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Crescimento e Desenvolvimento Aplicados à Educação Física Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Ms. Eric Leal Avigo Revisão Textual: Profa. Ms. Alessandra Fabiana Cavalcanti Desenvolvimento Motor: conceitos e teorias • Desenvolvimento motor: por que estudar? • Teoria Neuromaturacional • Teoria dos Sistemas Dinâmicos • Oportunidade de prática estruturada e instrução apropriada • Desenvolvimento motor: modelos e períodos sensíveis · Esta unidade tem por objetivo permitir ao aluno aprofundar os conhecimentos em desenvolvimento motor, conhecer as explicações neuromaturacional e dinâmica de desenvolvimento motor, compreender a importância das contribuições de uma visão dinâmica de desenvolvimento e relacioná-la à atuação do professor de educação física. OBJETIVO DE APRENDIZADO Seja bem-vindo (a) às nossas discussões sobre Crescimento e Desenvolvimento Humano Aplicados à Educação Física! Saiba que esta Disciplina tem como propósito o estudo das alterações das estruturas e funções dos sistemas orgânicos decorrentes do crescimento e das alterações do processo de maturação biológica, bem como os efeitos e a importância da atividade física para promoção destas alterações nas várias faixas etárias ao longo do ciclo vital, e isso lhe oferecendo contato com as discussões mais recentes dessa área; além de lhe proporcionar momentos de leitura – textual e audiovisual – e reflexão sobre os temas que serão aqui discutidos, contribuindo com sua formação continuada e trajetória profissional. ORIENTAÇÕES Desenvolvimento Motor: conceitos e teorias UNIDADE Desenvolvimento Motor: conceitos e teorias Contextualização Você já parou para pensar como seus movimentos se modificaram ao longo da vida? Você mal conseguia se manter em pé (quando bebê), e agora pode ser que realize gestos motores refinados ao praticar seu esporte de preferência. Observe as três imagens a seguir e reflita com calma nas seguintes questões: 1. Por que bebês, a maioria deles, geralmente, só conseguem dar os primeiros passos sozinhos (aquisição da habilidade motora andar) a partir dos 12 meses de idade? Fonte: iStock/Getty Images Com o tempo o bebê, a criança, o adolescente, o adulto jovem e o adulto idoso, alteram seu padrão de execução na habilidade motora andar, ou seja, modificam sua coordenação motora, sua configuração dos segmentos corporais um em relação ao outro. 2. Você já parou para pensar por que e como isso acontece? Fonte: Adaptado de GALLAHUE, 2003 6 7 Apesar de mudanças no padrão do andar ao longo da vida serem comuns de acontecer, todos os bebês, as crianças, os adolescentes, todos os adultos andarão da mesma forma? Por que duas pessoas da mesma idade, por exemplo, sejam duas crianças de 6 anos de idade ou dois adultos de 30 anos de idade apresentam configurações corporais distintas (ainda que nos pequenos detalhes) na realização dos movimentos da habilidade motora andar? 3. Resumindo, todas as pessoas andam da mesma forma? Você provavelmente percebeu que perguntas como essas não são assim tão simples de serem respondidas. Não é a toa que teorias foram formuladas na tentativa de explicar mudanças que acontecem no comportamento motor do ser ao longo da vida. Após essa reflexão, você já está preparado para iniciar os estudos dessa unidade. Aproveite para buscar as respostas para essas perguntas, enquanto estuda os materiais disponíveis! 7 UNIDADE Desenvolvimento Motor: conceitos e teorias Desenvolvimento motor: por que estudar? Conforme já definido em outra unidade de estudos, denominada Crescimento e Desenvolvimento humano, o desenvolvimento pode ser entendido como um processo de mudanças qualitativas e quantitativas no nível de funcionamento de um indivíduo, que ocorrem desde a concepção até a morte. Para melhor entendimento desse conceito, dividimos desenvolvimento em dois contextos distintos: Biológico e Comportamental. No contexto biológico, nos atemos às mudanças provocadas pelo organismo (biológico) do ser, referindo-se ao processo de diferenciação e de especialização das células embrionárias em diferentes tipos de células, tecidos, órgãos e unidades funcionais, algo que ocorre principalmente na vida pré-natal. No contexto comportamental, mudanças são decorrentes do desenvolvimento de competências em vários domínios inter-relacionados, conforme a criança se ajusta ao seu “nicho” cultural, ou porque não simplesmente dizer, seu ambiente ou contexto de vida. Mais importante para nós, profissionais (ou futuros) que fazemos parte do ambiente das crianças, dentro desse contexto comportamental de desenvolvimento, temos um papel muito importante na aquisição e no refinamento de comportamentos que são esperados pela sociedade nos diferentes domínios: motor; social, cognitivo, emocional e moral. Conforme outrora discutido, o desenvolvimento em cada um dos domínios é moldado pela relação do indivíduo com o ambiente que o cerca, por exemplo, com os pais, vizinhança, escola, igreja, clube, academia, etc., não nos esquecendo de nós como professores, que nesse processo também somos muito importantes. Uma vez que somos (ou seremos) profissionais do movimento, nessa unidade daremos ênfase ao estudo das mudanças que ocorrem e estão relacionadas, principalmente, ao domínio motor. Lembrando que seria impossível dissociar exatamente o papel de cada um dos domínios nas mudanças de desenvolvimento que ocorrem ao longo da vida, todos atuam conjuntamente e contribuem na aquisição de comportamentos. Apesar disso, é possível analisar as mudanças, buscando mapear quais domínios estão mais relacionados, por exemplo, à aquisição de habilidades motoras, as mudanças ocorrem predominantemente no domínio motor, mas não apenas nele. Não que somente esse domínio seja importante para nós, pelo contrário, todos precisam ser estudados, afinal somos (ou seremos) profissionais que lidam com a aquisição de conhecimento, nos relacionando com pessoas através de um processo de ensino-aprendizagem, em que todos os domínios, seja o motor, cognitivo, social, emocional ou moral, são importantes. Entretanto, nesse momento, caberá um maior aprofundamento, especificamente nos aspectos relacionados ao desenvolvimento motor, pois professores de educação física precisam dominar alguns conceitos e teorias que são importantes e auxiliam em sua atuação. 