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O ENCARCERAMENTO FEMININO: UMA ANÁLISE ACERCA DA MULHER TRANS NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO Dayane de Souza Jácomo Geovana Silva Pereira Guilherme Portes Lúcio Izabela Paixão Saar Maria Fernanda Couto Viana Maria Rita Rodrigues Saar RESUMO O presente artigo tem como objetivo discutir acerca da problemática que envolve o sistema prisional brasileiro no contexto do encarceramento feminino, dando ênfase à mulher transexual. O fio condutor da pesquisa foca na realidade atual, fazendo uma ponte entre os princípios constitucionais da dignidade humana e os entendimentos recentes acerca da problemática. Assim, inicialmente, se perquiriu tratar dos paradoxos da aplicação o Direito Penal no contexto do poder punitivo estatal, e a influência que isso traz para os transexuais encarcerados. Ademais, a pesquisa se propõe a refletir brevemente sobre os empasses vivenciados pela mulher que cumpre pena e a realidade propriamente dita da mulher trans encarcerada, revelando que o sistema prisional do nosso país padece de graves problemas estruturais que o tornam ilegítimo no contexto do Estado de Direito. Portanto, o artigo procura destrinchar tais questões, concluindo pela imperiosa necessidade de se repensar completamente todo o Sistema de Justiça Penal e, outrossim, a própria concepção do Poder Punitivo no âmbito do sistema prisional. Palavras-chave: Encarceramento. Mulher Trans. Execução penal. Presídios. Direito. Sociedade. Sistema. Maternidade. Precariedade. 2 Sumário: Introdução. 1. Aspectos gerais na realidade da mulher encarcerada no Brasil. 2. Conceito de transexualidade feminina. 3. As dificuldades na inserção da mulher transexual no atual sistema punitivista. 4. O cumprimento de pena das mulheres transexuais no Brasil. Considerações Finais. Referências Bibliográficas. Introdução A presente pesquisa, abordará sobre a situação do encarceramento feminino no Brasil dando ênfase a situação da mulher trans na realidade do sistema prisional brasileiro, abordando questões que retratem a convivência carcerária que corrobora para a violação da dignidade da pessoa humana, a igualdade e demais violações a direitos fundamentais dentro desta realidade. O objetivo da desenvoltura desta pesquisa é analisar e abordar as transgressões sofridas pelas mulheres transgêneros, visto já enfrentarem grande preconceito no convívio social e, ainda assim, lidarem diariamente com a discriminação pelo fato de ainda estarem em uma sociedade “conservadora”, fazendo com que, infelizmente, sejam expostas a todo tipo de violência no ambiente carcerário. A situação se precariza ainda mais diante a limitação existente entre a diversidade do gênero feminino e masculino, não existindo amparo legal que englobe essa comunidade no âmbito do sistema prisional brasileiro. Dentro dos presídios, as mulheres trans enfrentam inúmeros problemas de inclusão, a começar pela falta de estrutura nos ambientes internos das unidades, visto ficarem altamente expostas ao risco de sofrerem estupro, espancamentos, humilhações, torturas e inúmeras outras agressões, frutos do preconceito pela sua sexualidade. Portanto, o tema a que se cuida o presente estudo, embora pouco abordado pelos tribunais e mídia, é de extrema relevância social. Desse modo, o objetivo principal é demonstrar o tratamento e a realidade da população transexual perante o cárcere do sistema prisional brasileiro, onde estima- se que haja o cumprimento da obrigação do Estado, que tem o dever de garantir o mandamento do art. 1.º, inciso III, sendo o princípio basilar da CONSTITUIÇÃO 3 FEDERAL DE 1988 - a dignidade humana, bem como em seu art. 3.º, inciso IV, no qual prioriza – “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, dando ênfase que é garantido direitos iguais a todos os indivíduos, independentemente de sua orientação sexual, bem como o devido respeito a qualquer outra pessoa deste país. Todavia, no mundo real, a população transexual segue na luta em busca de seu reconhecimento, assim como de seus direitos e garantias fundamentais frente à sociedade e, também, aos presídios, diante da triste realidade de insegurança vivenciada no ambiente carcerário. Por fim, o presente estudo vem discutir e sugerir providências que podem ser tomadas para que haja, de fato, a preservação dos direitos humanos e garantias fundamentais da Mulher Trans no sistema prisional. 