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Linguagens da arte e regionalidades Aula 01: Introdução à disciplina Apresentação Nessa aula, você irá compreender a importância do estudo das linguagens da arte para a formação do estudante e aprender que toda obra de arte é a expressão simbólica de uma emoção, de um sentimento, de uma ideologia. Além disso, entenderá que, para melhor contemplar uma obra de arte, é necessário vincular o processo criativo ao tempo histórico de sua produção, identificando as ideologias a ele inerentes. Ainda irá compreender o conceito de mímesis e suas aplicações às artes, bem como identificar métodos de análise de uma obra de arte. Objetivo Compreender o que é uma organização e seus componentes. Apresentar os conceitos de arte, artista e objeto artístico; Estimular a recepção subjetiva da obra de arte para desenvolvimento de uma consciência estética. "A origem de algo é a proveniência da sua essência. A pergunta pela origem da obra de arte indaga a sua proveniência essencial. Segundo a compreensão normal, a obra surge a partir e através da atividade do artista. Mas e por meio de quê é que o artista é o que é? Através da obra; pois é pela obra que se conhece o artista, ou seja: a obra é que primeiro faz aparecer o artista como um mestre da arte. O artista é a origem da obra. A obra é a origem do artista. Nenhum é sem o outro." - HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Lisboa: Edições 70, 2007, p. 11 Vivendo em coletividade, o ser humano tende a desenvolver culturas específicas que delimitarão sua existência: O modo de pensar e de agir, a formação da sociedade da qual faz parte, suas práticas sociais, crenças, mecanismos de transmissão de conhecimento e lazer. Linguagens da arte e regionalidades – conceitos fundamentais A língua é, sem dúvida, o instrumento mais eficaz de trocas de experiências, de formação de identidades e consolidação de ideologias. No entanto, para além dos signos linguísticos, o homem sente a necessidade de se expressar mais subjetivamente, ou seja, representar de forma menos arbitrária a sua emoção mais genuína. Assim, desenvolve habilidades que o levarão a um contínuo processo de criação e representação simbólica tanto da realidade quanto dos sentimentos que o movem. O artífice torna-se artista quando deixa de usar apenas a técnica para produzir objetos e aciona o saber para construir o objeto artístico. Portanto, a arte não se limita à expressão estética em forma de poesia, quadro, escultura ou música; a arte é a expressão simbólica de uma emoção, um sentimento, uma ideologia. Estudar o homem e seu tempo histórico, compreender como ele se relaciona com a sociedade na qual está inserido torna-se mais eficaz quando associamos às teorias do conhecimento o estudo de linguagens da arte. "O estudo sobre arte não se limita a desenvolver a capacidade de apreciar um objeto artístico. Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (2000, p. 45), conhecer arte “significa os alunos apropriarem-se de saberes culturais e estéticos inseridos na prática de produção e apreciação artísticas, fundamentais para a formação e o desempenho social do cidadão”.” - Portal MEC O contato com a expressão artística desenvolve no educando a percepção estética do que está à sua volta, possibilitando a ele se relacionar com o mundo de forma harmoniosa e criativa. Observando uma obra de arte, atento às suas partes constituintes, o aluno — ou qualquer pessoa que se proponha a perceber e analisar um objeto artístico — aprenderá a ativar sua capacidade sensorial e, através dela, desenvolver a imaginação, a criatividade e a razão, equilibrando as tensões a que está submetido cotidianamente. Considerando ser a escola — e, de um modo geral, os espaços acadêmicos — o ambiente adequado à sistematização dos saberes, é através de aulas de linguagens da arte e regionalidades que se torna mais produtivo o conhecimento sobre a relação do homem com a história, a cultura e a sociedade da qual faz parte. Portanto, o espaço acadêmico torna-se propício à compreensão dos processos criativos que marcaram a humanidade e suas influências no mundo contemporâneo. Estudar arte equivale a conhecer e dar sentido ao mundo, atribuindo às coisas que nos cercam novos significados que ampliam nossas possibilidades cognitivas, talentos específicos e habilidades de convivência produtiva e harmoniosa com os elementos exteriores ao nosso ser, mas que completam nossa