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TEMAS 1 A 6 - POVOS INDIGENAS E AFRODESCENDENTES

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Primeiras populações do Brasil
Prof. Luis Henrique Souza dos Santos
Prof. Rodrigo dos Santos Rainha
Descrição
Analisar e reconhecer as características das migrações ao território atualmente conhecido como Brasil antes da conquista portuguesa.
Propósito
Romper com a estrutura preconceituosa que pressupôs uma sociedade de poucos conhecimentos e organização antes da conquista.
Objetivos
Módulo 1
Migrações
Identificar as principais linhas de ocupação do território conhecido como Brasil.
Módulo 2
Expansão tupi
Reconhecer a expansão das populações que ocupam o litoral conhecidas por pertencerem ao tronco linguístico tupi-guarani.
Módulo 3
Tapuias
Localizar a diversidade dos demais grupos do interior conhecidos de forma genérica como tapuias.
Introdução
O imaginário colonizado tem duas teorias básicas sobre os povos originários do Brasil: atrasados e superados (por isso, em extinção); ingênuos e
naturais sobreviventes da floresta. Qualquer uma dessas visões deu o mesmo tom de invisibilidade dos conhecimentos, da produção da história e
dos valores de diversas culturas ameríndias preexistentes à conquista.
A história dos povos indígenas na América Portuguesa foi tratada durante muito tempo como coisa de antropólogos. Ainda que valorizemos o
importante trabalho dessa área, precisamos nos reconciliar com esse passado de forma mais ampla, negando a ideia de falta de características
sociais europeias nos povos nativos.
Assim, precisamos assumir a possibilidade de tais sociedades que existiam no Brasil antes da conquista serem compostas por complexas redes de
sociabilidade entre grupos históricos distintos. Por isso, passamos a lidar e aprender mais sobre esses homens e mulheres do nosso passado.
Neste material, não lidaremos com a conquista da América pelos portugueses a partir de 1500. Estudaremos a construção do complexo quadro de
organização política e social dos povos originários que ocupam os espaços atualmente reconhecidos como Brasil.
1 - Migrações
Ao �nal deste módulo, você será capaz de identi�car as principais linhas de ocupação do território conhecido como Brasil.

A teoria das migrações das Américas
Uma história apagada: migrações
Os debates sobre migrações e os caminhos das teorias.
Existem teorias diversas sobre as chegadas dos homens à América do Sul. A grande maioria centrava-se em teorias sobre uma migração norte-sul,
em que, a partir do estreito de Bering, os homens teriam chegado às Américas por uma ponte de terra e gelo entre os territórios atuais da Rússia e
do Alasca.
Estudos fenotípicos apontavam para características “asiáticas” da maior parte das populações indígenas americanas, somando-se ao fato de um
dos sítios arqueológicos mais antigos até o século XX ter sido encontrado na América do Norte.
A teoria defendia que, de 14 mil a 12 mil anos AEC (antes da Era Comum), os grupos teriam migrado e passariam os próximos 2 mil anos migrando
e ocupando as Américas. Haveria ainda duas migrações menores, mas que não eram tão representativas como a primeira.
Representações dos povos indígenas da América do Sul em 1914.
Mais aceitas e ensinadas nas escolas durante mais de 50 anos, tais teorias já eram criticada desde os anos 1940. Professores, como, por exemplo,
Neves e Guidon (da USP e do centro de Sergipe, respectivamente), até defendiam migrações no Brasil ainda mais antigas, descobertas a partir de
vestígios arqueológicos.
Exemplo
Luzia, fóssil encontrado em Lagoa Santa, e vestígios de fogueiras e utensílios da região da serra da Capivara.
Depois de anos de resistência, finalmente foi detectado que não seria possível uma migração tão veloz e tão intensa pelo estreito como se pensava.
Em seguida, novas evidências, como fósseis humanos encontrados primeiramente no México e depois no Chile, superando 14.500 anos AEC,
apontavam para um processo migratório iniciado há mais de 20 mil anos AEC.
A discussão sobre a etnia predominante – a qual, fenotipicamente, é uma variação asiática – não representa a não existência de outras etnias
superadas ou associadas com as primeiras. Por isso, as características negroides de Luiza ainda chamam a atenção. Dessa forma, a arqueologia
defende atualmente que conjuntos diversos de migrações chegaram ao Brasil.

Fóssil e representação do rosto de Luzia.
Walter Neves chega a apontar o encontro de grupos antropologicamente diversos e muitas vezes de difícil mapeamento, como o de grupos oriundos
de África, sul da América do Sul e grupos das florestas. Os modelos arqueológicos desde muito são barreiras para a expansão do conhecimento
sobre as populações nativas das Américas.
Durante muitas décadas, vigoraram modelos que estabeleciam uma hierarquia muito rígida dos grupos
populacionais, tomando, em seus estudos sobre as Américas, os grandes impérios e as formações urbanas de
incas, maias e astecas como um paradigma para se compreender o que faltava aos povos nômades da floresta, do
cerrado e do litoral do Brasil.
Nos anos 1940, as tipologias do antropólogo norte-americano Julian Steward, em seu guia sobre os índios sul-americanos, determinaram os nativos
do Brasil como “povos marginais” pelas tecnologias de subsistência rudimentares e pela suposta ausência de instituições políticas. Fundada na
comparação com outros povos, essa tipologia ditou muitos dos estudos subsequentes na área da Arqueologia. Somente após a década de 1950
começavam a emergir novas visões sobre a mobilidade dos povos nativos.
Curiosidade
Ainda há sérias dúvidas sobre as primeiras ocupações: além da presença no litoral de grupos não ceramistas de forma predominante (conhecidos
como sambaqueiros), havias as tradições de caçadores, coletores e pescadores. Tampouco existem certezas sobre quais eram os limites de suas
mobilidades.
A grande mudança ocorreu com a chegada e a organização de grupos ceramistas no norte e no sul. Oriundos do Chile, eles aceleraram e
modificaram a ocupação do território de maneira mais intensa.
Vamos detalhar algumas dessas movimentações para compreender dois fatores fundamentais: ocorreu não somente um importante processo de
grupos migratórios, mas também houve falta de investimento, movimentações do próprio território (em termos de floresta), expansão urbana e
movimentações de rios e oceanos, assim como de suas tecnologias. As principais teorias de ocupação em nada as colocam como
hierarquicamente inferiores. No entanto, tais movimentações são singulares e importantes na compreensão histórica desses grupos.
A expansão do litoral
Existem muitos estudos sobre os sambaquis, uma estrutura de grupos não ceramistas. Algumas delas foram encontradas praticamente ao longo de
todo o litoral brasileiro.
Sua estrutura aponta para grupos de caçadores, coletores e pescadores, ainda que seus membros iniciassem um processo de seminomadismo, ou
seja, com grupos de forte migração tendo reduzido tais processos na constituição de aglomerados. Muitos dos seus sítios são encontrados no
litoral, tornando-se marcantes pelo ajuntamento de conchas, traços de enterramentos e acúmulos de materiais).
Sítio Arqueológico Sambaqui Cabo de Santa Marta, em Laguna, Santa Catarina, Brasil.
Sabe-se que, nessa cultura, além de variações importantes, há desafiadores sítios muito antigos. Eles foram encontrados em pontos e localizações
que não esclarecem quais eram as suas linhas migratórias nem as culturas predominantes entre esses grupos.
Exemplo
Nota-se que os sítios mais antigos se encontram mais ao sul, o que não significa se tratar de uma migração sul-norte. Isso aponta que os processos
de colocação desses grupos passaram efetivamente por um eixo norte-sul.
Calma! Não se preocupe se você não entendeu ainda. Saiba que a maior parte dos sítios apontam para uma influência no sentido de migrações em
direção ao eixo vertical litorâneo oriundo do norte.
Mas o tempo é impreciso pelas trocas de grupos e a velocidade dessas trocas – e, principalmente, pela perda de regiões que hoje se encontram
dominadas pelo oceano.
Sabe-seque uma importante interação entre as áreas do interior com os grupos do litoral também era detectada em vestígios e encontros de
material dessas culturas.
Escavação arqueológica de um sambaqui em Laguna, Santa Catarina.
Em geral, eles eram dominantes entre caçadores e coletores de tais grupos.
Comentário
Existem teorias que defendem até comércio e relações de casamento, mas elas são controversas em relação aos vestígios com que temos contato.
Os construtores de sambaquis são, atualmente, considerados pescadores sedentários que apresentavam uma organização sociocultural
relativamente complexa. Várias pesquisas abordam um padrão de subsistência e uma organização social e encontram-se em andamento. Vejamos:

Estudos zooarqueológicos mostram a importância da pesca no sistema de subsistência dos sambaqueiros desde os primórdios da ocupação
das zonas costeiras.