1. Aspectos gerais na realidade da mulher encarcerada no Brasil A Constituição Federal de 1988 traz, em seu artigo 1.º, inciso III, o princípio basilar de todos os preceitos jurídicos, qual seja, a dignidade do ser humano, prevendo, de igual modo, em seu artigo 3.º, a obrigação do Estado e de toda a sociedade em promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. A vista disso, é garantido a todos o bem-estar, independentemente de sua escolha sexual. Todavia, a população transexual lida com uma realidade diferente, onde a discriminação de uma sociedade dita como conservadora se prepondera, refletindo diretamente no âmbito carcerário prisional brasileiro, submetendo esta população a todos os tipos de violências e desrespeitos constitucionais. A situação se intensifica dada a limitada disparidade de gênero entre homens e mulheres nas prisões (excluindo pessoas transexuais), e a falta de apoio legal concreto na comunidade para regular as unidades prisionais, tendo em vista que é dever do Estado garantir a segurança, seja ela física ou psíquica, de todos os encarcerados, bem como garantir a reintegração dos presos à sociedade. Durante anos, a população transgênero tem lutado pelo reconhecimento social e carcerário de seus direitos humanos e garantias básicas. 4 Nesse sentido, tem-se que nos presídios brasileiros, as mulheres trans enfrentam diversos desafios, a contar pela ausência de estrutura das celas, ficando completamente expostas e suscetíveis às situações de extremo risco, como o estupro, agressões físicas, dentre outras ocasiões vexatórias. Posto isso, é valido ressaltar que a instituição prisional foi inicialmente criada para a população masculina, com a real finalidade de ressocializar para, só então, devolvê-los à sociedade como um cidadão transformado. Não obstante, observa-se, no âmbito prisional, que esta finalidade não é alcançada, tendo em vista as superlotações nos presídios, transformando-os, assim, em uma “escola do crime”, ocasionadas pela alta taxa de criminalidade e pela falta de aparato estatal no exercer de seu caráter educativo. Em meio a isso, tem-se que, para as mulheres, o cárcere é a fonte de opressão de gênero e desigualdade. E ainda, para as mulheres transexuais o cenário é ainda pior, pois são tratadas como invisíveis em uma realidade cruel, desumana e machista, com as celas superlotadas, carecem de materiais higiênicos e roupas íntimas, têm condições médicas precárias e a maioria não tem acesso à hormonioterapia, preservativos e tratamento para prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, nem assistência psicológica. Em síntese, a mulher transexual não dispõe da mesma oportunidade humana, tendo em vista que, ao serem encarceradas, são duplamente penalizadas, isto é, pelo fato delituoso, e por sua orienteção sexual, que nada deveria interferir na igualdade enquanto pessoa portadora de direitos. Veja-se o relato de Vitória R. Fortes, uma mulher trans, detenta em um presídio masculino de Minas Gerais: [...] era obrigada a ter relação sexual com todos os homens das celas, em sequência. Todos eles rindo, zombando e batendo em mim. Era ameaçada de morte se contasse aos carcereiros. Cheguei a ser leiloada entre os presos. Um deles me ‘vendeu’ em troca de 10 maços de cigarro, um suco e um pacote de biscoitos. [...]fiquei calada até um dia em que não aguentei mais. Cheguei a sofrer 21 estupros em um dia. Peguei hepatite e sífilis. Achei que ia morrer. Sem falar que eu tinha de fazer faxina na cela e levar a roupa de todos. Era primeira a acordar e a última a dormir [...]. (ROSA, 2016) Diante o exposto, fica clara a desumanidade e o tratamento altamente degradantes com as mulheres trans na prisão. Podemos afirmar, portanto, que 5 violência contra pessoas trans é uma realidade dentro e fora das prisões e um problema social. A falta de respeito pelo outro, mesmo por um grupo, é prova de instabilidade social. Além disso, o fato de mulheres trans serem obrigadas a cumprir pena dentro do complexo masculino tem levado a violação de seus direitos e diversas restrições e desrespeitos, como exposição destas, durante o banho de sol, obrigação de cortar o cabelo, a proibição de seguir com tratamento de hormônios, além dos diversos abusos cometidos dentro das celas pelos demais presidiários. 