8 9 Importante! E o que é mesmo desenvolvimento motor? Desenvolvimento motor é um processo contínuo, com mudanças progressivas do comportamento motor desde a concepção até a morte. Para melhor entender esse conceito, basta reparar nos movimentos realizados por crianças de diferentes idades, como possuem certas particularidades que fazem toda diferença para aqueles que a realizam. E como e por que os movimentos se modifi cam com o avançar da idade? Por exemplo, como saímos de movimentos simples e ao mesmo tempo tão difíceis de serem realizados quando bebê, como o andar independente, para a realização de um andar “que nem ao menos pensamos” para conseguir realizar? Os estudos em desenvolvimento motor envolvem a busca por explicações para esses e muitos outros questionamentos, engloba estudos sobre as mudanças que ocorrem ao longo da vida e os processos que embasam tais mudanças. Trocando ideias... Afinal, por que estudar desenvolvimento motor? Dentre as possíveis justificativas, é importante para entender o processo de mudanças relacionadas ao comportamento motor do ser, e com tais informações, poder intervir, se necessário, estimulando de forma apropriada, buscando maximizar o desenvolvimento motor do ser para que de maneira nenhuma venha ser prejudicado. E como podemos interferir? Como organizar nossa atuação como professor? Por que e como essas alterações no desenvolvimento motor acontecem? Como novas habilidades motoras são adquiridas (seja andar, correr, saltar, chutar, etc.)? Como habilidades já adquiridas são melhoradas ou refinadas (andar fica melhor, correr, saltar, chutarfica melhor)? O que provoca a progressão no curso de desenvolvimento motor, seja adquirindo ou refinando novas habilidades motoras? São muitas perguntas que podem desencadear novas perguntas. Daí a importância de se estudar, não só para buscar respostas, mas para se gerar novas perguntas ainda mais interessantes, iniciando- se uma busca constante por conhecimento. Isso, sem dúvida, motivou muitos pesquisadores do desenvolvimento a procurar responder o que causa as mudanças. A partir de agora estudaremos duas teorias importantes criadas na tentativa de explicar as mudanças no desenvolvimento motor, a Teoria Neuromaturacional e a Teoria dos Sistemas Dinâmicos. Teoria Neuromaturacional Durante muitos anos, explicações sobre a aquisição e o desenvolvimento de habilidades motoras, principalmente nos anos iniciais da vida, foram baseadas em uma visão conhecida como maturacional (ou neuromaturacional). Aquisição de movimentos que compõem o repertório motor básico do ser humano, como os presentes nas habilidades motoras básicas e/ou fundamentais, foi primariamente 9 UNIDADE Desenvolvimento Motor: conceitos e teorias explicada como decorrente da maturação do sistema nervoso central (SNC), em que por essa visão, o ambiente possuía pouca ou quase nenhuma influência. Especificamente, os requisitos básicos para realizar essas habilidades seriam armazenados na carga biológica do ser humano e, com o passar do tempo, estruturas específicas dos diversos sistemas envolvidos na realização da habilidade motora, em especial o SNC, maturavam e a habilidade passava a ser realizada. A teoria maturacional teve como seus principais precursores os pesquisadores Arnold Gesell (1880-1961) e Myrtle McGraw (1899-1988). Importante! Formulada principalmente pelo grupo de trabalho de Arnold Gesell, ainda na década de 30 do século passado, a Teoria Neuromaturacional assume que a sequência e o ritmo de desenvolvimento são determinados pelo componente biológico, ou seja, pela maturação do ser em desenvolvimento. Com o passar dos meses, dos anos, a maturação do SNC aconteceria e como consequência, as habilidades motoras “apareceriam” e passariam a ser realizadas pelas crianças. Importante! Tal concepção decorreu principalmente do fato de que as habilidades motoras, aquelas comuns de serem realizadas nos anos iniciais de vida, tais como sentar, engatinhar, andar, correr, saltar, arremessar, chutar, entre outras, não precisavam ser ensinadas: em um belo dia “apareciam” no repertório motor das crianças. O pensamento era que se as mesmas não precisavam ser ensinadas e, mais ainda, todas as crianças apresentam, estas habilidades deviam ser codificadas (armazenadas), de alguma forma, no sistema nervoso e na carga biológica do ser humano. As explicações maturacionais adquiriram ainda mais força na época com as pesquisas feitas por McGraw com gêmeos idênticos. Os bebês Johnny e Jimmy (1930-1942) receberam estímulos diferentes, entretanto, ambos adquiriram os mesmos movimentos das habilidades motoras andar, correr, saltar, etc. Motor Development - Myrtle McGraw’s Twin study of Johnny and Jimmy (1930-42) http://goo.gl/eGPzJgEx pl or Sendo assim, bebês e crianças não precisariam aprender as habilidades motoras básicas como pegar ou alcançar um objeto, sentar, ficar em pé, engatinhar, era só esperar o tempo passar, “tic-tac; tic-tac; tic-tac ...” e pronto, as habilidades apareceriam. Obviamente essa teoria não poderia ser comprovada diretamente, já que não seria possível acessar as mudanças no SNC. A comprovação das explicações advinha justamente de diversos estudos que tinham como foco a observação de comportamentos (no domínio motor) das crianças nos anos iniciais de vida. A partir de tais observações, a comprovação indireta foi formulada a partir de dois princípios: o princípio da Universalidade e o princípio da Intransitividade. 10 11 Importante! O princípio da Universalidade sugere que todos os indivíduos adquirem os mesmos movimentos: pegar, sentar, engatinhar, fi car em pé, andar, etc. O princípio da Intransitivi- dade sugere que todos os indivíduos adquirem os mesmos movimentos, na mesma ordem de aquisição: primeiro sentar, depois fi car em pé, depois andar, correr, etc. Importante! De forma resumida, o pressuposto era que o SNC determinava quais habilidades o ser aprenderia e quais seriam aprendidas primeiro, ou seja, quando cada uma seria adquirida. Sendo assim, habilidades motoras que são filogenéticas, por fazerem parte da espécie, eram determinadas pelas mudanças no SNC, ou seja, já nasceríamos com as mesmas especificadas no SNC. A dúvida que pode surgir neste momento é: e o que são habilidades filogenéticas? Tal classificação foi adotada a partir da tentativa de se responder outro questionamento: de onde vêm os movimentos? Importante! Movimentos fi logenéticos são aqueles que não precisam ser aprendidos, já que são adquiridos naturalmente pelas pessoas. Importante! Os movimentos tidos como “reflexos”, àqueles executados pelos bebês, principalmente nas primeiras semanas de vida, como o reflexo de sucção e do andar, exemplificam os movimentos característicos da espécie humana, os quais voltarão a ser abordados mais adiante no curso. Refl exos primitivos. http://goo.gl/ltrlz1 Ex pl or