Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
CENTRO UNIVERSITÁRIO ADVENTISTA DE SÃO PAULO CAMPUS ENGENHEIRO COELHO DIREITO KAENE TAINÁ MARIA DA SILVA O PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO COMO GARANTIA FUNDAMENTAL: UMA ANÁLISE DA MOROSIDADE PROCESSUAL A LUZ DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ENGENHEIRO COELHO 2020 KAENE TAINÁ MARIA DA SILVA O PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO COMO GARANTIA FUNDAMENTAL: UMA ANÁLISE DA MOROSIDADE PROCESSUAL A LUZ DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL Trabalho de Conclusão de Curso do Centro Universitário Adventista de São Paulo do curso de Direito, sob orientação do prof. Dr. Antônio Roberto Sanches Júnior. ENGENHEIRO COELHO 2020 Trabalho de Conclusão de Curso do Centro Universitário Adventista de São Paulo, do curso de Direito apresentado e aprovado em 24 de novembro de 2020. Antônio Roberto Sanches Júnior Antonio José Iatarola Dedico esta monografia aos meus pais, Benedito e Edina, por seu amor incondicional e que em momento algum, deixaram de orar por mim. AGRADECIMENTOS A Deus, primeiramente, por seu infinito amor e misericórdia que tem por mim, que não deixou-me desistir, frente as circunstâncias indesejadas deste ano difícil; Aos meus pais, meus verdadeiros amores, que sempre se esforçaram a conceder-me este privilégio que é estudar e nunca deixaram de orar por mim; Ao Centro Universitário Adventista de São Paulo por me acolher e conceder a oportunidade de chegar até aqui; Ao meu orientador, prof. Dr. Antônio Roberto Sanches Júnior, por me auxiliar a desenvolver um bom trabalho; Ao professor Antonio José Iatarola, por aceitar o convite de compor a banca de apresentação da monografia, ficando aqui todo o meu respeito e gratidão por esse tempo de aprendizado; Ao meu namorado, Jhony Wesley, pela paciência, amor e amparo durante todo esse ano; Aos meus amigos, Caroline, Paloma, Jéssika e Elton Jhonn que se tornaram família nestes tempo de curso. Amo vocês!; Aos demais colegas de graduação, com os quais dividi alegrias, tristezas e aprendizado dentro de sala de aula; À todas as pessoas das quais me auxiliaram durante os períodos memoráveis de colortagem, que me ajudaram e acreditaram em mim; Aos meus tios Luzia e Arildo, que me deram carinho e confiança, e me ajudaram a conseguir chegar aqui; A todos aquele que de forma direta ou indireta compartilharam comigo deste sonho, e particiaram para que eu o alcancasse, a estes, o meu muito obrigado! “Mas justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”. Rui Barbosa RESUMO O presente trabalho tem como finalidade o estudo da morosidade processual no Brasil pela ótica do princípio da razoável duração do processo e os mecanismos inseridos pela Lei nº 13.105/2015. Para isso, o primeiro capítulo buscou entender a crise que assola o Poder Judiciário, como se conceitua a base dos princípios constitucionais e estudou a Emenda Constitucional 45/2004 que reformou o Poder Judiciário visto que, foi um grande passo a inserção de tal princípio como garantia fundamental em nosso ordenamento jurídico. O segundo capítulo analisou o conceito do princípio como uma garantia fundamental, bem como a responsabilidade civil do Estado pela ineficácia na aplicação de tal princípio. O terceiro capítulo, por conseguinte, analisou os mecanismos inseridos no Código de Processo Civil de 2015 (Lei nº 13.105/2015), como um meio de aplicação efetiva desta garantia fundamental e os impasses encontrados no caso concreto. Por fim, como conclusão lógica, entendeu-se que muito embora o Código de Processo Civil tenha auxiliado, a passos lentos, a melhora da celeridade processual, há ainda muito a ser feito pelo Estado para que a morosidade não seja impeditiva à busca da efetiva justiça, vez que, uma justiça lenta não é justiça. Palavras chave: Princípio; Razoável Duração do Processo; Poder Judiciário; morosidade; Emenda Constitucional nº 45/2004. ABSTRACT The purpose of this work is to study the procedural slowness in Brazil from the perspective of the principle of reasonable duration of the process and the mechanisms inserted by the Law No. 13,105 / 2015. To this end, the first chapter sought to understand the crisis that plagues the Judiciary Power, how to conceptualize the basis of constitutional principles and studied the Constitutional Amendment 45/2004 that reformed the Judiciary since it was a great step to insert such principle as fundamental guarantee in our legal system. The second chapter analyzed the concept of the principle as a fundamental guarantee, as well as the State's civil liability for the ineffectiveness in applying this principle. The third chapter, therefore, analyzed the mechanisms inserted in the Civil Procedure Code of 2015 (Law No. 13,105 / 2015), as a means of effective application of this fundamental guarantee and the impasses found in the specific case. Finally, as a logical conclusion, it was understood that although the Civil Procedure Code has helped, in slow steps, the improvement of procedural speed, there is still much to be done by the State so that the delay is not impeding the search for effective justice, since a slow justice is no justice at all. Keywords: Principle; Reasonable Duration of the Process; Judiciary Power; slowness; Constitutional Amendment nº 45/2004. 9 LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS OU TERMOS OPERACIONAIS CEDH – Corte Europeia de Direitos do Homem CF – Constituição Federal CIDH – Corte Interamericana De Direitos Humanos CNJ – Conselho Nacional de Justiça CPC – Código de Processo Civil EC – Emenda Constitucional PJe – Processo Judicial Eletrônico TEDH – Tribunal Europeu de Direitos Humanos 10 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 11 2 A CRISE NO PODER JUDICIÁRIO ................................................................................ 14 2.1 Jurisdição, processo e procedimento – a base da aplicação dos princípios constitucionais .................................................................................................................. 18 2.2 Distinções entre eficiência, efetividade, eficácia ....................................................... 22 2.3 A Emenda Constitucional nº 45/2004 e o direito comparado .................................... 24 3 TEMPO E PROCESSO ................................................................................................... 29 3.1 O princípio da razoável duração do processo como um direito fundamental ......... 32 3.2 Responsabilidade civil do Estado pelas dilações indevidas .................................. 42 4 A REFORMA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015 – necessidade de um novo código ................................................................................................................................. 46 4.2 Aplicação do princípio a razoável duração do processo no Código de Processo Civil de 2015 ............................................................................................................................... 47 4.3 Impasses encontrados em sua aplicação ................................................................. 55 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................58 6 REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 61 11 1 INTRODUÇÃO O Direito Processual Civil foi marcado, aos longos dos anos, pela grande influência da Constituição Federal, que traz um rol de garantias fundamentais inerentes ao processo. O Estado, como ente soberano, assumiu o direito-dever de exercer a jurisdição, com intuito de resguardar os direitos fundamentais e assim estabelecer pacificação social. Nesta perspectiva, a chamada “globalização” do meio social, econômico e cultural têm moldado as circunstâncias da realidade brasileira, haja vista que as promessas e garantias instituídas pela Constituição não asseguram de maneira substancial, igualdade material entre os jurisdicionados. Assim a massificação de demandas ajuizadas se tornou um problema patente, o que obrigou ao Estado garantir aos seus jurisdicionados o devido cumprimento de tais garantias, mesmo com problemas como a falta estrutura, de servidores, dificuldades financeiras, entre outros. Nessa conjuntura, a Constituição instituiu o princípio da razoável duração do processo como garantia fundamental, não podendo a morosidade ser um empecilho na busca incessante pela real justiça. Assegurou também, não apenas uma celeridade exacerbada, mas que as demais garantias fossem almejadas no caso concreto como a ampla defesa, contraditório, segurança jurídica e devido processo legal. Este princípio, muito embora estivesse assegurado na Carta Magna desde 2004, apenas com o passar dos anos é que se tem se tornado mais evidente e efetivo. Desta forma, a presente temática se revela de grande relevância para os estudiosos, tendo em vista ser assunto recorrente constar em um cenário mundial, buscando assim compreender como a efetividade se expõe no meio processual. E para que houvesse uma maior compreensão deste objeto de estudo, foi necessário a consulta em doutrinas que buscam compreender e demonstrar os desafios encontrados na realidade social brasileira e enfatizam quanto as necessidades de mudanças conservando, de todo modo, um viés dedutivo sob o estudo, utilizado com assiduidade em toda esfera acadêmica. Como é sabido, a litigiosidade tem crescido exponencialmente ao longo dos anos. A título de exemplo, só no ano de 2019, foram protocolados, em