2. Conceito de transexualidade feminina O conceito trans abrange três gêneros: Transgênero, transexual e travesti. O conceito transgênero se dá por uma pessoa que está em discordância com determinado sexo biológico que nasceu e como se identifica. Contudo, também existem aquelas que, além de não se identificarem com o gênero, optam pelo consumo de hormônios (estrogênio e testosterona), e cirurgia de redesignação sexual, que são chamados de transexuais. As travestis, são homens que se caracterizam como mulheres, apesar de, atualmente, ser um termo político. Além das classificações, vale ressaltar sobre as identidades de gêneros, que se caracterizam por como as pessoas se apresentam perante a sociedade. O termo “transgênero” surgiu em meados do século XX, através dos estudos da psicologia americana, para descrever o “transtorno de gênero”. Em textos sumérios e acádios antigos, relatam sacerdotes transgêneros e travestis, que foram conhecidos com gala. No Império Romano, Heliogábalo, que era um imperador conhecido por seus escândalos religiosos e sexuais, que preferia ser chamado de “senhora” e cogitada por cirurgia de redesignação de sexo, sendo assim, uma das primeiras figuras trans conhecida. A Organização Mundial da Saúde, retirou a transexualidade da lista de transtornos mentais em 2018, que antes, na Classificação Internacional de Doenças (CID), era considerada como transtorno de identidade de gênero, e atualmente, sendo conhecido como incongruência de gênero. De acordo com a ONG Transgender Europe, em uma pesquisa feita em 2016, o Brasil foi considerado o país onde acontecem mais assassinatos contra travestis. Além de toda a violência, existe um sofrimento em relação a oportunidades, tendo em 6 vista o preconceito, que dificultam a inserção dessa classe na sociedade e nas atividades laborais. A luta por direitos LGBT é um a data simbólica em todo o mundo, sendo comemorada no dia 28 de junho. Neste dia, em 1969, iniciou diversas manifestações e protestos nos Estados Unidos, contra práticas abusivas de autoridades policiais. Confrontando a repressão, deu origem ao Dia da Liberdade Gay e surgiu a famosa Parada Gay que acontecem em diversos países todos os anos. 3. As dificuldades na inserção da mulher transexual no atual sistema punitivista As últimas décadas do século XX e o início do século XI deixaram claro que as sociedades em um mundo globalizado estavam em uma verdadeira crise no que diz respeito aos poderes punitivos e à capacidade dos Estados de prevenir e coibir o crime. Claramente, o direito penal, o sistema penal e toda a lógica relacionada aos poderes punitivistas estão em crise. De fato, a ideologia punitiva há muito tempo justifica a oposição aos direitos humanos porque a realidade mostra que, de acordo com a teoria jurídica atual, as funções clássicas de repressão e sanções penais nunca atingem plenamente seus objetivos. Especialmente quando se trata de minorias sociais, neste caso a comunidade transsexual. No Brasil, a punição tem três finalidades: a) a conjectura absoluta entende a punição como meio de fazer justiça, e não apenas como punição; b) a conjectura relativa visa prevenir novos crimes e prevenir a reincidência; e c) a conjectura mista, mesclando as conjecturas anteriores, busca castigar o infrator e atuar para prevenir novas condutas criminosas. Mesmo não existindo mais castigos corporais, novas configurações de punição continuam a aparecer, porém, não mais de forma estritamente física, entendendo o corpo como figura política, padronizando-o de acordo com a aceitação social, e entendendo a prática como uma instituição submissa, esta é uma característica da intervenção criminal moderna. Como as prisões são consideradas punitivas e privativas de liberdade, a Lei de Execução Penal foi promulgada para promover princípios e regras que regem a execução das penas para resguardar os direitos e garantias dos sentenciados. Ele ainda oferece que o condenado ou detido receberá todos os direitos não afetados pela sentença ou pela lei (Brasil, 