Outros estudos destacam a predominância do consumo de peixes e mamíferos marinhos. Já os moluscos não são mais vistos como a base da
economia, e sim como um elemento secundário na dieta, que pode ter tido uma grande importância como material de construção.
O consumo de vegetais, no entanto, permaneceu subestimado, porque as evidências diretas do uso de plantas se restringem essencialmente a
algumas sementes e coquinhos queimados; e as indiretas, a objetos líticos atribuídos à preparação de vegetais.
Ainda que importantes peculiaridades regionais tenham existido, os sambaquis distribuídos ao longo de todo o litoral brasileiro apresentam muitas
características semelhantes. Não existem dados disponíveis sobre a integração política regional e suprarregional deles, mas a homogeneidade
tipológica das indústrias lítica e óssea, assim como as características estruturais dos próprios sítios, apontam para uma grande estabilidade.
Reconstrução facial de crânio encontrado em sambaqui de 5000 anos.
Mas como se sabe disso tudo? Como você acha que sabemos muito sobre Roma, Grécia, Arábia ou Rússia?
Resposta
Investigando arqueologicamente e traçando pesquisas, vestígios e técnicas.
Quer ver um bom exemplo? As professoras Shell-Ybert (do departamento de Antropologia do Museu Nacional e da UFRJ), Eggers (do laboratório de
Antropologia Biológica, do Centro de Estudos do Genoma Humano, do departamento de Biologia e do Instituto de Biociências da USP), Wesolowski
(da Escola Nacional de Saúde Pública e da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro) e Blasis (do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP)
fizeram um importante trabalho de investigação sobre a sociedade e a dinâmica dos sambaquis na Região Sudeste do Brasil.
Ao construir um olhar sobre a organização dos grupos sambaqueiros e abordá-los de forma interdisciplinar, essa pesquisa os reconheceu em quatro
grandes áreas:
Lagos do Sudeste.
Litoral norte, central e sul de São Paulo.
Áreas do Paraná, como Joinville e Laguna.
Norte e sul de Santa Catarina.
Esse estudo sinaliza que ali possivelmente estavam os primeiros grupos e que dali se expandiram até Espírito Santo e Bahia, aparecendo por conta
de trocas até no Nordeste. Esse trajeto é vital para a compreensão das dinâmicas e das características dos sambaquis.
Notou-se que as particularidades de relevo, de clima e de sistemas ecológicos geraram diferenças vitais. Embora os padrões de ocupação de
paleorestingas, de terrenos arenosos e de áreas de praia sejam uma tônica recorrente, eles são responsáveis pela seguinte ideia: o que estudamos
não contempla áreas mais amplas e cobertas por mar.
As comunidades não se mostravam isoladas; afinal, elas têm características que, em termos de cultivo, cultura e etnografia, chegam a englobar
elevações montanhosas para além das praias no litoral brasileiro e até mesmo expansões por áreas da Mata Atlântica, adentrando a floresta tropical
densa. Seus sinais se espalham do estado do Rio Grande do Norte (5ºS) até o Rio Grande do Sul (29ºS).
Arqueologia e o estudos de cultura material
Parte do grande desconhecimento que recai sobre as populações da Pré-História e dos povos nativos anteriores à conquista se deve à diversidade
de classificações e métodos, verificado principalmente dentro dos estudos arqueológicos. Durante muito tempo, a disciplina da Arqueologia se
ateve à atuação de estudiosos de antiguidades e de colecionares, os quais, em geral, dedicavam-se a tais atividades como amadores.
Curiosidade
Somente no século XX (e especialmente após os anos 1950) o Brasil passou a atrair e financiar estudiosos com métodos mais unificados para a
investigação de seus vestígios arqueológicos.
Ainda assim, mais anos foram necessários para uma decisiva institucionalização dessa área de estudos, a fim de que a compreensão e a
preservação de nosso passado antes da conquista fossem levadas a cabo. Nesse esforço, uma reflexão fundamental foi realizada em torno da
cultura material deixada pelos povos que viveram no país.
Nesse largo período conhecido como Pré-História, eis alguns dos vestígios com os quais os arqueólogos vêm lidando:
Ossos de animais fossilizados.
Sedimentos com marcas de uso (como resquícios de lenha, por exemplo).
Instrumentos de pedra lascada.
Pinturas.
Antes de falar mais sobre os desafios encontrados pela Arqueologia e sua associação com outras ciências, é necessário conhecer, pelo menos um
pouco, as condições em que geralmente esses rastros são encontrados.
Vez ou outra, os jornais fazem referências a agricultores ou construtores que, ao mexerem em determinado pedaço
de terra, deparam-se com um objeto de valor arqueológico. Só que esse tipo de caso é bastante raro.
O que vemos nos estudos mais recentes da Arqueologia (e não só no Brasil) são investigações multidisciplinares envolvendo amostras que passam
por análises biológicas e exposição a reagentes químicos, fotografias em diferentes escalas visuais ou coleta de grânulos dispostos em máquinas
para análise molecular.
Em suma, tais trabalhos lançam hipóteses que desmistificam o romantismo que há na ciência arqueológica. Ainda que eles imponham descobertas
fundamentais para aumentar o conhecimento do passado, estão longe de qualquer glamour jornalístico ou cinematográfico. Outro ponto importante
é a condição dessas evidências.
Exemplo
Ao se depararem com pedras lascadas, é comum que os arqueólogos precisem retirar camadas de lama e terra envoltas no objeto. No caso das
pinturas, eles precisam atuar sobre a decomposição dos desenhos. Também é possível que a própria superfície onde os objetos se encontram
constitua um fator crucial para a possibilidade de visibilidade e, a partir daí, de estudo e lançamento de hipóteses.
Ao realizar uma síntese do estado da Arqueologia brasileira (com exceção dos trabalhos sobre a Amazônia), em 1992, Niéde Guidon destacou a
Toca do Boqueirão do Sítio da Pedra Furada, localizada no Piauí.
Esse sítio arqueológico apresenta camadas que podem remontar a, pelo menos, 15 fases de ocupação desse local – e a primeira delas
possivelmente remete a 50 mil anos atrás.
Compreendendo figuras desenhadas em seus paredões, a disposição rochosa apresentava abrigo do calor e das intempéries; ao mesmo tempo, ela
oferecia abastecimento de água pela formação de pequeno lago.
Pinturas rupestres no Sitio arqueologico Toca do Boqueirao da Pedra Furada, no Parque Nacional da Serra da Capivara, Piaui.
Atualmente, a região apresenta pouca disponibilidade para sustentação de vida mais extensiva. As escavações, porém, permitiram saber que, há
milhares de anos, a realidade era outra (GUIDON, 1992, p. 39-40).
Pedaços de lanças.
Diversos tipos de cerâmicas.
Peças de cerâmica encontrada em Sambaqui.
Um dos principais focos de estudo de certos padrões de comportamento dos habitantes do passado tem sido a cerâmica.A habilidade de
manipulação, queima, secagem e decoração de cerâmica tem sido associada a diferentes formas de ocupação do território e reflete concepções
políticas, sociais e religiosas.
No Brasil, existem diferentes tradições ceramistas que, entre 3 mil anos atrás e operíodo da conquista, teriam se chocado e provocado mutações.
Segundo Guidon (1992, p. 52) e Fausto (2000, p. 21-23):
Centro do país
Destaca-se a tradição una.
Sul amazônico
Encontram-se vestígios da tradição uru.
Litoral
Verificam-se ocorrências da tradição aratu, que teria surgido em contato com a tradição tupi-guarani.
Amazônia
Outras tradições também podem ser encontradas nas escavações realizadas na região, havendo algumas distintas, como, por
exemplo, as cerâmicas marajoaras.
Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
A chegada dos primeiros seres humanos à América é um debate ainda bastante ativo entre várias áreas de conhecimento sobre o passado.
Assinale a opção correta sobre esse assunto.
A A ocupação da América foi anterior à chegada de humanos em qualquer outro continente.
B Achados arqueológicos nos possibilitam colocar a ocupação da América em cerca de 20 mil anos AEC (antes da Era Comum).
C A Arqueologia tem tido muita dificuldade em estabelecer alguma datação para a chegada dos primeiros humanos à América.
D
Só poderemos alcançar datações sobre a chegada dos seres humanos à América do Sul se considerarmos os achados
arqueológicos da América do Norte.
Parabéns! A alternativa B está correta.
%0A%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%3Cp%20class%3D'c-
paragraph'%3EEm%20um%20primeiro%20momento%2C%20os%20estudiosos%2C%20a%20partir%20dos%20fen%C3%B3tipos%2C%20destacavam%2
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Questão 2
Considere as afirmativas a seguir:
I. Os sambaquis são estruturas de grupos não ceramistas que compreendem resquícios de suas atividades cotidianas.
II. Ao contrário do que se presumiu durante muito tempo, os sambaquis não possuíam necessariamente características rituais.
III. Atualmente, estudiosos consideram os sambaqueiros como grupos seminômades.
IV. Por se tratar de restos e vestígios cotidianos, os sambaquis não possuem muito uso para o conhecimento das populações pré-históricas do
Brasil.
Assinale a opção correta.
Parabéns! A alternativa C está correta.
%0A%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%3Cp%20class%3D'c-
paragraph'%3ESambaquis%20s%C3%A3o%20vest%C3%ADgios%20arqueol%C3%B3gicos%20de%20grupos%20n%C3%A3o%20ceramistas%20em%20f
se%20majoritariamente%20pelo%20agrupamento%20de%20conchas%2C%20tra%C3%A7os%20de%20enterramentos%20e%20ac%C3%BAmulos%20d
E Os estudiosos nunca consideraram possível a chegada de seres humanos à América por rotas provenientes de outros
continentes.
A I e III, somente.
B II e IV, somente.
C I, II e III, somente.
D II, III e IV, somente.
E II e III, somente.
2 - Expansão tupi
Ao �nal deste módulo, você será capaz de reconhecer a expansão das populações que ocupam o litoral conhecidas por
pertencerem ao tronco linguístico tupi-guarani.
Arqueologia e linguística no estudo do tupi-guarani
Consolidação da expansão tupi pelo litoral
Neste vídeo, será apresentada a história de luta e resistência da expansão tupi pelo litoral brasileiro.
Estudar as populações nativas do Brasil é um grande desafio para qualquer um que decida se dedicar ao tema. Como temos visto, são numerosos
os trabalhos nas áreas da Arqueologia e da Antropologia. No entanto, também é possível encontrar especialistas nos campos da Linguística, do
Direito e da História.
Os avanços da Arqueologia têm se mostrado mais consistentes para construir uma história dos povos originários, a qual, de certa forma, foge da
lente colonizadora dos portugueses após a conquista iniciada em 1500.
Atenção!
A premissa tem sido bem clara: a Arqueologia lança hipóteses de interpretação sobre os vestígios com que se depara, fugindo das descrições
quase sempre enviesadas das populações descendentes de portugueses que aqui se estabeleceram. Assim, de certa forma, os estudos históricos
sobre os povos nativos são problematizados.
No campo da Antropologia, que se baseia na etnografia, o grande problema está na origem dos povos. Já cientes de que a conquista colonial operou
um deslocamento colossal das populações nativas, fica a dúvida:

Realizar imersões nas comunidades que atualmente sobrevivem em regiões isoladas ou razoavelmente integradas
nos ajudaria a compreender o passado antes da colonização?
Mesmo que não diminua em nada o trabalho antropológico – o qual, afinal, permite a nossa compreesão de visões de mundo atuais dos nativos –, a
etnografia possui seus limites.
Subsistem as principais áreas que até hoje permanecem na vanguarda dos estudos sobre os indígenas: Arqueologia e Linguística.
Especialmente no caso da Linguística, o mapeamento da dispersão dos troncos linguísticos tem sido importante espaço de atuação. Nessa classe
de estudos, tem ficado cada vez mais claro que a cultura e a língua andam associadas e que, apesar de incontáveis variações em ambas, existe
certa hegemonia nos vários agrupamentos que se espalharam pelo território brasileiro antes da chegada dos europeus do tronco tupi-guarani.
Francisco Noelli nos adverte que é preciso cuidado quando nos referimos a essa denominação tupi-guarani. Na verdade, ela engloba
aproximadamente 41 línguas, que se estendem por territórios do atual Brasil, do Peru, da Bolívia, do Paraguai, da Argentina e do Uruguai. Além disso
(e de maneira imprópria), seus falantes são chamados de “tupi”. Ou seja, ao buscar compreender melhor a variedade das línguas e culturas que
possuem aspectos de semelhança, reduz-se tudo ao nome tupi de forma equivocada (NOELLI, 1996, p. 9-10).
Diferentemente da Arqueologia e de determinados estudos históricos, a Linguística se tornou uma ciência
essencialmente acadêmica.
Formados no Brasil na década de 1960, grupos de investigação têm realizado esforços para fazer o mapeamento das línguas faladas e lançar
hipóteses sobre a dispersão dos troncos nativos.
Curiosidade
Aryon Rodrigues, um dos linguistas de referência nessa temática, aponta que a diversidade linguística dos povos da pré-conquista girava em torno
de 1.175 línguas e que, nos dias atuais, ela não passa de 180. O linguista ainda destaca que praticamente todas estão ameaçadas, pois possuem
um número reduzido de falantes e têm pequenas chances de se propagar.
Ainda que nosso foco seja o período anterior à conquista, é imperativo adicionar que, conforme Rodrigues (1993) destaca, apenas três línguas
foram catalogadas de alguma maneira pelos colonizadores nos três primeiros séculos desde a conquista:
Tupinambá
Também chamada de tupi antigo, ela era falada em boa parte do litoral com variações em dialeto.
Kariri
Falado no interior da Bahia e de Sergipe.
Manau
Lí ô i
Centro de expansão e rotas de deslocamento tupi
Um dos principais problemas que se apresentam aos interessados na história dos grupos tupi-guarani é a datação da expansão desses nativos e da
sua dispersão pelo território litorâneo brasileiro.
A questão principal mobilizando antropólogos, historiadores, arqueólogos e linguistas é se eles teriam iniciado um deslocamento histórico milhares
de anos antes da chegada dos europeus ou se sua dispersão teria se dado às vésperas da conquista – e, em muitas hipóteses, por causa dela.
Representação dos tupinambás.
Tal reflexão tem se arrastado por algumas décadas. Atualmente, considera-se mais apropriado lidar com essa noção de “expansão”, e não de
“migração”, dos povos do tronco tupi. A escolha de um por outro acontece pelas evidências encontradas por arqueólogos e historiadores de
movimentos de nativos com base em vários fatores. Reunimos quatro deles:

Formação de facções ou disputas internas nas aldeias

Crescimento demográ�co

Esgotamento da natureza ao redor

Simples manejo agro�orestal para que não haja esgotamento
O que mais chama atenção são os vestígios de que não havia o completo abandono das antigas ocupações. Com isso, criavam-se espaços de
domínio dos tupi sobre novas localizações (NOELLI, 1996, p. 11).
Atenção!Não é possível estender aos povos originários os mesmos conceitos de posse e propriedade que os europeus aplicam após a conquista. Nesse
caso, o domínio pode significar apenas o uso em determinados períodos ou somente o afastamento de outras etnias do uso daquele trecho de terra.
Seja como for, aqui estamos longe de tratar da propriedade privada nos moldes capitalistas.
Língua amazônica.
Assim como para qualquer problema em história, é necessário observar os caminhos percorridos pelos estudiosos do tema da expansão tupi para
uma melhor compreensão de tal processo – e a mesma lógica se aplica para as investigações arqueológicas e linguísticas.
Na década de 1960, teve início o Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas (PRONAPA), que se estendeu de 1965 a 1970. A despeito do
positivo esforço de levantamento de centenas de sítios arqueológicos e de datações relevantes com agentes químicos, como, por exemplo, o
carbono 14, que possibilitaram a identificação de espaços em risco que remontam da Pré-História à conquista, as limitações do PRONAPA foram
alarmantes.
Por ter sido um trabalho técnico realizado especialmente por arqueólogos e seus auxiliares, houve uma desconsideração de dados históricos e
linguísticos. No estudo do PRONAPA, as diferenças culturais entre os povos de origem tupi foram esquecidas, mesmo que estivessem inseridas na
tradição de um povo conhecido não só por suas semelhanças, mas também por variações socioculturais (NOELLI, 1996, p. 16).
Escavações estratigráficas no sítio do Estirão Comprido, na margem do rio Ivaí em 1951.
Levando em consideração tais achados arqueológicos e datações químicas em sua análise, a norte-americana Betty J. Meggers, uma das influentes
arqueólogas envolvidas no trabalho, estabeleceu em diversas oportunidades que os agrupamentos de tupis teriam origem na planície amazônica,
acima dos limites do Brasil com a Bolívia, havendo nada além do Rio Madeira. A tradição cerâmica e cultural, no entanto, estaria ligada à Cordilheira
dos Andes e à descida de povos desse importante conjunto montanhoso.
As proposições de Meggers não foram novidade nos anos 1970. Desde 1940, informa Fausto (2000, p. 10), o antropólogo norte-americano Julian
Steward propunha que a ocupação das florestas tropicais e do cerrado brasileiro estava relacionada a duas hipóteses:

Decadência dos povos andinos

Estagnação em estágios primitivos de desenvolvimento técnico, social e tecnológico
Nessa altura de nossa discussão, não é preciso dizer que tais interpretações consideram que os povos originários do Brasil só poderiam ter surgido
frente à ramificação de outros povos “mais desenvolvidos” da Cordilheira dos Andes.
É importante, porém, alinhar as considerações sobre composição da cerâmica na planície amazônica, sítios
arqueológicos do litoral e investigações históricas com as descrições coloniais e o estudo das línguas que
compunham os troncos linguísticos, estabelecendo genealogias entre as variações de dialetos e dicções.
Aryon Rodrigues considera que, se não é possível estabelecer uma localização específica para a dispersão do tupi (ou de qualquer língua), pelo
menos pode-se chegar a que língua poderia ser considerada a “original” ou da qual muitas outras teriam derivado. É importante assumir que tais
proposições são hipóteses que precisam de mais investigações e que despertam a curiosidade sobre a diversidade linguística das populações
nativas do Brasil (RODRIGUES, 1986, p. 30).
Considerando ainda as extensivas análises de Aryon Rodrigues, tomemos como exemplo algumas variações entre o tupi antigo (tupinambá) e o
guarani antigo, conhecidos e de alguma maneira catalogados nos séculos XVI e XVII. Como veremos a seguir no caso da expressão “eu corri” em
português, que pode ser colocada como:
Tupi antigo
“Aián”.
Guarani antigo
“Aiã”.
Apesar de ser um exemplo simples, ele nos permite trazer para a discussão um dos métodos de análise de derivação linguística aplicados não só
para as línguas originárias, como também para línguas românticas da Europa. Na Linguística, toma-se como pressuposto a maior facilidade para a
perda de uma letra (entre uma língua e outra) que a adição dela ao fim da palavra. Ou seja, pelo método linguístico, julga-se mais provável que o tupi
seja uma língua mais antiga – e, por isso, sua matriz cultural também o seja – que o guarani (RODRIGUES, 1986, p. 32).
Rotas de difusão e domínio sobre o litoral
Até o momento, os achados arqueológicos, as suas análises e a relação deles com investigações no campo da Linguística, têm sido o foco de
nossa discussão, construindo um quadro mais amplo e claro da expansão daquele que é o principal tronco linguístico do território brasileiro.
Em termos temporais, essa grande dispersão geográ�ca levou, segundo especialistas, cerca de 2.500 anos.
Em resumo, sua origem pode ser localizada nas planícies amazônicas, nas proximidades do Rio Madeira, seguindo em direção ao sul do continente
até o Rio da Prata e, em seguida, para o norte pelo litoral atlântico (NEVES et al., 2011). Vejamos:
Modelos das expansões e dispersão geográfica.
Vejamos outro exemplo:
Modelos das expansões e dispersão geográfica.
Tais proposições são as mais aceitas entre arqueólogos e linguistas. Foi com essa realidade que os europeus se depararam no século XVI ao
chegar à América: centenas de grupos distintos entre si, com características comuns e pequenas variações na língua. Entre suas semelhanças,
pesquisadores têm destacado a presença da cerâmica, a qual, além de uma manifestação técnica importante, permite delinear a genealogia dos
povos originários ao longo do território.