Alcançar ou pegar, sentar, engatinhar, ficar em pé, andar, correr, saltar, chutar, arremessar, são todos exemplos de habilidades motoras que são formadas por movimentos considerados como pertencentes à espécie humana, significado da palavra filogênese. Em contraste aos movimentos filogenéticos, se têm os movimentos ontogenéticos. Importante! Movimentos ontogenéticos são aqueles movimentos mais específi cos às condições ambientais e necessitam de aprendizagem, pois não estariam relacionados à genética do ser, e depende das oportunidades e das experiências propiciadas pelo ambiente. Importante! São exemplos de habilidades advindas dos movimentos ontogenéticos, ou seja, que só são manifestados a partir de aprendizagem específica do ser em 11 UNIDADE Desenvolvimento Motor: conceitos e teorias desenvolvimento: andar de bicicleta, escrever, gestos técnicos específicos das modalidades esportivas, tais como chutar no futebol, arremessar no basquetebol e/ ou no handebol, sacar no voleibol, e etc. Por muito tempo a visão maturacional subsistiu no meio acadêmico como uma teoria que explicava a aquisição de movimentos no comportamento motor do ser. Importante! Uma vez que essa teoria possuía ampla aceitação, onde organismo do ser é (se não for o único) o principal responsável pelo desenvolvimento motor, tendo o ambiente pouca interferência nesse processo, a pergunta que pode surgir a você, estudante de educação física, é: qual seria o papel do professor no ensino de habilidades motoras? Elas não surgem e se desenvolvem naturalmente? Por que então, hoje em dia, cada vez mais, existem possibilidades de atuação para o profissional de educação física atuar desde as idades mais tenras? Qual seria seu papel se tudo acontecesse naturalmente? Se dependesse somente das explicações maturacionistas, sem dúvida, não haveria argumentos para justificar a atuação do professor na aprendizagem das habilidades motoras básicas, a Educação Física poderia ser iniciada somente a partir da necessidade da aprendizagem de atividades mais específicas, como na aprendizagem das modalidades esportivas. Trocando ideias... De certa forma, o professor de educação física só seria importante na aprendizagem dos movimentos ontogenéticos. E por muito tempo, não é que foi esse mesmo o pensamento quase que absoluto acerca da área. Não há muito tempo atrás, a educação física na escola era regulamentada apenas a partir dos 10 anos de idade, dentre os fatores que contribuíam para esse fato, encontra-se justamente o entendimento, fruto das explicações maturacionais, de que desenvolvimento motor até essa idade se dava naturalmente, conforme as crianças brincam por contra própria.Mesmo após quase um século de estudos do surgimento das primeiras afirmações que se transformariam na teoria neuromaturacional, mais tarde, e com tantos estudos demonstrando a importância do ambiente no processo de aprendizagem, mesmo dos movimentos filogenéticos, ainda hoje, pode-se dizer que alguns professores de educação física modulam suas aulas, partindo do pressuposto de que as habilidades servem de base no repertório motor, as habilidades motoras fundamentais, surgem e se desenvolvem naturalmente, sem a necessidade de um ambiente de oportunidade que possibilite tal aprendizagem. Explicações um pouco mais recentes assumem que o processo de desenvolvimento motor é complexo e, mais importante ainda, influenciado por muitos fatores que apresentam intensa interação entre si. Dessa forma, a aquisição e o refinamento de habilidades motoras são decorrentes de um processo envolvendo diversos fatores, não somente os biológicos, mas também os ambientais. Mudanças no organismo (por exemplo, sistemas nervoso, sensorial, muscular, esquelético, etc.) ocorrem nos anos iniciais e são prescritas e governadas pelo processo maturacional, mas o ambiente e as experiências decorrentes da interação contínua da pessoa com o ambiente modulam nossa herança biológica. 12 13 Será que brasileiros nascem com alguma característica biológica para jogar futebol enquanto os americanos nascem com alguma característica biológica para jogar basquetebol?Ex pl or Uma explicação alternativa seria que os brasileiros são mais expostos a um ambiente com maior incentivo ao futebol e os americanos ao basquetebol. Esse incentivo provém dos pais, da televisão, dos professores, dos locais disponíveis, dos clubes, dos times, entre outros. Outro exemplo atual é a “habilidade” que mesmo crianças jovens já apresentam com equipamentos e aparelhos tecnológicos. Observamos com espanto, admiração e alegria o manuseio de aparelhos por bebês que, observando o manuseio de aparelho por alguém, passa a imitar os movimentos e descobre que “pode” comandar o mesmo! Entretanto, isso apenas ocorre para aqueles pequeninos que têm à disposição a oportunidade de manusear um aparelho, que em fazendo descobre as possibilidades de interação com o mesmo. No tópico a seguir, será apresentada uma explicação um pouco mais recente do que a Teoria Neuromaturacional, a Teoria dos Sistemas Dinâmicos, a qual foi sugerida 40 anos atrás, já buscando explicar o importante papel do ambiente para ocorrência do desenvolvimento motor. Teoria dos Sistemas Dinâmicos Como fruto de estudos que investigaram o papel do ambiente no desenvolvimento motor de crianças, como os trabalhos de Ester Thellen, dentre outros pesquisadores importantes, a Teoria dos Sistemas Dinâmicos foi concebida. Importante! A partir dessa teoria sugere-se que mudanças no comportamento motor ocorrem a partir da relação da pessoa com o ambiente. A maturação do SNC continua sendo entendida como importante, mas não como único fator delimitador para o desenvolvimento. Importante! Na verdade, a partir dessa visão, os fatores que podem influenciar na aquisição de comportamentos no domínio motor não podem ser mapeados ou apontados isoladamente, sendo esse um dos motivos dessa visão ser denominada como multicausal: desenvolvimento é resultado da interação de múltiplos fatores. Essa é a primeira das seis características importantes das mudanças que ocorrem no desenvolvimento motor, não somente na infância, mas ao longo de toda a vida, e que merece ser destacada: (1) Mudança é multifatorial. Fatores isolados (como maturação ou ambiente) por si só não causam desenvolvimento, mas sim a combinação entre eles. 13 UNIDADE Desenvolvimento Motor: conceitos e teorias Importante! Assumir a multicausalidade no desenvolvimento motor implica assumir a visão de que o ser em desenvolvimento é um sistema complexo, composto e influenciado por inúmeros fatores, os quais podem ser agrupados em