Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.

Prévia do material em texto

1 
 
FACULDADE AGEU MAGALHÃES – FAMA 
CURSO: ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO E DOCÊNCIA DO ENSINO SUPERIOR 
CADEIRA: FUNDAMENTOS ANTROPOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO 
PROFESSOR: DR. JOSÉ FERREIRA JÚNIOR 
 
ANTROPOLOGIA E EDUCAÇÃO: O DIÁLOGO DO PASSADO (1) 
GUSMÃO, Neusa M M de. 
Texto Adaptado 
 
As origens da antropologia e do fazer antropológico como ciência, ou melhor 
dizendo, de um modo de fazê-la, tem a ver com a expansão do mundo colonial que 
conduz o mundo europeu a defrontar-se com outros povos e outras culturas - nas 
Américas e na África. O defrontar-se com o diverso, com o desconhecido, implicou 
fazer perguntas, cujas respostas permitiram a constituição de um saber legítimo e 
reconhecido como ciência. 
Entre o século XIX e o atual século XX, as perguntas e suas respectivas 
respostas organizaram-se em diferentes formas de interpretação da realidade. 
Assim, afirma-se que o "olhar antropológico" não é um único olhar, mas qualquer 
que seja ele, é dependente de pressupostos que orientam as perguntas que são 
feitas e indicam caminhos de busca das possíveis respostas. Isto quer dizer que, 
dependendo de onde se parte, têm-se configurados modos diversos de fazer uma 
mesma ciência, no caso, a ciência antropológica com base em diferentes teorias que 
a sustentam. 
A primeira dessas teorias, que nasce junto com a própria ciência 
antropológica, foi o evolucionismo. As ideias de evolução e progresso, inspirados em 
princípios da biologia e, portanto, das ciências naturais do século XIX, conduzem a 
que se pensem as diferenças entre grupos e sociedades numa escala evolutiva que 
toma o mundo europeu como modelo único de humanidade. 
 2 
A concepção etnocêntrica de mundo vê o "outro" a partir de si mesma e 
estabelece um fazer científico de base discriminatória e racista, já que entende que 
branco, europeu e cristão constituem a superioridade da condição humana, 
enquanto os demais povos e culturas representam um atraso, uma sobrevivência do 
passado do homem e, como tal, uma condição inferior da própria humanidade. Um 
evolucionista importante, no século XIX, foi Lewis Morgan, inspirador de muitos 
pensadores, entre eles seu aluno Franz Boas. 
Franz Boas vivencia todas as descobertas de seu tempo e chega ao século 
XX trazendo para debate, agora, através de seus próprios alunos, importantes 
antropólogos da primeira metade do século XX, uma crítica contundente ao 
pensamento de seu mestre Lewis Morgan. Boas considera a ideia de que cada 
grupo, cada cultura tem uma história singular, própria, que depende do que é a vida 
do grupo, no aqui e agora de sua existência. 
Não se trata, portanto, de olhar as diferenças próprias do modo de ser do 
"outro" como sobrevivência de um momento já superado pela evolução da 
humanidade e, como tal, exemplo vivo de atraso social e cultural. A possibilidade de 
que a história da humanidade não tenha seguido um único caminho e direção faz do 
pensamento de Boas uma condição revolucionária na compreensão das realidades 
humanas. 
Como história múltipla e variada, elimina o viés do pensamento evolucionista 
etnocêntrico. Com este princípio, Boas mostra a imensa riqueza do social humano e 
a natureza da cultura como não determinada biologicamente. A cultura, e não a 
biologia, torna-se referência para pensar as diferenças e compreendê-las em suas 
bases constitutivas. 
O pensamento de Boas, ao investir contra o evolucionismo de Morgan, 
possibilita também a crítica aos valores liberais e de igualdade postos pelo campo 
político do século XIX, como modelo autocentrado para as sociedades humanas e 
suas instituições, entre elas, a escola e seu modelo pedagógico ocidental. 
Boas será um crítico atuante diante do sistema educativo americano, 
denunciando, entre outras coisas, a ideologia que lhe serve de base, centrada na 
ideia de liberdade, e sua prática educativa de cunho conformista e coercitivo, 
visando criar sujeitos sociais adequados ao sistema produtivo, segundo um modelo 
ideologizado de cidadão. 
 3 
Demonstra, através de estudos diretos obtidos no campo educacional, que a 
escola inexiste como instituição independente e, como tal, não possibilita 
independência e autonomia dos sujeitos que aí estão. A meta da escola centra-se 
num aluno-modelo que desconsidera a diversidade da comunidade escolar e, para 
contê-la, atua de forma autoritária. 
Boas revela como a diversidade do social é desrespeitada no modelo político 