todo o território brasileiro cerca de 20,2 milhões de processos, demonstrando que essa intercorrência 12 e injustiças e insatisfações só cresce, acentuando ainda mais a crise que assola o poder judiciário (CNJ, 2020, p. 257). Observando isso, há, de certo modo, uma ambiguidade na aplicação das garantias, ainda mais com a inserção da Emenda Constitucional nº 45/2004 que institucionalizou o princípio a razoável duração do processo como uma garantia constitucional. Houve, diante disso, a necessidade de entender quais os mecanismos que o legislador adotou ao editar a Lei nº 13.105/2015 (Código de Processo Civil). O intuito aqui não é entender a como a norma fundamental funciona ou criticar como o Judiciário pode aplicá-la ou não, e sim, como se revela o princípio da razoável duração do processo sendo este uma garantia fundamental e como se deu sua aplicação no Código de Processo Civil. A crítica que se faz é quanto a morosidade processual tendo em vista que as demandas processuais civis têm o condão de demorar anos no judiciário, entretanto, ao mesmo tempo, a legislação não prevê em sua redação nada quanto esta lentidão. Com a reforma da legislação, o que se busca é um equilíbrio entre aos princípios que norteiam os processos e a eficácia quando da sua aplicação no caso em concreto; nesse interim, é viável salientar que, quando se aplicam garantias fundamentais ao processo, em tese, deveria haver uma maior efetividade quanto resolução integral de mérito e uma eficácia entre o lapso temporal do ajuizamento da demanda e da prolação da sentença. Neste sentido, o presente trabalho atua com uma premissa maior a respeito da crise encontrada no Poder Judiciário quanto a morosidade processual e, como se dá o dinamismo processual e sua efetividade, perpassando pelas modificações que foram introduzidas com a Emenda Constitucional nº 45/2004, até que se adentre com mais profundidade ao ponto central de questionamentos que é o princípio da razoável duração do processo como um direito fundamental e seus reflexos no Código de Processo Civil. Para tanto, este trabalho optou por se desenrolar nos limites de três capítulos. O primeiro capítulo buscou compreender como a morosidade processual implica na lesão dos direitos da sociedade, na aplicação da jurisdição e na eficácia das garantias constitucionais, vez que o Estado, como detentor da jurisdição deve instituir os preceitos fundamentais nos processos em geral. De modo geral, a intenção foi demonstrar o que é o processo e como se deu de início o princípio da razoável duração do processo, com a inserção da Emenda Constitucional nº45/2004, que foi 13 primordial para a mudança de perspectiva quanto da celeridade processual e como o princípio ficou evidenciada no cenário mundial. O segundo capítulo teve a atenção voltada ao tempo processual, vez que tempo é a questão cerne da morosidade e se demonstra com grande influência visto que, se ocorrer demasiadamente lento, compromete uma solução justa e equitativa de mérito. Nesse aspecto, é importante salientar que, muito embora a discussão se denote quanto a uma celeridade, a inserção de outros princípios afim de dar efetividade a garantia do processo razoável não foi mitigada. No mais, houve a necessidade de se conceituar o princípio a razoável duração do processo como uma garantia fundamental, e como o Estado, soberano que é, se responsabiliza pela ineficiência de plano em suas atividades no atributo de aplicar este princípio no caso concreto. E essa aplicabilidade é o motivo do capítulo três, onde a inserção do princípio a razoabilidade foi inserido de maneira admirável no Código de Processo Civil de 2015. Através da Emenda Constitucional nº 45/2004, surgiu a necessidade de reformular do código de 1973, vez que quando da sua vigência, temas como estes não eram retratados como uma necessidade. Vários foram os mecanismos utilizados pelo legislador afim de tornar o processo mais eficiente, trazendo ao lume uma justiça verossímil. No mais esta terceira parte também demonstra os impasses encontrados para implementação da razoabilidade do caso concreto, visto que a realidade brasileira por vezes se mostra distinta dos valores apregoados na Carta Magna. Nesse interim, concluiu-se que, há muitos problemas que marcam esta crise do judiciário, por vezes, muito mal compreendida pela sociedade, que, de certa maneira, exige seus direitos mais não adentra ao problema central, que repercute desde o aspecto econômico, estrutural e normativo também. No mais, foi um grande passo as modificações que marcaram a Lei nº 13.105/2015 que, a passos lentos, vêm trazendo importantes resultados mas, está longe de ser o ideal. Justificar a morosidade neste campo processual é tentar, de certa forma, “tampar um buraco”, o que não traz aos jurisdicionados a justiça almejada. Há uma necessidade de reestruturação organizacional e normativa também, afim de o princípio a razoabilidade tenha sua essência imbuída na solução dos litígios. 14 2 A CRISE NO PODER JUDICIÁRIO A justiça, assim como suas garantias fundamentais representam um dos pilares mais sólidos do direito. A busca por tais garantias dar-se-á através de meios que assegurem ao indivíduo a eficácia da resolução do processo e a sua forma mais extensa de efetividade. Para que haja uma solução justa, é necessário a busca incessante por uma justiça mais valorativa e eficaz no âmbito processual, afim de entender como as implicações emodificações das leis e garantias fundamentais afetam a tramitação processual. Entretanto, há de se rememorar que “a ciência processual foi construída visando a concepção de um instrumento apto a alcançar determinados objetivos. Como é natural em toda evolução, houve distorções que perduram até hoje” (BEDAQUE, 2006, p. 33). De modo geral, a chamada “Crise do Poder Judiciário” parece não corresponder com as expectativas da sociedade, sendo importante relembrar que o sistema processual brasileiro, há tempos vem recebendo uma gama de críticas, sendo que algumas tecem a respeito dos mais variados recursos disponíveis, outras, no entanto, são por não conceder aos litigantes a agilidade esperadas nas demandas, implicando, desta forma em reformas que buscam a efetiva justiça (ROESLER, 2005; ESTEVEZ, 2007, p. 27). De outro modo, Claudia Rosane Roesler (2005), condiciona esta crise a “ineficiência do Judiciário no tratamento dos conflitos”; da politização de sua atuação, da interferência na atividade econômica do país e a um conservadorismo exacerbado na aplicação das leis no caso em concreto, havendo, assim, uma certa necessidade de reforma diante da deficiência de efetividade da prestação jurisdicional. Contudo, não é justificativa plausível para a lentidão jurisdicional, a falta de estrutura do poder judiciário, o grande fluxo de demandas, falta de juízes e servidores, o excesso de trabalho entre outros, uma vez que as leis e os procedimentos são alterados com vistas a efetividade e instrumentalidade dos processos – muito embora tais modificações não têm sido suficientes (ANNONI, 2007, p. 06; HOFFMAN, 2006, p. 23). Muito embora o Estado seja plenamente responsável pela garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos, cabe a ele assegurar a segurança de seus atos, para que 15 o jurisdicionado não seja lesado em seu direito ao buscar a tutela jurisdicional, uma vez que ao assumir o papel de Estado Juiz, a sua função máxima é resolver os conflitos e garantir a efetiva justiça. Consoante o art. 37, § 6º da Constituição Federal de 1988, “o Estado é plenamente responsável pelos danos a que, por meio de seus agentes, der causa, bem como pelos danos que tinha o dever de evitar, quando se tiver omitido” (ANNONI, 2007, p. 06). De igual sorte, a sintetização deste grande percalço, está intimamente ligada a esta morosidade que a prestação jurisdicional apresenta. Silva e Costa (2019, p. 137) asseveram que, Embora se identifique um crescimento dos destinatários dos serviços de justiça nas últimas décadas, oportunizando, assim, ao menos em potencial, maiores possibilidades de proteção a direitos, as demandas judiciais se multiplicam, acentuam a taxa de congestionamento e, também, de impugnabilidade, o que representa um impacto na qualidade da prestação da tutela jurisdicional. Isso significa que para uma justiça uniforme e coerente, não basta apenas uma reforma processual, há que se ter em mente que a capacidade de reposta aos conflitos jurídicos, nem sempre basta para a sociedade moderna. Cláudia Rosane Roesler (2005) complementa esta ideia, ressaltando que a [...] atuação do Poder Judiciário se justifica e pode ser considerada adequada se atingir um nível razoável de efetividade na prestação da tutela jurisdicional. Esta exigência requer que o processo seja ao mesmo tempo capaz de viabilizar uma decisão justa, sob a ótica do devido processo legal e da ampla defesa, suficientemente célere para que concretize o direito discutido e sem um custo demasiado alto. Ou seja, esta morosidade encontrada no sistema estatal, compromete de maneira substancial sua eficácia nas ações cotidianas e nas resoluções de conflitos. Deve-se buscar “soluções para a frustrante ineficácia prática da tutela jurisdicional” (BEDAQUE, 2006, p. 32). Miguel Reale Junior (2004, p. 79) aponta que a morosidade da prestação jurisdicional é uma “forma de denegação da justiça”. Justiça esta que se apresenta como um dos princípios basilares o Estado Democrático de Direito, tendo em vista que o próprio preâmbulo da Constituição Federal de 1988, declara, ser esta um dos “valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”, e complementa o autor que “a presteza da prestação jurisdicional ser um direito que decorre da natureza das coisas, já reconhecido no dito popular: justiça tardia não é justiça”. 