restrições relacionadas ao organismo, ao ambiente e à tarefa. Restrições nada mais são do que fatores que delimitam a realização dos movimentos ou, simplificadamente, qualquer coisa que interfira, seja positiva ou negativamente, na realização de uma ação motora (conforme ilustrado na figura 1). Importante! Esses fatores então são os responsáveis por delimitar qual o padrão de movimento a ser executado. Sendo assim, mudanças desenvolvimentais ocorrem de acordo com as mudanças no conjunto de restrições relacionadas à execução de uma determinada ação motora. Ambiente Organismo Movimento (ação motora) Tarefa Figura 1: Representação esquemática do conjunto de restrições do organismo, do ambiente e da tarefa que dinamizam a ocorrência de desenvolvimento. O fato de as restrições do organismo serem entendidas como apenas parcialmente responsáveis pelo desenvolvimento, abrindo precedentes para as influencias externas (fatores do ambiente e da tarefa), permite considerar que o curso desenvolvimental é epigenético: específico para cada ser em desenvolvimento. Essa é mais uma característica das mudanças que ocorrem no desenvolvimento que cabe o destaque: (2) Mudança é Individual. Mudanças ocorrem contextualizadas, influenciadas pelas características dos indivíduos e as condições do ambiente que o cerca. Para que você possa compreender melhor o papel das restrições do organismo, do ambiente e da tarefa, no curso desenvolvimental do ser humano, é necessário discutir alguns dos fatores que se refere a cada uma dessas categorias de restrições. As restrições do organismo, também denominadas de restrições internas, estão relacionadas às mudanças estruturais e funcionais da própria pessoa (peso, estatura, nível de força, nível de coordenação motora). Por exemplo, o amadurecimento dos diversos sistemas (sistema nervoso, esquelético, muscular, etc.) que compõem e permitem o funcionamento do corpo humano, que em um processo natural de 14 15 desenvolvimento, interferem no padrão de execução de determinado movimento. É importante destacar que essa categoria de restrições do organismo diz respeito não somente a mudanças físicas, mas também psicológicas e cognitivas, por exemplo, na repetição de dada ação motora, a melhor compreensão dos movimentos após algumas repetições pode vir a fazer com que o executante realize os movimentos de forma diferente, justamente, por que ele percebeu que a realização poderia ser executada em outro padrão de movimento, sendo esse mais eficiente ou não. Ainda, aspectos psicológicos como motivação e autoestima do executante podem influenciar de forma decisiva na qualidade dos movimentos selecionados por ele. Dessa forma, as influências das restrições do organismo tanto físicas, mais marcantes nos anos iniciais, quanto psicológicas e cognitivas, podem ser sentidas ao longo de toda vida. As restrições do ambiente, também denominadas restrições externas, estão relacionadas ao local onde o movimento é realizado, sendo esse local tanto físico (por exemplo, solo ou água) quanto o contexto sócio-cultural do mesmo. Pensando nas influências físicas do local em que pode ocorrer a realização de qualquer atividade motora, à influência da força de gravidade, diferentes tipos de solo, calor, frio, iluminação e perturbações sonoras são alguns exemplos de restrições ambientais. Já parou para pensar nas diferenças em se realizar um mesmo movimento dentro e fora da água? Em todos esses casos, o executante da ação motora recebe influências de forças externas muito distintas. Pensando agora nas influências sócio- culturais, para facilitar o entendimento, é proposto um questionamento: por que crianças brasileiras são mais motivadas a participarem de práticas que envolvem as modalidades esportivas de futebol e de voleibol? Há aqueles que satirizam dizendo que crianças brasileiras estão relacionadas geneticamente ao futebol, até pelo título dado a nação de “país do futebol”, entretanto a explicação que se tem é a mesma usada para compreender porquecrianças americanas estão mais voltadas para o beisebol e o basquete; crianças japonesas para as artes marciais e, ainda, crianças africanas para o atletismo. Neste caso, modalidades esportivas mais proeminentes na sociedade ou na região de inserção da criança influenciam na realização de um conjunto de movimentos relacionados a estas mesmas modalidades em detrimentos de outros não relacionados a estas modalidades. A última categoria de restrições refere-se à tarefa motora a ser realizada, as quais também são consideradas restrições externas. A sequência de movimentos necessários na realização de tarefas diferentes, por exemplo, chutar uma bola ao gol e uma cortada no voleibol, estarão condicionados às suas especificidades, ou seja, à execução de uma ação motora é acompanhada de um objetivo final que é a exigência da própria tarefa. Essa categoria de restrições é a que mais pode ser manipulada, por exemplo, pelo professor de educação física, podendo facilitar ou dificultar a realização da tarefa motora. Suponhamos que o professor manipule as restrições da tarefa diminuindo o peso e o tamanho da bola ou da altura dos alvos a serem atingidos, tal atitude poderia minimizar os efeitos de restrições do organismo e do ambiente, facilitando a aquisição de determinados comportamentos motores. Uma vez descritas as três categorias de restrições que condicionam as mudanças que ocorrem no desenvolvimento motor do ser, pode-se apresentar mais algumas 15 UNIDADE Desenvolvimento Motor: conceitos e teorias características importantes dessas mudanças. Para tanto, utilizaremos como exemplo a aquisição do andar, uma habilidade motora que adquirimos no final do primeiro ano de vida e que passamos a utilizar ao longo de toda a vida. Para a aquisição do andar independente, o bebê precisa apresentar, de forma bem simplificada, força muscular, controle postural (equilíbrio) e coordenação motora para movimentar as pernas alternadamente à frente do corpo. Força muscular é uma capacidade que dependente de mudanças relacionadas ao crescimento do bebê (fator predominantemente interno, do organismo). Controle postural é construído a partir de uma relação do bebê com o ambiente no qual está procurando manter uma posição corporal. Por exemplo, ao nascimento não éramos capazes nem de manter a cabeça em uma determinada posição (precisávamos ter a mesma amparada por alguém). Após alguns meses, desenvolvemos a capacidade de manter a cabeça orientada ao tronco e o tronco em relação aos membros inferiores. Para tanto, há necessidade de força (fator interno), mas também de experiências no