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HISTÓRIA DA AMÉRICA - MESOAMÉRICA E O PERÍODO COLONIAL Daniela Vallandro de Carvalho E d u ca çã o H IS T Ó R IA D A A M É R IC A - M E S O A M É R IC A E O P E R ÍO D O C O L O N IA L D an ie la V al la nd ro d e C ar va lh o Curitiba 2017 Historia da América - Mesoamérica e o Período Colonial Daniela Vallandro de Carvalho ó Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária – Cassiana Souza CRB9/1501 C331h Carvalho, Daniela Vallandro de História da América: mesoamérica e o período colonial / Daniela Vallandro de. – Curitiba: Fael, 2017. 244 p.: il. ISBN 978-85-60531-74-5 1. América – História I. Título CDD 970.15 Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. FAEL Direção Acadêmica Francisco Carlos Sardo Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz Revisão Editora Coletânea Projeto Gráfico Sandro Niemicz Capa Vitor Bernardo Backes Lopes Imagem da Capa Shutterstock.com/javarman Arte-Final Evelyn Caroline dos Santos Betim Sumário Carta ao Aluno | 5 1. Muito Antes dos Europeus – Os Primeiros Americanos Entre Migrações, Ocupações e Povoamento | 7 2. Muito Antes dos Incas, Maias e Astecas: Os ameríndios da Mesoamérica, da América Central Caribenha e Continental em Foco | 31 3. Os Grandes Impérios Mesoamericanos: Incas, Maias e Astecas | 57 4. O Grande Encontro: Contato, Conquista, Trauma e Resistência | 83 5. O Mundo que Nós Criamos: Sociedade Colonial nas Américas e a Visão do Outro | 103 6. Sistema Colonial Espanhol: Fé, Controle e Trabalho | 123 7. América Negra: Tráfico Atlântico e a Construção do Escravismo no Novo Mundo | 145 8. América Hispânica: Processos, Estruturas Políticas, Econômicas, Sociais e Culturais da América Espanhola | 167 – 4 – História da América - Mesoamérica e o Período Colonial 9. Construindo/Demarcando Fronteiras: o Mundo Colonial e Seus Múltiplos Espaços | 189 10. Repensando como Ensinar, Repensando como Aprender: o Ensino de História Ameríndia e do Mundo Colonial entre Possibilidades e Desafios | 209 Conclusão | 227 Referências | 231 Prezado(a) aluno(a), O livro que você tem em mãos é resultado de uma extensa análise de referências sobre a história da América. Assim, é fruto de um debate que se estende não somente sobre o nosso passado, mas sobre o nosso presente. Desta forma, devemos sempre lembrar que a história é um diálogo constante, oportuno e necessário do vivido com o presente. Carta ao Aluno – 6 – História da América - Mesoamérica e o Período Colonial O que buscamos neste livro é oportunizar a vocês uma discussão ampla sobre a formação da América desde os primeiros habitantes até fins de período de dominação colonial européia. Todavia, também almejamos uma análise mais específica. Tratamos de vários assuntos de forma aprofundada e temática – como esperamos que fique claro ao longo da leitura – de certos aspectos que moldaram a formação do passado de nosso continente. Esperamos que, a partir do conhecimento contido nestas páginas, possa ser despertado o inte- resse para com a história deste continente e para com a necessidade de cada vez mais refletirmos sobre sua formação, ocupação, população, dominação e projetos nele contidos. Assim, pensamos que apresentar as características que constituíram as grandes civilizações que habitaram estas terras possa fazer com que você mude o olhar, uma mudança que pode auxiliar a repensar sobre, afinal, o que é ser americano e se nos sentimos ou não representa- dos nesse jovem continente. E não somente isso, mas a partir desse entendi- mento, auxiliar na compreensão dos processos históricos que influenciaram tanto as civilizações que existiam aqui como as que acabaram descobrindo e colonizando este continente. O mais importante é, a partir da mudança de olhar, propor um entedi- mento histórico, não linear, sujeito a tensões, embates, que seja historiográ- fico, democrático, mais plural, reflexivo, que auxilie a construir uma visão descolonizadora do conhecimento, que rompa com a simplicidade das aná- lises, que ultrapasse os estereótipos e que se (re)funde naquilo que a história tem de mais interessante: a possibilidade de inúmeros olhares, para que assim possamos construir, quem sabe, um novo olhar sobre quem fomos, quem somos, quem nos tornamos, e quem queremos ser enquanto americanos. Além destes objetivos, esperamos que o conhecimento construído ao longo destas linhas possa ser o despertar de uma nova postura nossa para com o continente. Em outras palavras, buscamos aqui a percepção de que não podemos estar de costas para a América e com vistas à Europa, de que somos parte integrante da América, sobretudo enquanto brasileiros. E, sem dúvida, o primeiro passo para a modificação da nossa postura para com o continente é conhecermos e construirmos o conhecimento sobre a América. Que ao folhear esse livro, possamos caminhar nesse sentido. 1 Muito Antes dos Europeus – Os Primeiros Americanos Entre Migrações, Ocupações e Povoamento Conhecer, estudar e entender a história do continente ame- ricano antes do contato com os colonizadores europeus é, acima de tudo, um ato político. O reconhecimento de que existe uma história rica, complexa e necessária de ser estudada sobre os habitantes desse espaço, e que não seja apenas considerada a partir do contato com os imigrantes é, antes de tudo, uma tentativa de rompimento com a escrita da história colonizadora. O que estamos querendo evidenciar é que, por muito tempo, a história do continente americano só teve importância devido ao contato com os colonizadores, momento a partir do qual foi considerada digna de ser contada. Essa importân- cia esteve pautada por um tipo de conhecimento histórico que divi- diu e dicotomizou os povos entre pré-históricos e povos históricos, ou, dito de outra forma, povos produtores de escrita e povos sem História da América - Mesoamérica e o Período Colonial – 8 – escrita. Além disso, a própria ideia de história e de documento histórico cen- trava-se na escrita, outras formas não eram ainda conhecidas ou consideradas. Todavia, esta é uma concepção ultrapassada, formulada à luz do séc. XIX e diretamente relacionada a uma visão civilizadora e iluminista. Nesse sentido, pensar a história do continente antes dos europeus só foi possível a partir do momento em que a própria história alargou seus horizontes teóricos, docu- mentais e metodológicos, e livrou-se do peso da ideia da escrita como única forma de registro cultural possível. É sob essa amplitude histórica que esta obra pretende abordar a forma- ção do continente e encarar perguntas, teorias e vestígios bastante diversos para tentarmos entender, afinal, que somos nós. 1.1 Quem somos nós? O antropólogo estadunidense Horace Minner publicou, nos anos cin- quenta do séc. XX, um texto que se tornou bastante conhecido entre os pro- fissionais das ciências humanas, intitulado “O ritual do Corpo entre os Naci- remas” (MINNER, 1956). Nesse ensaio, Minner fazia digressões sobre esse estranho povo denominado “Nacirema”. Constituem um grupo norte-americano que vive no território que se estende desde os Cree, do Canadá, aos Yaqui e Tarahumara, do México, e aos Caribe e Aruque, das Antilhas. Pouco se sabe quanto à sua origem, embora a tradição mística afirme que eles vieram do leste (MINNER, 1956, p. 503). Na verdade, por meio de uma proposta ao mesmo tempo criativa e satí- rica, esse intelectual tentava fazer seus leitores refletirem sobre quem éramos nós, os americanos. Ainda que Minner pudesse estar buscando entender uma parte da América,a pergunta conserva todo seu peso. Ao inverter a palavra, discorreu sobre suas características mais triviais, e criou um texto antológico no sentido de fazer os leitores exercitarem a alteridade e a se olharem. Questionamentos como estes, que dão base ao texto de Minner, têm sido feitos por décadas. Quem somos? De onde viemos? Como chegamos aqui? De quem descendemos? Quem são os homens que povoaram o conti- nente americano? São perguntas como essas que pretendemos esclarecer neste – 9 – Muito Antes dos Europeus – Os Primeiros Americanos Entre Migrações, Ocupações e Povoamento capítulo, apresentando as principais discussões que têm norteado o campo de estudos sobre as origens do homem americano. 