16 Por conseguinte, Barroso e Barcellos (2003, p. 149), comentam que um sistema jurídico que possa ser adotado como ideal está arraigado em um equilíbrio de distribuição dos princípios que norteiam o direito processual brasileiro, tendo estes princípios uma maior flexibilização para a busca da justiça no caso concreto. Fredie Didier Junior (2017, p. 110) no entanto, ao comentar a respeito desta morosidade, entende que quando se reconhece que há um direito fundamental ao devido processo, nota-se que este processo deva ser cumprido condicionando-o a uma série de atos obrigatórios para existência uniforme deste direito. O cumprimento de tais atos, muito embora desacelerem a continuidade do processo – cite-se a título de exemplo o contraditório e a ampla defesa – em momento algum devem ser rechaçadas ou minoradas. Em todo o caso, “é comum ouvir acerca do descrédito no Poder Judiciário e sobre casos de injustiça patente, a ponto de banalizar-se e crer-se tal fato como irremediável e normal”, mas, a tutela jurisdicional, muito embora esteja distante de um ideal pormenorizado, deve ser justa e equitativa, para que o sistema processual, revestido e condicionado pelo Estado-juiz traga os valores fundamentais estampados na Carta Magna. No entanto, Fredie Didier Junior (2017, p. 110) ressalta ser necessário fazer um alerta para que não haja discursos que preguem “a celeridade como valor”, tendo em vista que muito embora os processos da inquisição fossem ágeis, não há quem diga sentir saudade deles (HOFFMAN, 2006, p. 23). Acrescenta Miguel Reale Junior (2004, p. 78) que A intensa litigiosidade surgida após a promulgação da Constituição de 1988, que se revelou ultrapassada para atender à demanda decorrente da constitucionalização de diversos novos direitos, aliada ao maior acesso ao Judiciário. Essas circunstâncias e o próprio crescimento econômico do país aumentaram a já existente crise de morosidade do Judiciário, fazendo nascer junto aos jurisdicionados a importância ainda maior da celeridade na prestação jurisdicional. No entanto, devemos admitir que as nuances da crise sejam restritas apenas as variáveis que conhecemos, não aplicando-se a nós um olhar amplo quando as necessidades da máquina púbica. É nítido que haja uma morosidade processual e procedimental, ou ineficiência e pouca transparência, mas, justificar todos os problemas ou criticá-los de maneira retrógrada, não mudará a realidade (RENAULT, 2004, p. 96). Sérgio Rabello Tamm Renault (2004, p. 97) ainda complementa que, 17 A incorporação de novas tecnologias de informação, a desburocratização, a padronização de procedimentos racionais, a simplificação de sistemas operacionais, a capacitação de pessoal, o apoio a projetos de financiamento para a modernização são exemplos de iniciativas que podem tornar o Judiciário mais eficiente e ágil. Como fora dito, não há como se examinar e resolver o problema apenas como reformas dos meios processuais realizadas pelo Legislativo. A máquina judiciária carece de deficiências estruturais, gestão de serviços e finanças, formação de profissionais para atuação, “o mau funcionamento do contencioso administrativo, a inoperância de agências reguladoras com poderes efetivos de fiscalização e punição e a indevida utilização do Judiciário como instrumento de moratória da dívida pública”, entre as mais variadas causas que permeiam o Poder Judiciário.1 Analisar o princípio da razoável duração do processo, sob essa perspectiva,é uma tarefa um tanto quanto complexa, visto que são problemas e deficiências desconexos ao Processo Civil (ROQUE et al, 2014, p. 66). No entanto a eficiência e efetividade do Poder Público deve ser nossa principal preocupação, visto que daí decorre a justiça que o jurisdicionado busca. Muito embora haja uma morosidade exacerbada e, uma grande vastidão de problemas que dela emergem, as modificações realizadas pelo legislador com fito a aprimorar o sistema jurídico são de grande importância para todos. Diante disso, devemos entender os aspectos relativos a tais mudanças. 1 No entanto, existe um grande paradoxo hoje, em relação ao poder público e a efetividade da tutela jurisdicional. “As estatísticas disponíveis sobre os processos judiciais que tramitam ou tramitaram no foro brasileiro, ainda que obtidas por métodos nem sempre científicos e por isso mesmo não seguramente confiáveis, dão conta de que, por exemplo, mais de 60% (sessenta por cento) dos feitos que tramitam no STF e STJ, os dois mais importantes tribunais do País, têm como protagonista o poder público, nas suas mais variadas formas de atuação, isto é, administração direta (União Federal, Estados, Distrito Federal e Municípios) e indireta (autarquias, empresas públicas, fundações públicas e sociedades de economia mista). Esse dado é preocupante porque, ao mesmo tempo em que o móvel político da reforma constitucional que culminou com a promulgação da EC 45/04, conhecida popularmente como Reforma do Judiciário, foi a lentidão e ineficiência do Poder Judiciário pela demora excessiva da prestação jurisdicional, do outro lado vê-se o poder público postergando a solução dos processos judiciais em razão dessa mesma demora. Tem interessado, portanto, ao poder público valer- se da morosidade do Poder Judiciário para adiar o cumprimento de seus deveres constitucionais perante os administrados e cidadãos. Para que se dê efetividade à garantia constitucional da celeridade e duração razoável do processo judicial é necessário equipar-se o Poder Judiciário do aparato logístico de que precisa para dar cumprimento ao comando constitucional, constituído de melhoria da capacitação técnica dos juízes e dos elementos materiais necessários ao bom desempenho das funções dos magistrados e dos auxiliares da justiça” (NERY JUNOR; NERY, 2018, p. 34). 18 2.1 Jurisdição, processo e procedimento – a base da aplicação dos princípios constitucionais Apesar de encontramos com muito mais facilidade nos tempos atuais, a os meios de acesso à justiça, tal conceito tem se modificado e se solidificado com o passar do tempo. Cappelletti e Garth (2002, p. 10) comentam que, nos séculos anteriores, XVIII e XIX, existia uma teoria na qual, o Estado entendia que quando se tratava de um direito natural do ser humano, este não necessitava de uma proteção, ou seja, o Estado agia como um agente passivo, auxiliando a preservar o direito, mas que não poderia intervir na prática dos atos. Com o passar do tempo, os direitos humanos dos indivíduos, nesse contexto, sofreram intensas transformações durantes os séculos XVIII e XIX, geradas a partir do crescimento das sociedades, e não apenas isso, mas, houve a propagação da ideia de que haveria a necessidade de defesa coletiva, e não apenas em caráter individual (CAPPELLETTI; GARTH, 2002, p.11). 2 Assim, se institucionalizou neste contexto o poder judiciário como um meio de abolir a justiça privada muito característica desta época. O processo e a noção de jurisdição foram consequências de tais ações e da teoria tripartite, que foi mais difundida a partir de então (THEODORO JUNIOR, 2000, p. 146). Entretanto, conforme podemos vislumbrar, após anos, o Estado atribuiu a ele, o direito-dever único de exercício da jurisdição, ou seja, de proteção dos direitos fundamentais do ser humano, tais como a vida, a liberdade e o acesso à justiça, para o fim de que seus jurisdicionados possam ter seus direitos naturais, hoje conhecidos como fundamentais, protegidos. Assim, o Estado proibiu a autotutela e outras formas privadas de resolução de conflitos – muito embora esteja este se desincumbindo de seu dever primário de resguardar aos cidadãos, sendo improdutivo e insatisfatório e suas atribuições (HOFFMAN, 2006, p. 22). 3 2 Nesse sentido, Cappelletti e Garth (2002, p.11), comentam que o acesso a justiça nada mais é do que um dos requisitos basilares intrínsecos dos direitos humanos, que podem alavancar a conquista por uma justiça igualitária. 3 Trata-se de solução do conflito de interesses que se dá pela imposição da vontade de um deles, com o sacrifício do interesse do outro. Solução egoísta e parcial do litigio. O "juiz da causa:' é uma das partes (DIDIER, 2017, p 186). 