ambiente em manter a orientação postural desejada. Finalmente, os primeiros passos são fortemente estimulados pelos pais, quando “pedem” e “criam situações” para que o bebê tenha “vontade” de se deslocar até um determinado objeto e/ou pessoa. Aí está mais uma característica importante a ser destacada: (3) Mudança é Direcional. Mudanças são construídas em direção a um objetivo específico do aprendiz, vontade e desejo em realizar um determinado movimento, provocam mudanças na realização desse movimento. Portanto, a aquisição de uma habilidade básica passa pelo processo de aprendizagem que envolve um relacionamento complexo entre fatores internos e externos para um final feliz: a realização dos primeiros passos, que serão reproduzidos, de forma melhorada, pelo resto da vida. Como assim de forma melhorada? Já parou para pensar que todas as crianças correm, saltam e arremessam uma bola, mas que nem todas realizam os movimentos com a mesma qualidade ou proficiência? Aí está mais uma característica importante do desenvolvimento: (4) Mudança é Qualitativa. Movimento são qualitativamente diferentes ao longo da vida. Crianças de três anos chutam uma bola diferentemente de crianças de 10 anos. Crianças de 10 anos chutam uma bola diferentemente de adultos. Crianças de 10 anos também chutam uma bola de maneiras diferentes do que crianças de também 10 anos. O que se pretende dizer com tais afirmações? Implica dizer que habilidades motoras são realizadas de forma diferente por crianças, não só de diferentes idades, mas também em idades similares. O que determina a forma de realização dos movimentos pelas pessoas são as experiências que a mesmas receberam ao longo da vida. Observe a figura a seguir que contextualiza a aprendizagem de alguns marcos motores comuns às crianças no primeiro ano de vida, os quais antecedem a aquisição do andar. Figura 2: A Aprendizagem do andar (e alguns marcos motores) pelo bebê. Fonte: iStock/Getty Images 16 17 Importante! Partindo de uma visão dinâmica de desenvolvimento, onde múltiplos fatores atuando em conjunto são responsáveis por modular o desenvolvimento do ser, assumimos que todos os movimentos são aprendidos, até mesmo aqueles considerados fi logenéticos (com exceção dos movimentos refl exos dos bebês). Importante! Por exemplo, um bebê primeiro aprende a controlar a musculatura da cabeça e do pescoço, depois a sentar, engatinhar, ficar em pé, para somente após isso, aprender a andar, como também a correr, saltar, chutar, arremessar, e etc. Da mesma forma que, posteriormente, a criança aprenderá a chutar no futebol, saltar no atletismo, arremessar no basquete, e assim, futuramente, quem sabe praticar os esportes que mais lhe agradar. Essa aprendizagem somente ocorrerá a partir de uma participação efetiva dessa criança em praticar (repetir) tais movimentos, o que envolve motivação em realizá-los repetidamente até que consiga satisfazer a meta ou o objetivo de movimento, ou seja, atenda às restrições da tarefa motora. Sendo assim, com a repetição dos movimentos essa criança explora quais são as possibilidades de realização e suas consequências sensoriais, e após descobrir aqueles que atendam aos requisitos da tarefa, selecione os mesmos passando a praticá-los, ou seja, ocorre a escolha das ações mais efetivas e eficientes para realização da habilidade motora. Após essas explicações, as duas últimas características importantes de desenvolvimento a serem destacadas podem ser apresentadas: (5) Mudança é Sequencial e (6) Mudança é Cumulativa. Sequencial porque existe uma ordem com que as crianças (quase sempre) adquirem os principais movimentos: um bebê primeiro aprende a sentar, engatinhar, ficar em pé, para só então poder andar. Cumulativo porque aprendizagens prévias servem de base para novas aprendizagens, ou seja, o desenvolvimento atual depende de desenvolvimento anterior. Isso pode ser observado também na aprendizagem dos movimentos que fazem parte dos esportes, por exemplo: primeiro uma criança aprende a andar, correr, saltar, quicar uma bola parado, arremessar, todas essas habilidades básicas ou fundamentais sendo realizadas de forma isolada; num segundo momento elas aprendem a combinar essas habilidades, e a partir de certa prática, conseguem chegar a realizar gestos desportivos do basquete, como correr quicando uma bola, seguido de dois passos e salto arremessando a bola em uma cesta, no caso, fundamento do basquete chamado “bandeja”. Para aprendizagem então, a prática é importante. E não qualquer prática, mas a repetição dos movimentos que atendam aos requisitos da tarefa. Dessa forma, para aprendizagem, é preciso oportunidade para realização dos movimentos. Por exemplo, um bebê precisa explorar as possibilidades dos movimentos por si só para aprender, como ao tentar alcançar um brinquedo qualquer ou algum objeto colorido, com formatos atrativos e que emitam algum tipo de som, como simples balançar das chaves pelo pai, isso já é uma oportunidade de prática com estímulo 17 UNIDADE Desenvolvimento Motor: conceitos e teorias para esse bebê se movimentar da forma que conseguir até seu objetivo (o pai com as chaves), seja tentando alcançar, engatinhando ou, quem sabe, dando seus primeiros passinhos. Em alguns casos, não basta oportunidade de prática, faz-se necessário instrução apropriada acerca dos movimentos,como na aprendizagem dos gestos desportivos. Tais discussões sobre oportunidade de prática e de instrução serão abordadas sucintamente no próximo tópico e, enfatizadas outras vezes ao longo das próximas unidades. Oportunidade de prática estruturada e instrução apropriada A aquisição e/ou aprendizagem de uma habilidade motora envolve que o executante, inicialmente, descubra como realizá-la. Dado os muitos segmentos corporais e músculos envolvidos na realização de uma habilidade motora, selecionar os movimentos que atendam aos objetivos da tarefa motora com proficiência (qualidade de execução) nem sempre se mostra uma tarefa fácil, em alguns casos, não sendo possível de ser alcançado sozinho. Por exemplo, as crianças até conseguem por si mesmas (praticando sozinhas) adquirir habilidades motoras, como espalmar ou cortar (rebater) uma bola, mas dificilmente conseguirão realizar com proficiência o saque ou a cortada no vôlei, simplesmente praticando sozinhas, em alguns casos a intervenção de um professor nesse processo de aprendizagem é essencial. Essa intervenção inclui não somente informações verbais ou gestuais que podem ser transmitidas, mas advém também da organização de uma prática específica que por meio de desafios de complexidade a criança consiga