Exemplo
Foi graças à cerâmica que se estabeleceram conexões dos povos tupis do Sul do Brasil com os marajoaras no norte. Além da tradição ceramista,
observam-se as relações linguísticas entre povos que regionalmente se distanciaram, mas que possuem traços comuns nas inflexões e nas
declinações da fala.
Esses detalhes da dispersão dos tupi-guarani nos permitem compreender com mais propriedade sua ocupação massiva do litoral atlântico, já que
resquícios de suas culturas podem ser observados até hoje, com descendentes desde as costas de Santa Catarina até o Rio de Janeiro, passando
por Espírito Santo e Bahia. Diferentemente do que os colonizadores tentaram perpetuar, os povos localizados no litoral com os quais eles tiveram
contato não eram os mesmos, apesar das semelhanças e do compartilhamento de linguagem do tronco tupi-guarani.
Tais povos tampouco eram denominados da mesma maneira. Como veremos adiante no tocante à denominação “tapuia”, o mesmo ocorria para
“tupi”, “tupinambá” e “guarani”: os europeus utilizavam nomes de uma ou outra tribo para designar a totalidade dos nativos. Isso, portanto, fazia
parte de uma estratégia de domesticação, redução e homogeneização dos povos originários que se estendeu durante séculos da colonização do
Brasil. Observe as diferenças nas típicas representações a seguir:
Tupis
Tupuias
A distribuição dos tupis pelo território litorâneo, assim, obedece às lógicas de deslocamento desses agrupamentos nativos. Sua expansão, além
disso, ocorreu por um longo período.
Como dissemos, esse deslocamento teria acontecido a partir do leste da Bacia Amazônica e ocorrido especialmente por dois motivos:
ongo período
Conforme apontamos, a aceitação entre especialistas é de cerca de 2.500 anos Antes da Era Comum (AEC). No entanto, também se considera a
possibilidade de essa expansão ser anterior, tendo até cinco mil anos.

Pressão demográ�ca

Presença de outros povos (especialmente os de origem arawak)

Os araucanos (como ficaram conhecidos esses povos provenientes sobretudo das Antilhas, na América Central) se estenderam pelo norte da
América do Sul. Da subida pelos afluentes do grande Rio Amazonas e por seus afluentes (dos quais o principal, para nossa discussão atual, é o Rio
Madeira), os grupos de tradição tupi-guarani deslocaram-se para o interior e o Sul. Segundo Lathrap (1975):
É importantelembrar que esse deslocamento não implica abandono.
Em balanços mais recentes (PEREIRA, 2009), é possível verificar que essa dispersão a partir das regiões de várzea amazônicas – impulsionada
sobretudo pela pressão demográfica – encontrou grande espaço no litoral. Os vestígios arqueológicos encontrados distribuem-se:

Região Sudeste e em direção ao Nordeste
Nos sítios da costa estão mais englobados na tradição tupinambá.

Região Sul
Nos sítios ao sul, verifica-se a presença da tradição guarani.
Essas diferenciações são possíveis por causa dos métodos de trabalho das cerâmicas, pois, como dissemos, esses povos são ceramistas. Por isso,
a recuperação de seus artefatos em olaria possibilita uma compreensão de seus usos e estilos (BROCHADO, 1973).

Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
Considere as duas afirmações a seguir:
I. Quando da chegada dos europeus no território que hoje conhecemos como Brasil, diversos grupos étnicos dominavam o litoral, mas
possuíam características semelhantes, como a língua e a cultura, apesar de também terem diferenças.
II. O grande tronco linguístico dos tupi-guarani com as línguas aparentadas possivelmente nasceu nas planícies amazônicas; durante milhares
de anos, homens e mulheres falantes de tais línguas se descolaram para o sul e, depois, para o litoral.
Marque a opção que aponta corretamente a relação entre as duas afirmativas.
Parabéns! A alternativa E está correta.
%0A%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%3Cp%20class%3D'c-
paragraph'%3EGra%C3%A7as%20a%20achados%20arqueol%C3%B3gicos%20e%20data%C3%A7%C3%B5es%20qu%C3%ADmicas%2C%20constru%C3
se%20as%20hip%C3%B3teses%20de%20que%20os%20agrupamentos%20de%20tupis%20teriam%20se%20originado%20na%20plan%C3%ADcie%20a
guarani%20teria%20se%20originado%20dessa%20localidade%20e%20dali%20se%20expandido%20para%20o%20sul%20em%20virtude%20de%20pres
A As duas afirmativas estão corretas, embora abordem temas distintos, não possuindo relação entre si.
B A afirmativa I é correta; a II, incorreta.
C A afirmativa I é incorreta; a II, correta.
D A afirmativa I apresenta os motivos para o desenrolar das proposições presentes na II.
E As duas afirmativas estão corretas, e a afirmativa II apresenta uma explicação para a I.
Questão 2
Analise as afirmativas abaixo e assinale a correta.
Parabéns! A alternativa D está correta.
%0A%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%3Cp%20class%3D'c-
paragraph'%3ETemporalmente%2C%20a%20grande%20dispers%C3%A3o%20geogr%C3%A1fica%20dos%20grupos%20ligados%20ao%20tronco-
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3 - Tapuias
Ao �nal deste módulo, você será capaz de localizar a diversidade dos demais grupos do interior conhecidos de forma genérica
como tapuias.
A
Aquilo que chamamos de tupi-guarani era, na verdade, um grande grupo de resistência aos europeus recém-chegados à
América, não possuindo relações culturais entre si a não ser essa questão.
B
Os grupos tupi-guarani possuíam certa homogeneidade cultural, fato que remonta à tradição cerâmica e linguística de povos
que se concentravam no sul da América do Sul, de onde se expandiram para o restante da América.
C
A dispersão e a fragmentação dos tupi eram uma estratégia de sobrevivência cultural, já que, na fundação de cada nova aldeia, o
centro decisório deles demandava variações linguísticas e culturais da nova aldeia.
D
A grande dispersão dos tupi-guarani pelo território brasileiro levou, segundo especialistas, cerca de 2.500 anos; apesar de suas
semelhanças, esses povos possuíam muitas diferenças entre si.
E
A despeito das semelhanças entre as centenas de grupos nativos de tradição tupi-guarani, a cerâmica era seu principal ponto de
diferenciação, uma vez que não havia uma tradição de trabalho comum a esses povos.
Tapuias: uma construção
A nomenclatura tapuias (ou inimigos) deriva de uma ideia de rivalidade genérica entre os grupos tupi (que pertenciam ao tronco linguístico tupi-
guarani) e os grupos diversos mencionados e trabalhados por pesquisadores. Trabalhos mais tradicionais determinavam que os tupis ocupavam o
litoral e os tapuias, o interior.
Curiosidade
Ainda que a designação genérica sobre tapuias parta do tronco linguístico tupi, que, por sua vez, representava algum tipo de unidade, tal
nomenclatura serviu para apontar os seus inimigos, começando pelos guaranis e se multiplicando para grupos diversos conhecidos dessa pretensa
unidade e entendidos como selvagens ou passíveis de escravidão.
Após a conquista portuguesa, a historiografia e as práticas sociais costumavam distinguir o índio idealizado existente no século XIX e em parte do
XX em duas categorias:
Gloriosos, guerreiros e amigos do colonizador
Tupis.
Grupos resistentes, irascíveis, irracionais e medonhos
Tapuias.
Essa distinção vai muito além de sua formação: apesar de muito utilizada, ela reproduz um preconceito histórico importante. Nosso objetivo é
mostrar como podemos conhecer um pouco mais desses grupos e estudar sobre eles, apontando a necessidade de romper com nosso preconceito
histórico.
No que chamamos de séculos XII e XIII da Era Comum (no período anterior à invasão colonial), já havia a formulação de um quadro histórico
importante nos territórios que hoje tratamos como Brasil. Sem dinâmicas relacionadas à propriedade privada ou aos reinos, existiam importantes
aspectos políticos, assim como circulação, trocas de tecnologias e tradições culturais.
Exemplo
Além de razões que desconhecemos, havia conflitos por casamento e disputas por hegemonias regionais.
O certo é que destacava-se um mosaico social de grupos que ocupavam vastas regiões.
Existia uma dinâmica viva não de forma territorial política europeia, e sim de processos de movimentação e de disputas responsáveis por assentar
grupos e gerar mobilidades.
A predominância do tronco tupi e a idealização do índio tupi durante o século XIX emprestaram aos índios do sertão a pecha de resistentes,
negligentes, ignorantes e selvagens, traços diferentes do cavalheiresco tupi. Durante o período colonial, tal olhar foi se construindo. Nos relatos dos
viajantes, aparecem variações importantes entre esses grupos. Eles mostram que o processo de lidar com o outro era variado e normalmente
marcado pelo estranhamento.

