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A formação do leitor APRESENTAÇÃO A leitura pode conferir a um indivíduo o repertório necessário para que ele se transforme em um cidadão consciente e capaz de participar de forma crítica e plena dos debates relacionados à sua sociedade. Apenas a partir dessa constatação, é possível perceber a importância da leitura na vida das pessoas. Porém, ao observar a realidade brasileira, em que a maioria dos cidadãos não lê e não tem muito acesso a livros, fica evidente que formar jovens leitores é uma tarefa difícil e necessária, a partir da qual pode-se mudar o quadro social atual. Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai refletir sobre a função social da literatura, vai verificar que papel a escola tem na formação de novos leitores e vai ainda comparar ações pedagógicas que podem motivar ou prejudicar esse objetivo. Assim, vai identificar formas de incentivo à leitura em sala de aula e pensar em como mudar esse quadro brasileiro. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever a função social da leitura e da literatura.• Reconhecer o papel da escola na formação do leitor.• Identificar formas de incentivo à leitura em sala de aula.• INFOGRÁFICO A escola possui um papel extremamente importante no incentivo à leitura e na formação dos estudantes enquanto leitores. No entanto, isso muitas vezes não ocorre. Na pesquisa realizada pelo Instituto Pró-Livro, “Retratos da Leitura no Brasil”, um número significativo de pessoas afirmou não ler pelo fato de não gostar de fazer leituras. Nesse contexto, é fundamental se questionar o quanto o trabalho com a leitura em sala de aula não tem contribuído com esse cenário. Assim, neste Infográfico, você vai conferir alguns problemas comumente encontrados com o trabalho de leitura de textos em sala de aula, assim como vai ser convidado a refletir sobre possíveis formas diferentes e mais significativas de desenvolver essa atividade na escola. CONTEÚDO DO LIVRO Formar leitores é uma tarefa complexa e que exige do professor um olhar especial e atento para cada um de seus alunos e suas necessidades. Porém, apesar de ser um trabalho difícil, é fundamental, visto que ser um leitor crítico é um dos requisitos para o desenvolvimento de um cidadão crítico e atuante em sua sociedade. No capítulo A formação do leitor, da obra Literatura infantojuvenil, você vai estudar sobre os elementos implicados na formação de um leitor. Para isso, primeiramente, vai analisar quais são as funções sociais da leitura e, portanto, o motivo de formar leitores ser tão importante. Depois, vai observar quais são os papéis e as funções que a escola deve assumir enquanto formadora de leitores – e também vai analisar se isso ocorre na prática. Por fim, vai identificar formas de incentivo à leitura em sala de aula – ou seja, depois de identificar problemas, vai encontrar ideias práticas para superá-los. LITERATURA INFANTOJUVENIL Luara Pinto Minuzzi A formação do leitor Introdução Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever a função social da leitura e da literatura. Reconhecer o papel da escola na formação do leitor. Identificar formas de incentivo à leitura em sala de aula. Introdução A leitura possui um importante papel na formação do sujeito enquanto cidadão crítico e consciente. Embora isso seja consenso entre pesquisa- dores, professores e teóricos, parece que boa parte da população ainda não está completamente consciente disso, ou não concorda com esse diagnóstico, ou, ainda, não tem condições para fazê-lo, o que resulta em uma falta de estímulo à leitura, que vem desde o ambiente familiar. E, com tantos estímulos, como redes sociais e eletrônicos portáveis, como o celular, fica cada vez mais difícil de a leitura de literatura competir com essas formas de diversão tão mais fáceis e simples, que não exigem tanto esforço e tempo quanto a leitura de um romance, por exemplo. Ainda assim, essas novas formas de entretenimento — justamente por seu formato, mais ágil e fugaz — podem não gerar tanto prazer ao final do processo, ou, então, podem não motivar tantos questionamentos frente à realidade. A leitura de literatura, ao contrário, é capaz de deixar marcas mais duradouras em nossa formação, em nossa personalidade, e fazer com que enxerguemos o mundo