existência. O artista e a obra de arte: criação e recepção A relação do homem contemporâneo com a arte estreitou-se devido aos meios de comunicação de massa, especialmente a televisão. Se antes era necessário ir a um museu para ser capaz de identificar uma imagem como pertencente a um artista ou a uma época, hoje, através da publicidade, do noticiário ou de programas de variedades, é possível reconhecer uma determinada tela ou escultura como sendo de Leonardo da Vinci, Michelangelo ou Tarsila do Amaral. Mais até do que identificar uma obra, é possível estabelecer com ela uma relação outra, não apenas a de contemplação e reflexão, mas uma relação de interferência no processo criativo ou de estabelecimento de novos conceitos e critérios de avaliação. O público receptor de hoje, antes de experimentar a emoção que uma obra de arte pode provocar, é capaz de com ela interagir, modificando seus elementos principais e contextualizando-a em outros espaços e circunstâncias. É possível, através dos canais de informação hoje disponíveis, pensar a obra de arte sob diversos aspectos, e não raro afastando-a do seu caráter principal, que é o de ser arte. O estudo minucioso de um objeto artístico (material utilizado, dimensões, formas dinâmicas, perspectiva etc.) engrandece o trabalho e a técnica do artista, porém reduz o impacto da obra sobre a emoção do espectador, constantemente chamado à razão na percepção da obra de arte. A obra de arte tornou-se tema de noticiários. Um leilão, o roubo de uma obra, os danos causados a uma peça valiosa interferem na representação que um receptor tem do objeto artístico, levando-o a elaborar conceitos que não se inserem no contexto de criação, execução e exposição de uma obra de arte. Abaporu, de 1928, está em mostra em homenagem à artista na pinacoteca. Obra foi arrematada em leilão em 1995 e levada para buenos aires. Segundo o site de notícias g1.globo.com, o Abaporu, a obra mais famosa da paulista Tarsila do Amaral, está na Pinacoteca do Estado, na Luz, região central de São Paulo. O quadro, de 1928, virou símbolo do movimento modernista. O nome do quadro vem do tupi guarani. Em uma gravação, a artista explicou o significado: “Aba quer dizer homem e poru é que come carne humana”, disse Tarsila. A notícia da exposição da famosa tela da pintora Tarsila do Amaral chega ao receptor, provavelmente, antes que ele tenha um contato direto com a obra de arte. Primeiro, sabemos que a obra foi arrematada em leilão por um argentino. Acionamos, então, outros critérios de avaliação da obra: • valor de mercado • sentimento de perda • concorrência • nacionalismo ( ou falta de ) • Depois, somos informados sobre o significado da tela, o que exclui compreensões subjetivas e limita a expansão dos sentidos em relação às formas e cores. De forma ainda mais contundente, interferimos na criação artística quando dela nos apropriamos para alterar sua proposta inicial e construir outros sentidos, mantendo eles ou não o conceito de arte. Como vemos nos exemplos acima, a recepção da obra de arte não se limita à apreensão de suas cores e formas. Compreender a obra implica, também, em com ela interagir. Para o filósofo Martin Heiddegger, em A origem da obra de arte (2007, p. 13), as obras de arte existem como existem as coisas. Elas transpõem o caráter de coisa quando lhes são atribuídas representações de quem as vivencia. A obra de arte nos coloca em um lugar onde não costumamos estar e nos liberta do cotidiano. Mas essas representações, muitas vezes, ultrapassam os limitesda subjetividade, da individualidade de quem aprecia a obra e se transformam em representações coletivas, atribuindo ao objeto artístico um valor monetário que nem sempre está vinculado ao processo de criação inicial. Em Reflexões sobre a obra de arte, Alfredo Bosi argumenta que o homem contemporâneo é “alguém que nasceu e cresceu entre os mil e um engenhos da civilização industrial, e que tende a ver em todas as coisas possibilidades de consumo e fruição. Ter ou desejar ter uma gravura, um disco ou um livro finamente ilustrado é o seu modo habitual de relacionar-se com o que todos chamam de arte. Tal comportamento, embora se julgue mais requintado que o prazer útil de usar um bonito liquidificador, afinal também está preso nas engrenagens dessa máquina em moto contínuo que é o consumo, no caso o mercado crescente de bens simbólicos”. (BOSI, 1991, p. 7) No entanto, não se pode perder a relação primeira com a obra de arte ─ a contemplação ─ e o objetivo principal de apreciá-la ─ o sentimento do belo. E essa apreensão do objeto, que é a obra de arte, se dá subjetivamente, ou seja, causa no receptor da obra um efeito psicológico que altera o seu estado de ânimo. Essa é a perspectiva a ser mantida em uma sociedade que tem qualificado o objeto artístico por seu valor mercadológico. À parte o quanto vale um quadro ou uma escultura, por quanto se arremata em um leilão um objeto artístico ou que aparatos sejam exigidos para seu transporte seguro até uma exposição, não devemos nos esquecer de que a expressão artística é, desde os desenhos rupestres feitos pelo homem pré-histórico, uma forma dele se relacionar com o mundo. O artista, portanto, antes de qualquer formação acadêmica e sistematizada que o leve a dominar técnicas de composição, é alguém que procura entrar em relação com o mundo que o cerca e com sua própria condição humana. Pintura rupestre, “Cueva de Los Caballos”, Castellón-Espanha| Fonte: Centro Nacional de Informácion y Comunicación Educativa. A esse processo de representar o mundo na arte dá-se o nome de mímesis, conceito que, para Aristóteles, estava associado ao “realismo”, e para Platão, seu mestre, era concebido com a ideia de similaridade (simulacro), portanto, associava-se ao “idealismo”. A imitação é uma atividade inerente ao ser humano que faz parte do processo cognitivo, isto é, pela imitação aprendemos sobre algo, como define Aristóteles em sua obra Arte poética: “A tendência para a imitação é instintiva no homem, desde a infância. Neste ponto distingue-se de todos os outros seres, por sua aptidão muito desenvolvida para a imitação. Pela imitação adquire seus primeiros conhecimentos, por ela todos experimentam prazer” (2003, p. 30). A Mímeses A arte mimética, portanto, pode representar a realidade tal como é ou, como indicava Platão, de forma mais idealizada, de acordo com a perspectiva do artista. É por esse viés que a arte se desenvolve e acentua um saber estético e estilístico, já que as formas e cores reinterpretam a imagem imitada (estética) e o objeto artístico define-se pela subjetividade do artista (estilo). "o convívio do saber sensível e idealização formal altera, sob um novo aspecto, a noção de mímesis, deixando aflorar uma outra tendência antropológica do homo faber: a estilização." - BOSI, 1991, p. 31 Isso equivale a dizer que, ao intensificar alguns aspectos da realidade do objeto imitado, o homem que domina a técnica da arte (homo faber) faz representar o mundo sob sua visão específica, desenvolvendo conceitos antropológicos (inerentes ao saber humano) que serão expressos em sua produção artística. Assim, para além da mímesis como reprodução do real, nos seria oferecida a mímesis como interpretação do real. Paisagem de Bretanha, de Henri Matisse (1887) É isso que ocorre quando nos deparamos com obras diversas que versam sobre o mesmo tema. Se a proposta é retratar uma paisagem campestre, a imagem que nos é oferecida vai depender da visão do artista, de como ele mimetiza a realidade. A análise que o receptor da obra há de elaborar não deve ignorar as nuances de cores, as formas, as proporções indicadas pelo quadro. Na observação da obra de Matisse, destacam-se: 1 – a rapidez da percepção visual: percebemos o todo da obra, sem precisar decompor as suas partes; 2 – a universalidade da imagem: identificamos a paisagem como realidade; 3 – a observação da profundidade e bidimensionalidade: as dimensões do céu e da terra opõem-se às dimensões das casas e da mulher que caminha; 4 – investigação das cores: atribuem-se à paisagem representada possíveis estações do ano e períodos do dia. O belo estético perseguido pelo artista não se enquadra em padrões harmoniosos como cores claras ou vibrantes, formas suaves ou acentuadas; ao contrário, as formas podem ser distorcidas, as cores não representarem o real e, ainda assim, entraremos em contato com o belo ao contemplar uma obra de arte. O belo pode ser encontrado na obra mais sombria, pois a imitação da realidade feita pelo artista transforma a própria realidade, e o que antes seria tenebroso, visto como representação, torna-se objeto de contemplação e êxtase. Os comedores de batatas, de Van Gogh (1885) Bosi (1991, p. 35) apresenta um texto de Leonardo da Vinci que seria um esboço de um quadro que ele não chegou a pintar. Acompanhe as palavras e procure mimetizar (imitar) a realidade através da imaginação desencadeada pelo