Índios tapuias retratados capturados como escravos. J.B. Debret
Alguns exemplos disso são intensos:
Entretanto, o foco na barbárie variava entre esses grupos, assim como os interesses deles, até haver a consolidação dos imaginários aos quais nos
referimos. Essa é a base de pensamentos materializados nas praças, nas músicas, na literatura e no teatro.
Por isso, é bom que fique claro: antes da conquista, para além do ponto de vista de grupos locais, não existem tapuias.
Grupos diversos (muitos tidos como etnias fortes e, por isso, bárbaras ao olhar do europeu, enquanto outros eram vistos como inocentes) eram
capturados e/ou se tornavam objetos da pregação e organização das missões jesuíticas.
apuais
A palavra “tapuia” tem origem tupi e faz referência ao outro, ao inimigo ou ao bárbaro.
Exemplo
As disputas entre potiguares e caetés. Apesar de ambos serem entendidos como “tapuias”, esses grupos tinham disputas no sertão do Nordeste e
ocupavam regiões diversas. Diante dos apoios iniciais obtidos pelos caetés, os potiguares, um foco de aldeamentos, foram apoiados contra seus
inimigos por conta de relatos que causavam terror sobre as peles mais grossas para correr nos espinhos ou que cerravam os dentes para se
tornarem mais amedrontadores.
Se a bibliografia histórica costuma estabelecer um quadro estável de alianças e inimizades pautado pelos pares de grupos inimigos – como no ódio
imemorial entre Tupinambá e tupiniquim, entre potiguar e caeté ou entre botocudo e puri –, a documentação revela como esses grupos mudaram de
visão, mostrando que seu papel, visto por um lado só, pode ser observadosob outros prismas. Com isso, podemos observar o que acontece com os
tabajaras.
Uma união por casamento entre potiguares e portugueses fez com que uma nova família ganhasse força de narrativa. O próprio etnônimo
potiguares suscita discussão: seriam eles petíguares (povo do fumo) ou potiguares (povo do camarão)? Com o tempo, o segundo nome vingou,
sendo inclusive aportuguesado na dinastia que se instalou.
A trajetória de algumas lideranças potiguares também é ilustrativa dos processos de consolidação étnica no contexto das guerras coloniais. Dessa
união, surgiu Antônio Felipe Camarão (note a presença do camarão no sobrenome). Ele se aliou aos portugueses, entrou na dinâmica política,
A ausência de ciúmes nas uniões.
As relações sexuais vistas como sinal de hospitalidade.
A criação dos filhos e os ornamentos do corpo, além de haver corpos nus.
liderou combates contra os aymorés e foi fundamental na conquista do Maranhão.
Antônio Filipe Camarão (1600-1648).
Aldeia dos tapuias.
Na região litorânea, também existiram os índios conhecidos e chamados de tapuias (ou os inimigos). Também merece destaque a presença dos
goitacás. Eles ocupavam a região atualmente conhecida como Quissamã/Macaé, passando ainda por Campos dos Goytacazes e sul do Espírito
Santo. Existem muitos relatos sobre esse grupo durante os séculos XVI e XVII de viajantes e clérigos, o que também se registrou na tentativa de
criar capitanias e vilas.
A presença de todos esses grupos define uma importante dinâmica de resistência marcada pela violência e pela luta efetiva. Esse tipo de olhar
acaba por criar para uma iconografia do “índio” mau, alguém totalmente selvagem e integrado com a natureza. Para reforçar isso, apontavam-se
ainda os rituais de canibalismo (possivelmente práticas antropofágicas) e os hábitos de pesca de tubarões na região.
Exemplo
Um dos relatos que ficaram famosos faz referência a como os goitacás tinham rituais de transição para a vida adulta de meninos que partiam para
os mares somente com um toco em suas mãos, a fim de matar e trazer um tubarão para só então ter seus direitos efetivos.
O certo é que os goitacás resistiram durante dois séculos à ocupação da região. Esses índios só foram vencidos efetivamente pela doença graças
ao uso de partes contaminadas com varíola, o que minou terrivelmente a resistência local.
Os goitacás passaram para a literatura como índios bravos, perigosos e selvagens. Sobre a efetiva origem desse grupo e a intensidade que levou ao
massacre dele, como diversos outros discursos nacionais, experimentamos da negação à idealização de coragem regional.
Os goitacás, no entanto, deixaram mais do que isso. Na Lagoa de Cima, região de Campos, há importantes comunidades pesqueiras. Além disso,
práticas artesanais eficientes foram passadas de pai para filho.
Na busca para recuperar tais conhecimentos e suas raízes, foi possível chegar ao conhecimento e à cultura ancestral dos goitacás.
Ilustração do grupo indígena goitacás.
Tronco linguístico jê
Mas isso não é passado? Nós não podemos simplesmente ignorar ou, no máximo, lamentar que tenha acontecido? Não, isso não é passado! Afinal,
associado à negação e ao desconhecimento, o processo de apagamento histórico é raiz legítima de desconhecimento e deslegitimação de direitos.
Re�exão
Judeus se organizaram no período pós-Segunda Guerra Mundial para obter em organismos internacionais o direito ao reconhecimento de território,
o qual, aliás, os palestinos da mesma região pleiteiam e disputam. No mundo inteiro, o ato de buscar raízes históricas aponta para pertencimento e
valores. Fazer o mesmo, portanto, é fundamental.
É necessário fazer isso até que se reconheça que esses diversos grupos tinham língua, tecnologia e formas de desenvolvimento – e, parafraseando
a grande professora Manuela Carneiro, que não pararam no tempo, que continuaram e continuam produzindo tecnologias, tratamentos e
desenvolvimentos agrícolas fundamentais.
A fala de Carneiro, aliás, deve nos nortear. Para culturas diversas dos povos originários do Brasil, a sensação entre os grupos é de uma
marginalidade terrível, de inadequação gerada pelo padrão do colonizador, o que se mostra capaz de gerar alcoolismo, negação, fragilização...
Notar que esses grupos têm uma forma própria de contar o tempo, cuidar da saúde, lidar com o transcendental é
legítimo. Mais do que isso: essa atitude é de interesse comum, ou seja, trata-se de algo de que precisamos e
buscamos como sociedade.
Note então que, daqui por diante, não chegaremos nem a 1/10 dos milhões de povos e culturas dos povos originários na época da invasão ou do
período das correrias.
nvasão
Invasão é a caracterização da chegada e das disputas que marcam o século XVI.
orrerias
Termo usado pela historiografia de autores ameríndios para caracterizar os efeitos do século XVII. Diz respeito a processos relacionados à
intensificação das doenças, aos conflitos e à movimentação, em especial, para o interior de grupos diversos.
É preciso iniciar um processo muito mais complexo: trata-se de uma mudança de seu olhar, construído e associado de forma preconceituosa.
Invasões e conquistas, afinal, não são incomuns na história. Embora sempre haja olhares diversos sobre tais eventos, ambas são consideradas de
maneira “naturalizada”, a qual, por sua vez, é vista com um teor de descobertas e salvações.
Registro de um massacres a que os indígenas americanos eram comumente submetidos pelos conquistadores europeus.
Verifica-se, assim, um olhar único, tendo em vista a ideia “civilizatória”, como se tais processos de conquista cultivassem um bem intrínseco. Veja!
Mapa da presença indígena na costa.
A domesticação de certas espécies vegetais – cujas características foram lentamente moldadas para otimizar o uso que certos grupos humanos
faziam delas – constitui a base de todas as civilizações graças à possibilidade de produzir mais alimentos em uma área menor de solo, sendo
capazes, portanto, de prover o sustento de cada vez mais bocas humanas em um mesmo lugar. Com o tempo, a consequência disso tende a ser o
surgimento de populações numerosas, mais sedentárias e com hierarquias sociais complexas, indicando, por exemplo, os líderes políticos, as forças
de guerra e as disputas de recursos.
Observe que o grupo indígena jê não é uma etnia, e sim um tronco linguístico. Ele foi possivelmente consolidado na circulação de homens pelo
interior do planalto brasileiro, o que lhe garantia certa condição de similitude – ao menos em termos técnicos.
Atenção!
Nesse momento, vamos nos basear na tese de doutorado de Andrey Nikulin, um trabalho bastante reconhecido na área, para explicar o que
representaram esses grupos e o seu significado.
Mas por que estudar troncos linguísticos para o estudo das organizações dos povos originários? Primeiramente, porque precisamos recuperar o
papel da própria linguagem. Ela é muito mais do que um mero sistema comunicativo: trata-se de um conjunto histórico de símbolos e estruturas
sociais.
Em uma perspectiva sociocultural, a linguagem revela repositórios importantes de movimentações, compreensões do mundo, tecnologias e valores,
permitindo a compreensão de grupos de formas diversas. A busca por informações e as trocas sobre tais grupos, assim como a compreensão
dessa dinâmica, transformam a necessidade em fundamento. Para visualizar um pouco a complexidade do tronco linguístico e as suas relações,
veja este mapa:
Mapa com a representação dos troncos linguísticos.
A família linguística jê é o agrupamento mais ramificado de todo o tronco macro-jê.
Jê, jaikó, maxakalí, krenák, kamakã, karajá, ofayé, rikbáktsa, jabutí e (com algumas ressalvas) chiquitano. Os
falantes das línguas macro-jê habitam uma vasta região que se estende, no eixo longitudinal, desde o litoral
atlântico até o Bosque Seco Chiquitano e o Rio Guaporé e, no eixo latitudinal, desde o baixo Tocantins até o
norte do atual estado do Rio Grande do Sul. Atualmente, totalizam aproximadamente 80 mil indivíduos,sendo
as línguas mais faladas o kaingáng (~30 mil), o xavánte (~15 mil) e o mẽbêngôkre (~13,5 mil).
(NIKULIN; SILVA, 2020, p. 27)
Ao recuperar o que compreendemos como família linguística jê (ou macro-jê), Nikulin tinha como objetivo entender como grupos tão diversos e com
trocas tão vivas mantiveram relações de tronco. Isso seria uma relação direta em estrutura de descendências ou de seus traços.
A partir de investigações, também é possível que ela seja o gerador de vários termos e o primeiro em termos do número de línguas e de seus
falantes. Pensar sobre isso nos ajuda a perceber tecnologias, histórias, visões de mundo e valores. Sabemos que a tradição, por exemplo, ainda é
rica para perceber e compreender muitas das histórias e culturas locais.
Saiba mais
Ailton Krenak tornou-se notório em documentos, como Índios do Brasil na TV Brasil e Guerras do Brasil, nos quais mostra como vivemos um
profundo desconhecimento. Krenak é de uma etnia do tronco linguístico jê na região de Minas Gerais.
O tronco jê se “esparrama” e mostra o efeito dinâmico em nossa sociedade. Ele se subdivide em dois ramos: cerratense (= jê do Cerrado) e
paranaense (= jê meridional lato sensu). Além disso, cada um deles também se subdivide em dois sub-ramos constituintes.
O macro-jê é um dos troncos mais importantes da América do Sul em termos da profundidade temporal de sua
diversificação. Até o presente momento, não houve nenhuma proposta reconstrutiva referente à sua protolíngua.
Vários fatores teriam contribuído para a persistência dessa lacuna. Listaremos duas possibilidades:

Diversas famílias e línguas têm sido incluídas nesse tronco erroneamente, impedindo, com isso, a detecção de correspondências sonoras regulares
e conjuntos de cognatos que contemplassem todas as famílias do tronco (NIKULIN; SILVA, 2020, p. 46).