1.2 Vestígios, fontes, números e interpretações “Documentos são vestígios”, disse certa vez Marc Bloch (BLOCH, 2001, p. 8), o historiador francês dos Annales. Podemos acrescentar, à luz do cami- nho aberto por essa importante escola teórico-metodológica, que toda forma de vestígio deixado/construído/manuseado e/ou criado pelo homem tem ser- vido aos historiadores como forma de acessar e conhecer tempos, culturas e sociedades distantes e diversas daquela que vivemos na contemporaneidade. Bloch, ao dizer isso estava se referindo, sobretudo, a fragmentos que colhe- mos/coletamos e que podem nos servir de base para construir interpretações sobre determinados grupos humanos. Referia-se ainda à incompletude destes “pedaços de história”, isto é, que eles são nada mais que pistas e/ou indícios de um mosaico que buscamos compreender e que chamamos de agrupamen- tos humanos ou sociedades no tempo. E por fim, referia-se também, e não menos importante, à possibilidade de que vestígios serviam ao historiador para reflexão sobre determinadas sociedades que se busca entender, e nunca como evidência final ou como “dado rígido” sobre elas. Passou-se quase um século do estabelecimento dessas discussões, todavia a importância desses debates sobre fontes e vestígios, colocados lá nos anos 30 do século XX, que ainda conservam todo seu peso e têm balizado muito do que os historiadores hoje entendem sobre/por fontes históricas. Saiba mais Você sabe o que foi a Escola dos Annales e qual sua importância no que tange aos vestígios do passado? A Escola dos Annales foi um movimento criado por historiadores franceses, a partir de uma publicação de uma revista de mesmo nome, que visava expor a posição teórico-metodológica de um conjunto de historiadores a partir de críticas e questionamentos a posturas que estes consideravam ultrapassadas. Foi fundado em 1929, por Marc História da América - Mesoamérica e o Período Colonial – 10 – Bloch e Lucien Febvre. Segundo Peter Burke, historiador inglês, esses dois historiadores franceses foram responsáveis por “abrir fogo” con- tra o que entendiam como “antigo regime historiográfico” (BURKE, 2010). Burke chamou ainda os Annales de a “Revolução Francesa da historiografia”, tamanha sua importância para a construção de novas ideias, novas abordagens e novos problemas no campo historiográ- fico. A escola dos Annales não foi um todo homogêneo, e pode ser dividida em três grandes momentos ou etapas e cada uma delas possui um grupo de historiadores representantes. Manteve também um diálogo profícuo com outras áreas de saber, como a sociologia, antropologia, demografia e economia, entre outras. No que tange à documentação, os Annales ocupam um papel central e de destaque entre diversas outras correntes, por ter sido a primeira a problematizar a fundo o uso de documentos, questioná-los em sua pretensa ideia de verdade, bem como abriu caminhos de discussão que ampliaram os horizontes do que era ou o que podia ser fonte histórica. Nesse sentido, os vestígios materiais que estamos a tratar nesse capítulo, só puderam ser considerados fontes a partir de concepções como as propostas por esses historiadores franceses e suas discussões (NORA; GOFF, 1976). 1.3 As origens dos primeiros habitantes das Américas Este é provavelmente um dos temas mais polêmicos quando se fala dos primeiros habitantes do continente americano. As discussões estão longe de se encerrar e a disputa no campo das pesquisas é cada vez maior. Arqueólogos, paleontólogos, antropólogos, biólogos, geólogos, geógrafos: não são poucos os profissionais interessados em fazer descobertas nesse campo. Campo que, aliás, de forma geral, congrega grupos profissionais de áreas diversas, uma vez que cada vez mais é necessário um conjunto de conhecimentos específicos posto em debate e à prova. – 11 – Muito Antes dos Europeus – Os Primeiros Americanos Entre Migrações, Ocupações e Povoamento Há vestígios da presença humana por diversas partes do continente. Mas nem sempre foi assim. Houve primeiro teorias, depois comprovações, depois outras teorias, e também novas comprovações. Esse movimento é próprio do mundo científico, no entanto, não é tão simples assim. Muitas hipóteses/ teorias, ainda que confirmadas, são por meio de vestígios e muito debate. Por isso o assunto está longe de um consenso. Mas vamos então às principais questões. Podemos dizer que as discus- sões, basicamente, concentram-se em duas questões centrais, que se ramifi- cam depois em outras. A primeira discussão se refere a quando, ou há quanto tempo teriam chegado os primeiros habitantes ao continente, e a segunda, qual ou quais caminhos teriam percorrido para chegar até aqui. 1.4 As principais teorias de povoamento americano: a teoria Clóvis, suas contestações e novas descobertas Há que se dizer que as teorias e evidências sobre o povoamento da Amé- rica podem ser divididas em duas vertentes: as teorias que se referem à anti- guidade da presença do homem no continente americano, e àquelas, mais recentes, que também contestam – e apresentam – além de tempo/antigui- dade, as rotas feitas por esses homens para chegar a esta parte do mundo. A teoria Clóvis, ou simplesmente “Teoria do Povoamento” como foi por muito tempo chamada (MELO, 1999), justamente porque foi a primeira e por muito tempo a única grande explicação de ocupação do território. Esta teoria passou a vigorar nos meios científicos por volta dos anos trinta do séc. XX, quando vestígios foram escavados na região do Novo México, nos EUA, e dele foram retiradas pontas de pedras lascadas e ossadas de animais que constituíam a cultura Clóvis, que nomeia a teoria1. Antes desse sítio, artefatos semelhantes teriam sido encontrados na Beríngia, região terrestre do estreito de Bering (PIELOU, 1992), o que passou a reforçar esses vestígios e essa rota. 1 A “cultura Clóvis”, que nomeia também a teoria de povoamento chamada “Teoria Clóvis” levou esse nome, em virtude dos vestígios/artefatos arqueológicos terem sido encontra- dos perto da cidade de Clóvis, no Novo México. História da América - Mesoamérica e o Período Colonial – 12 – Para essa teoria, o trajeto aceito como válido era de que esses homens teriam vindo do Oeste para o Leste, isto é, o estreito de Bering teria sido a ponte que uniu o extremo Norte da Ásia ao Alasca. Nesse sentido, esses homens seriam originários de regiões siberianas, de traços mongólicos e teriam atravessado as geleiras que uniam esses extremos por conta dos efei- tos da glaciação, que à época estariam mais baixas que o normal, permi- tindo a passagem dessa grande corrente migratória. Somam-se a isso, nesta perspectiva, os exames de datação feitos pelos arqueólogos, com carbono 14, determinaram que a data desses vestígios teria entre 10 e 11 mil anos. Assim, considerados os deslocamentos e questões climáticas para a disper- são desses grupos, a datação dessa teoria ficaria em torno de 11,5 mil anos, no máximo. Saiba mais Como funciona o método de datação pela radioatividade do Car- bono 14? O carbono 14 ou C-14 é um método de datação que utilizaa quanti- dade de carbono 14 em organismos. Todo organismo absorve o car- bono presente na atmosfera, contudo, quando o organismo morre, ele para de absorver. Assim, a datação analisa a quantidade de car- bono presente na matéria orgânica em seu estágio de desintegração. Ao longo do tempo, a matéria orgânica analisada vai perdendo a quantidade de carbono 14 presente. A datação gira em torno de uma estimativa, a cada 5730 anos, a quantidade de carbono cai pela metade e assim sucessivamente. É importante ressaltar que o C-14 é encontrado somente em organismos que contenham carbono em suas estruturas. (MORAIS, 2006. – 13 – Muito Antes dos Europeus – Os Primeiros Americanos Entre Migrações, Ocupações e Povoamento Figura 1.1 − Teoria Clóvis ou “Teoria do Povoamento” Fonte: CC BY 3.0. Todavia, outras teorias e outros vestígios passaram a ser encontrados, de forma que a teoria Clóvis se tornou, não só obsoleta, mas a mais conservadora delas, em termos de datação da presença do homem no continente. Vários sítios arqueológicos têm sido explorados por pesquisadores desde o norte da América até o extremo sul, na Patagônia. Tentaremos sistematizar a partir de agora, de forma clara, os principais achados/vestígios e teorias que passaram a contestar a teoria Clóvis e a inserir outros questionamentos importantes no campo das discussões sobre a ocupa- ção e povoamento do território americano. a) Sítio de Monte Verde (Sul do Chile): os vestígios encontrados, a partir dos anos de 1970, no sítio de Monte Verde, ao sul do Chile, são os primeiros a pôr em contestação a Teoria Clóvis. São bas- tante variados os artefatos encontrados, como pedaços de madeira, objetos de pedra, restos de plantas medicinais e até uma estrutura de habitação, com peles de animais e madeira na sua composição. Em se tratando dos primeiros achados arqueológicos encontrados História da América - Mesoamérica e o Período Colonial – 14 – no Novo México (Teoria Clóvis) e estes ao Sul do Chile, e sabendo que os deslocamentos poderiam demorar milhões de anos, alguns dados não batem. Isto é, os achados de Monte Verde datam de aproximadamente 12,5 mil anos, mil anos antes do que os números atestados para a Teoria Clóvis. Nesse sentido, se os números das datações são bastante seguros e confiáveis como método, teria sido preciso que estes homens tivessem cruzado o Estreito de Bering bem antes do que se supunha.2 b) Sítio de Monte Alegre (Caverna de Pedra Pintada, Pará/Brasil): trata-se de um segundo sítio arqueológico que traz contestações importantes à teoria fundamental do homem no território ameri- cano: as descobertas na Caverna de Pedra Pintada, no interior do Pará, norte do Brasil. Nos anos 90, a antropóloga estadunidense Anna Roosevelt, professora de antropologia da Universidade de Illinois, coordenou na região uma equipe de trabalho. Essa caverna está localizada em um Sítio maior, às bordas do Rio Amazonas. Entre os vestígios, vasos de cerâmica com datações de até 10 mil anos. Se for utilizada a mesma lógica exposta acima, da necessidade de milhares de anos para os deslocamentos, quanto mais ao sul da América estes vestígios forem sendo achados, tanto mais tempo é necessário para que esses homens tenham lá chegado. Para os profissionais que têm feito essas descobertas, e para a antropóloga Anna Roosevelt, esses são indícios de que a presença do homem na região amazônica data de cerca de 11,2 mil anos atrás, bem como no continente datam de pelo menos cerca de 20 mil anos, número bastante superior aos primeiros apresentados à comunidade cientí- fica pela Teoria Clóvis.3 2 Para saber mais, ver: site do Sítio de Monte Verde na UNESCO: <http://whc.unes- co.org/en/tentativelists/1873/>. 