19 Corolário a isso, o Estado, como soberano, detém assim o encargo de Legislador e de Juiz. Como juiz, lhe corresponde a função jurisdicional. Apesar de ambas as funções exprimirem o mesmo significado, há de se ressaltar que, essencialmente, a função de jurisdição recai sobre cada caso em singular, ou seja, “não trabalha para armazenar, mas por encomenda, sob medida” (CARNELUTTI, 1942, p. 130). Conhecemos portanto a jurisdição como sendo um poder que o Estado detém de sua soberania, lhe conferindo a competência necessária afim de fazer justiça, e assim estabelecer dentro da sociedade, a paz social. O estudo do direito processual, esta delineado no conceito da jurisdição, tendo em vista ser este um ramo da ciência jurídica que tem por finalidade estudar o processo que é o meio pelo qual a lei atua nos conflitos jurídicos existentes, afim de se obter justiça efetiva no caso concreto (THEODORO JÚNIOR, 2000, p. 145). De acordo com Estevez (2007, p. 15), “jurisdição é a palavra originada do latim, ius (direito) e dicere (dizer), de forma que a jurisdição nada mais é do que a função do Estado de dizer o direito”. Assim, compete ao Estado resolver os conflitos existentes, onde esse dever seja exercido em tempo razoável e concedendo as partes a prestação jurisdicional adequada aos parâmetros legais. Se esta é, de certa maneira, a manifestação do “poder estatal”, torna-se evidente que terá diferentes objetivos, sendo estes a busca por “fins sociais, políticos e propriamente jurídicos, conforme a essência do Estado” (MARINONI, ARENHART, MITIDIERO, 2017, p. 19). Complementam os autores Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2017, p. 19), que a jurisdição, como um todo, deve refletir os ideias estampados na Constituição Federal, que em seu artigo 3º reflete os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil como o de constituir uma sociedade livre, justa e solidária, para que assim, garanta o desenvolvimento nacional, erradique a pobreza e a marginalização, reduza as desigualdades sociais e regionais e, por fim, promova o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, idade e toda e qualquer outras formas de discriminação (BRASIL, 1988). Nesse sentido, Cintra, Grinover e Dinamarco (2015, p. 165) aduzem que, [...] jurisdição é, ao mesmo tempo, poder, função e atividade. Como poder, é manifestação do poder estatal, conceituado como capacidade de decidir imperativamente e impor decisões. Como função, expressa o encargo que têm os órgãos estatais de promover a pacificação de 20 conflitos interindividuais, mediante a realização do direito justo e através do processo. E como atividade ela é o complexo de atos do juiz no processo, exercendo o poder e cumprindo a função que a lei lhe comete. O poder, a função e a atividade somente transparecem legitimamente através do processo devidamente estruturado (devido processo legal). Para eles o Estado é provocado pela parte interessada, instaurando-se assim o processo, e o conduz com um único intuito de obter a prestaçãojurisdicional que reflete o interesse público e a pacificação social. 4 Fica evidente neste interim, que a noção a respeito do processo tem como essência a Constituição Federal e os direitos fundamentais que dela decorrem. Assim, deve este revelar os valores constitucionais – segurança, efetividade, justiça e paz social – valores tais que não podem ser rechaçados para que através da técnica processual alcance sua real finalidade (BARROS; OLIVEIRA, 2014, p. 570; BEDAQUE, 2006, p. 40). Assim, Gonçalves (2018, p. 72) corrobora que “o processo é o instrumento da jurisdição, o meio de que se vale o juiz para aplicar a lei ao caso concreto”. Tal instrumento é utilizado para obtenção de um resultado final, onde há a prestação jurisdicional com fito de solucionar a lide instaurada. Complementando esta ideia, Humberto Theodoro Junior (2000, p. 146) assevera que a jurisdição em si é uma das funções estatais, e o processo por conseguinte, o instrumento utilizado para sua atuação. Fredie Didier Junior (2017, p. 36) ressalta que o conceito de processo está compreendido “como método de criação de normas jurídicas, ato jurídico complexo (procedimento) e relação jurídica”. O autor compreende que o processo é o exercício da jurisdição, onde existem situações jurídicas em que cabe a jurisdição tutelar tais situações que se consubstanciam no processo. Assim, todo o processo necessita de uma situação jurídica, não existindo um processo oco, “todo processo traz a afirmação de ao menos uma situação jurídica carecedora de tutela jurisdicional” (DIDIER, 2017, p. 45). Sumariamente, processo em síntese é um instrumento jurisdicional desenvolvido pelo Estado afim de intervir nos conflitos existentes e assim solucioná- 4 Para Chiovenda apud Arruda Alvim (2019, p. 88), “O critério realmente diferencia, correspondente, em outros termos, à essência das coisas, reside em que a atividade jurisdicional é sempre uma atividade de substituição; é – queremos dizer – a substituição de uma atividade pública a uma atividade alheia”. 21 los. Os sujeitos que participam, praticam atos pré-estabelecidos em lei, assim, unindo- se tais atos de maneira ordenada, tem-se o chamado procedimento, que urge com o objetivo final, solucionar as controvérsias (BEDAQUE, 2006, p. 36). Desta feita, far-se-á necessário distinguir processo de procedimento. Para Cintra, Grinover e Dinamarco (2015, p. 317) a noção de processo tem como finalidade o exercício do poder jurisdicional do Estado; é um conjunto de atos que compõem as relações dos atos entre si e das relações entre os sujeitos. Em contrapartida, procedimento é a coordenação de tais atos que os sucedem; é o meio utilizado para que o processo se desenvolva; “conclui-se, portanto, que o procedimento (aspecto formal do processo) é o meio pelo qual a lei estampa os atos e fórmulas da ordem legal do processo”. De acordo com Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero (2017, p. 65), o processo é um procedimento que tem por fim uma resolução da demanda de forma adequada e também efetiva, e, para que isso ocorra, deve haver uma harmonia entre os direitos fundamentais contidos na lei. E complementando esta distinção, Fredie Didier Junior (2017, p. 68) assevera que o procedimento, “é o um conjunto de atos organizados tendentes a produção de um ato final”, ou seja, são os meios que se utiliza ao ajuizar uma ação para constituir um procedimento adequado, conforme os ditames legais. Neste contexto que tecem quanto ao processo, o Direito Processual Civil, como um dos ramos do direito, comporta as regras e os princípios que tratam fundamentalmente da jurisdição civil do Estado, onde a lei, quando aplicada no caso concreto, busca solucionar a lide a qual o Estado-juiz tem interesse (GONÇALVES, 2018, p. 71). Assim, importa salientar que próprio Código de Processo Civil reforça esta compreensão a respeito do conceito de processo, dispondo em seu art. 14 que: "A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Assim, aponta Fredie Didier Junior (2017, p. 36) que o legislador dá enfoque a "atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas”, demonstrando que a jurisdição atua como um meio de aplicação da lei utilizando como instrumento, os processos (BRASIL, 2015). Neste interim, é fático evidenciar que os princípios norteiam os processos e por conseguinte, os procedimentos e assim, asseguram que as garantias fundamentais 22 sejam efetivadas. Os princípios são normas que necessitam ser aplicadas com a maior funcionalidade possível dentro do caso em concreto, ou seja, dentro destes procedimentos exigidos por lei. Aplicam-se assim, para que se garanta ao titular da ação uma solução não apenas integral e eficaz do direito, mas que seja efetiva, servindo de base para uma interpretação quanto aos procedimentos enumerados na legislação em comento (THEODORO JUNIOR et al, 2015). No mais, não há como se falar em efetividade, jurisdição, ou tampouco de processo, sem que seja embasada no ordenamento jurídico vigente a época de sua aplicação, o que será tratado mais adiante (PINHEIRO, 2012). 2.2 Distinções entre eficiência, efetividade, eficácia É notória a necessidade de se fazer uma distinção terminológica quanto aos termos de efetividade, eficácia e eficiência, tendo em vista que não se tratam de terminações sinônimas e sim, distintas que causam grande impacto no teor jurídico quando aplicadas erroneamente, ou seja, se tratam de normas singulares e distintas. Bechara (2012, p. 84) aduz quanto a eficiência ao compará-la com uma virtude do direito, um meio de alcançar determinado efeito, mas não dando ênfase ao resultado predeterminado, e sim quanto a “ação necessária para alcança-lo”. No mais, há de ser ressaltado que só há como concluir, nessa concepção, se determinada ação foi ou não eficiente, quando conclusa, devido a forma com que esta deve ser empregada (DIDIER, 2013, p. 435.). Nesse sentido, aduz Fredier Didier Junior (2013, p. 435) que, Eficiente é a atuação que promove os fins do processo de modo satisfatório em termos quantitativos, qualitativos e probabilísticos. Ou seja, na escolha dos meios a serem empregados para a obtenção dos fins, o órgão jurisdicional deve escolher meios que os promovam de modo minimamente intenso (quantidade – não se pode escolher um meio que promova resultados insignificantes) e certo (probabilidade – não se pode escolher um meio de resultado duvidoso), não sendo lícita a escolha do pior dos meios para isso (qualidade – não se pode escolher um meio que produza muitos efeitos negativos paralelamente ao resultado buscado). Ou seja, a eficiência engloba todo o processo pelo qual deva percorrer determinada ação. De diferente modo, a efetividade se apresenta como uma 23 verdadeira materialização dos deveres legais inseridos na norma, se consubstanciando entre dever ser normativo e a uma realidade social. Representa, portanto, a função social do direito, por meio do qual, só se mostra efetivo o processo em que há um direito afirmado e reconhecido, ou seja, se dá com a satisfação integral do resultado final (BARROSO, 2006, p. 82). Note que, desta forma, podemos distinguir eficiência de efetividade. Fredier Didier Junior (2013, p. 436) explana que poderá um processo ter um resultado satisfatório, ou seja, efetivo, mas não ter tido uma conduta eficiente em seu percurso – por exemplo, quando há muitos resultados insatisfatórios ou até uma excessiva demora. No mais, o autor comenta que o contrário disso não há como existir, ou seja, não há como se ter um resultado naquele processo uma vez que este se deu de forma ineficiente.Fazendo