superar suas limitações e adquirir a movimentação que cumpra as exigências do contexto de realização. Importante! A organização da prática por um profissional específico deve propiciar condições para que o aprendiz explore as suas potencialidades motoras de maneira específica e orientada para uma determinada gama de possibilidades. Esses profissionais assumem um papel crucial no processo de exploração por parte das crianças, no caso, manipulando as restrições ambientais e da tarefa, fornecendo oportunidade de prática estruturada e instrução apropriada, para que seja possível não somente a aquisição, mas também o refinamento de habilidades motoras. Importante! Esse ambiente propício e estruturado vai além de, por exemplo, instalações físicas de uma quadra de esportes, diversidades de materiais ou disponibilidade de tempo para prática. Oportunidade de prática estruturada envolve a participação de quem está aprendendo em atividades devidamente organizadas através de objetivos previamente definidos, papel que costuma ser atribuído ao profissional 18 19 responsável como, por exemplo, o professor de educação física. Além de planejar a prática, esse profissional é responsável por fornecer informações específicas sobre a execução da habilidade motora, verificar a execução de seu aluno, identificar possíveis erros, corrigir, fornecer o feedback (quando necessário), ou seja, garantir instrução adequada a cerca dos movimentos a serem realizados. Prática estruturada e/ou organizada é a prática propiciada às crianças e aos adolescentes com objetivos definidos e compatíveis com o nível desenvolvimental esperado para a respectiva idade das crianças e dos adolescentes. As atividades propiciadas pelo professor devem ser organizadas de forma a garantir que habilidades motoras sejam adquiridas e refinadas de acordo com o esperado para a idade da criança. Além de atividades estruturadas e organizadas às idades das crianças, o ser em desenvolvimento também deve receber instrução apropriada para que os objetivos pretendidos sejam alcançados. Após a realização de um dado movimento, o ser em desenvolvimento deve receber informação sobre sua realização, seguido de instrução sobre o que corrigir ou alterar no movimento realizado e como alterar o movimento realizado. Tais informações são cruciais para que mudanças na realização de uma dada ação motora venham a ocorrer e cabe ao professor desempenhar esse papel tão importante. Como exemplificado na figura sobre a aquisição do andar (figura 3), a inter- relação entre fatores do organismo e fatores do ambiente é determinante para promover e nortear mudanças no repertório motor. Apesar da facilidade em abordar esse relacionamento entre os diversos fatores internos e externos, em tão poucas palavras, tal processo não é trivial. A combinação entre os fatores internos e externos deve ocorrer de forma que o bebê, a criança e qualquer outra pessoa tenham condições para usufruir dessa situação. Por exemplo, não adianta alguém incentivar (propiciar estímulos) para um bebê aprender andar por volta do sexto mês de idade. Ele não terá os requisitos do organismo para responder a tais estímulos e, consequentemente, adquirir o andar. Importante! Portanto, há períodos e idades mais propícias para que bebês e crianças respondam mais adequadamente aos estímulos provenientes do ambiente. Tais períodos e idades foram denominados de períodos sensíveis ou então “janelas de oportunidade”, signifi cando que o organismo estaria mais suscetível a responder estímulos ambientais de forma mais pronunciada, fazendo com que a aquisição e a aprendizagem de alguma habilidade ocorressem de forma mais fácil. Importante! Isso não quer dizer que após essa “janela” não ocorra mais aprendizagem de uma determinada habilidade, porém essa aprendizagem é mais difícil e a dificuldade se agrava, à medida que nos afastemos temporalmente dessa “janela”. 19 UNIDADE Desenvolvimento Motor: conceitos e teorias Importante! Vamos trazer um exemplo para a aprendizagem da leitura e da escrita. A janela ideal é por volta dos seis/sete anos de idade. Podemos aprender mais tarde? Sim, porém com maior dificuldade. Podemos aprender quando adulto? Sim, porém necessitando colocar muito mais esforço. Similarmente, o mesmo acontece com a aprendizagem das habilidades motoras básicas, que são também denominadas como fundamentais, elas possuem um período sensível por volta dos seis/sete anos para aquisição de competência na realização das mesmas. Trocando ideias... Essas habilidades são assim denominadas justamente por serem fundamentais de serem adquiridas para que seja possível a construção de um repertório motor amplo e proficiente, composto por habilidades mais específicas, como aquelas utilizadas nos esportes. Isso expressa a característica de desenvolvimento já citada anteriormente e tida, se não como a principal, mas como uma das mais importantes no processo de desenvolvimento: a característica “Cumulativa”. Baseado nesses períodos sensíveis, diversos modelos de representação do desenvolvimento motor foram criados, e alguns deles serão destacados a partir de então. Desenvolvimento motor: modelos e períodos sensíveis Importante! O estudo do desenvolvimento motor refere-se às mudanças que ocorrem no comportamento motor ao longo da vida, bem como os processos que estão por detrás dessas mudanças e, entender como muitos fatores atuam dinamicamente sobre esses processos é considerado algo muito complexo. Na tentativa de ilustrar as muitas mudanças que ocorrem no curso da vida, modelos desenvolvimentais que viessem representar esse fenômeno foram propostos pelos estudiosos da área. O principal objetivo desses modelos é justamente fornecer uma maneira para visualização e representação das inúmeras e complexas mudanças que ocorrem ao longo do desenvolvimento motor e que seriam difíceis de serem compreendidas de forma isolada. Importante! Entender como ocorre o processo de aquisição das habilidades motoras e como as mesmas mudam, ao longo do tempo, no processo de refinamento e adaptação dessas habilidades no contexto da vida parece ser o principal foco dos modelos de desenvolvimento motor. Para isso, o curso desenvolvimental é representado nesses modelos por meio de divisões denominadas de fases ou de períodos de desenvolvimento. Essas fases estão relacionadas, porém não dependentes, à idade cronológica e são indicativos das mudanças qualitativas e quantitativas que ocorrem ao longo de determinado período de tempo. Cada fase de desenvolvimento reflete 20 21 um período crítico ou sensível, denominado no tópico anterior como