A escassez de documentação das línguas macro-jê antes da década de 2000 seria outra questão, embora a situação venha se modificando com a
aparição de novas descrições gramaticais e lexicográficas de alta qualidade.
Investigações nos mostram como as culturas e as dinâmicas explicadas e investigadas pela antropóloga Manuela Carneiro têm sentido e se
materializam em toda a sociedade.
Uma explicação: o tronco jê não unifica os tapuias, mas mostra a historicidade de sua etnia, de suas marcas e de
suas estruturas de desenvolvimentos.
A adoção de palavras relativas à pesca, à guarda de alimentos e aos recursos de caráter político nos permitem vivenciar e experimentar tal
historicidade de maneiras complexas. Por isso, esse tipo de estudo é o caminho para uma compreensão longa e complexa de tais grupos.
Amazônia
O uso das línguas indígenas, como demonstramos, merece atenção e precisa ser prestigiado, até porque há coisas que, para serem lembradas,
exigem o conhecimento da língua do povo.
As línguas indígenas, afinal, guardam nomes e conhecimentos que apenas quem as fala e entende pode ter acesso.
Somos responsáveis por proteger e entender tanto os processos sociais quanto os de memória e esquecimento desses bens culturais, os quais,
além de pertencerem aos povos indígenas, constituem um patrimônio da humanidade.
A natureza e a língua se conectam como o elo de um povo.
Basta pensar: uma planta é apenas uma planta; assim, esse ser vivo depende de uma relação estabelecida para ela se tornar remédio, símbolo,
beleza, veneno, enfeite...
É pela língua e pela estrutura de debates que se forma o elo de um povo e do seu entorno.
Vejamos um exemplo de como a natureza é nomeada entre buritizais:
Para você, são apenas palavras – e assim é quando ocorre o desconhecimento das narrativas que protegiam e viviam o território a partir do uso de
nomes e pelos conhecimentos das histórias. Com isso, perdem-se os símbolos, os valores associados, as metáforas e os valores que dali se
inserem.
Os wapichana acreditam no mudo apelo das coisas por meio dos panaokarus (bicho, animal selvagem): trata-se da “alma das coisas”. Talvez a
preservação do território, no que se refere à biodiversidade, tenha até uma relação direta com valores e nomes que as línguas indígenas transportam
pela oralidade ao longo dos tempos.
Saiba mais
Filmes como Avatar, segundo o próprio diretor, James Cameron, reproduzem narrativas de povos amazônicos e sua relação com a floresta.
Awaruykuwaru
Tynyz (redemoinho).
Arutynyz (avô veado mateiro).
Kuwitotynyz (avô calango).
Tynyz (o mais velho, o primeiro).
Perceba que as tradições culturais da Amazônia trazem sua histórica tecnologia no todo. Pare para pensar na tecnologia e nos processos da
construção de uma casa. Com suas paredes e seus esteios, as casas, para os wapixana, possuem panaokaru (ou neles habitam os panaokarus dos
materiais de que são feitos).
Talvez, por isso, os mais velhos tenham tanta preocupação diante da necessidade, por falta de matéria-prima, de se construir uma casa de cimento
e telha.
Se compararmos as matérias-primas da casa com a língua wapichana, será possível ver a língua indígena como esteios da morada dos wapichana.
Tal hipótese talvez nos permita ver a língua indígena semeada dentro de cada um e pensar que basta usá-la, lembrar sua história, para ela florescer e
voltar a dar os frutos que sempre alimentaram a alma do povo.
Índia wapichana colhendo mandioca, Terra Indígena Malacacheta.
Precisamos virar nosso olhar para a construção do discurso e da memória, além de estarmos atentos às questões linguísticas, pois:
Nas línguas amazônicas se encontram fenômenos que não se encontram em línguas de outras partes do
mundo, ou então que aqui sejam mais frequentes fenômenos que são raros noutros lugares. [...] Em alguns
casos esses fenômenos exigem a revisão de pontos de teoria da linguagem antes propostos sem seu
conhecimento.
(RODRIGUES apud QUEIXALÓS, 2000, p. 26)
O estudo de aspectos linguísticos só ocorreu na pesquisa quando eles destacaram algum aspecto cultural importante para o povo e que acontecia
com frequência. Algumas particularidades linguísticas são inventariadas para que futuros estudos possam aprofundar cada uma de suas questões.
Porém, se as políticas de desenvolvimento – ou a falta delas – continuarem a determinar a rápida extinção das línguas amazônicas, é mais provável
que fenômenos raros ou únicos, ainda que possuam uma importância crítica para a melhor compreensão da linguagem humana, venham a
desaparecer sem sequer terem sido identificados (RODRIGUES apud QUEIXALÓS, 2000, p. 26).
Floresta Amazônica no Brasil, América do Sul.
Placa na Ilha de Itamaracá, em Itapissuma, Brasil, explicando o nome da ilha (origem na língua indígena Tupi).
Se “a língua é uma força ativa na sociedade, um meio pelo qual indivíduos e grupos controlam outros grupos ou resistem a esse controle, um meio
para mudar a sociedade ou para impedir a mudança, para afirmar ou suprimir as identidades culturais” (BURKE, 1995, P. 41 ), em Roraima, esse
campo ainda precisa ser mais trabalhado.
As pesquisas históricas, em suma, precisam problematizar mais a questão – e nós estamos dispostos a continuar esse estudo.
Mas havia povos na Amazônia? A �oresta não é um problema, gerando a não ocupação humana?
Essas teses de determinismos geográficos estão vencidas e devem ser abandonadas. Antes da chegada do colonizador, a Amazônia já era ocupada
por inúmeras etnias indígenas, e algumas delas viviam sob um governo centralizado.
Exemplo
Eram regimes muito equivalentes às diversas ocupações espalhadas pelo mundo em termos de política e poder, ainda que sem centralidade.
Onde hoje está localizada a Amazônia brasileira, já existiam várias etnias com culturas distintas entre si. Conhecemos todas? É claro que não! Mas
sabemos que eram etnias complexas com traços linguísticos importantes, como aruak, karib, tucano, pano e jê.
Seus modos de vida permitiam uma integração com a natureza, isto é, eles conheciam a terra e seus segredos, sabiam onde e quando poderiam
plantar e colher, caçar e pescar, construir suas malocas ou realizar outras atividadesno cotidiano. Note que essa visão não é um chute ou uma
idealização de tais figuras – são mecânicas, registros e materiais.
Saiba mais
A forma da agricultura nos trópicos dialogou com os conhecimentos desses grupos. A adoção da mandioca, por exemplo, permitiu a própria
expansão em grandes distâncias. Do mesmo modo, as tecnologias de cerâmica e de trancamento de palha não eram genéricas, e sim específicas, o
que propiciou a criação de produtos, ferramentas e artes absolutamente complexas.
Vejamos agora esta reflexão sobre o impacto da conquista:
Entretanto, com a chegada da colonização, os modos de vida foram modificados, sendo que a ocupação portuguesa na região amazônica
se deu no início do século XVII, com a fundação do Forte do Presépio, o que deu origem à cidade de Santa Maria de Belém do Grão-Pará. A
Amazônia foi ocupada inicialmente por exploradores luso-brasileiros, tropas de resgate, droguistas do sertão e por missões religiosas.
Essas últimas tiveram participação significativa na ocupação espacial da região, que, juntamente com as tropas de resgate portuguesas,
visavam caçar os indígenas e torná-los escravos das lavouras. As primeiras cidades a surgirem na região foram Belém, Bragança,
Santarém, Óbidos e Monte Alegre. O contato com o colonizador foi violento desde o início. O não indígena português precisava garantir as
fronteiras contra os espanhóis e, para isso, era necessário expulsar e manter afastado o indígena que lutava contra esse avanço. Com isso,
inicia-se o processo de “amansamento”, tendo como consequência três formas de sujeição: os descimentos, os resgates e as guerras
justas.
(PORTUGAL; HURTADO, 2015, p. 67)
Imagens construídas
Chegou a hora de falar sobre o encontro. Já mostramos como a invasão e a conquista impactaram os povos nativos, mas o chamado período das
correrias, com a consolidação da colônia, é fundamental.
Você conheceu esse período com outros nomes: entradas e bandeiras ou a expansão do Brasil.
Esse conhecimento foi consolidado aos poucos – às vezes, até de modo romantizado, como a narrativa sobre a chegada dos jesuítas em São Paulo;
outras, de maneira mais etnográfica, o que é explicado pelas outras "castas de gentio".
Quadro Fundação de São Paulo, produzido em 1909 por Oscar Pereira da Silva.
Contudo, no século XVI, ainda prevalecia uma visão que adere estreitamente ao etnocentrismo tupi. Desse modo, pela visão dos colonizadores, o
outro era assim retratado:
São nômades, não lhes conhecendo aldeias. Não plantam roças e vivem de caça e coleta de frutos silvestres;
sua fala é travada e não é passível de escrita. São traiçoeiros e não enfrentam os inimigos em campo aberto,
senão lhes armam ciladas. Comem sua caça crua ou mal assada, omofagia que prenuncia o que constitui o
paroxismo da selvageria, sua antropofagia alimentar.
(SOUSA; VARNHAGEN, 1971, p. 58)
Esse é um assunto crucial sobre o qual falamos acima. E as representações sobre a prática e os grupos distingue-os a partir de uma representação
que evidencia sua visão de mundo, como:
Canibalismo de vingança
O dos tupi.
Canibalismo alimentar
O dos bárbaros aimorés, dos goitacás, e alguns mais.
Uns seguem à risca um ritual elaborado e se comem carne humana, "não é por gosto ou apetite que a comem", mas por vingança. Os outros apenas
comem para se alimentar: "Comem estes selvagens carne humana por mantimento, o que não tem o outro gentio que a não come senão por
vingança de suas brigas e antiguidade de seus odios" (SOUSA; VARNHAGEN, 1879 (1587), p. 74).
Notem que tais relatos – que não constituem nosso objeto de estudo – criaram debates históricos sobre a selvageria, o barbarismo e os civilizados,
colocando na figura do canibal, um medo histórico entre os europeus, uma iconografia perfeita e repetida.
Em 1500, Pero Vaz de Caminha viu "gente" em Vera Cruz. Falava-se então de homens e mulheres. O escambo
povoou a terra de "brasis" e "brasileiros" .
Os engenhos distinguiram o "gentio" insubmisso do "índio" e do "negro da terra" que trabalhavam. Os franceses, que não conseguiram se firmar na
terra, viram "selvagens".