uma relação entre ambas, Barroso (2006, p. 82) aduz que [...] é intuitivo que a efetividade das normas depende, em primeiro lugar, da sua eficácia jurídica, da aptidão formal para incidir e reger as situações da vida, operando seus efeitos que lhe são próprios. A efetividade das normas jurídicas resulta, comumente, de seu cumprimento espontâneo. Assim, efetividade é a “capacidade de produzir um efeito”, ou seja, o pleno direito de se fazer aquilo que está certo, estando este termo intrinsecamente adstrito a aplicabilidade das leis no caso concreto (OLIVEIRA; CHAVENCO, 2012, p. 320). Neste contexto fático, há também a eficácia dos atos jurídicos, que, segundo Barroso (2006, p. 81), “consiste em sua aptidão para produção de efeitos”. Segundo ele, um ato só eficaz quando possui idoneidade, ou seja, para que um ato jurídico seja eficaz, ele deve estar em consonância com a finalidade para o qual foi destinado. É eficaz, portanto, o ato que detém “`a aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma”. Nesse sentido também é o entendimento de Fábio Ramazzini Bechara (2012, p. 84), que entende que a norma eficaz é aquela que condiz intrinsecamente com o resultado devendo ser idônea qualquer conduta adotada. “Assim, a eficácia se relaciona à capacidade de criação de situações jurídicas” (SILVA; COSTA, 2020, p. 138). Conclui Pinheiro (2012) que, A efetividade, tanto do processo quanto da jurisdição, reclama a observância aos direitos fundamentais que constituem a garantia do devido processo legal. A grande preocupação das citadas teorias é 24 com os resultados (eficiência) da jurisdição. Contudo, não atacam o problema causador dessa ineficiência jurisdicional, embora o reconheçam, a saber: a falta de estrutura organizacional e tecnicamente qualificada do Judiciário. 2.3 A Emenda Constitucional nº 45/2004 e o Direito Comparado No sistema processual brasileiro, conforme já sintetizado, há muito é criticado principalmente no que tange a morosidade jurisdicional, o que implicou de maneiras diversas, em reformas em todo o direito processual bem como na base constitucional, muitas destas desencadeadas pela EC 45/04, com a inserção do princípio a razoável duração do processo (ESTEVEZ, 2007, p. 27). Este instituto jurídico, muito embora esteja sendo aperfeiçoado no Brasil, não se trata de um instituo novo, na realidade, é notório vislumbrar que o direito a duração razoável da prestação jurisdicional de maneira efetiva e dentro de um prazo adequado, foi muito difundido por todo mundo, sendo reconhecido como um direito fundamental. No direito comparado, há também essa ocorrência quanto a este princípio em alguns documentos de alcance internacional. Assim, o primeiro deles a reconhecer o direito a efetiva e pronta prestação jurisdicional foi a Convenção Europeia de Direitos Humanos, que em seu artigo 6º, I, dispõe, desde 1950, que todo indivíduo tem o direito à prestação jurisdicional em prazo razoável (CABRAL, 2013, p. 103). Podemos observar, por exemplo, no direito Norte Americano, a 6º emenda assegura um julgamento rápido. Na Espanha, por conseguinte, a constituição pátria ressalva que deverá ser garantido aos seus jurisdicionados um processo ao qual não caiba dilações indevidas (CABRAL, 2013, p. 103). Estevez ressalta que na América Latina existem países que também positivaram tal conduta como é o caso da Argentina5 em seu no art. 43 e da Colômbia 5 Podemos vislumbrar este cenário ainda nos dias atuais, como foi o recente caso na Argentina, em 15 de novembro de 2019. “A Corte Interamericana de Direitos Humanos divulgou a condenação da Argentina por violação à duração razoável do processo no caso Perrone y Preckel Vs. Argentina. Tratava-se de dois agentes do governo que foram indevidamente detidos durante a ditadura militar argentina, sendo posteriormente presos e, um deles, Preckel, chegou a ser exilado. Buscaram a esfera administrativa e a judicial na tentativa de reparação, que, entre a etapa administrativa e a judicial, o caso demorou 13 (treze) anos e 4 (quatro) dias para ser solucionado, fixando como condenação a 25 no art. 86, que em suas Constituições, lograram em ratificar a duração razoável do processo (ESTEVEZ, 2007, p. 57). E há também tal positivação em países da Europa como é o caso Portugal que prevê, no art. 20, incisos 4 e 5 o mencionado direito “cujo objetivo sejam a defesa dos direitos e as garantias pessoais” (ESTEVEZ, 2007, p. 58).6 A Alemanha é mais um destes exemplos de cumprimento do prazo razoável na tutela jurisdicional. E a Espanha não fica atrás, esta reflete uma real preocupação com seus jurisdicionados, tendo assegurado de maneira concreta o aludido princípio em sua Constituição (CABRAL, 2013, p. 104; ESTEVEZ, 2007, p. 59). Entretanto, muitos doutrinadores revelam que a principal influência para que este direito fosse resguardado no Brasil, surgiu de Itália. A partir do ano de 2011, a Constituição Italiana sofreu diversas mudanças (CABRAL, 2013, p. 103). Com a adesão do país à União Europeia, umas das praxes que deveriam ser adotadas pelo país, tendo em vista que se mantém expresso na convenção europeia dos direitos do homem, era a “proteção dos direitos do homem e das liberdades fundamentais” (HOFFMAN, 2006, p. 52). Paulo Hoffman alerta que, na verdade, tal previsão, muito embora já trouxesse um viés ao País, esta convenção “já demonstrava, há mais de 50 anos, a importância de que o julgamento das causas judiciais fosse dotado de mecanismos que permitissem uma demora que não ultrapassasse aquela estritamente necessária” (HOFFMAN, 2006, p. 55). Já o Brasil, seguindo os mesmos parâmetros adotados pela Itália, a duração razoável do processo foi um mecanismo empregado pelo país afim de que houvesse uma rápida prestação jurisdicional. Foi emergida no direito brasileiro por meio da Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, datado do ano de 1969, em vigor desde 1978 mas apenas ratificado pelo Brasil apenas em 1992. O art. 8º, 1, do Pacto prevê que “toda pessoa a ser ouvida por obrigação de publicizar a sentença e pagar uma indenização pecuniária aos agentes (SILVA, 2020, p. 289) 6 4. “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo” 5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos” (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, 2015, p. 26/27). 26 juiz ou tribunal dentro de um prazo razoável (REBOUÇAS; SIERRA, 2014, p. 75; RODRIGUES, 2008, p. 07). Esta determinada previsão, foi assim adotada meio da Emenda Constitucional nº 45 de 30 de dezembro de 2004. Conforme vários doutrinadores pontuam, a referida emenda reformou constitucionalmente o poder judiciário e refletiu em todo sistema processual, em especial, o Processo Civil. Santana (2014, p. 15) comenta que a inclusão quanto ao princípio da razoável duração do processo, constante no art. 5º, inciso LXXVIII, foi uma das principais modificações trazidas afim de dar fiel cumprimento a tutela jurisdicional.7 Assim, Fredie Didier Junior (2013, p. 108) ressalta quanto a elaboração da determinada emenda: Assim, a República Federativa do Brasil, sendo signatária desse Pacto de São José da Costa Rica, que adquiriu eficácia no plano internacional em 18 de julho de 1978. O Congresso Nacional editou o Decreto 27, de 26 de maio de 1992, aprovando o seu texto. O Governo Federal depositou, em 25 de setembro do mesmo ano, a Carta de Adesão ao mencionado pacto. Com a ulteriorpublicação do Decreto 678 (09.11.1992), o Pacto de São José da Costa Rica foi promulgado e incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro. O procedimento de incorporação do tratado foi respeitado em seus mínimos detalhes. 8 E complementa Walter dos Santos Rodrigues (2008, p. 07), Após longa e conturbada tramitação no Congresso – chegou a existir 17 PECs sobre o judiciário tramitando no Senado Federal no ano 2000 – foi aprovado um dos quatro projetos remanescentes, o de n.º 29/2000, que se transformou na Emenda Constitucional n.º 45/2004 – que alterou o inciso LXXVIII do artigo 5º e muitos outros dispositivos – , promulgada em 8 de dezembro de 2004 e que entrou em vigor na 7 “Essa necessidade de reforma do Poder Judiciário, muito embora seja uma necessidade que decorre há anos, surgiu com maior intensidade em 1992, quando através da PEC96/1992 foram apresentadas propostas para uma melhor organização do sistema judiciário através de Hélio Bicudo. Importante mencionar que entre tal apresentação de proposta e a efetiva aprovação, decorreram-se 12 anos” (KLEIN; SANTOS, 2019, p. 47). 8 “Mais tarde, essa inovação legislativa inspirou a criação jurisprudencial de critérios de medição e valoração da duração dos processos no âmbito do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, o que, em minha opinião, revolucionou toda a questão da duração razoável do processo, como veremos dentro em breve. Foi o Instituto Brasileiro de Direito Processual quem sugeriu a inclusão da garantia da duração razoável do processo no texto constitucional, após a apresentação do Substitutivo Aloysio Nunes Pereira à, então, Proposta de Emenda Constitucional 96-A de 1992. Na Moção encaminhada ao Relator da proposta de Emenda da Reforma do Judiciário (dentre outros parlamentares), aprovada nas III Jornadas Brasileiras de Direito Processual Civil, realizadas em Salvador, de 14 a 18 de junho de 1999, cujas propostas, elaboradas por comissão constituída pela diretoria conforme delegação dos participantes, estão datadas de 12 de julho do mesmo ano, sugeria explicitamente (dentre outras propostas) a previsão da garantia da duração razoável do processo, em consonância com Pacto de São José da Costa Rica. O Substitutivo Zulaiê Cobra, publicado em 13 de setembro de 1999, acolheu, sem mencionar expressamente o IBDP, esta e outras sugestões formuladas (mas não todas)” (RODRIGUES, 2008, p. 08). 