de formas diferentes, com um olhar mais atento. Assim, neste capítulo, você aprenderá um pouco mais sobre a função social da leitura e, de forma específica, da leitura da literatura, e, consequentemente, sobre os prejuízos que a sua falta pode causar no desenvolvimento de um indivíduo. Também reconhecerá o papel da escola na formação de um leitor e refletirá sobre em quais pontos talvez ela esteja falhando. Por fim, identificará formas de incentivo à leitura em sala de aula e verá como podemos gerar mudanças de forma prática. A função social da leitura e da literatura O Instituto Pró-Livro é uma associação sem fi ns lucrativos cujo objetivo é o fomento da leitura no Brasil e a sua transformação em um país de leitores. Para isso, por meio dele é realizada uma importante pesquisa sobre os hábitos de leitura dos brasileiros, chamada “Retratos da Leitura no Brasil”. A quarta e última edição da pesquisa, realizada em 2015, teve como principal foco “[...] conhecer o comportamento leitor medindo a intensidade, forma, limitações, motivação, representações e as condições de leitura e de acesso ao livro — impresso e digital — pela população brasileira” (INSTITUTO PRÓ-LIVRO, 2015, documento on-line). Para a pesquisa, o Instituto definiu o que considera como leitor e não leitor: leitor é aquele sujeito que lê um livro inteiro ou partes de um livro nos últimos 3 meses; não leitor é aquele que não leu nenhum livro nos últimos três meses, mesmo que tenha realizado alguma leitura nos últimos 12 meses. Perceba, então, que o estudo já apresenta um critério para definir alguém como leitor que nivela por baixo: ler apenas partes de um livro nos últimos 3 meses não lhe parece pouco? O ideal, com certeza, seria que lêssemos muito mais do que isso, mas, considerando a realidade brasileira de um grande contingente populacional com pouca educação, a pesquisa optou por adotar essa definição. Com uma amostra bastante significativa, 5.012 entrevistados em 315 mu- nicípios brasileiros, os resultados preocupam: mesmo adotando esse critério, 44% da população pode ser considerada não leitora. Contudo, temos um avanço: na pesquisa de 2011, 50% da população não era formada por leitores. Para a pergunta “qual a principal razão para você ler?”, a maioria respondeu que lê por gosto. Em segundo lugar, apareceu a opção “atualização cultural ou conhecimento geral”. Observe, na Figura 1, alguns dos resultados da análise do perfil leitor da população brasileira. A formação do leitor2 Figura 1. Razões para não ter lido nos últimos 3 meses. Fonte: Instituto Pró-Livro (2015, documento on-line). Nos gráficos da Figura 1, podemos perceber algumas das razões para aqueles indivíduos que se consideraram como não leitores não lerem: 32% afirmam não ter tempo, mas 28% dizem não gostar de ler — o que é o mais preocupante. Esse número é muito preocupante, visto que a leitura desempenha uma função social extremamente importante e complexa. Um dos aspectos rela- cionados a essa função é a formação de sujeitos enquanto cidadãos críticos e capazes de atuar de forma consciente na sociedade. Como conseguiremos, por exemplo, compreender as leis que regem o funcionamento da nossa nação — e dentro dessas leis, nossos direitos e nossos deveres — se não formos leitores competentes? Por isso, muitas pessoas não leitoras acabam não reivindicando aquilo que é seu por direito — por total desconhecimento de que seria um direito e de que elas poderiam lutar por aquilo. No entanto, não há possibili- dade de luta quando simplesmente não se sabe que existe motivo para tal,que elas deveriam ter algum serviço ou vantagem que talvez não tenham. Nesse sentido, a habilidade leitora é fundamental. 