Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Geovana Sanches, TXXIV TERAPIA RENAL SUBSTITUTIVA INTRODUÇÃO Ao falarmos em terapia renal substitutiva, incluem-se a diálise, nas modalidades de hemodiálise ou diálise peritoneal, e ainda o transplante renal, o qual é indicado para pacientes com insuficiência renal crônica terminal. Indicações clássicas na DRC As indicações e os critérios para a terapia renal substitutiva devem ser individualizados e avaliados caso a caso. Essa atenção deve ser ainda maior e mais individualizada quando falamos em pacientes com lesão renal aguda. O primeiro critério é o clearance de creatinina, o qual normalmente é indicativo de necessidade de TRS quando está entre 10 e 15 mL/minuto. Todavia, ele não deve ser analisado isoladamente. Pacientes diabéticos, por exemplo, tem tendência a início mais precoce da TRS, em geral quando o clearance está inferior a 20 mL/min. Associado ao clearance rebaixado, deve haver um ou mais itens para indicação precisa da terapia: • Uremia • Hipervolemia • Acidose metabólica refratária o Não controlada com medidas clínicas • Hipercalemia • Desnutrição o Perda de massa magra HEMODIÁLISE A hemodiálise é uma terapia realizada através do sangue, com o princípio de extrair substâncias tóxicas presentes nele (diálise) e remover o excesso de água (ultrafiltração). Diálise É um processo no qual a composição do soluto de uma solução A é modificado pela exposição de A a uma segunda solução B através de uma membrana semipermeável. A partir do princípio de difusão, os solutos passam do local mais concentrado (hipertônico), para o menos concentrado (hipotônico). Esse processo é muito semelhante ao que ocorre nos glomérulos saudáveis, sendo que a membrana basal glomerular é quem confere a semi-permeabilidade. Mecanismos de transporte do soluto Os solutos que atravessam os poros da membrana são transportados por meio de dois mecanismos diferentes: • Difusão o Solutos se movimentam de forma aleatória: quanto maior o peso molecular, menor a velocidade de transporte pela membrana • Ultrafiltração o Depende da pressão hidrostática; o A máquina de diálise é adaptada de acordo com a quantidade de líquido necessário a ser retirado em cada paciente. o A água é impulsionada por uma força hidrostática ou osmótica através da membrana. o Os solutos que acompanham a água são “arrastados” pelo solvente. Aparelho de hemodiálise • Circuito de sangue • Circuito de diálise (banho) • Equipo de influxo: arterial – conecta o acesso vascular ao dialisador o Puxa o sangue do paciente e o leva para o dialisador. • Equipo de efluxo: venoso – conecta o dialisador ao acesso (retorno) o Após o sangue passar pelo dialisador e ocorrerem as trocas, ele sangue volta para o paciente. O dialisador (ou capilar) é onde os circuitos de sangue e de solução de diálise se encontram. É nele que ocorre o movimento das moléculas entre a solução de diálise e o sangue através de uma membrana semipermeável. Essa membrana sintética é constituída por fimbrias, sendo que seu funcionamento é muito semelhante ao da membrana basal glomerular dos glomérulos saudáveis. Geovana Sanches, TXXIV A extremidade vermelha é por onde entra o sangue do paciente, enquanto a azul é por onde o sangue já filtrado retorna para o paciente. Tipos de banho Há dois tipos de banho utilizados na hemodiálise, o banho ácido (contém eletrólitos) e o banho básico (contém bicarbonato). Eles ficam no componente externo do dialisador. O banho ácido é composto basicamente por potássio, cálcio e glicose. A concentração escolhida desses componentes dependa da concentração em que eles se encontram no sangue do paciente, de forma que o processo de diálise ocorrerá pelo princípio da difusão. Sendo assim, pacientes com hiperpotassemia acentuada utilizarão banho com baixa concentração de potássio, para que esse íon deixe o sangue e passe para o filtro. O cálcio, por sua vez, normalmente passa do banho para o sangue, normalizando seus níveis no paciente. A glicose é essencial para evitar hipoglicemia no momento da diálise. Os banhos