sendo uma “janela de oportunidade” para que determinadasalterações aconteçam. Como já previamente apontado, essa “janela” é considerada como um intervalo de tempo o qual o indivíduo está mais susceptível a certas mudanças e que as mesmas ocorrem com maior rapidez e facilidade. Diversos modelos de desenvolvimento motor foram propostos ao longo das últimas décadas e os mesmos se mostraram muito importantes, dentre os inúmeros aspectos relevantes, para um entendimento mais facilitado e a explicação simplificada das mudanças desse fenômeno dinâmico, permitindo serem visualizadas em um contexto mais prático. Dentre os modelos, cabe o destaque para o modelo de Ampulheta proposto por Gallahue e Ozmum em 2002, e o modelo de Torre proposto em 2015 por Avigo e Barela. Ambos os modelos são versões modificadas e atualizadas de antigas representações em formato de pirâmide. De forma geral, procurou-se representar e ilustrar a influência das condições orgânicas e ambientais vivenciadas pelo ser em desenvolvimento na aquisição e no refinamento das habilidades motoras, bem como sua utilização ao longo da vida. Modelo de Ampulheta Esse modelo de desenvolvimento foi proposto a partir de outro modelo, proposto inicialmente por David Gallahue em 1982, em um formato de pirâmide. A ideia de pirâmide advinha, dentre outros motivos relevantes, da tentativa de ilustrar a característica cumulativa de desenvolvimento, onde cada bloco da pirâmide (fase desenvolvimental) se formava com base no período anterior. A ideia de pirâmide também denota que, à medida que se avança na idade cronológica, novas aprendizagens mais específicas são adquiridas, o que justifica a diminuição do tamanho dos blocos, conforme se aproxima do topo da pirâmide (ponta da pirâmide). Um exemplo dessa representação, com os períodos e as idades de ocorrência (aproximadas) das mudanças no desenvolvimento motor para cada desses períodos é apresentado a seguir. Id ad e a pr ox im ad a d os pe río do s de de se nv ol vim en to Estágios de desenvolvim ento Fase dos Movimentos Re�exivos Fase dos Movimentos Rudimentares Fase dos Movimentos Fundamentais Fase dos Movimentos Relacionados ao Esporte 14 anos e acima 11 aos 13 anos 7 aos 10 anos 6 aos 7 anos 4 os 5 anos 2 aos 3 anos 1 aos 2 anos nascimento até 1 ano 4 meses até 1 ano Útero até 4 meses Estágio especializado Estágio especí co Estágio inicial Estágio maduro Estágio elementar Estágio inicial Estágio de pré controle Estágio de inibição de re�exos Estágio de decodi cação de informações Estágio de codi cação de informação Figura 3: Modelo de desenvolvimento motor de Gallahue (1982). Fonte: Gallahue, 1982 A partir desse modelo de pirâmide representado na figura, o modelo de ampulheta foi desenvolvido. Sucintamente, os avanços e as modificações em 21 UNIDADE Desenvolvimento Motor: conceitos e teorias relação à proposta inicial se dão pela tentativa de representação em espelho, onde toda a história de desenvolvimento ao longo das duas primeiras décadas de vida (especificamente, até por volta dos 14 anos de idade), refletirá em como poderá ser o desenvolvimento do ser ao longo de toda a vida. A partir dessa concepção, o repertório construído ao longo dos primeiros anos de vida refletiria em uma utilização vitalícia do mesmo, seja para realização dos movimentos necessários para vida diária, seja para recreação, seja para competição, por exemplo, em práticas esportivas. A seguir uma representação desse modelo de ampulheta é apresentada. Utilização Recreacional ao Longo da Vida Utilização Diária ao Longo da Vida Utilização Competitiva ao Longo da Vida Movimentos Especializados 14 anos acima 11 a 13 anos 7 a 10 anos 6 a 7 anos 4 a 5 anos 2 a 3 anos 1 a 2 anos Nasc. - 1 ano 4 meses - 1 ano 0 a 4 meses Decodi�cação/Codi�cação de informações Pré-Controle Inibição Maduro Elementar Inicial Utilização p/ vida Aplicação Transição Movimentos Fundamentais Movimentos Rudimentares Movimentos Re�exos Figura 4: Modelo de desenvolvimento motor de Gallahue e Ozmun (2002) Fonte: Gallahue e Ozmun, 2002 A ampulheta oferece uma visão descritiva do desenvolvimento humano por meio de fases e de estágios de desenvolvimento. Para os criadores desse modelo, conceitos como continuidade, especificidade e individualidade no desenvolvimento são tidos como peças-chave em suas explicações. Para eles as idades apresentadas entre as fases desenvolvimentais são apenas referência do desenvolvimento típico para cada idade, não sendo necessariamente o ideal esperado para cada idade, mas apenas algo considerado normal para pessoas neurologicamente saudáveis. A hereditariedade (fatores individuais) e o meio ambiente (fatores externos) são tidos como “alimentadores” nessa ampulheta, em que ambos são tidos como importantes, em pé de igualdade, para o desenvolvimento do ser ao longo da vida. Talvez um dos aspectos que não tenha ficado tão claro nessa proposta de representação, é o quanto fatores internos ou externos podem sobressair um ao outro ao longo dos períodos desenvolvimentais. Afinal, tanto os fatores individuais como os fatores ambientais possuem maior predominância em algumas idades específicas, algo que foi demonstrado por outros pesquisadores no modelo que será apresentado a seguir. 22 23 Modelo de Torre Assim como o modelo de ampulheta, o modelo de torre também foi desenvolvido, baseado em propostas anteriores e representava as mudanças desenvolvimentais a partir de uma pirâmide. Esse modelo de pirâmide foi proposto por Pelegrini e Barela em 1998, possuindo algumas peculiaridades, por exemplo, o entendimento que os movimentos realizados no primeiro ano de vida eram pré-adaptativos, e não necessariamente rudimentares, algo que denota falta de desenvolvimento ou de ineficiência. Pré-adaptativos porque, apesar de os marcos motores, tais como alcançar, sentar, engatinhar, ficar em pé, etc., serem compostos de movimentos relativamente mais fáceis, quando comparados às habilidades a serem adquiridas após o primeiro ano de vida (que é marcado pela aprendizagem do andar independente), tais movimentos não podem ser considerados rudimentares, pois dentro da estrutura física (maturação dos diversos sistemas) dos bebês tais movimentos podem ser tidos como refinados, pois refletem o máximo que os bebês conseguem realizar de acordo com seu potencial de desenvolvimento (sua faixa de idade). O modelo de pirâmide de Pellegrini e Barela também apresenta outra importante particularidade: o período compensatório. Segundo os criadores desse modelo, esse período reflete da tentativa do ser, agora já mais próximo do processo natural de