3A formação do leitor Com o intuito de discutirmos a função social da leitura, é interessante mencionarmos um conto do escritor italiano Italo Calvino, chamado “Um general na biblioteca”. Nessa narrativa, o autor inventou uma nação fictícia, chamada Pandúria, que estava vivendo um governo ditatorial formado por militares. Um dia, os militares percebem que há alguns livros que poderiam conter informações que iriam contra as verdades estabelecidas pelo regime; muitas dessas leituras eram conhecidas por “[...] considerar os generais como gente que pode errar e provocar desastres, e a guerra como algo por vezes diverso de radiosas cavalgadas rumo a destinos gloriosos” (CALVINO, 2010, p. 67). Você deve saber que regimes autoritários, de uma forma geral, trabalham com verdades únicas estabelecidas pelo próprio regime. Elas são repetidas tantas e tantas vezes e há uma censura e perseguição tão grandes em relação a quem ousa falar o contrário, que muitos acabam por acreditar que, de fato, pode haver no mundo uma verdade única para todos. Com medo de que esses livros caíssem nas mãos erradas, forma-se uma comissão para viver por alguns meses dentro de uma biblioteca, a fim de ler todos os livros e classificar quais poderiam ser perigosos e deveriam ser proi- bidos. Em um primeiro momento, os militares cumprem seu trabalho de forma rigorosa e correta: leem cada volume e carimbam-no como perigoso ou não perigoso. O problema é que, com o acumular de leitura, “[...] acontecimentos de bem maior alcance iam amadurecendo, deles não dando notícia o rádio de campanha” (CALVINO, 2010, p. 69). Esses acontecimentos dizem respeito ao desenvolvimento de um pensamento crítico por parte desses militares, tão acostumados a simplesmente repetir algo que foi pensado por superiores. Perceba as lentas transformações no trecho a seguir: O tenente começava a folhear os volumes, nervoso; depois, já interessado, lia, tomava apontamentos. E coçava a cabeça, resmungando: Ó diabo! Mas quanto se aprende neles! Quem havia de dizer! — O senhor Crispino deslocava-se na direção do tenente Lucchetti, que fechava um tomo com fúria, dizendo: — Olha que coisa! Aqui, têm a coragem de manifestar dúvidas sobre a pureza dos ideais das Cruzadas! Sim, meu general, das Cruzadas! — E o senhor Crispino, sorridente: — Ah! Olhe que tem de se fazer um auto sobre este assunto; posso sugerir-lhe alguns outros livros, onde poderá encontrar mais pormenores — e atirava-lhe para cima meia prateleira. O tenente Lucchetti submergia-se nela, de cabeça baixa e, durante uma semana ouviam-no virar as páginas, enquanto murmurava: — Ora estas Cruzadas, que bela confusão! (CALVINO, 2010, p. 69.) A formação do leitor4 Se, em um primeiro momento, o general fica furioso por alguém insinuar algo contra “a pureza dos ideais das Cruzadas”, depois ele mesmo afirma: “Ora estas Cruzadas, que bela confusão”, claramente admitindo que podem existir inúmeras opiniões sobre um mesmo fato histórico, mesmo opiniões totalmente contrárias, o que pode parecer, de fato, uma confusão. O senhor Crispino assume, aqui, uma função de mentor ou de professor — de condutor desses homens que não tinham o costume de ler no emaranhado mundo dos livros e do conhecimento. Ao final, o general encaminha um relatório final criticando muitos dos pontos defendidos pelo regime e, inclusive, por ele mesmo antes dessa experiência. Essa “insubordinação” leva-o a ser afastado de seu cargo, possivelmente por ser considerado perigoso com todas essas ideias novas e opostas às verdades do governo. Esse conto ilustra muito bem a função social da leitura e da leitura da literatura. A leitura é um dos elementos que pode nos trazer conhecimentos sobre realidades diferentes das nossas — às vezes, estamos tão imersos em nossas vidas e tão acostumados com as nossas formas de pensar e de agir, que nem nos damos conta de que elas não são as únicas nem as mais corretas ou as mais válidas. Há tantas culturas, tantas crenças, tantas maneiras de se levar a vida, e é isso o que torna o mundo tão complexo, tão rico e tão interessante, e introduzir-nos a essa riqueza é uma das funções e das capacidades da leitura. Nesse sentido, a leitura da literatura é mais significativa ainda, pois, além de nos passar informações sobre esses outros lugares e tempos, ainda nos faz experienciar como se fôssemos nós mesmos a estar dentro dessas realidades distintas. A literatura é capaz de nos transportar, de nos tirar de nosso cotidiano e nos transformar no outro, no diferente, pelo tempo em que a leitura dura. A leitura de literatura é um exercício de alteridade. Como os militares de Pandúria, apenas somos capazes de pensar critica- mente sobre a nossa sociedade no momento em que a conhecemos, assim como a outras sociedades, para podermos comparar, avaliar, criticar. Se não, como os personagens do início do conto, vamos apenas ser capazes de acreditar em tudo o que nos falam, sem poder filtrar todos esses conteúdos e decidir por nós mesmos o que queremos levar como correto e com o que não concordamos. A leitura faz tudo isso pelos indivíduos. Além disso, ainda é importante referir que a nossa sociedade é permeada por textos: e-mails, conversas, editais, receitas, notícias, manuais de instrução. A lista é extensa — se não interminável, pois sempre surgem novos tipos de texto, de acordo com novas necessidades. Saber ler e produzir esses textos que exigem diferentes registros da mesma língua também é um ato de cidadania, visto que nos permite transitar de forma adequada entre diferentes contextos. 