27 data de sua publicação no Diário Oficial da União, em 31 de dezembro de 2004. (RODRIGUES, 2008, p. 07). Um outro ponto a se destacar é o fato de que, com a atual Constituição Federal, após a ratificação da EC nº 45/04, o § 3º do art. 5º passou a prever que “Os tratados e convenções internacionais sobre seres humanos que forem aprovados, em cada casa do Congresso Nacional, em dois Turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”, assim o Pacto de São José da Costa Rica passou a se revestir-se de status de Emenda (BRASIL, 1988). 9 Antes disso, muitos doutrinadores, por tempos, interpretaram os tratados internacionais como uma ampliação do rol de garantias fundamentais, que constavam na Constituição Federal de 1988, entretanto, para o Supremo Tribunal Federal, a recepção dos tratados internacionais deveriam receber o status de normas ordinárias, o que teria tido fim a partir do surgimento da EC 45/04 (ANNONI, 2007, p. 08). 10 Outra criação que modificou nosso sistema processual e trouxe mudanças significativas para o direito através da EC 45/04, foi a introdução do CNJ – Conselho Nacional de Justiça, que através deste é feito o controle externo da magistratura. Para Cavalcanti (2012, p. 94), esta criação teve como principal anseio de atender as expectativas da sociedade e levar um Poder Judiciário mais eficiente. Através da criação deste órgão, foram celebrados diversos convênios com os tribunais, o que possibilitou a criação e desenvolvimento do PJe (Processo Judicial Eletrônico) (CAVALCANTI, 2012, p. 94). O PJe foi incorporado ao ordenamento jurídico através da Lei nº 11.419/06, que em 19 de dezembro de 2006 trazendo ao lume a informatização dos processos judiciais e transformando a forma procedimental de tramitação dos processos 9 Comenta Arruda Alvim (2019, p. 732), que os tratados internacionais entre os quais não foram submetidos ao quórum do art. 5º, § 3º da Carta Magna, devem receber o status de norma supra legais, conforme entendimento do STF, o que, alguns ministros não compactuam, entendendo que todos os tratados deveriam receber um status constitucional. 10 “Esta polêmica sobre a incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos, que supostamente teria sido resolvida pela inclusão do parágrafo terceiro ao artigo 5º, em razão da EC 45/2004, não está longe de ser solucionada, uma vez que o novo parágrafo criou um óbice a tal incorporação, ao exigir que a aprovação do tratado dê-se nos mesmos termos exigidos às emendas constitucionais, constituindo uma verdadeira hierarquia normativa entre tratados. No que se refere ao tema deste ensaio, a questão do direito à razoável duração do processo, a partir da EC 45/2004, restou pacificada. A garantia até então tácita no texto constitucional e positiva em norma infraconstitucional, passou a integrar, formal e materialmente, o rol de direito e garantias fundamentais, atingindo o status de cláusula pétrea e, portanto, merecedora de toda tutela jurídica em prol de sua efetivação, inclusive contra o próprio Estado” (ANNONI, 2007, p. 08). 28 causando deste modo uma maior celeridade e eficiência da a partir da digitalização dos autos e incluindo de maneira mais incisiva do princípio da razoável duração do processo (CNJ, 2018, p. 15). 11 Assim podemos vislumbrar que a Emenda Constitucional 45/2004 reformou de maneira incisiva o judiciário, fazendo com que de maneiras diversas o princípio da razoável duração dos processos fosse aplicado de modo incisivo ao ordenamento, transformando assim a justiça e sua forma de atuação. 11 Essa resolução trouxe um enorme impacto na realidade judicial, visto que o número de processos que tramitam eletronicamente passou de 30,4% no ano de 2013 e já são hoje, em 2019, 90% (CNJ, 2020, p. 258). 29 3 TEMPO E PROCESSO O tempo na sociedade se perfaz de maneira democrática e desconhecida, muito embora os estudiosos busquem compreender suas variáveis. Entretanto, através do dinamismo da sociedade moderna, houve de maneira mais tendenciosa a exigência de uma maior aceleração dos recursos cabíveis ao Estado na aplicação da tutela jurisdicional, que encontrou-se em descompasso com medidas aplicáveis que até então eram realizadas de forma lenta e antiquada (CABRAL, 2013, p. 74). Para que tais medidas não continuassem a serem indesejáveis, tendo em vista que a aplicação do direito em si ainda levava em conta leis ultrapassadas, foi necessário que o Estado, como garantidor da justiça, adequasse seus meios de aplicação no caso concreto sendo este o processo. Assim, o processo, estando imbuído no tempo, é um fator eficácia ou ineficácia das relações processuais, sendo o meio mais viável para tentar solucionar o problema da morosidade do Poder Judiciário (BERALDO, 2010, p. 18; PINHEIRO, 2012). Esta ideia de morosidade está intimamente ligada com a concepção do processo, tendo em vista que a idealização instantânea de um processo, está longe do almejado, vez que para não haver uma lesão dos direitos, este processo necessita de um lapso temporal adequado para se desenvolver. Na obra de Marinoni, Arenhart e Mitidiero – Novo Curso de Processo Civil – (2017, p. 11), os autores comentam que “quanto maior a demorada resposta estatal a violações ou ameaças a direitos, mais distante ela tende a ser das necessidades do interesse objeto da proteção e maior o dano marginal que a parte que tem razão experimenta”. Ou seja, tempo processual é um mal necessário para aqueles que buscam o poder judiciário, sendo tangíveis as vezes em que há prejuízo para os litigantes em decorrência do inegável abuso por uma das partes em aproveitar-se do tempo para ferir o direito do outro. Luiz Guilherme Marinoni (2002, p. 38) afirma que “se o tempo do processo, por si só, configura um prejuízo a parte que tem razão, é certo que quanto mais demorado for o processo civil, mais ele prejudicará alguns e interessará a outros. Deste modo, Yarshell (2004, p. 32) entende que “na visão clássica, o ônus do tempo necessário para a tramitação de um processo deveria ser suportado pelo autor”, o que geralmente não acontece, devendo ser ponderado que há uma certa 30 urgência e necessidade de que o tempo seja distribuído de maneira igualitária entre os litigantes, em nome do princípio da isonomia12, para que não haja injustiças por perda do direito diante da má distribuição do chamado tempo do processo (MARINONI, ARENHART, MITIDIERO, 2017, p. 822). Há também, nesse sentido, uma necessidade intrínseca de que cada procedimento seja cumprido conforme as solenidades necessárias e que se conclua de maneira razoável tendo em vista que a morosidade poderá causar um grande agravo da efetiva tutela jurisdicional (ICLE, 2010, p. 45). Paulo Hoffman (2006, p. 17) ressalta a esse despeito que a espera processual é inevitável, entretanto, cabe ao Estado, como provedor a jurisdição, assegurar que os princípios norteadores do processo como o contraditório13, a ampla defesa14 e o devido processo legal15 sejam devidamente cumpridas e resguardados as partes e, que essa espera, mesmo que inevitável, não seja inadequada. De igual sorte, é o entendimento de Cristiano Heineck Schmitt (2011, p. 43), que assevera que não podemos entender como sinônimos uma razoável duração dos processos e as dilatações dos prazos processuais. Deve-se ter em mente que todos as etapas processuais devem ser cumpridas, afim de que esteja assegurado as partes a satisfação jurídica integral. 12 O princípio da isonomia, consagrado no inciso I e caput, do art. 5º da CF/88, o qual se projeta sobre o direito processual, exigindo que ambas as partes, autor e réu, sejam tratadas com igualdade. Tal princípio, dada a importância que se reveste, é expressamente encampado também no plano infraconstitucional, pelo art. 7º e pelo inciso I do art. 139 do CPC. Isonomia assim significa “tratar igualmente iguais e desigualmente desiguais, na exata medida de suas desigualdades” (ARRUDA ALVIN, 2019, p. 72; NERY JUNIOR; NERY, 2018, p. 988). 13 “O princípio do contraditório, também chamado de contraditório substancial ou da audiência bilateral, significa que o juiz não pode decidir sobre uma pretensão, sem ouvir a outra parte, contra a qual é deduzida”. Esta garantia se revela com fito a envolver todos os sujeitos do processo possam gozar de poderes para se defenderem e assegurar a que haja uma ampla possibilidade de influenciar a decisão do julgador, baseado em seus argumentos (ALVIM, 2018, p. 209; CABRAL, 2013, p. 80). 14 “Ampla defesa constitui cláusula constitucional que garante o uso de instrumentos e mecanismos processuais para que demonstrem os envolvidos o acerto de seus argumentos e a procedência de suas teses, bem assim a produção de provas. Nesse cenário, a ampla defesa exige o respeito dos órgãos julgadores às opções estratégicas dos sujeitos processuais, desde que não firam a boa-fé. Esse respeito gera uma deferência natural ao prolongamento processual que não pode ser evitada totalmente, salvo pelo indeferimento de requerimentos impertinentes ou desnecessários e pela sanção aos atos de má-fé processual” (CABRAL, 2013, p. 80). 