3 Entrevista concedida pela antropóloga Anna Roosevelt ao jornal The New York Ti- mes, de 23 de abril de 1996. Disponível em: <http://www.nytimes.com/1996/04/23/scien- ce/scientist-at-work-anna-c-roosevelt-sharp-and-to-the-point-in-amazonia.html?src=pm&_ r=0>. Acesso em: 20 out. 2016. – 15 – Muito Antes dos Europeus – Os Primeiros Americanos Entre Migrações, Ocupações e Povoamento Figura 1.2 – Fotografia do Sítio de Monte Alegre – Caverna de Pedra Pintada, Pará/Brasil Fonte: Acervo FUMDHAM - (www.fumdham.org.br) c) Sítio de Pedra Furada (Piauí/Brasil): o Sítio de Pedra Furada está localizado no município de São Raimundo Nonato, no interior do estado do Piauí e vem sendo estudado há pelo menos quarenta anos. O sítio está localizado dentro do Parque Nacional da Serra da Capivara, apenas um dos mais de mil sítios arque- ológicos distribuídos em 130 mil hectares que compõem esse importante espaço de descobertas. Os trabalhos em Pedra Furada vêm sendo coordenados pela arqueóloga brasileira Niéde Guidon, importante nome no cenário científico mundial no que compete a descobertas arqueológicas relevantes. Niéde Guidon teve grande parte da sua formação na França, mais especificamente na Sor- bonne. Desde os anos 90 reside em São Raimundo Nonato, de onde realiza suas pesquisas e coordena a Fundação Museu do Homem Americano, (FUMDHAM), sediado dentro do Parque Nacional da Serra da Capivara. As descobertas de Niede Guidon e sua equipe são do começo dos anos 2000, e ainda causam impacto sobre outras perspectivas. A difusão no meio científico mundial é lenta, sobretudo por conta de as publicações serem, mui- tas delas, em língua portuguesa, como atesta a própria arqueóloga, ao dizer que a circulação fica nesse sentido dificultada, uma vez que arqueólogos de História da América - Mesoamérica e o Período Colonial – 16 – língua inglesa não leem em português ou francês. Porém, outras medidas de circulação já vêm sendo tomadas.4 Entre os vestígios encontrados, uma fogueira causou e ainda causa polê- mica nos meios especializados. Guidon encontrou vestígios de uma, com datação referente a cerca de 48 mil anos. Todavia, o mundo da arqueologia encara ainda com certo ceticismo a descoberta da arqueóloga brasileira, uma vez que não há precedentes (por enquanto) de humanos para a mesma época, o que levou a comunidade científica a considerar que essa fogueira possa ter surgido de combustão espontânea. No entanto, outros vestígios abundam na região. Há pinturas rupestres que datam de 35 mil anos, e dentição humana com cerca de 15 mil anos. Aliás, é a maior concentração de pintura rupestre das Américas. Esses dados, se tomados em seu conjunto, e se pensados em relação às outras teorias, evidenciam o que Guidon vem tentando comunicar há um bom tempo: o homem americano ou sua presença no continente é muito mais antigo do que apontam as pesquisas mais tradicionais, uma vez que, para chegar a essa região do nordeste brasileiro, deveriam ter adentrado pelo continente muito antes dos 11 mil anos propostos pela Teoria Clóvis. Nesse sentido, a estimativa da presença do homem no continente estaria por volta 50 mil anos. Mais recentemente, outras polêmicas envolvem os sítios arqueológicos da Serra da Capivara. Em entrevistas sucessivas, nos anos de 2015 e 2016, Niéde Guidon vem alertando a comunidade científica e comunidade em geral, sobre os riscos de falta de investimentos e cuidados, por parte do governo federal em torno do Parque Nacional da Serra da Capivara. Segundo a arqueóloga, havia 28 guaritas no Parque com pessoas trabalhando e cerca de 270 funcionários, mas a equipe foi reduzida para 40. A pesquisadora rea- firmou ainda a falta que o aeroporto de São Raimundo Nonato faz e o tempo que se perdeu para que fosse construído. Atualmente, o parque tem recebido 25 mil turistas por ano. “O problema não é a pesquisa. Do ponto de vista científico, foi algo extraordinário, sempre conta- mos com o apoio do Ministério de Ciência e Tecnologia, temos um museu que não existe outro igual na América do Sul. Agora, se o aero- porto de SãoRaimundo Nonato tivesse pronto, que começou essa discussão desde 1987, teríamos 6 milhões de turistas e recursos para 4 Entrevista de Niéde Guidon à revista Super Interessante, edição 184, jan de 2003. Disponível em: http://super.abril.com.br/ciencia/o-primeiro-brasileiro. Acesso em: 20 out. 2016. – 17 – Muito Antes dos Europeus – Os Primeiros Americanos Entre Migrações, Ocupações e Povoamento manter o parque. Todo o nosso projeto não precisaria do governo, porque o turismo manteria a região, inclusive traria dinheiro para o Piauí. Nós já tivemos firmas internacionais que queriam construir prédios, mas quando viram o aeroporto desistiram; é muito difícil trabalhar nessa situação.5 No ano de 2016, a arqueóloga, em entrevista à BBC online, continuou a reclamar e dar visibilidade à falta de estrutura e de dinheiro para sustentação de tudo que se referia ao Parque, desde a falta ou redução de funcionários de guaritas, que cuidam de vários caminhos dentro dele, até investimentos na manutenção das estradas de acesso ao Parque e ao Museu do Homem Americano, além das questões envolvendo o aeroporto na região, que levou mais de 15 anos para sair do papel, o que impedia, segundo a arqueóloga, o aumento do número de visitantes/turistas ao Parque, que giravam em torno de 30 mil ao ano.6 Segundo Guidón, com a infraestrutura adequada, dentre estes o aeroporto, esses números poderiam chegar a 6 milhões de visitantes ao ano, número mais que suficiente para a manutenção do Parque, do Museu, dos funcionários, ou seja, uma forma de autossustentação que evitaria uma estrita dependência de verbas governamentais. Problemas políticos à parte, a estrutura do Parque e do Museu do Homem Americano, bem como dos quase mil sítios arqueológicos lá existentes continuam sendo gerenciados por Guidón, que de todas as maneiras chama a atenção para aquele que é o maior conjunto arqueológico pré-histórico das Américas e considerado Patrimônio Cultural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação. Saiba mais Para saber mais, acesse o site da UNESCO e descubra os Patri- mônios da Humanidade, entre eles, o Parque Nacional da Serra da Capivara, suas trilhas, sítios arqueológicos e o Museu do Homem Americano. Disponível em: <http://whc.unesco.org/en/list/606>. 5 Entrevista de Niéde Guidon à rádio Teresina FM online, de 13 de julho de 2015. Disponível em: http://www.teresinafm.com.br/pra-mim-e-o-fim-de-tudo-isso-diz-niede-gui- don-sobre-situacao-do-parque-da-serra-da-capivara/. Acesso em:26 out. 2016. 6 JANSEN, R A arqueóloga que batalha para preservar os vestígios dos primeiros homens das Américas. BBC Brasil, 2016. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/ noticias/2016/03/160312_perfil_niede_guidon_rj_ab; Acesso em: 30 out. 2016. História da América - Mesoamérica e o Período Colonial – 18 – Figura 1.3 – Sítio Pedra Furada – São Raimundo Nonato, PI, Brasil Fonte: CC BY 3.0. d) Sítio de Lagoa Santa (Belo Horizonte, Minas Gerais/Brasil): o Sítio arqueológico de Lagoa Santa, em Belo Horizonte, Minas Gerais, tem se constituído dentre os mais importantes existentes na América. No ano de 1975 nele teria sido descoberto o mais antigo fóssil já encontrado no continente. O bioantropólogo Wal- ter Neves, professor da USP, é o pesquisador responsável por essa descoberta. O fóssil humanoide foi encontrado em uma escavação, há cerca de treze metros de profundidade. A ele foi dado o nome de Luzia, em uma clara referência à Lucy, o mais antigo fóssil já encon- trado no mundo: este, na Etiópia, descoberto no ano de 1974 por paleontólogos norte-americanos, e que teria vivido há cerca de 3,2 milhões de anos atrás. As descobertas de Walter Neves e equipe tem posto em cheque teo- rias mais tradicionais sobre o homem americano. Pode-se dizer que o fóssil encontrado é um fato, uma evidência crucial, no entanto, as informações em seu conjunto correspondem ainda, no meio científico internacional, a um conjunto de hipóteses. Basicamente, a descoberta do fóssil de Luzia aponta para questionamentos em três sentidos: o do percurso feito pelos homens que vieram para o continente, o tempo de chegada desses homens por essas terras e a origem desses mesmos homens. Vamos tentar clarear essas questões. O fóssil humano chamado Luzia foi apresentado ao mundo científico no ano de 1998 por Neves, em um evento – 19 – Muito Antes dos Europeus – Os Primeiros Americanos Entre Migrações, Ocupações e Povoamento internacional, momento no qual propôs, juntamente com a apre- sentação do fóssil, uma nova teo- ria baseada nas suas evidências. Luzia apresentava traços negroi- des (africanos ou australianos), diferente das características mongoloides até então presentes nas descobertas mais aceitas. Sua idade estimada era de 11.500 anos. Para que se desse um rosto e características mais aproxima- das a esses “ossos” encontrados, Luzia foi reconstituída por espe- cialistas, em 1999, no Reino Unido (NETTO; SANTOS, 2009). Um dado bastante significativo é o fato de os traços de Luzia não se assemelharem em nada aos traços dos indígenas americanos como conhece- mos, estes bem mais próximos das características asiáticas. Tal constatação leva a outra: de que não há um “homem americano” e sim “homens ameri- canos”, no sentido de que estes podem ter origens diferentes, bem como ter feito diferentes caminhos para chegar ao continente americano. Saiba mais O que é um bioantropólogo? Bioantropólogo é um profissional com formação em ciências bio- lógicas e que se especializou em questões referentes à evolução humana ou biologia evolutiva. Dito de outra forma, trata-se de pro- fissionais que estudam a evolução do homem por meiode conhe- cimentos biológicos/genéticos do passado e usam da tecnologia e conhecimento genético para conhecer melhor os nossos antepassa- dos (NEVES, 1991). Figura 1.4 – Reconstituição da face/características do fóssil encontrado em 1975 em Lagoa Santa/ Minas Gerais – denominado “Luzia” Fonte: CC BY 3.0. História da América - Mesoamérica e o Período Colonial – 20 – Saiba mais O que são características negroides? E mongoloides? Os termos negroide e mongoloide dizem respeito, do ponto de vista da ciência, a características morfológicas (vinculadas à biologia) e não guardam qualquer semelhança ou aproximação com a cor da pele ou com a acepção moderna da ideia de raça. Isso quer dizer que, no sen- tido empregado aqui e vinculados as descobertas arqueológicas acima descritas, quer se referir apenas à características físico-morfológicas mais vinculada a povos africanos e australianos, no caso dos que seriam negroides, e características físico-morfológicas mais vinculadas a povos asiáticos, no caso dos mongoloides (NETTO; SANTOS, 2009). 