de desenvolvimento americano, já que diferenças sociais ou culturais, de gênero, 
raça ou etnia, são ainda pensadas a partir das ideias evolucionistas. Com isso, Boas 
influencia muitos outros a pensarem a questão da diferença como parte de 
mecanismos culturais, referidos a pequenos grupos ou regiões, que exigem um 
intenso trabalho de campo junto a esses grupos, para que seja possível 
compreendê-los. 
O fazer científico que se instaura nessa concepção particularista da história 
humana, chamada também de história cultural ou culturalismo, tem por significativo 
o fundamental dessa ciência chamada Antropologia, o trabalho de campo, e elege 
como central, para pensar as sociedades humanas, o conceito de cultura. Por outro 
lado, cabe dizer que esta é a vertente americana de desenvolvimento da 
Antropologia, a Antropologia Cultural. 
Mais centrada nos conceitos de sociedade e de estrutura, elaborada por 
Radcliffe-Brown e outros, constitui-se a vertente da Antropologia Social, na 
Inglaterra, da qual emergirá uma segunda e fundamental corrente teórica da 
Antropologia, o funcionalismo, cujo representante maior será Bronislaw Malinowski. 
Boas e Malinowski, segundo Laplantine (1987), são os pais fundadores da 
etnografia, na medida em que percebem e sistematizam os caminhos pelos quais "o 
pesquisador deve ele mesmo efetuar no campo a própria pesquisa" (p. 75). Com 
eles, o trabalho de campo se torna a própria fonte de pesquisa e a condição modular 
da Antropologia como ciência da alteridade que, segundo Laplantine, se dedica ao 
estudo das lógicas particulares de cada cultura. 
A corrente americana terá maiores preocupações com a questão educacional, 
cuja continuidade se fará com os alunos de Boas. Ruth Benedict e Margaret Mead 
dedicam-se aos estudos do campo educativo e trazem à tona a questão da 
diversidade das culturas, vista por diferentes ângulos: as formas operativas da 
cultura dentro dos processos educativos nos primeiros anos de vida; os ciclos de 
desenvolvimento da infância à idade adulta e o papel da educação formal e informal; 
 4 
a questão do controle social e o campo das emoções e do sexo; as dificuldades 
educativas e os relacionamentos entre grupos dentro dos Estados Nacionais e deles 
com os outros, como por exemplo, a América e a África, o mundo ocidental e o 
oriental; a adolescência e a formação da personalidade, entre tantos outros temas 
que se podem elencar na produção culturalista do início do século até os anos 1950. 
O funcionalismo dos anos 20/30 baseava-se no fato de que as necessidades 
de um povo, grupo ou indivíduo, dadas pela vida em sociedade, encontram na 
cultura os caminhos de sua satisfação e conduzem às respostas originais, singulares 
e coletivas, que demarcam e estruturam formas próprias de ser e de pensar o 
mundo, diferentes para cada povo ou grupo, já que são dependentes da dinâmica de 
diversos sistemas sociais e de seu funcionamento. 
Como consequência, a melhor forma de compreender os diferentes povos é 
estar com eles, viver em profundidade o universo de suas práticas, entendendo-as 
como práticas "encarnadas", como diria Malinowski, ou seja, como práticas que 
possuem um sentido e um significado. A perspectiva de que o homem não apenas 
vive, mas que, ao viver, questiona, cria sentidos, valores, mitos, artes e ideologias 
que ordenam sua compreensão de mundo, revoluciona o fazer etnográfico, pois 
impõe o trabalho empírico, de campo, como fundamental na compreensão de outrospovos e de nós mesmos. 
As vertentes do culturalismo e do funcionalismo, que ao final dos anos 40 
começam a ser criticadas nos EUA, terão forte influência no Brasil, primeiro via 
Gilberto Freyre, que estuda com Boas nos anos 30 e escreve seu célebre e 
polêmico Casa grande e senzala; depois será a vez de pesquisadores americanos 
que, entre os anos 40 e 50, chegam ao Brasil através da Universidade da Bahia, e 
aqui desenvolvem estudos de comunidade, que serão inspiradores, mais tarde, das 
propostas do CBPE (Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais) dirigido por 
Anísio Teixeira, em termos de pesquisas e de programas educacionais no Rio de 
Janeiro, entre os anos 50 e 60. No entanto, a crítica feita a tais estudos, já a partir da 
década de 1940, parece não fazer parte da reflexão daquele momento, como não o 
faz na atual retomada da aplicabilidade das técnicas de pesquisa antropológica aos 
estudos das culturas complexas, na antropologia e na educação. 
 
 
 5 
REFERÊNCIAS 
 
LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo, Brasiliense, 1987.

Mais conteúdos dessa disciplina