esboço do pintor renascentista. Divisões para o Dilúvio TREVAS, VENTO, FORTUNA DE MAR, DILÚVIO DE ÁGUA, SELVAS AFOGADAS, CHUVAS, SETAS DO CÉU, TERREMOTOS E RUÍNA DE MONTES, ALAGAMENTO DE CIDADES. VENTOS VERTIGINOSOS TRAZENDO ÁGUA, RAMOS DE PLANTAS E HOMENS PELO AR.RAMOS LACERADOS PELOS VENTOS, MISTURADOS COM O CURSO DOS VENTOS, CARREGADOS DE GENTE.PLANTAS ROTAS, CARREGADAS DE GENTE.NAVES ROTAS EM PEDAÇOS, BATIDAS EM ESCOLHOS. REBANHOS, GEADA, RAIOS, VENTOS VERTIGINOSOS.GENTE QUE SE AGARRA A PLANTAS QUE NÃO POSSAM SUSTENTAR-SE, ÁRVORES E ESCOLHOS, TORRES, COLINAS APINHADAS, MESAS, MASSEIRAS, INSTRUMENTOS DE NADO, COLINAS COBERTAS DE HOMENS E MULHERES E ANIMAIS, E SETAS QUE DAS NUVENS ALUMIEM AS COISAS. Pelo exercício de imaginação realizado, vemos que o receptor da obra de arte tem papel fundamental na construção das representações sugeridas pelo artista. O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa era a imagem de um vidro mole que fazia uma volta atrás da casa. Passou um homem depois e disse: essa volta que o rio faz por trás de sua casa se chama enseada. Não era mais a imagem de uma cobra de vidro que fazia uma volta atrás da casa. Era uma enseada. Acho que o nome empobreceu a imagem. BARROS, Manoel de. O livro das ignorãças. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1993, p. 27 Como vimos anteriormente, para Platão mímesis seria simulacro (similaridade) da realidade, portanto “idealismo”; para Aristóteles, ao contrário, a mímesis deveria ser a representação mais fiel da realidade. É certo que as teorias gregas sobre mímesis estão na origem de toda arte, inclusive as contemporâneas. No entanto, o artista, ao longo da história da humanidade, aperfeiçoou sua arte representativa até chegar, com Leonardo da Vinci, no Renascimento (século XVI), ao estatuto de ciências da visão. A mímesis residiria no plano do conhecimento de mundo e a obra de arte no plano de construção de um outro mundo, cuja porta o artista abre para o receptor que se dispuser a conhecer a essência da obra, que é, afinal, a essência do artista. Dessa forma, artista e obra irão representar o mundo subjetivamente e historicamente. Assim é que na arte medieval nos deparamos com o espaço místico; na Renascença temos a pintura mais linear e plástica do estilo clássico, com planos distintos de representação; no Barroco, encontramos a arte pictórica, marcada em profundidades e contrastes de imagens; no Romantismo, a dimensão humana ganha todas as cores e formas; por fim, na arte moderna, movimentos diversos convergirão estéticas quepretendem dar conta da fragmentação humana. A arte relaciona-se com o seu tempo histórico, e esse tema será discutido nas próximas aulas. Deixamos, como reflexão, o pensamento do escritor alemão Novalis (1772-1801): "Onde o mundo interior e o exterior se tocam, aí se encontra o centro da alma”." - Novalis (1772 – 1801) Referências AUERBACH, Erich. Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental. São Paulo: Perspectiva, 2004. BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Editora Hucitec, 2004. BOSI, Alfredo. Reflexões sobre a arte. São Paulo: Ática, 1991. CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. São Paulo: Global, 2005. DURIGAN, Jesus Antônio. Erotismo e literatura. São Paulo: Ática, 1986. HEIDEGGER, Martin. A origem da obra de arte. Lisboa: Edições 70, 2007. HAUSER, Arnold. História social da arte e da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2003. JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. São Paulo: Papirus Editora, 2009. ROSENFELD, Anatol. Cinema: arte & indústria. São Paulo: Perspectiva, 2002. SANTIAGO, Silviano. Literatura nos trópicos: ensaios sobre dependência cultural. 2. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2000. SODRÉ, Nelson Werneck. Síntese de história da cultura brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand, 2003. TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira. São Paulo: Ed. 34, 2005. VIANNA, Hermano. Mistério do samba. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2004. Próxima aula Conceitos de cânone e de censura e como a criação artística foi delimitada pela produção dos gênios e pela resistência à repressão religiosa e política; Importância dos artistas — entre eles os compositores da nossa música popular — no movimento de resistência à censura política que marcou a história de nosso país. Explore mais
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