1.4 Ondas migratórias e teorias transoceânicas – propostas de pesquisa mais recentes Algumas descobertas científicas têm feito surgir perguntas antes não possíveis ao mundo dos pesquisadores. As possibilidades abertas por elas, as quais falaremos a seguir de forma mais pormenorizada, têm colocado em xeque posturas mais clássicas no campo da arqueologia americana, sobre a origem e os caminhos percorridos pelos sujeitos que povoaram o continente. Estamos falando da possibilidade de não ter havido apenas uma onda de migração, mas várias delas, e em períodos distintos uns dos outros, além da possibilidade de que muitas dessas ondas tenham tido uma rota diferente da rota terrestre consagrada pela teoria da chegada do homem pelo estreito de Bering, teoria esta que por muito tempo esteve à frente das discussões sobre a chegada do homem às Américas. A grande pergunta pode ser expressa da seguinte forma: seriam os primeiros homens americanos exímios navegado- res? É sobre isso que nos deteremos a seguir. 1.4.1 A desconcertante Luzia e asrotas migratórias O conjunto heterogêneo de descobertas arqueológicas feitas ao longo do século XX por grupos variados, lugares distantes e em tempos distintos no – 21 – Muito Antes dos Europeus – Os Primeiros Americanos Entre Migrações, Ocupações e Povoamento continente americano tem levado a algumas percepções mais complexas sobre a chegada do homem ao continente. Alguns membros da comunidade cien- tífica no campo arqueológico têm pensado/considerado que, diante de tan- tas descobertas importantes, em locais díspares e com presença de artefatos arqueológicos com datações bastante distantes uma das outras, é possível que não tivéssemos tido apenas um caminho percorrido pelo homem americano, assim como estes podem não ter vindo apenas em uma leva humana. Nesse sentido, a descoberta do fóssil de Luzia, em Minas Gerais, levou que cientistas considerassem outros caminhos e outras formas de ingresso do homem no continente, dado à antiguidade atribuída a ela e a região onde fora encon- trada. Na verdade, Walter Neves e seu achado – Luzia – desorganizaram e recompuseram outras formas de compreensão sobre o homem americano. Basicamente, passou-se a considerar ondas migratórias e não mais apenas uma entrada no continente. Segundo Melo (1999, p. 1) “outras rotas de migração têm sido propostas com base na observação do polimorfismo das populações, culturas e línguas existentes na América”. Ou seja, mediante tanta diversidade encontrada, pas- sou-se a considerar que homens com características físicas tão diferentes não poderiam ser originários de mesmos lugares e, por conseguinte, vindo pelos mesmos caminhos ao mesmo tempo. A ideia das ondas migratórias parece expli- car, ao menos em parte, essas diversidades encontradas. Três ou quatro ondas migratórias teriam acontecido e resultado no que nos tornamos. Uma primeira onda teria dado origem aos indígenas da América do Sul, uma segunda onda teria dado origem a grande parte dos grupos que viveram na América do Norte e uma terceira seria responsável por aqueles grupos que se localizaram mais ao norte do continente ainda, os esquimós. Todavia, nessa formulação, ainda não há espaço para explicar Luzia e seus traços negroides/australianos, o que levou seus defensores a considerar outra onda migratória ainda. 1.4.2 Rotas transoceânicas: a Rota Atlântica e a África Dentre as perspectivas que têm considerado vários ingressos no conti- nente, há a intenção de incluir aí rotas para além das terrestres – como a da passagem do Estreito de Bering/Teoria Clóvis – ou seja, rotas transoceânicas passam a ser consideras conjuntamente à terrestre. Essas teorias transoceâni- cas têm sido pensadas embasadas em correntes marítimas (MELO, 1999). História da América - Mesoamérica e o Período Colonial – 22 – Tais rotas podem ser divididas em, basicamente, três grandes grupos – Rotas do Pacífico Norte, Rota do Atlântico Norte e Rota do Atlântico Sul. Dentre as rotas marítimas, as do Pacífico Norte, Médio e Sul apresen- tam-se como as vias de migração das populações asiáticas, considerando que a maioria das populações da Ásia Oriental e da Oceania – incluindo melanésios, polinésios e australianos – alcançaram a América. As rotas marítimas do Atlântico Norte, Central e Sul foram também propos- tas. O Atlântico Norte foi, por excelência, segundo os proponentes das teses transoceânicas, a rota de migração das populações encontra- das desde 20.000 anos BP, na área correspondente à região da baía de Hudson, dos Grandes Lagos e até as regiões costeiras do atual estado americano de Maine. Por meio das rotas do Atlântico Sul, procura-se explicar a presença de grupos étnicos claramente distintos dos grupos de raça mongólica. Os Ôna, que habitavam o sul da Patagônia há mais de 11 mil anos, assim como os Fueguinos, da Terra do Fogo, apresentam características bioculturais muito diversas daquelas da população asiá- tica. Esses grupos teriam alcançado o extremo sul do continente através do Atlântico Sul (MELO, 1999, p. 263). A historiadora brasileira Patrícia Melo defende, na chave das teorias transoceânicas, a ideia de que elas teriam se dado, sobretudo, pela rota Atlân- tica e vindos da África. Defende, principalmente, que as primeiras migrações tenham se dado por essa rota oceânica e vindos da África, todavia não des- carta que migrações mais recentes tenham se dado por outras rotas, inclusive via terrestre, como pelo estreito de Bering. Para a historiadora, os grupos de Homo sapiens comprovadamente povo- adores das regiões sul, noroeste e sudeste da África estavam adaptados à vida marítima e possuíam uma cultura ligada ao mar, e que remonta à espécie ancestral – o Homo erectus. Todos os vestígios de Homo sapiens encontrados nessas regiões africanas atestam a vida nas áreas costeiras e ribeirinhas: Seja com toscas jangadas, seja com toras de madeira unidas por amarração, conhecendo ou não a utilização da vela, a prática marí- tima pode ser associada aos primórdios da evolução da humanidade (MELO, 1999, p. 265-266). Assim, a probabilidade de o homem ter partido da África e ter chegado à América são patentes, considerando o trajeto das correntes marítimas e dos ventos, das atividades ligadas ao mar e das inúmeras possibilida- des de pescadores terem caído nas correntes e sido arrastados por elas. – 23 – Muito Antes dos Europeus – Os Primeiros Americanos Entre Migrações, Ocupações e Povoamento Por meio dos pontos levantados por Melo, como defesa dessa ideia, podemos sistematizar algumas suposições lógicas e outras constatações já ave- riguadas também por outros autores. São eles: 2 os vestígios de Homo sapiens encontrados nas mais longínquas e isoladas regiões da ilha das Flores, de Páscoa e Austrália são provas da mobilidade do homem pré-histórico através dos oceanos; 2 pode-se considerar que esses habitantes costeiros dos litorais do Atlântico e do Índico da África viviam da pesca e coleta de substra- tos marinhos. É possível que, na busca por explorar essas mesmas regiões e regiões próximas, tenham se afastado da costa, caindo à deriva de ventos do Atlântico, alcançando assim o continente ame- ricano (no estudo das correntes marítimas que ligam África e Amé- rica, esse fluxo já é dado como comprovado); 2 excetuando uma única corrente marítima – a de Falklands – todas as outras não sofreram alterações durante o período em que essa possibilidade é empregada; 2 foram realizadas experiências com embarcações que se utilizaram tanto das correntes marítimas como dos ventos. As correntes de Benguela, Guiné e Canárias seriam as responsáveis por empurrar as embarcações pelo Atlântico à Costa da América do Sul; 2 dentre essas correntes, a de Benguela é uma das principais e leva diretamente ao litoral do que hoje é o nordeste brasileiro; 2 essas correntes podem empurrar embarcações por 1.500 milhas (o equivalente a 2400 quilômetros, aproximadamente) durante 100 ou 60 dias, dependendo da variação das correntes (VALLEUX, 1959); 2 sabe-se que a maior parte da evolução de todas as espécies humanas desenvolveu-se na África, continente que apresenta 98% do seu território em região de clima quente. Nesse sentido, o homem é originário de zona de climas quentes, sendo lícito pensar que ele tenha desenvolvido sua mobilidade geográfica em zonas similares, preferencialmente, ao seu habitat natural (MELO, 1999, p. 268); História da América - Mesoamérica e o Período Colonial – 24 – 2 ao encontro disso, sabe-se que somente há cerca de 100 mil anos o homem começou a ocupar locais de climas médios, e há cerca de 40 mil anos, locais gélidos. Tais colocações, estudos e comprovações levam a historiadora brasileira a concluir que os primeiros migrantes/habitantes americanos vieram certa- mente da África pelo Oceano Atlântico. Pode-se ainda dizer, levandoem con- sideração esse conjunto de questões, que o homem americano chegou ao con- tinente por acaso, e posteriormente migrou para todos os lados, por