Temas aos quais os responsáveis por esses relatos não resistiam, gerando para a Europa eternos debates sobre paraíso ou inferno, sempre
envolviam:
Pelo fim do século XVI, estavam consolidadas, na realidade, duas imagens de índios que só muito tenuamente se recobrem: a francesa (que o
exalta) e a ibérica (que o deprecia). Uma era a imagem de viajante; a outra, de colono.
As índias reservavam uma parte da produção para fins próprios, com implicações não apenas materiais como
também simbólicas. As cuias são os pratos, os copos e toda a baixela dos índios. Cada um tem em sua casa
uma delas reservada para dar a beber, ou água ou os seus vinhos ao Principal, quando o visita, ou casualmente,
ou em algum dia de convite. Consiste o distintivo dela, em ser ornada de algum búzio, seguro por uma bola de
cera, toda cravada de miçanga, e sua muiraquitã, em cima, que lhe serve de asa em que pega o Principal.
Oferece-se ao dito, em cima de uma salva que é feita de ponteiros de patauá... Por mais diligência que fiz por
comprar uma dessas, à satisfação da sua dona, não foi possível, tanto é o apreço que fazem da taça por onde
bebe o seu Principal.
(MONTEIRO, 2001, p. 71)
Ao comentar esse e outros exemplos de mitologias que tematizam a gênese do homem branco, Manuela Carneiro da Cunha aponta que o aspecto a
ser salientado "é que a opção, no mito, foi oferecida aos índios, que não são vítimas de uma fatalidade mas agentes de seu destino. Talvez
A sexualidade.
A liberdade.
A nudez.
A figura do casamento não focado em uma monogamia rígida.
A forma como as crianças são criadas.
As relações entre homens e mulheres de mesmo gênero.
escolheram mal. Mas fica salva a dignidade de terem moldado a própria história" (CUNHA, 1992, p. 19).
Certamente, reconhecer as lideranças indígenas como sujeitos capazes de traçar a própria história se trata de um avanço para a historiografia
brasileira.
No entanto, é necessário considerar que as escolhas pós-contato sempre foram condicionadas por uma série de fatores postos em marcha com a
chegada e a expansão dos europeus em terras americanas.
A descoberta da América pelo navegador Américo Vespúcio, em gravura de 1580.
Estreitamente ligada às estratégias militares, evangelizadoras e econômicas dos europeus, a catástrofe demográfica que se abateu sobre as
sociedades nativas deixou um quadro desesperador de sociedades fragmentadas e conectadas em uma trama colonial cada vez mais envolvente.
Diante de condições crescentemente desfavoráveis, as lideranças nativas esboçavam respostas das mais variadas, frequentemente lançando mão
de instrumentos introduzidos pelos colonizadores.
A resistência, nesse sentido, não se limitava ao apego ferrenho às tradições pré-coloniais: ela ganhava força e sentido com a abertura para a
inovação.
Confederação dos tamoios
Neste vídeo será apresentado um em estudo de caso sobre a Confederação dos Tamoios.
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Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
Marque a alternativa correta sobre o uso da denominação “tapuia”.
Parabéns! A alternativa A está correta.
%0A%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%3Cp%20class%3D'c-
paragraph'%3EA%20nomenclatura%20%E2%80%9Ctapuias%E2%80%9D%20se%20caracteriza%20pela%20ideia%20de%20inimigos%20e%20deriva%20
guarani)%20e%20os%20grupos%20diversos%20que%20eram%20mencionados%20e%20trabalhados.%20Trabalhos%20mais%20tradicionais%20desc
A Eram os povos considerados inimigos ou bárbaros pelos tupis.
B Eram os povos de origem tupi-guarani que circulavam no litoral.
C Eram os indivíduos que realizavam guerra entre os tupis.
D Eram os grupos não tupis considerados amigos e parceiros de guerra.
E Eram os povos considerados aliados dos portugueses na costa.
Questão 2
A conquista da América pelos europeus contou com o domínio e o extermínio de populações nativas. No entanto, ela também se deu graças à
assimilaçãoe ao estabelecimento de alianças. Sobre esse tema, assinale a opção que descreve o significado de uma aderência dos
portugueses a um “etnocentrismo tupi”.
Parabéns! A alternativa D está correta.
%0A%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%20%3Cp%20class%3D'c-
paragraph'%3EDurante%20os%20primeiros%20s%C3%A9culos%20de%20coloniza%C3%A7%C3%A3o%2C%20as%20principais%20descri%C3%A7%C3%
Considerações �nais
Chegamos ao final deste nosso conteúdo. Exploramos nele a riqueza e a diversidade dos povos originários do Brasil antes mesmo que o país
existisse.
Abordamos os estudos mais aceitos na atualidade sobre a presença humana na América do Sul e, em especial, no território que chamamos de
Brasil, frisando que sua ocupação pode ser mapeada e datada entre 50 mil e 25 mil anos atrás. A tendência é que essa longa variação temporal seja
mais reduzida à medida que as investigações se mostrarem cada vez mais interdisciplinares e profissionais.
Também estivemos atentos ao processo de dispersão e ocupação do tronco linguístico tupi-guarani sobre o território brasileiro. Com cerca de 41
línguas aparentadas, esse grande tronco dominou a costa atlântica da América do Sul e, apesar de suas variações linguísticas e dialetais, imprimiu
certa hegemonia cultural no litoral quando da chegada dos europeus.
Esses grupos, contudo, provinham de regiões mais ao interior, tendo realizado, durante cerca de 2.500 anos, um deslocamento das planícies
amazônicas em direção à costa. Só foi possível realizar um mapeamento desses deslocamentos graças aos trabalhos de arqueólogos,
antropólogos, historiadores e linguistas.
A
Apesar da violência do processo colonizador, houve uma grande valorização dos ideais de mundo dos tupis, como a divisão em
aldeias, que foi utilizada durante todo o período colonial em respeito aos nativos.
B
Falar de etnocentrismo tupi significa citar a força dos tupis frente à colonização, já que, em muitos espaços, eles conseguiram
se tornar a principal força do processo colonizador.
C
Com a conquista da América pelos europeus, os tupis conseguiram estabelecer seu domínio sobre o interior, emergindo desse
processo o “etnocentrismo tupi”, isto é, a submissão dos demais povos nativos à sua força.
D
Os portugueses que colonizaram a América aliaram-se a grupos de matriz tupi e tomaram determinados conceitos e noções
emprestadas sobre os tupis e outros nativos, como, por exemplo, o uso da denominação “tapuias”.
E
No processo de colonização, os tupis conseguiram impor derrotas à estratégia de domínio europeia, pois eles impediram, por
exemplo, a catequização dos indígenas na colônia.
Destacamos os demais grupos nativos que estavam presentes na ocupação do território brasileiro muito antes da conquista e que sobrevivem até
os dias atuais. Marcados pela alcunha de “tapuias”, eles, na verdade, são bastante diversos. Além disso, mostramos que essa nomenclatura
obedece a uma lógica dos tupis, que se descreviam como superiores aos tapuias, considerados bárbaros e inimigos.
Por fim, ao abordar essa diversidade linguística e cultural, tratamos sobretudo de goitacás, aymorés e potiguares, assim como das etnias presentes
no tronco linguístico jê (ou gê).
Podcast
Para encerrar, ouça um panorama sobre os principais assuntos abordados.

Referências
BROCHADO, J. P. Migraciones que difundieron latradición alfarera tupi-guarani. Relaciones de la Sociedad Argentina de Antropología. tomo 7. 1973.
p. 7-39.
BURKE, P. A arte da conversação. São Paulo: Unesp, 1995.
CUNHA, M. C. da. Legislação indigenista no século XIX. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1992.
FAUSTO, C. Os índios antes do Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
GOODY, J. A domesticação da mente selvagem. Petrópolis: Vozes, 2012.
GUIDON, N. História dos índios do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
LATHRAP, D. O Alto Amazonas. Lisboa: Verbo, 1975.
MONTEIRO, J. M. Tupis, tapuias e historiadores: estudos de história indígena e do indigenismo. Tese apresentada para o concurso de livre docência.
Área de Etnologia. Subárea: História Indígena e do Indigenismo. Campinas. ago. 2001.
NEVES, W. A. et al. Origem e dispersão dos tupi-guarani: o que diz a morfologia craniana?. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências
Humanas. v. 6. 2011. p. 95-122.
NIKULIN, A.; SILVA, M. A. C. da. As línguas maxakalí e krenák dentro do tronco macro-jê. Cadernos de etnolinguística. v. 8. n. 1. 2020. p. 1-64.
NOELLI, F. S. As hipóteses sobre o centro de origem e rotas de expansão dos tupi. Revista de Antropologia. v. 39. n. 2. 1996. p. 7-53.
QUEIXALÓS, F. Langues de Guyane Française. As línguas amazônicas hoje. São Paulo: Instituto Socioambiental, 2000. p. 299-306.
PORTUGAL, A. R.; HURTADO, L. R. de. (Orgs.). Representações culturais da América indígena. São Paulo: UNESP/Cultura Acadêmica, 2015.
RODRIGUES, A. D. Línguas brasileiras. Para o conhecimento das línguas indígenas. São Paulo: Edições Loyola, 1986.
RODRIGUES, A. D. Línguas indígenas: 500 anos de descobertas e perdas. Delta: Documentação e Estudos em Linguística Teórica e Aplicada. v. 9. n.
1. 1993. p. 83-103.
SOUSA, G. S. de; VARNHAGEN, F. A. de Tratado descritivo do Brasil em 1587. Nabu Press, 2010.
SOUSA, G. S. de; VARNHAGEN, F. A. de Tratado descritivo do Brasil em 1587. Rio de Janeiro: Typographia de João Ignacio da Silva, 1879.
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Sugerimos que você consulte os seguintes textos:
Ideias para adiar o fim do mundo, de Ailton Krenak, publicado pela Companhia das Letras, em 2019.
História dos índios no Brasil, de Antônio Porro e Manuela Carneiro da Cunha, publicado pela Companhia das Letras, em 1992.
Falando dos índios, de Darcy Ribeiro, publicado pela Fundação Darcy Ribeiro, em 2010.
Negros da terra: formas de escravismo indígena
Prof. Luis Henrique Souza dos Santos
Descrição
Os processos de redução da diversidade dos povos indígenas à lógica de exploração colonial e a agência nativa
pela sobrevivência de seus costumes e visões de mundo.
Propósito
A compreensão da relação entre os povos indígenas e os colonizadores e seus descendentes na estrutura colonial
é fundamental para os profissionais de Educação e cidadãos, de maneira geral, poderem se posicionar diante dos
desafios contemporâneos em torno da questão indígena no país.
Objetivos
Módulo 1
O Novo Mundo com velhos habitantes
Reconhecer a diversidade étnica das populações nativas antes e durante a conquista da América pelos
europeus.
Módulo 2
Negros da terra: formas do escravismo indígena
Identificar as formas que o escravismo assumiu sobre os povos indígenas no Brasil colonial.
Módulo 3
Guerras contra a conquista
Analisar a configuração das resistências indígenas nas ações coloniais para com os povos nativos.
Introdução
O mês era agosto, no ano de 2021. Você, caro estudante, deve ter acompanhado nos noticiários e nas redes sociais
as manifestações com numerosos indígenas nas largas avenidas de Brasília e, mais especificamente, no
acampamento de milhares deles na Esplanada dos Ministérios. De forma simbólica, o acampamento recebeu o
nome de “Luta pela vida”, e contou com mais de seis mil indígenas, de mais de 170 etnias distribuídas pelo Brasil.
Essa mobilização tinha um propósito: demonstrar a insatisfação dos povos nativos para com a tese do “Marco
Temporal”, que estava em julgamento no Supremo Tribunal Federal.
O “Marco Temporal” foi assim denominado por estabelecer um limite – a promulgação da Constituição de 1988 –
para que os povos originários pudessem demandar a demarcação de suas terras, garantindo dessa maneira a
inviolabilidade de seu território. Com essa determinação, os indígenas só poderiam recorrer à justiça para requerer
a demarcação se comprovassem, juridicamente, a ocupação daquelas terras até a promulgação da Constituição de
1988.