5A formação do leitor Qual o papel da escola na formação de leitores? Nesse triste cenário brasileiro em que quase metade da população não leu sequer partes de um livro nos últimos 3 meses, a escola precisa assumir sua parte de responsabilidade e repensar em seu trabalho com a leitura: será que, ao invés de estimular a leitura, a educação formal não estaria afastando os sujeitos desse mundo? Afi nal, qual seria o papel da escola na formação de leitores? E será que esse papel estaria sendo desempenhado de forma adequada? Em relação à já referida pesquisa do Instituto Pró-Livro (2015), “Retratos da Leitura no Brasil”, ainda é importante ressaltar que 7% dos entrevistados afirmaram que a principal motivação para ler é por exigência da escola ou da faculdade. Sete por cento da amostra também disseram escolher as leituras por indicação e dicas de professores. Além disso, 25% das pessoas colocaram a escola como o meio pelo qual possuem acesso aos livros, seja pelo emprés- timo nas bibliotecas seja pela distribuição de livros pelo governo. A Figura 2 apresenta uma relação do número de livros lidos por ano de acordo com a escolaridade e com a renda familiar. Figura 2. Número de livros lidos por ano de acordo com a escolaridade e com a renda. Fonte: Instituto Pró-Livro (2015, documento on-line). A formação do leitor6 Na Figura 2, podemos observar outro dado importante, que revela que, mesmo com problemas, o trabalho desenvolvido na escola com a leitura ainda faz alguma diferença: quanto maior a escolaridade do indivíduo, maior o número de livros lidos por ano. Além disso, o único número a diminuir das duas primeiras pesquisas, de 2007 e 2011, para a última de 2015 foi o de livros lidos por ano entre os sujeitos com menor nível de escolaridade. A imagem ainda ressalta o fato de que o hábito de leitura de livros é maior entre os es- tudantes, devido, principalmente, à indicação de leituras na escola. Devemos nos questionar, entretanto, o motivo de esses estudantes não seguirem com a mesma frequência de leitura após terminarem seus estudos. Em um primeiro momento, devemos apontar a concepção de ensino e de aprendizagem na qual o professor é o centro do saber e aquele que deve passar esses saberes e informações aos seus alunos,que os recebem de forma passiva. Essa forma de trabalho em sala de aula ainda é muito presente, mas prejudica muito a formação dos alunos, pois não devemos falar em aquisição de conhecimentos, mas sim em construção de conhecimentos: o aluno deve ser um sujeito ativo em sala de aula; em vez de o docente sempre trabalhar com aulas expositivas, em que fornece informações, ele deve elaborar atividades em que sejam os próprios estudantes os protagonistas e em que eles, a partir da prática e da mediação do professor, consigam chegar a conclusões. Para esse tipo de trabalho, a leitura de textos torna-se fundamental, uma vez que leitura é fundamentalmente interação: interação do aluno com o texto; interação do texto com o contexto; interação do aluno com o contexto. Portanto, é necessário o trabalho em cima de textos em sala de aula. É a partir da leitura de textos de gêneros diferentes e com assuntos variados que os alunos tomarão contato com realidades e informações distintas, assim se formando enquanto cidadãos críticos, conforme discutido anteriormente. Dessa forma, um dos papéis da escola na formação de leitores é a disponibilização de diferentes tipos de texto e a preparação do aluno para essas leituras. Assim, mesmo que, em uma primeira etapa, a leitura silenciosa e individual seja realizada, é importante um momento de discussão, em que o professor auxiliará os alunos a descobrirem novos sentidos no texto. De