1984), sem contar que 7 trouxe nova redação ao código penal ao certificar que todos os direitos não afetados pela perda para de sua liberdade. Porém, essa não é a realidade observada nas prisões, o Brasil possui uma das maiores taxas de encarceramento do mundo. Se os presídios têm apresentado uma série de sofrimentos, graves violações de direitos humanos aos presos, sejam eles homens, mais gravemente mulheres, sem falar nos transexuais, pessoas que escolhem a identidade e até mesmo a forma de se expressar, diferente daquelas que lhes são atribuídas ao nascimento. A Constituição Federal estabelece em seu art. 5. Inciso XLVI, que garante que a punição dos infratores varia de pessoa para pessoa, levando-se em conta todas as suas peculiaridades, de modo que não seja apenas aplicáveis, mas também efetivadas. O que ocorreu, porém, foi uma homogeneização do assunto, sem levar em conta sua especificidade. Portanto, os presos devem ser considerados como indivíduos no verdadeiro sentido, como sujeitos de direitos. Embora o Estado tenha estabelecido a igualdade para todos, não vê discriminação de pontos. A Resolução Conjunta nº 1, de 15 de abril de 2014, que estabelece os parâmetros para a aceitação da privação de liberdade LGBT no Brasil, cujo artigo 4º estipula que homens e mulheres transexuais devem ser encaminhados para presídios femininos, ou seja, estipula que todos trans se enquadram na mesma categoria, o que confirma a lógica normativa heterossexual da sociedade. Da mesma forma, existe a ADPF 527, por meio de decisão proferida pelo ministro Luis Roberto Barroso, em suma, as mulheres trans podem decidir se serão colocadas em presídio masculino ou feminino. Os Fatores condicionantes, "gênero" e "sexo" são considerados fatores decisivos levados em consideração dentro do sistema penal no momento da prisão. A discussão acerca da padronização de gênero e a caracterização de sua essência vale não só para as mulheres cisgênero, mas também para as mulheres transexuais. Após inúmeros debates e campanhas sobre o assunto, houve um foco na alocação de pessoas trans para celas apropriadas, apropriadas e separadas por gênero para melhor proteger sua integridade física e mental. Os juízes carecem de orientação sobre os aspectos sociais das pessoas trans, de modo que preconceitos, estereótipos e bom senso são amplamente percebidos, como sendo classificados como agentes ainda atuantes na aplicação do direito penal. 8 Vale ressaltar que para essa parcela social, o preconceito está arraigado há muito tempo, e a negligência do direito penal inevitavelmente trará transtornos ao indivíduo. Notadamente, há a necessidade de estimular a visibilidade trans, uma das formas de discriminação que ocorre cotidianamente na sociedade e é fortemente replicada na atuação do judiciárioe de outras instituições estatais. Ao longo do último século, as mulheres tiveram sucesso na luta para alcançar a segregação de gênero nas prisões. Então, as pessoas trans enfrentam a mesma situação e têm lutado por seus direitos e respeito. A partir da representação do movimento LGBTQI+, começaram as mudanças, aumentando a visibilidade do grupo denunciado. A investigação das respostas à opressão e desrespeito aos direitos no âmbito do encarceramento, tornaram-se necessárias no reconhecimento de tratamentos específicos e importantes para a comunidade trans. É importante salientar que todos os que participam do sistema social prisional, como presos, agentes penitenciários, parentes ou conviventes, estão sujeitos ao preconceito por a prisão ser vista como local de abandono, principalmente quando surgem questões de gênero, a situação da população transgênero encarcerada é exacerbada. Se fora do presídio a população trans é severamente marginalizada, dentro do regimento é ainda pior. Do ponto de vista jurídico, nenhuma norma inconstitucional dedicada às minorias transgêneros foi imposta no sistema prisional, ou seja, o direito penal e as prisões reproduzem os valores da cultura burguesa de exclusão social sob o guarda-chuva da exclusão social. A violência contra pessoas trans é uma realidade dentro e fora das prisões e é, em primeiro plano, uma questão social. Ao estigmatizar esse grupo, não só incentiva a violência ou agressão contra elas, como