mar e por terra. Outra informação/dado que não pode ser subestimado é sua capacidade de navegar e as tecnologias empregadas: essa deve ser considerada como dado secundário, já que “o conhecimento é empírico e observável e observado em outros animais” (MELO, 1999, p. 269). Sobre as evidências de teorias transoceânicas, para além das apresenta- das, pesquisadores acreditam que muito ainda precisa ser descoberto. E que muitas dessas evidências possam estar submersas, uma vez que houve progres- sivos aumentos do nível do mar ao longo do tempo nas regiões litorâneas ou antigas áreas costeiras da América. Saiba mais Quem era o Homo erectus e o Homo sapiens? O Homo erectus uma espécie fundamental no desenvolvimento do homem, tal qual o conhecemos hoje. Sua evolução data de cerca de quase dois milhões de anos atrás. E sua nomenclatura está relacionada à capacidade da espécie de ficar praticamente em pé/ereto, tal qual o homem moderno. E parece ser, entre os hominídeos, o primeiro a apresentar uma capacidade craniana maior que seus antecessores, chegando a atingir 850 cm³ de massa encefálica, enquanto seus ante- cessores eram inferiores a essa medida. O Homo sapiens é, teoricamente, o homem que conhecemos. Sua evolução teria começado há cerca de 200 mil anos. Sua nomen- clatura provém da ideia de ser um homem dotado de inteligência/ sapiência. A palavra sapiens deriva do latim. Trata-se da única espécie animal bípede que ainda está viva. Se sua evolução teria começado – 25 – Muito Antes dos Europeus – Os Primeiros Americanos Entre Migrações, Ocupações e Povoamento há cerca de 200 mil anos, suas características mais modernas passaram a se desenvolver há aproximadamente 50 mil anos. Nenhum homi- nídeo anterior a ele usou ossos, dentes, chifres como matéria-prima para a fabricação de artefatos. Sua capacidade craniana chega a 1350 cm³. Tecnicamente, de um cérebro altamente desenvolvido, dotado de habilidades de raciocínio abstrato, lógico, linguagem, consciência, racionalidade e sapiência. Comunica-se por diversos meios, como gestos, de forma verbal e, ainda, por escrito. É, portanto, o estágio evolutivo em que nos encontramos. (NEVES, 2006). Figura 1.5 − Homo erectus Fo nt e: Sh ut te rs to ck .c om / C at m an do . Figura 1.6 − Homo sapiens Fo nt e: Sh ut te rs to ck .c om / N ic ol as P ri m ol a. História da América - Mesoamérica e o Período Colonial – 26 – 1.4.3 Rotas transoceânicas: seriam nossos ancestrais ibéricos? Ainda que possa ser minoria entre os estudiosos, há uma teoria de que os homens americanos tivessem adentrado o continente, por uma rota atlântica, vinda da parte peninsular da Europa. Estamos nos referindo à Península Ibé- rica, mais precisamente e a uma teoria chamada “hipótese solutrense”. Os vestígios dessa teoria foram encontrados em algumas partes da costa leste norte-americana e teriam aberto discussões importantes sobre a antiguidade do homem na América do Norte, bem como sobre seus cami- nhos e origem. Descobertas feitas no início dos anos 70 na baía de Chesapeake, na costa leste dos Estados Unidos, como uma faca de pedra com cerca de 20 centí- metros de comprimento junto do dente canino de um mastodonte com mais de 20 mil anos de antiguidade, acenderam discussões no campo científico e colocaram posições consolidadas em dúvida. Em fins dos anos 90, o antropólogo Dennis Stanford, responsável pela Divisão de Arqueologia do Museu de História Natural do Instituto Smith- sonian (Estados Unidos), e Bruce Bradley, professor de arqueologia da Uni- versidade de Exeter (Reino Unido), adiantaram uma alucinante conjetura a que deram recentemente forma no livro Across Atlantic Ice (“Através do Gelo). Esses primeiros americanos saíram da península Ibérica”, assegurou Stanford durante a apresentação da obra em Washington D.C. Na sua opinião, pro- vinham da região basco-cantábrica, embora também pudessem ter partido da Aquitânia francesa, nas margens do golfo da Biscaia. “Tratava-se de um grupo pertencente à chamada ‘cultura solutrense’. Nas suas embarcações, contornaram os gelos do Atlântico Norte e atracaram na costa ocidental do Novo Mundo, há pelo menos 20 mil anos. São os antepassados dos Clóvis, e antecederam em dezenas de séculos os asiáticos, que chegaram pelo Norte 7. No entanto, recentemente, outros pesquisadores trataram de compro- var, por meio de testes genéticos, que a “hipótese solutrense” não poderia 7 Para saber mais, ver a discussão na seguinte reportagem: <http://www.superinteres- sante.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=2233:os-primeiros-americanos& catid=9:artigos&Itemid=83>. – 27 – Muito Antes dos Europeus – Os Primeiros Americanos Entre Migrações, Ocupações e Povoamento se confirmar, isto é, os nativos americanos do Norte não teriam como estar vinculados geneticamente à cultura ibérica solutrense, já que os testes com- provavam o distanciamento dos europeus ocidentais dos nativos americanos. Dentre um estudo com 143 conjuntos de populações, os europeus ocidentais eram os que estariam mais longe, segundo estudo publicado há poucos anos por um conjunto internacional de cientistas na conceituada revista Nature. 1.5 Ásia, Península Ibérica, Oceania ou África: as raízes mais prováveis do homem americano e o papel da história Viemos, ao longo desse capítulo, apresentando a vocês uma quantidade significativa de estudos sobre a origem do homem americano, na tentativa de decifrar quem somos nós, de onde viemos, quais nossas descendências e por quais caminhos viemos parar aqui. Se as evidências, argumentos e teorias são diversas, diversa também é a possibilidade de interpretação que a história oferece e tem oferecido cada vez mais. Mais do que apresentarmos certezas e posições definidas, ou ainda, mais do que defender aqui uma ou outra versão, o que objetivamos é possibilitar ao leitor uma ampla gama de conhecimento científico produzido por profis- sionais capacitados, dando-lhes a possibilidade de complexificar sua leitura de mundo sobre tais questões. Mongoloides, polinésios, negroides australianos, africanos ou ibéricos? Quem somos? De onde viemos? Quem seriam nossos ancestrais? Retornamos às perguntas iniciais para dizer ao leitor que ele já tem condições, a partir de agora, de discutir, com embasamento, sobre tais questões. Síntese As teorias sobre a chegada dos homens ao território que hoje conhe- cemos por América (ou pelo menos desde fins do séc. XV, quando é nome- ado dessa forma), tem sido demarcada por um conjunto diverso de vestí- gios, entre eles, artefatos arqueológicos, que vão desde pontas de lanças e pedras lascadas, polidas, passam por vestígios de fósseis animais, de plantas História da América - Mesoamérica e o Período Colonial – 28 – até fósseis humanos. Esse conjunto de “documentos” do passado do homem americano é também acompanhado de números – datações – desses mesmos vestígios arqueológicos com auxílio importante e fundamental de outras áreas do conhecimento que não somente a história. Sem o auxílio e contribuições de muitas outras áreas de saber, como a biologia e química, dentre outras importantes especialidades, esses achados não seriam possíveis. O que estamos querendo destacar aqui é que o que temos sobre quem foi ou quem é o homem americano, bem como de onde veio e quais cami- nhos trilhou para chegar ao continente, são teorias, algumas comprovadas, outras em vias de comprovação ou ainda com comprovações entendidas como preliminares pelo campo científico. Os métodos são diversos, assim como as linhas interpretativas, o que faz com que oscientistas não cheguem a consensos tão facilmente. Assim, podemos sistematizar essas teorias e seus números e característi- cas da seguinte forma: 1. tempo de chegada do homem ao continente − dentre as teorias apresentadas, os números/tempo de chegada do homem ao conti- nente americano podem variar de 11 mil anos, para as teorias mais conservadoras, até 50 ou 100 mil anos, para as teorias mais recentes e que ainda buscam validação e confirmação para esses números. 2. tipos de vestígios − os vestígios dos quais os estudiosos do assunto têm se utilizado para auxílio de comprovação e interpretação de suas teorias podem ser bastante variados. Pontas de lanças, pedras polidas em forma de instrumentos de trabalho, vestígios de plantas queimadas, fósseis de animais, fósseis humanos, fósseis de animais marinhos, pinturas rupestres em cavernas. 3. caminhos percorridos − os caminhos percorridos pelos primei- ros homens americanos podem ter sido mais diversos que supo- mos inicialmente. Se a princípio a teoria Clóvis indicava que esse caminho tinha se dado pelo estreito de Bering, ligando através de uma passagem terrestre formada de gelo, resultante de uma glaciação que congelou as águas e abriu possibilidade de passagem a estes homens, outras teorias e descobertas apontam para outros caminhos, sobretudo aqueles transoceânicos, sejam pelo Pacífico, – 29 – Muito Antes dos Europeus – Os Primeiros Americanos Entre Migrações, Ocupações e Povoamento sejam pelo Atlântico, e em momentos diferentes, bem como em várias levas. 4. origem e/ou descendência do “homem americano” − os cami- nhos percorridos estão associados inevitavelmente à origem ou ancestralidade desses homens. As teorias que se associam à passa- gem terrestre de Bering ligam-se à origem asiática ou mongoloide, mais precisamente. As teorias que envolvem a rota transoceânica via Pacífico, ligam esses homens à Polinésia, Oceania ou Austrá- lia. E as teorias que defendem a rota transoceânica via Atlântico, relacionam-se a homens que teriam ancestralidade na África. Em meio a todas essas informações científicas, o que importa é saber que é difícil encontrar um consenso nesse universo científico de descobertas constantes. Elas continuam acontecendo, para o bem da ciência e conheci- mento histórico. 