15 “Devido processo legal exige o respeito ao encadeamento de atos processuais previsto em lei, uma garantia sem tamanho dos indivíduos de que todos devem saber aprioristicamente, caso sejam processados para supressão de sua liberdade ou seus bens, que o procedimento a ser seguido será aquele estabelecido na norma, e não outro escolhido ao talante do julgador do momento; que o litigante disporá de tais e quais e meios de prova, ou que o prazo para recorrer será daqueles exatos dias segundo o fixado na legislação, e não um prazo menor, definido caso a caso” (CABRAL, 2013, p. 80). 31 Assim, Antônio de Passo Cabral (2013, p. 81) destaca que um processo efetivo não significa sua rapidez. A celeridade, uma vez negligenciada visando apenas o resultado final das decisões é uma forma distorcida de se olhar para o direito processual. E o Relatório Analítico Propositivo do CNJ (2018, p. 20) acrescenta essa premissa, ressaltando que “tentar resolver tornar o processo mais célere, de maneira isolada, sem averiguar as implicações dessa modificação para a concretização das demais garantias do acesso à justiça justa, é motivo de maior retrocesso”. Danielle Annoni (2007, p. 04) elucida que não é apenas as garantias processuais que devem estar asseguradas no desenrolar do processo mas que a “resposta aos jurisdicionados seja justa, que se faça em um lapso temporal compatível com a natureza do objeto litigado. Do contrário, torna-se utópica a tutela jurisdicional de qualquer direito”. Desta forma, é crível notar que de um lado, deve haver uma razoabilidade quando se atenta a uma demanda, sendo inaceitável que um processo se delongue por vários anos. Entretanto, deve se atender uma certa medida para que o lapso temporal entre o ajuizamento da demanda e a prolação da sentença seja dado ao indivíduo uma segurança quantos aos atos praticados e sua resolução final (SOARES, 2016, p. 15). Assim, se apresenta também o princípio da segurança jurídica, dentro desse arcabouço. O princípio da segurança jurídica busca dar aos atos processuais, não apenas a sua eficácia, mas a efetividade, com uma solução integral do mérito. Traz um viés quanto a estes atos processuais, uma vez que eles devem ser praticados objetivamente respeitando as normas e estabelecendo técnicas adequadas para que os resultados a serem produzidos não sejam inválidos e tragam a segurança capaz de viabilizar o ato processual (CÂMARA, 2017, p. 137). Frederico Augusto Leopoldino Koehler (2008, p. 17) faz uma ressalva quanto há um possível conflito entre tais princípios fundamentais, assegurando que muito embora alguns doutrinadores enfatizam que há um duelo entre o princípio da razoável duração do processo frente ao princípio da segurança jurídica, ele é apenas aparente, ou seja, na realidade o que necessita ser verificado é o caso concreto e a aplicação de um equilíbrio entre ambos, assim a resolução processual terá uma eficiência máxima – um processo rápido e uma justiça valorativa. Inegável é que quanto mais distante é a decisão final, mais utópico se mostra a sua eficácia e o seu direito a ser reconhecido. Nesse sentido, quanto ao tempo do 32 processo, a adequação deste é mais do que necessária para que se regulamente seu encerramento de maneira adequada e eficaz (ANNONI, 2007, p. 04; ICLE, 2010, p. 44). Miguel Reale (2004, p. 79), alerta que não podem ser pregados a celeridade da justiça como um valor. Há de se ponderar que a celeridade, quando afastada dos demais critérios processualísticos, apenas revela a falha na sua prestação. Falha porque não se buscou aplicar ao caso concreto todos meios necessários para que o jurisdicionado apresente sua defesa, ou seja, o contraditório e a ampla defesa foram negados. “Nada pior do que a injustiça célere”. A celeridade, para o autor, assim como a morosidade, se não aplicadas de maneira eficaz, representam a verdadeira denegaçãoda justiça. A esse respeito, importa salientar que seria totalmente perverso, quando a parte interessada, vê seu direito perecer, diante da demora na conclusão ou diante da dilação injustificada dos prazos processuais (YARSHELL, 2004, p. 32; ICLE, 2010, p. 57). Necessário se faz que a partir de tais premissas haja um ponto de equilíbrio entre a efetividade e eficácia dos direitos fundamentais frente a uma prestação jurisdicional justa e equânime (ICLE, 2010, p. 57). 3.1 O princípio da razoável duração do processo como um direito fundamental Os direitos fundamentais estão diretamente associados a atuação processual, tendo como sua matriz básica a dignidade da pessoa humana16 “sendo este o núcleo intangível, caracterizando-se, essencialmente, pela aplicação imediata em nosso ordenamento jurídico, nos termos do art. 5º, § 1º da CF/88”. A existência material deste princípio atua em consonância com os demais princípios fundamentais aplicados ao processo uma vez que, agredir a um destes, é atuar em desfavor ao ser humano (ESTEVEZ, 2007, p. 34; MENDES, 2015, p. 400). 16 Segundo os autores, Sarlet, Marinoni e Mitidiero (2017, p. 360), “o princípio da dignidade da pessoa humana assume especial relevância como critério material para identificação de direitos fundamentais, visto que, tratando-se de uma exigência da dignidade da pessoa humana, não se haverá de questionar a fundamentalidade”. 33 Gilmar Mendes (2015, p. 401) comenta que a Constituição Federal, desde 1946 garantia ao indivíduo a proteção a qualquer lesão ou ameaça aos seus direitos, tendo em vista que o valor da tutela judicial efetiva já estava apregoado em seu rol de garantias, para ele, “a duração indefinida ou ilimitada do processo judicial afeta não apenas e de forma direta a ideia de proteção judicial efetiva, como compromete de modo decisivo a proteção da dignidade da pessoa humana”. É devido portanto, analisar as questões relativas a esta “duração indefinida ou desmesurada do processo no contexto da proteção judicial efetiva” ante esta relação de dependência de um processo em tempo razoável e um processo efetivo. Nesse sentido, complementa Gabriel Barreira Bressan (2014, p. 96) a ideia de busca de um processo fundamentado na dignidade humana bem como nos valores fundamentais da Carta Magna, aduzindo que, Nesse diapasão, o processo se revela como um método de controle do poder e da manutenção do mínimo existencial, com o objetivo de conservar a dignidade da pessoa humana, bem como os demais fundamentos da república brasileira. Portanto, o processo não pode mais ser visto como sinônimo de direito formal, deve-se buscar um processo justo, substancializado pela existência de direitos fundamentais. O direito processual tem escopo de garantia fundamental, surgindo a necessidade de se adequar as novas tendências da sociedade, vez que há uma insatisfação quanto ao poder judiciário, que muito embora se baseie em garantir aos litigantes a justiça, há uma qualidade na prestação insatisfatória, devendo o Estado, como detentor soberano deste poder, garantir a tutela justa, adequada, satisfatória e principalmente tempestiva (ESTEVEZ, 2007, p. 34). O Código de processo Civil de 2015 enaltece essa preposição ao dispor em seu art. 1º que “O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código” afim de que prevaleça a real justiça, assim, observa-se, como será exposto mais adiante, que o próprio CPC/2015 trouxe como premissa básica e fundamental defender ao valores apregoados na Constituição Federal de 1988. E, num contexto de celeridade processual, tendo em vista a luta incansável com a morosidade dos procedimentos jurídicos, vê-se que esta foi escrita visando a aceleração dos procedimentos, ou seja, a aplicação do princípio da razoável duração do processo (BRASIL, 2015). 34 Assim, para que houvesse um processo em consonância com os valores fundamentais, a justiça elaborou medidas com o viés de que a morosidade processual não fosse mais um empecilho em todo o trâmite, tendo em vista que não pode haver espaço para lentidão no judiciário. Desta feita, não cabe ao direito apenas positivar as garantias fundamentais, e sim torná-las mais eficazes (CNJ, 2018, p. 15; OLIVEIRA; CHAVENCO, 2012, p. 312; ICLE, 2010, p. 41). Desta forma, o princípio da razoável duração do processo, nesta conjuntura a respeito da celeridade processual, é um dos meios capazes de enfrentar este impasse e ajudar a modificar as questões atinentes a morosidade das demandas judiciais. Pode ser encontrado em tratados e leis internacionais, dentre eles, a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, conhecida como “Pacto de São José da Costa Rica”, ao qual o Brasil é signatário e prevê em seu texto que “Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente [...]” (CABRAL, 2013, p. 75). Em nosso sistema constitucional, aduz CABRAL (2013, p. 78), que nas constituições passadas, como de 1934 e 1946, esboçavam em seu texto, de maneira sucinta, quanto ao princípio da razoável duração do processo aduzindo que “a lei assegurará o rápido andamento dos processos nas repartições públicas [...]”