acordo com Rildo Cosson (2016), a leitura que realizamos fora da sala de aula está intimamente relacionada com a forma de leitura que nos é imposta ou ensinada em sala de aula. Dessa forma, se muitos não leem — e como aponta a pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, não leem porque não gostam de ler —, a escola também tem sua parte de culpa. Isso pode ter relação com as duas formas que se encontram em polos opostos de se trabalhar com a leitura em sala de aula: 7A formação do leitor 1. o professor pensa que o importante é que o aluno leia e trabalhe apenas com a fruição dos textos, com a ideia de que a análise destruiria a beleza e a magia dos textos; 2. o professor deixa de lado a leitura e enfoca o repertório conceitual rela- cionado à leitura. O professor, ao trabalhar com a leitura em sala de aula, deve tentar encontrar um equilíbrio entre esses dois polos. Silva (1986) chega a se referir a uma “didática da destruição da leitura” quando pensa na prática com a leitura de textos em sala de aula. A pesquisa- dora, a partir de entrevistas e questionários com alunos, conclui que o método de trabalho que privilegia resumos e questionários, que utiliza a avaliação somente como uma forma de verificação da leitura, que reduz a leitura a um preenchimento de fichas, desmotiva os alunos para a leitura. Portanto, muitas vezes, a escola assume um papel negativo na formação dos alunos enquanto leitores, afastando-os do mundo da leitura. Contudo, isso não significa que os professores devam deixar os alunos livres para fazerem suas escolhas de leitura e também a leitura propriamente dita. A escola pressupõe a escolarização dos saberes e não há nada de errado com isso — o problema surge quando isso é realizado de forma inadequada. Assim, no sentido oposto, sobre a ideia que às vezes os docentes assumem como a correta, de que basta ler, mesmo que em sala de aula, para que o estudante se forme enquanto leitor e, de forma específica, enquanto leitores de literatura, Cosson (2016, p. 29) explica: [...] se quisermos formar leitores capazes de experienciar toda a força huma- nizadora da literatura, não basta apenas ler. Até porque, ao contrário do que acreditam os defensores da leitura simples, não existe tal coisa. Lemos da maneira como nos foi ensinado e a nossa capacidade de leitura depende, em grande parte, desse modo de ensinar, daquilo que nossa sociedade acredita ser objeto de leitura e assim por diante. Para o autor, o que chamamos de leitura simples esconde, na verdade, a grande complexidade que é o ato de ler e de tudo o que está implicado na leitura. Portanto, se não ensinarmos os alunos a ler, eles nunca sairão de um nível mais básico ou raso de leitura — ninguém nasce sabendo ler, precisamos aprender a realizar tão complexa ação, e é papel da escola trabalhar isso. O teórico continua, enfatizando que a leitura da literatura: A formação do leitor8 [...] tem a função de nos ajudar a ler melhor, não apenas porque possibilita a criação do hábito de leitura ou porque seja prazerosa, mas sim, e sobretudo, porque nos fornece, como nenhum outro tipo de leitura faz, os instrumentos necessários para conhecer e articular com proficiência o mundo feito de linguagem (COSSON, 2016, p. 30). Portanto, a escola possui a dupla função de, em primeiro lugar, desenvolver o gosto do aluno pela leitura e não o afastar desse mundo e de, em segundo lugar, desenvolver a habilidade leitora desse aluno, visto que ninguém nasce sabendo ler e que essa capacidade não é desenvolvida plenamente em uma leitura simples. Mesmo que seja nas disciplinas de Língua Portuguesa e de Literatura que costumamos pensar que deva ocorrer o trabalho com o texto, todas as matérias utilizam textos o tempo todo em sala de aula. O texto, seja oral ou escrito, faz parte do cotidiano escolar. Assim, todas as disciplinas devem se preocupar com a formação dos alunos enquanto leitores capacitados, ainda que, em Língua Portuguesa e em Literatura, discutam-se algumas questões específicas sobre os textos e os seus gêneros e tipos. Ainda, é papel da escola apresentar os alunos a tipos e a gêneros textuais com os quais eles não estão tão acostumados, mas com que, talvez mais tarde, eles precisem trabalhar, como leis e projetos de leis, editais ou outros textos com registros