envelhecimento e da perda funcional decorrente desse processo, tente compensar para as mudanças biológicas que voltam a ser predominantes, de forma parecida como era nos anos iniciais de vida. Sendo assim, o adulto jovem pode se utilizar de seu repertório motor adquirido ao longo dos primeiros anos de vida para uma utilização vitalícia ao longo de toda a vida, e conforme avança na idade, tentar se manter habilidoso a partir da prática, e por consequente, como adulto idoso minimizar os efeitos deletérios do processo natural de envelhecimento, buscando compensar essas mudanças a partir de um hábito de vida ativo. A seguir, uma representação desse modelo é apresentada. Período Re�exivos Período Compensátório Período pré- adaptativo Período Habilidades Motoras Fundamentais Período Habilidade Especí�cas ao Contexto Período Habilidoso 7 anos 13/14 anos 1 ano 2 Semanas Nascimento Figura 5: Modelo de desenvolvimento motor de Pelegrini e Barela (1998) Fonte: Pelegrini e Barela, 1998 23 UNIDADE Desenvolvimento Motor: conceitos e teorias Com base nesse modelo de pirâmide, Avigo e Barela (2015) elaboraram uma nova representação para continuidade das ideias de participação do ambiente e do organismo ao longo dos períodos desenvolvimentais. Nesse modelo, algo semelhante à ideia da ampulheta é apontado, no caso, a torre construída nos primeirosanos de vida refletirá em uma nova torre, espelhada (de cabeça para baixo), onde as oportunidades de prática são proporcionais ao repertório motor já adquirido. A seguir uma representação do modelo de torre é apresentada. Figura 7: Modelo de desenvolvimento motor de Avigo e Barela (2015) Fonte: Avigo e Barela, 2015 24 25 O modelo de desenvolvimento motor apresentado divide o ciclo desenvolvimental em sete períodos distintos: (1) Período pré-natal, (2) Período reflexivo, (3) Período pré-adaptativo, (4) Período das habilidades motoras fundamentais, (5) Período das habilidades motoras específicas ao contexto, (6) Período habilidoso e (7) Período compensatório. Em cada um desses períodos são representadas como as influências dos fatores ambientais e do próprio organismo do ser interferem e, em alguns momentos predominam, umas em relação às outras. Por exemplo, pode-se sugerir que até por volta dos quatro anos de idade os fatores relacionados ao organismo predominam sobre os fatores ambientais, e que após isso esse quadro começa a se inverter. Outra particularidade desse modelo é que, por seu formato de torre, observa-se que sua base possui, em alguns momentos, laterais retas e em alguns momentos as mesmas são direcionadas ao centro, diminuindo relativamente sua largura, possuindo assim uma base bem maior que seu ápice – lembrando o formato de pirâmide proposto por Pellegrini e Barela (1998). A questão por trás disso é justamente que restrições orgânicas delimitam o curso desenvolvimental até certo ponto em que as influências do ambiente passam a interferir no curso natural de desenvolvimento. Ainda, a partir de certa idade (por volta dos sete anos), observa-se que o organismo já não delimita predominantemente esse curso desenvolvimental, mas sim o ambiente, sendo dessa forma sua representação em formato de pirâmide. O estudo de modelos desenvolvimentais auxiliam profissionais que trabalham com crianças e adolescentes (como o professor de educação física) a organizarem suas práticas, a partir do que se espera para cada idade, ou seja, adequado ao potencial de cada ser em desenvolvimento. A descrição detalhada dos períodos ou das fases da torre de desenvolvimento motor, bem como algumas mudanças específicas em termos de crescimento e de maturação relacionadas às idades de ocorrência dessas fases desenvolvimentais serão retomados ao longo das próximas idades. 25 UNIDADE Desenvolvimento Motor: conceitos e teorias Importante! A partir das discussões levantas nessa unidade pode-se concluir com o destaque de alguns pontos chaves: • As explicações da teoria (Neuro)maturacional para as alterações que ocorrem no desenvolvimento motor ao longo da vida não propiciam explicações convincente, pois subestimam o importante papel do ambiente na aquisição de comportamentos no domínio motor; • A teoria dos Sistemas Dinâmicos traz explicações mais convincentes acerca do desenvolvimento motor, pois assume que mudanças ocorrem a partir da relação da pessoa com o ambiente, e não somente da maturação do SNC, como assumiam os maturacionistas; • Seis características importantes das mudanças no desenvolvimento motor do ser ao longo da vida merecem o destaque: (1) mudança é Multifatorial; (2) Individual; (3) Direcional; (4) Qualitativa; (5) Sequencial; e (6) Cumulativa; • As restrições do organismo, do ambiente e da tarefa delimitam a aquisição de comportamentos no domínio motor; • Oportunidade de prática estruturada e informação apropriada são aspectos muito relevantes no processo de aprendizagem de habilidades motoras, característico do processo desenvolvimental; • Modelos de desenvolvimento motor são construídos a partir de períodos críticos e/ ou sensíveis de idade (“janelas de oportunidade”) para a ocorrência de mudanças no comportamento motor. Os modelos de Pirâmide, Ampulheta e Torre fornecem explicações detalhadas e facilitadas acerca do fenômeno desenvolvimento motor; Em Síntese 26 27 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos Vídeo - Motor Development - Myrtle McGraw’s Twin study of Johnny and Jimmy (1930-42) http://goo.gl/TuCX5M Reflexos primitivos http://goo.gl/55B7Oy Livros O que o professor deve saber sobre o desenvolvimento motor de seus alunos PELLEGRINI, A. M. & BARELA, J. A. O que o professor deve saber sobre o desenvolvimento motor de seus alunos. In: M.C.D.O. Micotti (Ed.). Alfabetiza- ção: Assunto para pais e mestres. Rio Claro: Instituto de Biociências, 1998, p. 69-80. Leitura Movimento na infância: combustível para o desenvolvimento. Revista Por Escrito: corpo em movimento AVIGO, E. L. & BARELA, J. A. Movimento na infância: combustível para o desenvolvimento. Revista Por Escrito: corpo em movimento. Fundação Arcor: Instituto Arcor Brasil, 2015, v.10, p. 48-53. http://goo.gl/qWALgF 27 UNIDADE Desenvolvimento Motor: conceitos e teorias Referências GALLAHUE, D. L. Compreendendo o Desenvolvimento Motor: Bebês, Crianças, Adolescentes e Adultos. 2. ed. São Paulo: Phorte, 2003. GALLAHUE, D. L & Donnelly, F. Educação Física Desenvolvimentista para Todas as Crianças. 4. ed. São Paulo: Phorte, 2008. MALINA, R. M.; BOUCHARD, C. Growth, Maturation, And Physical Activity. 2. ed. Champaign: Human Kinetics, 2004. 28
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