de 400. Existe alteração na troca gasosa, com insulto agudo. · RAIO X de tórax: - Auculta normal, mas já tem quadro de edema pulmonar de origem não cardiogênica. Por definição é SARA. Geralmente tem um velamento pulmonar bilateral, alveolointersticial agudo, associado a um insulto que justifique e com uma relação PF < que 300. Existem graus de SARA. · CT de abdome: - Presença de hidronefrose - Comparando os 2 rins: distorção do aumento do volume urinário e dilatação do ureter, cálculo obstrutivo que isso normalmente requer uma desobstrução - Toda vez que tem-se um processo que esteja retendo secreção purulenta, deve-se drenar. - Chamar o urologista para passar um cateter duplo J. · Para ilustrar - Rim aumentado, cálculo e o outro rim era atrófico, não vê. · Conduta após realização de exames de imagem: - Solicitado presença do urologista para definição do caso. - Paciente foi levada para o centro cirúrgico onde foi submetida a anestesia geral com IOT e VM + passagem de cateter duplo J à direita para desobstrução da via urinária. - Transferida para a UTI após o procedimento. - Devido necessidade de altas doses de noradrenalina EV, foi associado ao tratamento hidrocortisona 50mg EV de 6/6 horas. - Muito comum que esses pacientes piorem depois do procedimento, tem área obstruída, com bactéria, infecção e depois que “cutucar” a inflamação piora a resposta inflamatória. Costumam instabilizar mais, demora um tempo pro antibiótico fazer efeito, acabou precisando de doses mais altas de noradrenalina, associou corticóide pois estava se mantendo hipotensa e essa dose de corticóide baixa é um dos requisitos no protocolo de sepse porque tem uma provável insuficiência adrenal e secundária ao caso sepse. Geralmente mantém essa dose de no máximo 7 dias. · Ilustração de cateter duplo J - Colocado o catéter na pelve renal, que vai ate a bexiga e redireciona o fluxo urinário, para se manter adequado e fazer com que aquela urina parada com bactéria seja resolvida. Continuando.. - Paciente permaneceu intubada em VM por 5 dias devido SARA - Ventilação mecânica protetora. - Com 48 horas da entrada da paciente no hospital foi checado culturas com evidência de crescimento de E.coli sensível a cefalosporina de 3 geração. ATB descalonado. - Melhora gradual melhora da relação PaO2/FiO2. Retirada noradrenalina depois de 72 horas de infusão e melhora da função renal. - Alta da UTI após 7 dias de internação.