Entre os dizeres dos indígenas em agosto de 2021, disseminou-se a frase: “Nossa história não começa em 1988”. É
aqui que nossa atenção deve estar ao nos depararmos com casos como esse relativoàs populações originárias.
Como pode o Estado brasileiro determinar uma data para que esses povos reivindiquem suas terras, quando eles
existem muito antes da própria fundação do Brasil?
A sobrevivência dos povos indígenas no mundo contemporâneo tem sido creditada à mudança de mentalidade da
legislação portuguesa (durante o período colonial) e brasileira (após a independência) com relação às populações
nativas aldeadas, isoladas e assimiladas. No entanto, esse discurso predominante ignora a própria agência dos
povos originários na sua conservação, apesar dos avanços do “homem branco” sobre suas terras e cultura. Será a
respeito desses problemas que nos debruçaremos no decorrer deste tema.
1 - O Novo Mundo com velhos habitantes
Ao �nal deste módulo, você será capaz de reconhecer a diversidade étnica das
populações nativas antes e durante a conquista da América pelos europeus.
Comunidades indígenas e formas de
organização nativas em 1500
O que hoje chamamos de Brasil compreende um território vasto, limitado pelo Oceano Atlântico desde a fronteira
com o Uruguai até as franjas do Amapá com a Guiana Francesa, sem contar as fronteiras com outros oito países
no interior continental.
Atlas Atlântico Português, 1519.
Todo esse longo emaranhado de regiões é fruto de um processo histórico de ocupação dessas terras,
fundamentalmente por portugueses, pela apropriação do trabalho negro escravizado e de imigrantes europeus,
além do gozo da mão de obra indígena. Entender a complexa trama de relações que levaram à colonização e
criação do Brasil é um desafio com o qual não conseguiremos lidar neste momento. Porém, iremos abordar, com o
máximo de profundidade possível, as relações estabelecidas entre os povos nativos e a colonização:
Quem são os povos indígenas?
De partida, deve-se destacar que o termo “índio” é impróprio, assim como a própria denominação
indígena, já que, originalmente, foi utilizada pelos europeus para caracterizar, como sendo a mesma
coisa, povos de corpos, línguas e costumes muito distintos uns dos outros. Além disso, seu uso
pode ser traçado como aquele que é natural da Índia, ou seja, do subcontinente asiático ao qual os
europeus buscaram chegar no período das Grandes Navegações, nos séculos XV e XVI.
Então, como denominar esses povos?
Atualmente, antropólogos, historiadores, indigenistas e os próprios órgãos estatais responsáveis por
estipular políticas e lidar com essas populações aceitam nomes como “povos nativos”, “povos
originários”, “povos indígenas” (sempre no plural), ou mesmo as designações que esses próprios
povos estabelecem para sua autodeterminação, muitas vezes apropriando-se de denominações
dadas pelos colonizadores.
Em suma, estamos diante de uma rede de significados ao tratar dos povos nativos no período colonial:
Primeiro
O olhar dos colonos sobre os indígenas.
Segundo
O olhar dos indígenas sobre outros indígenas.
As áreas de conhecimento que têm realizado maiores avanços nos estudos dessas populações no território
brasileiro são a antropologia e a arqueologia. Especialmente a arqueologia tem conseguido mapear o longo
período de ocupação desses povos, que remonta a, pelo menos, 12 mil anos. Sendo assim, estamos aqui diante de
uma história que conhecemos muito pouco, já que, com frequência, começamos a falar da vida dos povos
originários a partir da colonização, que ocorreu há apenas cinco séculos. Nas escavações que vêm sendo
realizadas por todo o país, destaca-se a presença da cerâmica, manipulada de diferentes formas, especialmente
nas tradições aratu e uru (FAUSTO, 2000, p. 54).
Pensemos em um exemplo:
Atentos aos efeitos provocados pelo ato de nomear povos tão distintos, podemos refletir sobre a
palavra “tapuia”. Ao aportar no litoral atlântico do Brasil, os portugueses encontraram agrupamentos
nativos do grupo linguístico tupi-guarani. Nas regiões da Bahia, deparam-se com os tupinambás,
povo que ficou conhecido por sua disposição para a guerra e pelos rituais de canibalismo. Nesse
contato com os tupinambás, os portugueses assumiram muitas de suas estratégias de relação com
outros povos mais para o sertão, chamados de tapuias, significando bárbaros, desprovidos “de
aldeia, agricultura, canoa, rede e cerâmica” (FAUSTO, 2000, p. 48).

Aratu
É proveniente do nordeste brasileiro. Parece ter desaparecido antes mesmo dos efeitos da conquista no século
XVI, já apresentando decadência nos séculos X-XI.
Uru
É proveniente da região amazônica. Parece ter se tornado predominante a partir dos séculos X-IX (FAUSTO, 2000, p.
54).
Essas formas de se confeccionar e manipular peças em cerâmica são relevantes para a datação e o mapeamento
do deslocamento de povos e seus respectivos costumes, além de destacarem a própria organização das aldeias
ou ocupações.
Outro lugar-comum ao tratar dos povos indígenas é a aldeia, pensada sempre de maneira circular e as habitações,
em formato de oca.
Disposição anelar em povoado Xingu.
A disposição anelar das aldeias, no entanto, está identificada com as povoações na região do Alto Xingu, com
tradições linguísticas distintas que, antes do período da conquista, parecem ter construído espaços de convívio e
fortificação contra tupis ou jês – quem sabe até os dois –, que eram menos sedentarizados e mais belicosos. É
provável que essa disposição anelar tenha se expandido com o passar dos séculos e com as realocações, tópico
que retornará ao nosso diálogo.
A população que vivia na floresta amazônica, assim, era diversa, complexa e, fundamentalmente, descentralizada.
Uma das principais preocupações de antropólogos e arqueólogos do século XX – talvez se apropriando de
preocupações presentes nos textos de autoridades coloniais – era a ausência de estado entre esses povos.
Muitas explicações foram aventadas, com destaque para a suposição que vigorou durante muito tempo de que a
não formação de um estado, à semelhança do que ocorreu no império inca, se dava pela presença da própria
floresta. Não era possível construir estradas, não havia plantações extensivas, nem era possível concentrar grande
contingente nos núcleos populacionais. No entanto, olhar para os povos da várzea amazônica e das margens dos
principais rios do sul amazônico somente pela sua falta foi o principal erro dessas interpretações.
Diante da profusão de povos pelo território, uma estratégia adotada pelos antropólogos e por linguistas tem sido a
de mapear os troncos linguísticos e suas variações. Podemos destacar dois esforços de fôlego na apresentação e
preservação da diversidade cultural e linguística nativa no Brasil.
Mapa etno-histórico do Brasil e regiões adjacentes de Curt Nimuendajú.
O primeiro é o “Mapa etno-histórico do Brasil e regiões adjacentes”, de Curt Nimuendajú, etnólogo alemão que se
estabeleceu profissionalmente no Brasil e desenhou algumas versões desse monumental mapa nos anos 1940
para diferentes instituições (NIMUENDAJÚ, 2017). Além do mapeamento, esse documento propicia uma
compreensão de certos deslocamentos de grupos indígenas, destacando sua mobilidade e adaptação. O outro
esforço, mais recente, é do Centro de Documentação de Línguas Indígenas (CELIN) localizado no Museu
Nacional/UFRJ, que lida com a grande diversidade indígena e estabelece conexões sem apresar a cultura
multiétnica nativa.
Conversão e deslocamentos indígenas no sertão
No processo de conquista da América portuguesa, portugueses e seus descendentes estabeleceram-se, em um
primeiro momento, no litoral. Construíram postos mercantis, em que exerciam pouco poder sobre os grupos
populacionais locais, mas seu foco e efeito de controle se deu na constituição de cidades, com instâncias políticas
e administrativas.
No império português, as Câmaras Municipais têm uma função fundamental na organização local e, apesar de
congregarem os chamados “ homens bons” da região, tornaram-se apoio e utilizavam suas ações para reivindicar
privilégios com a Coroa lusitana. Guida Marques, em artigo de 2014, destaca essa posição

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