básicos e ácidos são misturados com água purificada de acordo com a necessidade. Insere-se na máquina qual a concentração de bicarbonato que deve ser administrada. Essas máquinas de proporção são muito seguras para realizar esse processo, equilibrando os componentes no sangue do indivíduo. Visa-se principalmente a retirada de potássio (K+) e fósforo (P), assim como a entrada de cálcio (Ca++) e bicarbonato (HCO3-). Uma sessão clássica de hemodiálise ocorre por 4 horas, 3 vezes por semana. O ideal é que o paciente ganhe no máximo 1,5kg entre uma sessão e outra, para reduzir as complicações após o procedimento. Água para hemodiálise Durante uma sessão de hemodiálise, um indivíduo tem contato com cerca de 120 a 200 litros de água. É de extrema importância que todos os aparelhos de hemodiálise sejam capazes de purificar a água antes do contato com o paciente. Parte-se do princípio de que a água dos reservatórios que abastecem as cidades são águas impróprias para hemodiálise. Sendo assim, é necessária realizar purificação anteriormente ao processo. Isso é muito importante pois essa água tem contato direto com o sangue paciente, de forma que, se nela houver bactérias ou outros microrganismos, isso ocasionará uma bacteremia. Hemodiafiltração A hemodiafiltração é realizada pela máquina prisma, representada abaixo. Ela é utilizada em pacientes que estão instáveis hemodinamicamente, como por exemplo em choque séptico, cardiogênico ou LRA. Utiliza-se um filtro mais potente, com maior capacidade de diálise. O processo é realizado de forma lenta e contínua, por até 72h, sendo retirados no máximo 150 a 180mL por hora. Acesso vascular para hemodiálise Nos pacientes com insuficiência renal crônica, o acesso preferencial é a fístula arteriovenosa. Caso sua realização não seja possível, em alguns casos específicos pode-se realizar a PTFE (prótese de politetrafluoroetileno). Outra opção é o cateter venoso central, o qual pode ser um cateter duplo lúmen tunelizado Geovana Sanches, TXXIV de longa permanência (permcath) nos casos de insuficiência renal crônica. Ou um cateter duplo lúmen temporário ou de curta duração (Shilley), nos casos de lesão renal aguda. Fístula arteriovenosa De acordo com as recomendações Kdigo, a confecção de aceso vascular definitivo (fístula arteriovenosa) deve ser feita quando o clearance de creatinina for inferior a 30 ml/minuto na doença renal crônica. Ela é preferencialmente confeccionada no antebraço não dominante. Normalmente, utiliza- se a artéria radial, de forma que o sangue desta passa para a veia, tornando-o dilatada. Com o tempo, essa veia sofre um espessamento da parede, permitindo que a hemodiálise seja realizada. à Vantagens • Melhor efetividade da hemodiálise quando comparada ao cateter • Menor risco de infecção • Tempo de duração maior quando comparada ao cateter (até 5 anos) • Sem os riscos relacionados às complicações do implante do cateter e sua permanência, especialmente infecciosas • Maior comodidade ao paciente à Complicações • Necessidade de maturação venosa: média de 6 a 8 semanas • Complicações relacionadas a irrigação do território distal (raramente) • Varizes nos locais da punção, especialmente em pacientes que fazem diálise há muito tempo. • Estenoses de anastomose (é passível de reversão) • Rompimento venoso (não é comum, mas caso ocorra, é uma situação muito grave). • Infecção: muito mais rara quando comparada ao uso do cateter. Prótese de politetrafluoroetileno Para sua confecção, uma grande cirurgia é necessária, constituindo uma situação de exceção. Tenta-se inicialmente a fístula e em seguida o cateter. Caso não seja possível, a PTFE é uma opção. Cateter de Shilley O cateter duplo lúmen temporárioou de curta duração (Shilley) tem indicação precisa em situações de emergência para terapia renal de substituição, ou seja, em casos de lesão renal aguda ou para insuficiência renal aguda em pacientes que não apresentam permicath ou fístula. Segundo as diretrizes Kdigo, temos a seguinte ordem de locais preferenciais para implante do cateter: 1. Veia jugular interna direita o Desemboca na veia cava superior, chegando ao átrio direito. o Não há dobramento do cateter, permitindo maior fluxo de sangue. 