. Muito embora tal princípio tenha sido tratado brevemente, é somente com o advento Constituição de 1988, e posteriormente com a Emenda Constitucional nº 45/2004 é que a lei começa a dar importância a tal premissa (CABRAL, 2013, p. 78). Assim estabelece o art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal: “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Ao discorrer sobre tal modificação Antônio de Passo Cabral (2013, p. 82) conceitua este princípio da seguinte forma: [...] A duração “razoável” do processo é aquela em que, atendidos os direitos fundamentais, permita uma tratativa da pretensão e da defesa em tempo adequado, sem descuidar da qualidade e sem que as formas do processo representem um fator de prolongamento imotivado do estado de incerteza que a litispendência impõe às partes. Este princípio não se mantém explícito apenas no meio judicial, é encontrado também em processos administrativos, perfazendo uma economia e uma celeridade dos meios de sua tramitação. Ademais, um processo que se prolongasse demasiadamente, tornaria utópico o direito buscado pelo jurisdicionado, se tornando 35 inócua desta forma a atividade jurisdicional (ARRUDA ALVIM, 2019, p. 242; CRUZ e TUCCI, 2018, p. 89). Virgínia Icle (2010, p. 41), ao abordar sobre determinado tema, aduz que, O direito a razoável duração do processo decorre diretamente da ideia de “devido processo legal”, não se constituindo, por assim dizer, como um direito novo no ordenamento jurídico. É reflexo da preocupação dos operadores de direito em ver efetivado suas pretensões processuais em tempo hábil, ou seja, de tal maneira que o Poder Judiciário consiga corresponder à demanda processual dentro de um prazo admissível sem, contudo, ferir os demais princípios processuais. Insta salientar que tal princípio não se restringe apenas a noção de processo efetivo, ao qual o tempo gasto atribuído ao seu trâmite traga qualidade de tempo e em seus atos, mas cabe ao Estado, como detentor da jurisdição, garantir que essa atribuição de tempo e a prestação de seus deveres esteja condizente com os direitos humanos e os instrumentos necessários ao efetivo processo. Cruz e Tucci (2018, p. 90) complementa que se torna quase impossível vislumbrar de que maneira ocorre a violação a este determinado princípio, devendo ser analisado o caso concreto (ICLE, 2010,p. 42). O conceito da aplicação desta forma, deve refletir de maneira tangível aos preceitos fundamentais estampados na carta magna afim de que a sua aplicação ocorra de maneira efetiva e sua possível ineficácia não seja mais um dos grandes motivos ao desprestígio do Poder Judiciário (YARSHELL, 2004, p. 33). Cruz e Tucci (2018, p. 90) assevera que a inércia do órgão jurisdicional ou o comportamento dos demandantes causa uma morosidade inaceitável ao processo em si – o que nas mais variadas ocasiões, torna a aplicação do princípio inócua no caso concreto – e que a grande demanda processual, não se apresenta como uma “justificativa plausível para a lentidão da tutela jurisdicional”. Antonio de Passo Cabral (2013, p. 81) destaca que um processo efetivo não significa sua rapidez. A celeridade, uma vez negligenciada, visando apenas o resultado final das decisões é uma forma distorcida de se olhar para o direito processual. Assim, o Relatório Analítico Propositivo do CNJ (2018, p. 20) acrescenta ao destacar que “tentar resolver tornar o processo mais célere, de maneira isolada, sem averiguar as implicações dessa modificação para a concretização das demais garantias do acesso à justiça justa, é motivo de maior retrocesso”. Desta forma, é crível notar que de um lado, deve haver uma razoabilidade quando se atenta a uma demanda, sendo inaceitável que um processo se delongue 36 por vários anos. Entretanto, ser razoável nem sempre significa ser rápido. Deve se atender uma certa medida para que o lapso temporal entre o ajuizamento da demanda e a prolação da sentença seja dado ao indivíduo uma segurança quantos aos atos praticados e sua resolução final (SOARES, 2016, p. 15). No mesmo sentido entende-se por solução integral do mérito no Código de Processo Civil, um aproveitamento total dos procedimentos adotados, buscando uma primazia do julgamento do mérito isto é, que a tutela jurisdicional não siga apenas um formalismo quanto aos seus atos, porque a celeridade por si só, gera um processo deficiente, sem uma justiça efetiva (THEODORO JUNIOR et al, 2015, p. 120). Também há aqueles que se aproveitam de maneira infeliz da morosidade processual, para “descumprir leis, desrespeitar contratos e não cumprir deveres e obrigações, criando um ciclo vicioso no qual, quanto maior a duração do processo pelo seu excessivo número, em mais casos é o Judiciário obrigado a intervir “, gerando desconforto aos litigantes e uma enorme insegurança jurídica (HOFFMAN, 2006, p. 23). No caso de haver essa demora injustificada dos processos, há de se tomar algumas cautelas nos julgamentos, conforme ressalta Yarshell (2004, p. 32), quais sejam: (i) antecipar tutela em favor do titular do direito provável; (ii) liberar a execução subtraindo o efeito suspensivo de recurso pendente de julgamento (e que seja portador de tal eficácia); (iii) adotar as providências necessárias para que, se não terminado o processo, seja dado à parte um resultado em tempo razoável. Essas cautelas evidenciam mecanismos de aplicação deste princípio, afim de evitar que as dilações indevidas sejam um retrocesso. No mais, esses mecanismos revelam real interesse do legislador, vez que foram aplicados ao Código de Processo Civil de 2015, como será abordado posteriormente. No mais, para que haja total compreensão do princípio a razoável duração do processo há de se ressaltar que não poderá haver no processo as chamadas “dilações indevidas. As dilações indevidas [...] são os atrasos ou delongas que se produzem no processo por inobservância dos prazos estabelecidos, por injustificados prolongamentos das “etapas mortas” que se separam da realização de um ato processual de outro, sem subordinação a um lapso temporal previamente fixado e, sempre, sem que aludidas dilações dependam da vontade das partes ou de seus mandatários (CRUZ e TUCCI, 2018, p. 90) 37 O direito a um processo sem dilações indevidas é, na sua íntegra, um direito que tem por finalidade garantir que o trâmite judicial se desenvolva dentro do estrito tempo necessário para a consecução dos atos. Para Virginia Icle (2010, p. 58), tais dilações indevidas não devem ocorrer dento do processo para que este possa ter todos seus atos praticados e não haja qualquer lesão ao direito buscado. Deve-se ater a um equilíbrio entre a eficácia e a celeridade afim de que tais atrasos injustificados não ocorram, uma vez que deverá o Poder Judiciário bem como o Estado garantir que o trâmite processual ocorra dentro dos parâmetros da normalidade, assim, o cidadão que busca o seu direito não será afetado. O mencionado princípio contido no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal não revela apenas dilações indevidas mais os meios materiais e técnicos para que sua tramitação ocorra em tempo hábil. Nesse diapasão, muito embora haja os mais variados meios de interpretação e implementação deste princípio, é notório que “a velocidade do Judiciário Brasileiro extrapola os limites do que seria imaginado como razoável”, permitindo aferir em um conceito generalizado que não há de pronto a existência deste princípio no ordenamento jurídico pátrio (CRUZ e TUCCI, 2019, p.10; ESTEVEZ, 2007, p. 39). Assim, o tempo do processo, ou seja, o tempo pelo qual ele percorre é fator preponderante para aferir se há ou não uma morosidade inaceitável. Francisco Fernandes de Araújo apud Rafael Fernandes Estevez (2007, p. 39) aduz que, O ideal seria obedecer aos prazos previstos pela própria lei, pois se o legislador os adotou já foi de caso pensado e não aleatoriamente. Contudo, considerando determinados fatores surgidos posteriormente à edição da lei, é possível que venham a dificultar um pouco mais a entrega da prestação jurisdicional nos prazos fixados, nascendo, então, uma certa dificuldade para fixar o que seria um prazo razoável para cada caso concreto. Para Frederico Augusto Leopoldino Koehler (2008, p. 47) para se aferir qual tempo ideal seria necessário para tramitação de um processo ou como poderia ser realizada esta somatória, poderiam ser analisados os prazos estabelecidos pelo legislador no Código de Processo Civil, o que será analisado adiante, tendo em vista que os prazos adotados utilizaram de maneira a acompanhar as mudanças sociais. No entanto, anteriormente a isso, a própria Corte Europeia de Direitos do Homem, em 1987, ao estudar o caso concreto da aplicação do mencionado princípio e, assim, analisar casos em que a aplicação deste se perdeu ao longo de sua 38 tramitação, estabeleceu três critérios afim de que não haja as chamadas dilações processuais indevidas, e assim, possam ser cumpridos os prazos estabelecidos17. Assim deverá ser analisado no caso concreto os fatores: “a) da complexidade do assunto; b) do comportamento dos litigantes: e c) da atuação do órgão jurisdicional” (CRUZ e TUCCI, 2018, p. 90). 18 Para que se tenha, desta forma, reconhecido a existência ou ausência do princípio a razoável duração do processo, no caso concreto, deverão estar presente todos os critérios, de maneira conjunta e objetiva (BERALDO, 2010, p. 38). Quanto ao primeiro critério, a jurisprudência da Corte de Estrasburgo, entendeu que a complexidade da causa – um dos critérios a ser aplicado afim de aferir se um processo está condizente com sua razoável duração – deverá ser: a) Uma inédita questão jurídica, a demandar estudo aprofundado sobre o assunto; ou, b) De exigência de especial dedicação do órgão judicante, como, por exemplo, em caso em que haja pluralidade de partes e pedidos suficientes por si só para tonar vagaroso o processamento do feito (BERALDO, 2010, p. 39). Assim, a título de exemplo, ações que possuírem uma complexidade maior, não receberão um julgamento sumário, haja vista muitas vezes ser necessário dilação probatória como uma perícia técnica especializada, a dificuldade de citação de variados
Compartilhar