mais formais. Na literatura, ocorre a mesma situação: mesmo que, em alguns momentos, o professor indique a leitura de textos contemporâneos e próximos à realidade dos alunos, é importante que ele, aos poucos, vá introduzindo leituras sobre realidades diferentes e com registros linguísticos diferentes. Assim, é função do professor aumentar o repertório de leitura de seus alunos ao apresentá-los a variados tipos de textos, mesmo que, inicialmente, os estudantes os julguem difíceis ou complexos. Quando abordamos, de forma específica, o trabalho realizado em sala de aula com a leitura da literatura, é importante aludir ao conceito de letramento literário. O termo letramento refere-se àquele sujeito que não apenas sabe 9A formação do leitor decodificar as letras e as frases de uma língua, mas que também é capaz de pensar no texto lido em um contexto e de fazer um uso prático desse mesmo texto. Dessa forma, é possível (e bastante comum no Brasil, aliás) haver pes- soas alfabetizadas, mas não letradas. O conceito de letramento literário diz respeito à capacidade do sujeito de ler e de compreender um texto literário em seus múltiplos sentidos: [...] o letramento literário, conforme o concebemos, possui uma configuração especial. Pela própria condição de existência da escrita literária, [...] o processo de letramento que se faz via textos literários compreende não apenas uma dimensão diferenciada do uso social da escrita, mas também, e sobretudo, uma forma de assegurar seu efetivo domínio. Daí sua importância na escola (COSSON, 2006, p. 12). Também é função da escola, de acordo com o teórico, a formação de uma comunidade de leitores que se reconheça enquanto comunidade e que reconheça os laços que a unem: “[...] uma comunidade que se constrói na sala de aula, mas que vai além da escola, pois fornece a cada aluno e ao conjunto deles uma maneira própria de ver e viver o mundo” (COSSON, 2006, p. 12). O estudante pode até já ser um leitor, mas a escola deve elevar essa leitura a um novo patamar. Com a ajuda do professor, o aluno deve ser introduzido a leituras cada vez mais complexas e, igualmente, a sentidos cada vez mais complexos dentro dos textos que costuma ler. Portanto,o professor deve assumir um papel não de autoridade em sala de aula — aquela autoridade que passará todos os seus conhecimentos para os alunos sem conhecimento algum —, mas de mediador no processo de formação de leitores. Como incentivar a leitura entre os alunos em sala de aula? Depois de pensarmos em algumas questões problemáticas encontradas no trabalho com a leitura nas escolas brasileiras e de discutirmos teoricamente sobre algumas possibilidades de mudança, chegou o momento de analisar- mos algumas práticas interessantes de incentivo à leitura em sala de aula. Como fazer o aluno ler não apenas por obrigação, mas também por gosto? Em primeiro lugar, é fundamental que o professor seja, de fato, um leitor. Se esse requisito não for preenchido, será praticamente impossível A formação do leitor10 que o docente consiga transmitir a seus alunos a paixão e o gosto pela leitura. Portanto, saber que seu professor gosta de ler e vê-lo lendo é um dos fatores que colaborará com a formação de leitores e que incentivará a leitura entre os estudantes. Ter um modelo de leitor em sala de aula fará toda a diferença. Depois, é importante que o professor sempre deixe claro para os seus alunos qual a importância da leitura: fonte de informação, imaginação, vocabulário, cultura, criticidade, etc. Os alunos devem estar cientes de que a leitura é um elemento imprescindível em suas formações enquanto cidadãos críticos e capazes de atuar de forma efetiva na sociedade. Além disso, o livro não deve ser um objeto distante, mas sim parte do dia a dia dos alunos. Dessa forma, é sempre interessante que o professor leve as obras físicas até seus alunos, para que eles as manuseiem e para que esse contato não ocorra apenas em algumas ocasiões específicas por ano, como se ler livros fosse uma atividade especial, e não rotineira. A promoção de eventos relacionados à literatura igualmente é uma boa forma de chamar a atenção dos alunos para os livros. Hoje em dia, muitas escolas realizam, por exemplo, Feiras do Livro ou Feiras Literárias. O colégio pode ou não disponibilizar um espaço para que lojas ou