2 Muito Antes dos Incas, Maias e Astecas: Os ameríndios da Mesoamérica, da América Central Caribenha e Continental em Foco Houve uma infinidade de povos e culturas formadoras do continente americano, e que nem sempre estiveram em foco em análises sobre o tema. Dito de outra forma, é costumeiro que, quando se fale na formação ameríndia do continente, se atenha aos grandes impérios formados pelas culturas inca, maia e asteca e que se pense em suas contribuições relacionadas ao que veio a se tornar o continente pós-contato com os europeus, mas pouco ou quase nada se fala de um grupo tão importante quanto heterogêneo que compôs estes mesmos impérios indígenas tão destacados. Estamos falando de grupos que habitaram o continente antes mesmo da for- mação dessas prestigiadas civilizações e de muitos que inclusive aju- daram com suas culturas a compor o que se tornaram essas grandes civilizações ameríndias. São os tainos, saladoides, caraíbas, olmecas, toltecas, zapotecas, dentre outros. É sobre esses importantes e varia- dos grupos indígenas que falaremos a seguir. História da América - Mesoamérica e o Período Colonial – 32 – 2.1 Breves considerações acerca de uma história esquecida/desconhecida Este capítulo possui o objetivo de auxiliar os alunos a conhecerem as cul- turas ameríndias que se desenvolveram e passaram a viver nas Américas antes da formação dos grandes impérios indígenas, ou seja, apresentar de forma espacial a ocupação do território americano por povos tanto diversos quanto importantes e complexos. A grande maioria desses grupos de ameríndios pas- sou por processos ou extinção de seus grupos, ou foram, ao longo de suas histórias, subjugados por outros, em conflitos próprios a sua realidade. Nesse sentido, apresentar e conhecer tais grupos formadores do continente em suas complexidades ajuda os leitores – e esse é um dos intuitos aqui – a construir uma percepção de diversidade sobre os povos ameríndios. É importante des- tacar aqui que nos concentraremos, sobretudo, nos povos que formaram e habitaram a região mesoamericana e centro-américa, por serem estes mais numerosos e mais antigos temporalmente. Os povos que derem origem a formações culturais de outras regiões do continente serão apropriadamente retomados em outras discussões. Assim, faz-se importante situar geograficamente o que estamos cha- mando aqui de Mesoamérica (ou Região Mesoamericana Continental e Caribenha). Trata-se da região abarcada desde o México atual, passando pelo Golfo do México, Península de Iucatán, tendo a sua direta o mar do Caribe e abaixo o Oceano Pacífico. Compreende a região que hoje vai desde o México, passando por Guatemala, El Salvador, Belize, Honduras, podendo chegar até Panamá. Todavia, essa região também pode ser descrita como América Central. Engloba ainda as Ilhas Caribenhas de Cuba, República Domini- cana, Haiti, Martinica, Barbados, Granada, entre outras, localizadas acima da Venezuela. É de difícil precisão falar da Mesoamérica e pensá-la como conhecemos geograficamente hoje, pois os deslocamentos dos grupos que trataremos aqui ‒ em tempos bastante distantes ‒ ocupavam uma região mais ampla que as divisões geográficas contemporâneas. Vejamos no mapa a seguir um pouco dessa dispersão e ocupação de espaços: – 33 – Muito Antes dos Incas, Maias e Astecas: Os ameríndios da Mesoamérica, da América Central Caribenha e Continental em Foco Figura 2.1 - Mapa n. 1: a Mesoamérica e a ocupação dos espaços por grupos/ povos Fonte: CC BY 3.0. Falar de diversidade no processo de constituição de culturas ameríndias implica em trazer à tona o fato de que essa mesma diversidade esteve por muito tempo encoberta ou minimizada pelos estudos, tão somente daqueles grupos que chegaram a construir sociedades bastante organizadas e comple- xas como aquelas que foram erguidas pelas Incas, Maias e Astecas e as quais tiverem contato com europeus, em alguma medida, por ocasião da chegada dos mesmos à América. Para além de sua importância evidente, outros tantos grupos indígenas existiram, ocuparam, povoaram e construíram culturas e sociedades organizadas nas Américas. Importante ressaltar que o nível de complexidade dessas sociedades que existiram pré- grandes impérios indígenas nas Américas foram por muito tempo determinados por uma visão eurocêntrica – ou ainda, etnocêntrica ‒, que estabelecia os parâmetros de civilidade ou graus de desenvolvimento das mesmas, conforme aquilo que traziam como bagagem cultural do Velho Mundo. Dito de outra maneira, apenas alguns grupos indígenas (no caso, História da América - Mesoamérica e o Período Colonial – 34 – os Impérios Incas, Maias e Astecas) tiveram espaço de análise porque eram entendidos como melhores organizados, mais próximos de uma estrutura de sociedade – ainda que muito longe de serem, para europeus, algo semelhante enquanto sociedade ao que o velho mundo tinha a oferecer. Nesse sentido, os grupos que preexistiram a esses impérios não eram considerados, e, para muitos, tampouco existiram. Assim, tendo em vista a perspectiva de que há sim muita história antiga no continente americano, tanto dos europeus quanto dos grandes impérios indígenas, passaremos a conhecer esses habitantes de variados grupos indíge- nas da América, tentando assim conformar uma linha de raciocínio não só que valorize as culturas ameríndias formadoras do continente como também de pensar em uma história da América muito antes dos europeus, rompendo a visão eurocêntrica por muitotempo predominante, de que a história da América teria início apenas com o contato com os europeus, ou, ainda, por meio da formação de culturas que possuíssem escrita. O entendimento aqui proposto redimensiona essa questão, repensa a própria história como con- ceito e recoloca esses povos tão diversos no seu local de importância na his- tória do continente. Saiba mais O que é eurocentrismo? O que é etnocentrismo? Quando falamos em visão eurocêntrica ou eurocentrismo, estamos nos referindo a um olhar e uma escrita sobre a História da América, que parte culturalmente de uma postura vinda daqueles que aqui chegaram e construíram uma ideia do que fosse, tanto a América quanto os americanos. E, mais que isso, coloca em primeiro plano os valores culturais europeus, estabelecendo assim um parâmetro sobre as culturas, sendo, evidentemente, a cultura europeia o parâmetro a ser seguido. Tudo que não estivesse de acordo com esses padrões culturais, sociais, econômicos era necessariamente considerado pior. Nesse sentido, a visão eurocêntrica parte de uma perspectiva etno- cêntrica. Explico: o etnocentrismo “denota a maneira pela qual um grupo, identificado por sua particularidade cultural, constrói uma imagem do universo que favorece a si mesmo. Compõe-se de uma – 35 – Muito Antes dos Incas, Maias e Astecas: Os ameríndios da Mesoamérica, da América Central Caribenha e Continental em Foco valorização positiva do próprio grupo, e uma referência aos grupos exteriores marcada pela aplicação de normas do seu próprio grupo, ignorando, portanto, a possibilidade de o outro ser diferente” (TEL- LES, 1987, p. 75-76). Evidentemente, o etnocentrismo é um traço presente nas mais variadas culturas, mas o que de mais importante temos a sublinhar é o fato de que ele é acrítico, possui uma visão distorcida da realidade e é preconceituoso. Para saber mais ver as seguintes obras: ROCHA, E. O que é etnocentismo? São Paulo: Brasiliense, 1998; SANTOS, J. L. dos. O que é Cultura. 14. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. 2.2 Os povos formadores de diversas regiões americanas: ocupando os espaços e construídos culturas Nicholas Saunders, ao estabelecer um diálogo profícuo entre arqueolo- gia e antropologia, sua área de atuação, assim se referiu à habilidade e sensibi- lidade com que pesquisadores (inclusive ele próprio) vêm desenvolvendo nos últimos trinta anos investigações sobre o passado da América: a arqueologia não somente se tornou mais científica e tecnológica – o perfil do DNA de resto antigos é um exemplo importante -, mas também mais filosófica e reflexiva. Agora estamos mais interessados do que antes no porquê de os americanos antigos realizarem certas coisas de maneira peculiar, em como eles faziam suas escolhas, ou no que acreditavam em relação ao mundo natural seu lugar nele (SAU- DERS, 2005, p. 5). Essa reflexão ajuda-nos a compreender um pouco do quê/ou a quê os pesquisadores têm direcionado seu olhar quando se trata de investigações sobre o passado longínquo dos povos americanos. A “América Antiga” e suas sociedades se desenvolveram em separado do resto do mundo, e nem por isso constituíram organizações sociais menos importantes ou menos sofisticadas. Independente de qual teoria de chegada desses homens à América vigore, isto é, das mais comprovadas às menos comprovada e ainda cheia de hipóteses a serem verificadas, ou ainda aquelas já refutadas – como vimos no capítulo História da América - Mesoamérica e o Período Colonial – 36 – anterior -, é fato que estes povos conseguiram desenvolverem-se em regiões bastante distintas, tanto geográfica quanto climaticamente, de Norte a Sul do continente americano. Da Região Caribenha à America do Norte, da Mesoamérica à Região Andina e da Região Andina à America do Sul, cultu- ras indígenas foram se desenvolvendo, em ritmos e com processos diversos uns dos outros, o que permitiu em um dado momento, àqueles grupos mais estruturados, um processo de predomínio sobre outros, e que comumente conhecemos como grandes impérios pré-colombianos. No entanto, conhecer a