2. Veias femorais o Maior risco de infecção 3. Veia jugular interna esquerda o Realiza uma curva no cateter, impactando no fluxo da diálise 4. Veias subclávias o Casos de exceção pois, quando colocamos cateter em seu interior, ele pode induzir a estenose do vaso, a qual pode ser definitiva (com hiperplasia e até trombo). o Além disso, há risco de “perder” o braço para confecção posterior de fístula arteriovenosa. Geovana Sanches, TXXIV à Riscos relacionados ao implante • Pneumotórax • Punção arterial, principalmente de carótida • Hemotórax e hemomediastino • Arritmia cardíaca • Tamponamento cardíaco • Bacteremia • Hematoma compressivo • Lesão traqueal • Laceração muscular • Rompimento venoso • Embolia gasosa As complicações diminuem muito quando o implante do cateter é guiado por ultrassom, ficando abaixo de 2%. Todavia, nem todo local possui ultrassom disponível para realizar o procedimento. A punção leva em consideração o músculo esternocleidomastoideo, o qual forma um triangulo com ápice apontado para cima. Nesse ápice, entramos com a aguda apontando para o mamilo ipsilateral, com curvatura de 30 a 45º para adentrar a veia jugular interna direita. Cerca de 15% dos pacientes apresentam a carótida anterior a veia jugular, o que complica o procedimento. à Desvantagens • Tempo de permanência curto, de no máximo 7 a 10 dias devido ao elevado risco de infecção (óstio e lúmen) • Risco de endocardite infecciosa • Estenose do vaso Permicath O cateter duplo lúmen tunelizado de longa permanência (permicath) é mais seguro, sendo utilizado como alternativa para pacientes em que a confecção imediata de fístula arteriovenosa não é possível. São cateteres com “cuff” – espuma que fica na entrada da pele e funciona como uma barreira mecânica para a entrada de bactérias e outros microrganismos. As complicações infecciosas e trombose são mais frequentes com cateteres do que com FAVs nativas e enxertos. à Indicações • Tentativas exauridas de FAV nativa ou enxerto (diabéticos) • Crianças pequenas • Obesidade mórbida • ICC grave • Pacientes com perspectivas de transplante a curto prazo • Previsão de uso de CDL temporário maior que 3 semanas à Vantagens • Aplicabilidade universal • Pode ser inserido em múltiplos sítios • Não necessita de tempo para maturação • Não necessita de punções venosas • Não acarreta consequências hemodinâmicas • Custo menor quando comparação a confecção de fístula e enxerto • Complicações trombóticas são de fácil correção • Mais flexível e mais confortável que o cateter de Shilley, além de ter menor taxa de infecção quando comparado a este à Desvantagens • Alto índice de tromboses e infecções • Risco de estenose ou oclusão permanente de veia central (subclávia) • Desconforto e desvantagem cosmética • Menor sobrevida o 60% em 6 meses o 40% em 1 ano o Média de 8 meses DIÁLISE PERITONEAL A diálise peritoneal é atualmente realizada em apenas 8% dos pacientes. É realizado através do cateter de Tenckhoff, o qual é inserido próximo à cicatriz umbilical, no fundo de saco de Douglas. Geovana Sanches, TXXIV Tem como princípio a infusão, com inserção de 2 litros de solução contento glicose. Quanto mais concentrada for essa solução, maior a quantidade de água que será puxada para o interior da cavidade abdominal, a qual será drenada posteriormente. Como essa solução não contém toxinas e fósforo, estes também passam para a cavidade abdominal. Modalidades • DPA: diálise peritoneal ambulatorial. É a mais utilizada;realizada em casa durante a noite (troca a cada 2 horas, durante 12 horas). • CAPD: diálise ambulatorial contínua. Troca-se o banho a cada 6 horas. • DPI: é realizada em clínica de diálise, 2 vezes por semana, a cada 12 horas. Indicações • Pacientes com função residual presente • Falência de acesso vascular o Estenose de vasos, não sendo possível confecção de fístula ou cateter • Impossibilidade para locomoção para clínica de hemodiálise • Graves condições