editoras vendam volumes adequados às faixas etárias atendidas pela instituição. Contudo, além da questão da comercialização dos livros, é necessário organizar atividades relacionadas ao tema. Por que não, por exemplo, chamar o autor do livro que foi lido em aula pelos estudantes para um bate-papo? Ou convidar professores universitários para apresentarem suas pesquisas de forma didática para os alunos? Essa ideia, inclusive, aproxima a Ensino Superior e a pesquisa da Educação Básica, o que nem sempre é uma realidade. Os alunos, ainda, podem produzir trabalhos para serem exibidos: uma exibição de desenhos ou uma instalação inspirados em alguma leitura realizada. A declamação de poemas produzidos pelos alunos de um determinado ano para alunos de outros anos. As possibilidades são inúmeras, e cabe ao professor observar o que seria mais produtivo e interessante para seus alunos. Dependendo dos recursos da escola, outra possibilidade de trabalho para chamar a atenção dos estudantes para a leitura poderia ser a de um projeto que aliasse o cinema à literatura. Sabemos que as crianças e os adolescentes, em geral, sentem-se muito mais atraídos pelas histórias narradas em um formato audiovisual, conforme comprova a pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, mostrada na Figura 3. 11A formação do leitor Figura 3. O que as pessoas gostam de fazer em seu tempo livre? Fonte: Instituto Pró-Livro (2015, documento on-line). Pensando nisso, o professor poderia criar um projeto que envolvesse, em primeiro lugar, a leitura de textos literário que, posteriormente, seriam adap- tados para a linguagem audiovisual. Levando-se em consideração o tempo disponível em sala de aula e o fato de que os estudantes não são profissionais na área do cinema, o mais interessante seria trabalhar com contos que pudes- sem ser transformados em curtas-metragens. Assim, primeiramente, todos os estudantes deveriam realizar a leitura de todos os contos (p. ex., podem ser de um livro do mesmo autor ou de uma coletânea realizada pelo próprio professor com uma temática em comum). Depois do trabalho e da análise dos textos literários, cada grupo escolheria sua história. Essa narrativa, ao ser transposta para a linguagem audiovisual, poderia ser modificada pelos alunos: se a história se passa em um tempo ou lugar diferentes, eles poderiam trazer para a sua realidade, por exemplo. Quanto mais autoral — desde que respeitando a essência do conto —, mais interessante o trabalho dos alunos se torna. Além disso, se o trabalho for divido em mais de uma etapa, isso pode ajudar na organização dos alunos: eles podem entregar, primeiro, o roteiro; depois, algumas cenas; posteriormente, o vídeo editado; por fim, a sinopse e o cartaz dos filmes. Ao final do projeto, inclusive, é possível realizar uma cerimônia para a qual a comunidade escolar seja convidada para a exibição de todas as produções e para a divulgação dos ganhadores das categorias definidas, como Melhor Filme, Melhor Atriz, Melhor Ator, Melhor Roteiro, etc. A formação do leitor12 O cineasta gaúcho Carlos Gerbase possui um projeto chamado “Primeiro Filme”, que atende escolas públicas e privadas. Conforme o site, “[...] o projeto ‘Primeiro Filme’ tem como objetivo principal criar materiais didáticos, estruturas e ferramentas de apoio ao ensino de cinema nas escolas de nível médio (primeira, segunda e terceira séries)” (GERBASE, 2019, documento on-line). O site também coloca que o ensino de artes das escolas brasileiras está previsto em nossa legislação. As experiências na área do cinema, cada vez mais comuns, têm sido muito positivas, parte pelo entusiasmo que a linguagem audiovisual desperta nas crianças e nos adolescentes, parte pela crescente facilidade que as novas tecnologias digitais (câmeras e computadores com softwares de edição) proporcionam (GERBASE, 2019). Outro aspecto importante para incentivar a leitura em sala de aula é a di- versificação das leituras. Raramente um livro será unanimidade — raramente uma turma inteira somente odiará ou somente amará uma leitura. Assim, o docente deve sempre pensar em sugerir livros variados, para que os alunos, em sua heterogeneidade e com seus gostos distintos, possam perceber quais são os temas ou os gêneros de que mais gostam. Um trabalho que poderia render bons frutos