formação desses povos anteriores a esse processo é fundamental para pensar- mos/refletirmos sobre suas organizações social, cultural, política e econômica, assim como suas peculiaridades e fraquezas estruturais. É importante destacarmos que da mesma maneira que estamos nos referindo à diversa composição de sociedades, indivíduos e culturas como formadoras do continente americano, tão diversos e dispersos também são os fragmentos que ajudam os estudiosos a compor o quadro geral de carac- terísticas desses grupos. Estamos falando de vestígios arqueológicos, que são fragmentados e passíveis sempre de interpretação, e não de provas definitivas. Pelo contrário, o campo dessas descobertas permanece sempre em aberto, montando, à medida que avançam as pesquisas, um quadro tanto mais com- pleto quanto os vestígios e novas descobertas permitirem. A base desses frag- mentos é conhecida como cultura material. Cultura material é, basicamente, restos de culturas que são encontradas na forma de vestígios arqueológicos (MENEZES, 1983), e que servem, para auxilio – um auxílio fundamental é verdade – na composição de interpretações sobre essas mesmas culturas e gru- pos que habitaram no passado o Continente Americano. Todavia, há diversas interpretações sobre o significado conceitual de cultura material, que não nos cabe alongar aqui essa discussão, mas sim deixar o registro de que, conceitu- almente, seu entendimento foi se alterando a medida que o próprio campo arqueológico foi se transformando e se tornando complexo (LIMA, 2011). 2.3 O Caribe e a mesoamérica continental: os povos habitantes de cada região Optamos aqui por fazer algumas divisões espaciais para falar de alguns grupos indígenas, conforme a região que habitaram, estando suas caracterís- – 37 – Muito Antes dos Incas, Maias e Astecas: Os ameríndios da Mesoamérica, da América Central Caribenha e Continental em Foco ticas muitas vezes atreladas à região das ilhas caribenhas ou mesmo à região caribenha continental. 2.3.1 O Caribe e seus primeiros habitantes Os primeiros habitantes da Região Caribenha pertencem ao chamado Período Arcaico, e existem por lá desde pelo menos 5500 a.C.1. Esse período é caracterizado por grande crescimento demográfico, com grande diversidade cultural e o aumento da exploração, por parte dos grupos habitantes, dos ambientes naturais. Trinidad é o local onde os sítios arqueológicos legaram resquícios materiais que levam a estas considerações. Tratava-se de grupos caçadores, coletores e pescadores. Em geral, eram nômades e viviam em pequenas composições familiares. “Não faziam uso de cerâmica, mas tinham lanças com pontas de ossos, ferramentas afiadas de pedra e manos e metates para moer” (SAUDERS, 2005, p. 19). Esses primeiros habitantes desenvolveram uma cultura que os vinculava aos mares, ilhas e seu entornos, seja pela pressão de explorarem os espaços circundantes na tentativa de os dominarem, seja pela necessidade alimentar. Vestígios de conchas ou resto das mesmas foram encontrados, o que leva a supor que estes lugares eram próximos a mangues, pântanos e/ou praias. A Região de Cuba também é rica em vestígios de ocupação humana. Estas variam entre 4000 e 6000 anos, contudo é somente por volta de 2000 anos que os vestígios cerâmicos se tornam mais frequentes. Porto Rico e República Dominicana também podem ser considerados, em seu conjunto com Cuba, com uma região de ocupação e desenvolvimento de sociedades semelhantes em tempo e artefatos (DACAL MOURE, 1996; WILSON, 1990). 1 Importante ressaltar que essas datações e períodos são bastante discutidos entre os pesquisadores, mas estamos nos balizando aqui por discussões que são correntes e estão ampa- radas por vestígios. Basicamente, o Período Arcaicovai desde pelo menos 5.500 a.C. e podem figurar até cerca de 2000 a.C., onde aparecem outras características nos vestígios arqueológicos que fez com que os pesquisadores fizessem subdivisões no Período Arcaico e/ou ramificações, para dar conta dessas mesmas características, não mais iguais às encontradas em 5.500 a.C.. Alguns pesquisadores tomam parâmetros como a produção de cerâmica ou não, mas a divisão que parece ser mais aceita acontece somente por volta de 500 e 200 a.C., onde muitos desses povos abandonam a caça e a coleta para se tornarem agricultores (povos saladoides, vindos da região que hoje é a Venezuela). História da América - Mesoamérica e o Período Colonial – 38 – Todavia, lidar com vestígios arqueológicos e classificá-los não é uma tarefa fácil. Dar sentido a esses artefatos é uma atividade problemática. Por exemplo: alguns sítios não possuem cerâmica, e, ao não possuírem, passaram a ser classificados como pré-cerâmicos e inseridos no Período Arcaico, sendo que poderiam ser chamados de acerâmicos, o que os remeteriam a perío- dos bastante anteriores. Assim, a questão que se coloca é: eles não tinham cerâmica, não a conheciam e não a produziam ou estes vestígios não foram encontrados? Trata-se, evidentemente, de considerações bastante diferentes e que levam a entendimentos diferenciados também. Nesse sentido, quere- mos dar ao leitor a dimensão da dificuldade e complexidade que é para os profissionais que lidam com estes artefatos dimensionar suas explicações e construírem suas interpretações históricas. Esses são problemas com os quais os historiadores enfrentam a todo o momento, seja lidando com vestígios arqueológicos, seja com qualquer outro tipo de fonte que comporte consigo a imprecisão de seus dados. 2 Os saladoides Falando de povos produtores de cerâmica, essa se afirma entre os povos caribenhos entre 500 e 200 a.C. Esses grupos viviam em vilarejos e chamados de saladoides. O nome saladoide provém do sítio de Saladero e também nomeia as cerâmicas encontradas nesse sítio, em geral nas cores branca e vermelha. Para Saunders, eles deixaram a América do Sul e partiram para Trinidad, e então velejaram para o norte em canoas para longas distâncias com o intuito de colonizar as Antilhas maiores. Seu advento isolou, marginalizou e, possivelmente, absorveu os caçadores-coletores do período arcaico (2005, p. 20). Os povos saladoides originaram-se na nascente do rio Orinoco, onde hoje é a atual Venezuela, e a base de suas vidas estava na agricultura – com o cultivo de mandioca, bata-doce, algodão e tabaco. Outro traço importante era sua religião de caráter xamâ- nico, típica das sociedades que se desenvolveram em regiões tro- picais amazônicas. – 39 – Muito Antes dos Incas, Maias e Astecas: Os ameríndios da Mesoamérica, da América Central Caribenha e Continental em Foco Saiba mais Você sabe o que é uma religião xamânica? As discussões são bem amplas no campo da antropologia. Assim, podemos dizer que xamanismo pode, segundo uma perspectiva mais recente, ser entendido como um complexo sociocultural. Cultural por- que é referido a um sistema simbólico; e social porque “gera papéis, grupos e atividades sociais” (LANGDON, 1996). Nesse sentido, sendo um complexo sociocultural precisa ser considerado em dimen- são coletiva, como “sistema de representações compartilhadas”. Ou seja, trata-se de uma visão de mundo coletiva, atribuída por um deter- minando grupo a determinados aspectos/elementos que compõe suas vidas. A atribuição de significados e a presença de rituais envolvendo corpo e espírito são características do xamanismo, além de práticas de cura com plantas, bebidas e alterações de consciência. Para saber mais, veja: LÉVI-STRAUSS, C. O feiticeiro e a sua magia. Antropologia estrutural Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro: 1975. Para as sociedades saladoides, o mar foi fundamental. Seja no plano cotidiano ou espiritual, o papel que a “água” desempenhou para os saladoides é fundamental para seu desenvolvimento enquanto grupo social. As “viagens” de canoas entre as ilhas eram frequentes, ligando umas às outras, bem como o continente sul-americano com um todo. Importante também é destacar que para esse período, assim como para períodos posteriores também, é necessário enten- der as Ilhas Caribenhas e a América do Sul como única unidade, e não como a unidade política que conhecemos a partir do contato com os europeus e às subdivisões que passam a ser atribuídas a estes espaços. Nesse sentido, essa grande região, do Caribe à América do Sul era um todo integrado de povos e paisagens diversas, mas ainda assim, conectados (SAUNDERS, 2005, p. 20). Os grupos que habitaram as Ilhas Caribenhas desenvolveram-se diferententemente, ainda que possam ter traços em comum, como a agricultura e a religiosidade. Cuba, Jamaica, Ilhas Virgens, Baha- História da América - Mesoamérica e o Período Colonial – 40 – mas, Hispaniola (hoje República Dominicana/Haiti), levando a formação de outras culturas, como a ostinoide, que por sua vez, precedeu os tainos, primeiro grupo encontrado por Cristóvão Colombo por ocasião de sua chegada à América. 