hemodinâmicas o Insuficiência cardíaca IV o Insuficiência coronariana • Profissões que necessitem de locomoção frequente para outras cidades Vantagens • Pouca repercussão hemodinâmica • Sem complicações inerentes ao acesso vascular • Melhor aspecto fisiológico Desvantagens e complicações • Risco elevado de peritonite o Especialmente na abertura do cateter, sendo necessário uma antissepsia muito bem feita • Necessidade de ambiente domiciliar apropriado • Necessidade de treinamento do paciente e familiar responsável com relação as medidas de assepsia e antissepsia • Custo elevado • Desnutrição o Ocorre principalmente nos casos de peritonite de repetição • Hiperglicemia o Como o banho é rico em glicose, isso pode descompensar o DM ou causar hiperglicemia em pacientes que não tem DM. • Obstrução ou má locação do cateter • Condições peritoneais e/ou abdominais desfavoráveis o Hérnias o Aderências o Entre outros Agente osmótico A glicose é o agente osmótico mais utilizado, sendo que as concentrações de dextrose monohidratada variam entre 1,5%, 2,5% e 4,25% a depender das necessidades do paciente. Dentre as vantagens desse agente estão o baixo custo, segurança, fácil disponibilização e ampla experiência clínica. Já entre as desvantagens estão a fácil absorção, tornando a disponibilidade para UF relativamente curta, Geovana Sanches, TXXIV alterações na membrana peritoneal e efeitos sistêmicos. Composição das soluções de glicose Nessa solução, o lactato substitui o bicarbonato utilizado na hemodiálise. TRANPLANTE RENAL Indicações absolutas • IRC em fase terminal • Paciente em diálise ou pré-dialíticos • Clearance de creatinina < 20 ml/min Objetivos • Prolongar e manter a qualidade de vida • Retorno às atividades produtivas normais • Sobrevida maior em pacientes transplantados • Custo e manutenção menores • Programas / ABTO Doador Doadores vivos e relacionados são o ideal e consistem em parentes de 1º grau (pai, mãe, irmãos e filhos). Doadores não relacionados tem menor chance de compatibilidade e há uma parte jurídica envolvida, devido a possibilidade de comércio de órgãos. Para aqueles que não tem doadores vivos disponíveis, há o transplante por cadáver, cuja fila se dá em ordem de descrição da necessidade. Doador vivo • Realizar captação sempre que possível • Doação espontânea • Idade entre 21 e 70 anos • Função renal normal • Compatibilidade ABO • Compatibilidade HLA à Critérios de exclusão • Doença mental • Doença renal • Incompatibilidade ABO/HLA • Cross-matching positivo • Diabetes mellitus • Hipertensão arterial • Proteinúria > 300 mg/dia • Litíase renal: múltipla e recidivante • Múltiplos cistos renais • Múltiplas artérias renais • Doenças oncológicas • Dependente de drogas ilícitas Seleção do doador cadáver • Protocolos de morte encefálica / ABTO • Enxerto de durabilidade menor quando comparado ao realizado com doador vivo • Critérios: o Idade entre 6 e 45 anos o Função renal normal o Ausência de HAS ou DM o Ausência de malignidades o Ausência de infecções generalizadas o Urocultura negativa o Sorologias negativas Contraindicações para o transplante • Sorologia positiva para HIV: atualmente, em alguns serviços, o transplante é realizado caso a carga viral esteja zerada. A contraindicaçãotem como princípio o fato de que, para realizar o transplante, é necessário fazer a imunossupressão do paciente. • Neoplasias malignas atuais ou até 2 anos de seguimento • DPOC avançada • Cardiopatia grave • Vasculopatia periférica grave • Cirrose hepática avançada • Hepatite C Técnica cirúrgica O implante do enxerto não se dá no local dos rins nativos, os quais permanecem no paciente. Faz-se uma anastomose término- terminal na artéria ilíaca interna, sendo que a veia renal é ligada à veia ilíaca externa. Esse local é estratégico devido a grande necessidade de biópsia, especialmente quando há suspeita de rejeição. Com os novos imunossupressores, há menor risco de rejeição e aumento da vida útil do enxerto, o qual tem durado em média de 14 a 15 anos. Para tal, a medicação é utilizada para o resto da vida.
Compartilhar