é o de visitar a biblioteca da escola ou alguma biblioteca da cidade: os estudantes poderiam, de forma autônoma, escolher um livro (ou alguns livros) que mais lhe tenha chamado a atenção para realizar a leitura. Dessa forma, os estudantes, ainda, seriam estimulados a desenvolver uma intimidade com o espaço por excelência dos livros: as bibliotecas. Desenvolver produções textuais a partir de leituras também pode servir como um incentivo, pois, com esse tipo de atividade, o aluno deve colocar em prática tudo o que aprendeu com a leitura. Um exemplo seria desenvolver um trabalho com o gênero textual diário a partir da leitura de O diário de Anne Frank. Após a discussão sobre os sentidos do texto, os alunos seriam convidados a realizar uma pesquisa sobre uma vítima do Holocausto. Depois, deveriam produzir uma entrada de diário como se eles fossem os indivíduos pesquisados. Assim, uma das funções da literatura também seria desenvolvida: a leitura enquanto exercício de alteridade, enquanto exercício de se colocar no lugar do outro, do diferente. Para a exposição das produções, o docente poderia pensar em envelopes grudados na parede. Dentro de cada envelope, estaria uma das produções tex- tuais; no exterior do envelope, haveria um número. Cada pessoa que passasse 13A formação do leitor pela exposição deveria retirar um número recortado e encontrar o envelope do número correspondente para ler o texto, conforme vemos na Figura 4. No Holocausto, cada vítima era identificada com um número, e, ao dar um númeroe um texto para cada número, o professor e os alunos ainda estariam dando voz a essas pessoas — um rosto por trás de cifras impessoais. Figura 4. Exposição com as produções dos alunos realizadas a partir da leitura de Anne Frank. As possibilidades de trabalhos significativos com a leitura são inúmeras. Quanto mais um professor gostar de ler e quanto melhor conhecer seus alunos, maiores serão as chances de esses projetos obterem resultados positivos. A formação do leitor14 CALVINO, I. Um general na biblioteca. São Paulo: Companhia das Letras: 2010. COSSON, R. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2016. GERBASE, C. Primeiro filme. Porto Alegre: [S. n.], 2019. Disponível em: http://www.pri- meirofilme.com.br/site/o-projeto/. Acesso em: 11 jul. 2019. INSTITUTO PRÓ-LIVRO. Retratos da leitura no Brasil. São Paulo: [s. n.], 2015. Disponível em: http://prolivro.org.br/home/images/2016/Pesquisa_Retratos_da_Leitura_no_Bra- sil_-_2015.pdf. Acesso em: 11 jul. 2019. SILVA, L. L. M. A escolarização do leitor: a didática da destruição da leitura. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986. 15A formação do leitor DICA DO PROFESSOR Hoje em dia, as crianças e os adolescentes recebem estímulos contínuos: computador, televisão, celulares, tablets, etc. Todos esses suportes apresentam conteúdos que chamam a atenção do público e que são mais fáceis de digerir do que a leitura de um livro. Nesta Dica do Professor, você vai conferir diversas formas de chamar a atenção dos alunos para a leitura da literatura a partir de um processo chamado gamificação. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! NA PRÁTICA Nem sempre trabalhar com a leitura em sala de aula é fácil. A leitura de textos compete com muitos outros estímulos, como a televisão, a internet, o tablet, o celular, etc. Chamar a atenção dos alunos para o mundo da leitura exige cada vez mais criatividade por parte do professor. Pensando nesse desafio, confira, Na Prática, uma forma significativa de trabalhar com o texto em sala de aula. SAIBA MAIS Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: A literatura infantil no processo de formação do leitor A formação de um leitor deve começar na infância. Pensando nisso, observa-se a necessidade de se pensar na literatura infantil e no seu papel na formação do leitor como fazem Sílvia Paiva e Ana Oliveira no artigo recomendado. Confira! Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! A biblioteca pública no contexto da sociedade da informação Democratizar o espaço privilegiado do livro – a biblioteca – também pode ser uma das etapas no incentivo à leitura. Esse tema é abordado no texto de Emir Suaiden. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino!
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