2 Os tainos ou arawaks Os tainos, também conhecidos como arawaks, viveram em vilas e também praticavam a agricultura, um pouco diversificada daquela encontrada junto aos saladoides. Essa agricultura era baseada no milho, na mandioca, na batata-doce, na goiaba, na papaia, no aba- caxi, no tabaco e no algodão. Já do mar, os das águas costeiras, reti- ravam mexilhões, ostras, caranguejos e tartarugas-marinhas. Das caças, apropriavam-se de pássaros diversos e cobras. Tinham uma arte elaborada tanto na pintura corporal como na confecção de ornamentos – brincos, cocares e plumagens. Eram homens hábeis na marcenaria, uma das suas técnicas mais apura- das. Dele, resultavam os “duhos”, espécies de bancos onde se sen- tavam os xamãs e os caciques e de onde se comunicavame com seus espíritos ancestrais. Construíam embarcações/canoas das quais lançavam mão para viagens de comércio, estabelecendo assim redes com as diversas localidades com as quais tinham/buscavam contato. Manuseavam uma espécie de liga de ouro-cobre e prata conhecida como “guanín”. Muitos dos objetos elaborados com guanín eram conseguidos nessas viagens e em contatos marítimos entre as ilhas caribenhas e a América do Sul. Em termos administrativos, os tainos eram governados por chefes hereditários, via linhagem materna. Os chefes podiam ter várias esposas, o que aponta para o significado que o casamento era para eles: assumir funções estratégicas e políticas, vinculados à obten- ção de poder/status. Essa organização social/administrativa reflete na composição das vilas/vilarejos em que habitavam, assim como em seus tamanhos. As habitações eram comunais/familiares e, em geral, centravam-se em torno de uma praça que tinha tanto funções políticas quanto espirituais/religiosos. Nessas praças, realizavam-se jogos de bola chamados “batey”, bem como eventos sociais, com – 41 – Muito Antes dos Incas, Maias e Astecas: Os ameríndios da Mesoamérica, da América Central Caribenha e Continental em Foco música e danças. O maior conjunto de vestígios de campos de bola de toda sociedade Tainá, encontra-se em Caguana, em Porto Rico Central, cidade que tinha um significado especial para essa socie- dade como centro político e religioso. O xamanismo praticado havia sido herdado dos saladoides e tinham em plantas e animais a força de seus ancestrais. Os tainos conside- ravam as cavernas entradas para o mundo espiritual. As cavernas aparecem em diversos mitos de origem dos tainos como espaço/ lar de espíritos mortos, e as escavações e artefatos arqueológicos encontrados em uma delas – caverna La Aleta – ajudaram os pes- quisadores a remontar os aspectos rituais lá praticados.A veneração dos deuses e espíritos – chamados zemís – era a principal prática, e se traduzia em poderes sobrenaturais que eram associados/repre- sentados nas formas de objetos feitos em pedra, ossos, madeira, argila e ou algodão. Por vezes, essas divindades eram representadas também em vegetais, como o aipim. Esses seres habitavam árvores, pedras, cavernas e rios, portanto, os elementos da natureza e pai- sagem eram todos significados pelo sentido religioso que os tainos os atribuíam2. 2 Os caraíbas Os caraíbas passaram a habitar o Caribe posteriormente aos tainos (por volta de 1400 d.C.) e se constituíram em seus inimigos, uma vez que disputavam, ao que tudo indica, mulheres para casarem, gerando conflitos entre os dois povos, de maneira que os espanhóis se tornaram, aos olhos dos tainos quando chegaram, seus aliados contra os caraíbas. Os caraíbas vieram do Sul da América em canoas, e habitaram as Antilhas Menores, colonizando o que hoje é Dominica, Martinica, Guadalupe e São Vicente. Assim como os tainos, eram agrícolas e cultivam produtos semelhantes, mas não tanto quanto estes, em termos de diversidade. A pesca era praticada com instrumentos específicos, como redes, arpões e ganchos. 2 Todas as informações sobre os tainos estão embasadas nas obras seguintes: BRE- CHT, F. 1997; ROUSE, I.B. 1992; SAUNDERS, 2005. História da América - Mesoamérica e o Período Colonial – 42 – Em termos de organização social, eram menos sofisticados, com menor estrutura hierárquica, ainda que tivessem chefes nas vilas onde habitavam. Se comparados aos tainos, sua organização era menos hierarquizada, com alianças temporárias, em geral, em momentos belicosos. As cerâmicas que produziam não eram muito decoradas, todavia, manejavam muito bem o vime e o algodão, usados na produção de redes e joias, respectivamente. Faziam ainda canoas ornadas com o “guanín”. No plano religioso, seguiam o xamanismo e possuíam poucos deu- ses conhecidos. Usavam de desenhos zoomórficos e geométricos para representá-los, assim como também reproduziam/represen- tavam alguns “bons espíritos” em imagens de pedra/madeira que ornavam suas canoas e claves de guerra. Eram adeptos do caniba- lismo, e esse parece ter vindo à tona aos europeus pelos próprios tainos, inimigos declarados dos caraíbas e que, por sua vez, ajuda- ram a consolidar uma ideia de selvageria desse povo. No entanto, ainda que mais modestos que os tainos em sua sociedade, os caraí- bas resistem/sobrevivem à chegada dos europeus no Caribe. Regis- tros escritos chegaram até nós pelo olhar de missionários franceses que, no século XVII, chegam à Martinica, Guadalupe e Domi- nica, e passam assim a descrever culturamente esse povo. O que se conhece sobre os caraíbas, anterior a isso, deve-se, evidentemente, a descobertas arqueológicas. Nesse sentido, é importante destacar = que o que mais se conhece sobre a sociedade caraíba provém de uma cultura caraíba além dos europeus, e não antes3. 2.4 A Mesoamérica As civilizações que surgiram na Mesoamérica datam de períodos poste- riores àquelas presentes na América do Sul, e seu surgimento são de aproxima- damente 1.250 a.C. Segundo Florescano (2007), essa civilização floresceu por conta do milho, alimento/grão que se multiplicou de forma vertiginosa em terras férteis irrigadas por rios caudalosos, germinando em regiões ribeirinhas. 3 Todas as informações sobre os caraíbas estão embasadas nas obras seguintes: JOHN- SON, K, 1997; KEEGAN, W.F, 1992; SAUNDERS, 2005. – 43 – Muito Antes dos Incas, Maias e Astecas: Os ameríndios da Mesoamérica, da América Central Caribenha e Continental em Foco Ainda que a civilização Olmeca seja a mais expressiva na Região Meso- americana, outros tantos grupos se desenvolveram por lá, não sendo os únicos a habitarem e construírem culturas sofisticadas e com organizações sociais e políticas. Os sítios arqueológicos na região são abundantes e trouxeram aos arque- ólogos, e a outros estudiosos dessas culturas, precisas pistas sobre essa diver- sidade de povos que lá habitaram. No entanto, algumas não sobreviveram para além de períodos pequenos, tendo os próprios sítios desaparecidos com o tempo, como o de Paso de la Amada. Este sítio apresentava uma estrutura que possuía um centro cerimonial que poderia abrigar uma população de até 2 mil pessoas, com um campo de bola para até 10 mil pessoas. É por volta de 1600 a.C. que se encontram culturas mais sofisticadas se desenvolvendo na região, como atesta a cerâmica encontrada no Sitio de La Victória, região do litoral do Pacífico Sul. Essa cerâmica, conhecida como dos “Ocós”, era “bem cozida e polida, com estampas e impressões de corda e finalizada com uma pintura iridescente” (SAUNDERS, 2005, p. 29). Ao Norte, por volta de 1400 a.C., em “Zohapilco/Tlaapacoya”, ilha da região, foram encontradas cabeças de cerâmica simples seguidas por dois séculos de cerâmicas mais sofisticadas que representavam rostos de bebês. Acharam-se também estatuetas com acessórios de jogo de bola, datando de 1.250 a.C. Na direção Norte, em “Tlatilco”, há evidências de vilarejos por volta de 1.200 a.C., com cerâmicas sofisticadas e espaços de armazenamento de objetos diversos. Uma quantidade significativa de sepulturas foi escavada nesse sítio, inclusive sendo encontrados traços em algumas cerâmicas da cul- tura olmeca, que a seguir falaremos mais detalhadamente – o que sugere um possível contato entre esses povos. Ao Sul, região do Vale de Oaxaca, há indícios de pequenas vilas rurais, bem como de cerâmicas com decorações complexas, que datam entre 1900 e 1400 a.C. Chama atenção dos arqueólogos também a produção, nesta região, de espelhos reluzentes feitos de magnetita. Nesse sentido, “torna-se cada vez mais claro para os arqueólogos que o desenvolvimento da civili- zação mesoamericana foi um processo complexo e multirregional” e que dentro desse processo “os olmecas desempenharam papel essencial” (SAN- DERS, 2005, p. 30). História da América - Mesoamérica e o Período Colonial – 44 – 2.4.1 A Mesoamérica aquém e além dos Maias e Astecas a) Os olmecas Como nos referimos anteriormente, a cultura Olmeca teve sua organização estruturada a partir de um produto agrícola: o milho. Os olmecas foram grandes agricultores especializados em cultivos próprios à sobrevivência humana. Além do milho, a abóbora, o feijão e variados legumes e hortaliças compunham suas plantações e dieta alimentar. Segundo Florescano (2007), tanto thiuacanos como astecas pintaram/reproduziram imagens sobre o paraíso agrí- cola que os Olmecas haviam desenvolvido nessa região da América. Os cenários descritos por outros povos apontam também para o cultivo de frutas tropicais, bem como a presença de aves empluma- das coloridas e exuberantes. Segundo Saunders (2005), somente na segunda metade do século XIX que os Olmecas passam a ser devidamente conhecidos, tendo ficado essa cultura escondida/oculta nas florestas tropicais meso- americanas por muitos e muitos anos. Ali “foi encontrada uma cabeça de pedra gigante sem traços de um corpo que o acompa- nhasse” (SAUNDERS, 2005, p. 30). Essa descoberta, feita por José Maria Melgar, um viajante/explorador que viajava pelas entranhas do que é hoje o México – mais precisamente na região do Estado Mexicano de Vera Cruz ‒ mudaram definitivamente os rumos da história da região centro-americana. A essa descoberta se sucederam outras na virada do século XIX para o XX, que levou o arqueólogo Marshall Saville – pai da descoberta e norte-americano – a con- siderar que ali havia existido uma civilização bastante sofisticada artisticamente falando. Por volta de 1925, outras descobertas foram feitas, agora por arque- ólogos dinamarqueses na região, que encontraram outra cabeça de pedra gigante, além de uma descoberta mais gigantesca, uma figura
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