também deixa de promover as condições necessárias para sua segurança, física, mental e psicológica, bem como o estabelecimento de parâmetros de saúde para quem vive nas prisões. Em todos os abusos que as prisões representam contra as pessoas LGBT, fica evidente o desrespeito à identidade de gênero e o descaso com suas situações de vulnerabilidade. Embora a Resolução 11 tenha estendido o uso de nomes sociais (já garantidos pelo Decreto 8.727) ao sistema prisional, as diretrizes não foram respeitadas, gerando burocracia e invisibilizando as necessidades da população LGBT nos presídios. Embora as pessoas trans tenham conquistado alguns direitos, dadas as realidades de preconceito e discriminação, 9 ainda há muitas questões a serem discutidas quando se trata de fornecer garantias legais para essa população marginalizada, especialmente quando se trata de aplicação da lei. Assim, esta análise se justifica pelo crescente debate sobre as questões de identidade de gênero em relação às pessoas trans e a luta pelo reconhecimento no campo jurídico múltiplas identidades inseridas na sociedade, indivíduos que se manifestaram de forma diferente do “heterotradicionalismo” no campo da sexualidade batalham há muito tempo. A era evolutiva dos verdadeiros direitos humanos suprimiu o ímpeto avassalador dessa minoria e deu voz àqueles que requeriam ficar em silêncio por longos períodos. É salutar repensar a estrutura carcerária de forma a preservar os direitos fundamentais dos cidadãos pois o aparato jurídico contemporâneo acabará contribuindo para a manutenção de um sistema de segregação, principalmente contra mulheres trans. Não atender às suas características únicas, as diferenças serão mais mascaradas e isso pode levar a mais violência e vingança. O fato é que a realidade do sistema prisional apresenta muitas falhas, levando em consideração as necessidades específicas das questões de gênero, a dificuldade de acesso aos itens femininos, entendidos como roupas, cosméticos, produtos para cabelo e unhas; e outros relacionados, por exemplo, acesso aos hormônios. Questões igualmente relevantes merecem destaque, envolvendo a convivência com outros detentos e até mesmo com agentes penitenciários diante de situações vexatórias, quanto mais violência, tanto física quanto psicológica. Dessa forma, pode-se dizer que as pessoas trans nos presídios são vítimas de todas as formas de violência, não só de quem convive com elas, mas de todo o sistema prisional, pois suas necessidades não estão sendo atendidas, o respeito a elas. à identidade de gênero é virtualmente invisível. É claro que o sistema atual não protege os direitos das pessoas trans, muito menos leva em conta os homens. Notadamente, além de todas as violações sofridas, o sistema penal também o vê como invisível devido à falta de dados oficiais sobre a população carcerária LGBT na Pesquisa Nacional de Informações Penitenciárias do Ministério da Justiça e Segurança Pública. A falta dessas informações dificulta a implementação de programas voltados para esse tema. 10 A violência que sofreram não começou na prisão. Mesmo a marginalização de pessoas trans é um fator em seu encarceramento. Em decisão recente, o ministro Luis Roberto Barroso decidiu que mulheres trans devem cumprir pena em presídios femininos. A medida cautelar foi proposta pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays e Transexuais, pedindo ao STF que decida enviar transgêneros e travestis para presídios femininos. Em fevereiro de 2018, Barroso já havia ordenado a transferência de duas travestis do Presídio Presidente Prudente para um presídio feminino. Essa decisão poderia suprir a falta de uma ala específica para pessoas LGBT na maioria das prisões e reduzir a violência contra detentos e funcionários prisionais. Em 2014, a Comissão Nacional de Combate à Discriminação emitiu uma resolução federal acolhendo a privação de liberdade da população LGBT, mas não foi suficiente. Mulheres trans detidas em presídios masculinos sofrem diversos tipos de violência, como estupro, violência psicológica e física, discriminação e todo tipo de humilhação. Com isso, apesar das muitas mudanças que permitiram que transgêneros e travestis usufruíssem de um ambiente mais digno e inclusivo, o sistema punitivo persiste em não aceitar a causa, criando um ambiente de desigualdade e preconceito. 4. O cumprimento de pena das mulheres transexuais no Brasil Após compreender o conceito de mulher transexual, é possível analisar seus direitos e as previsões legais que resguardam suas concretudes. Visto isso, sabe-se que o Estado Brasileiro reconhece na esfera cível através de suas políticas de afirmações e decisões judiciais a mulher transexual como pertencendo ao gênero feminino. No entanto, na esfera criminal ainda há discussões, ao cometer um ato delitivo, por exemplo, ocorre à condenação ao comprimento de uma pena privativa de liberdade e a observância deste direito não é analisado, na maioria das vezes o transexual é encaminhado para um estabelecimento masculino para efetivar o cumprimento da execução penal, o que acarreta uma série de problemas, gerando violação expressa à dignidade da pessoa humana. Nesse sentido Alexandre de Moraes, em sua obra “Direito Constitucional”, conceitua dignidade como: “Um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, 11 mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos e a busca ao Direito à Felicidade” Assim, visando justamente compreender a singularidade da aplicação de tal princípio basilar do Direito, é que a discussão em torno da execução da pena de mulheres transexuais se mostra pertinente. Em sede de uma possível adaptação, em 2014 uma Resolução conjunta nº1 de 15 de Abril da Presidência da República e do conselho ao combate à discriminação prevê que pessoas transexuais masculinas e femininas devem ser encaminhadas para as unidades prisionais femininas, já que, por óbvio, tal entendimento visa coibir que abusos, violências e mortes ocorram com mulherestransexuais em presídios masculinos, pois o maior índice de discriminação e abusos está concentrado justamente nestes. Apesar disso, por falta de recursos e até mesmo capacitação e entendimento dos próprios diretores presidiários, nem sempre esta regra é seguida. No mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal, em fevereiro de 2018, se posicionou a favor da transferência de transexuais para o presídio feminino, devendo ser tratadas pelo nome social, tendo direitos e garantias conforme o gênero, como peças íntimas, ter o direito de manter o cabelo na altura dos ombros, de modo que garanta, de alguma forma a dignidade do transexual na prisão, tendo fundamento na resolução conjunta, que estabelece novos parâmetros de acolhimento a membros da comunidade LGBT – Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais. (Jurídico, 2018) Em 26 de julho de 2019, o então ministro Luiz Roberto Barroso, determinou, em sede de liminar, que presas transexuais que são identificadas como mulheres tem o direito de cumprir suas penas em prisões femininas Barroso diz: “Trata-se de providência necessária a assegurar a sua integridade física e psíquica, diante do histórico de abusos perpetrados contra essas pessoas em situação de encarceramento. Não há, no caso, uma opção aberta ao Poder Público sobre como tratar esse grupo, mas uma imposição que decorre dos princípios constitucionais da dignidade humana, da liberdade, da autonomia, da igualdade, do direito à saúde e da vedação ao tratamento cruel e à tortura.” 12 Assim, analisando detidamente às decisões, entende-se que hodiernamente é possível apenas a transferência de transexuais mulheres e homens para presídios femininos, mas não é possível a transferência de transexuais masculinos para as prisões masculinas, devido, principalmente, a vulnerabilidade nestas unidades prisionais. Conforme a 46 Reunião Ordinária do CNCD/LGBT, realizada em 23 e 24 de agosto de 2018, na qual diz que: ART. 5°. Transexuais e travestis devem ser encaminhadas para unidades prisionais, de acordo com os parágrafos abaixo: [...] Parágrafo 2° Os homens trans devem ser encaminhados a unidades prisionais femininas, devido a situação de vulnerabilidade dentro das Unidades masculinas. Vale salientar, que de modo diverso, por meio de ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) 527 Distrito Federal o ministro Barroso STF (Supremo Tribunal Federal), excluiu as travestis do direito ao cumprimento de pena em presidio feminino, argumentando que sua tipologia se diferencia das transexuais visto que, as transexuais não seguem seu sexo biológico e desejam assim, modificá-los. Apesar de tudo, essas resoluções e entendimentos não são capazes de extinguir todas as dificuldades relacionadas às mais diversas violações sofridas pelas mulheres transexuais, no entanto, se demonstram como um começo essencial, um caminho fundamental para a visibilidade dos direitos da mulher transexual, devendo o Estado se atentar para que sejam aplicadas, na prática, todas as garantias. Considerações Finais Como visto, o tema aqui desenvolvido é, sem sombra de dúvidas, de grande relevância, em que pese ser ignorado pela sociedade. Como sabido, a falta de aceitação daqueles rotulados como “diferentes” pelos que se dizem “normais”, é gigantesca, resultando na imediata exclusão dessas pessoas. A transexualidade que, em tempos remotos, já foi considerada um transtorno mental pela Organização Mundial da Saúde, ainda hoje é encarada com estranheza 13 e repúdio no Brasil, país este que já foi considerado campeão em assassinatos de travestis. Ocorre que, por serem duramente discriminadas em seu convívio social e ante a falta de oportunidades, pessoas LGBTQIA+ acabam sendo levadas a cometer crimes para que possam sobreviver ou, até mesmo, são lançadas à margem da sociedade por outros motivos, inclusive por vício em entorpecentes. Por outro lado, no âmbito dos presídios brasileiros, o problema se agrava ainda mais, vez que o sistema prisional é falho em proteger essa minoria das agressões, dos abusos sexuais e de outras barbaridades que são praticadas com grande frequência em tais estabelecimentos. Isso porque ainda há mulheres trans e travestis ocupando as mesmas celas que homens cisgêneros, o que faz com que elas se sintam sempre inseguras diante do preconceito vivenciado. É cediço que a Constituição Federal de 1988, ao elencar os direitos e garantias fundamentais, previu direitos iguais à todas as pessoas, sem permitir que haja qualquer tipo de discriminação, sendo que a atual realidade do sistema prisional brasileiro, de forma gritante, vem passando por cima do princípio mais importante da Carta Magna: o da dignidade da pessoa humana. Apesar de algumas mulheres trans já cumprirem pena em presídios femininos, fato é que a grande maioria ainda sofre em estabelecimentos prisionais masculinos com o desrespeito, bem como violência física e psicológica, motivo pelo qual se faz extremamente necessário que o governo crie políticas de inclusão, tanto fora, como dentro dos presídios. Lamentavelmente, o que se vê hoje em dia é uma sociedade machista, incapaz de ofertar respeito àqueles que não atendem aos requisitos preconceituosos definidos por seus antepassados, estes que viveram em uma época de escasso conhecimento e, praticamente, nenhum acesso à informação. Concluindo, o que se espera é um país seguro para todos, principalmente para as mulheres trans e travestis que passam pelo processo de ressocialização, estas que, apesar de seus crimes, são detentoras de direitos e merecem ter sua dignidade preservada, além de uma reinserção adequada em uma sociedade inclusiva. 14 Referências: CONTEÚDO JURIDICO – MULHERES TRANGENEROS ENCARCERADAS E AS VIOLAÇÕES DE DIREITOS SOFRIDAS NO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO - POR JOBERTH VINICIUS ALMONDES SILVA- 03 dez2021 ( DISPONIVEL EM:https://www.conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/57810/mulheres- transgneros-encarceradas-e-as-violaes-de-direitos-sofridas-no-sistema-prisional- brasileiro) https://www.conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/57810/mulheres- transgneros-encarceradas-e-as-violaes-de-direitos-sofridas-no-sistema-prisional- brasileiro BONINI, LUCI MENDES DE MELO, BARBOSA, JAQUELINE DE SOUZA- TRANSEXUALIDADE NO CARCERE – 09/11/2020- (DISPONIVEL EM: https://jus.com.br/artigos/86607/transexualidade-no-carcere CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE1988 RUBAL, Gabriela; RAMOS, Marcelo Maciel; LEITE, Leticia; Questões trans: O Sagrado Crime da Divergência, Belo Horizonte, Initia Via Editora, 2019. SEGALLA, Vinícius. Do Orgulho aos Desafios: 28 de junho e a luta LGTBT no Brasil. Publicado em 2021. 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