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METODOLOGIA DO ENSINO DE ARTE PAULA CAROLINE DE SOUZA Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6487-8 9 7 8 8 5 3 8 7 6 4 8 7 8 Código Logístico 58624 M ETO D O LO G IA D O EN SIN O D E A R TE PA U LA C A R O LIN E D E SO U ZA Metodologia do ensino de Arte IESDE 2019 Paula Caroline de Souza Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br © 2019 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: sirtravelalot/Poznyakov/ivSky/Shutterstock CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ S717m Souza, Paula Caroline de Metodologia do ensino de Arte / Paula Caroline de Souza. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE Brasil, 2019. 138 p. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6487-8 1. Arte - Estudo e ensino. 2. Ensino - Metodologia. I. Título. 19-57159 CDD: 707 CDU: 7 Paula Caroline de Souza Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional pela Universidade Positivo (UP). Graduada em Educação Artística - Artes Plásticas pela UFPR. Atua como professora de Arte, produtora de material didático para pós-graduação em Educação e na formação de professores. Tem experiência na área de arte-educação e pesquisa a relação da afetividade com o desenvolvimento humano. Sumário Apresentação 7 1 Arte e ensino da Arte: primeiros conceitos 9 1.1 Linguagem e expressão 9 1.2 Arte desde quando? 10 1.3 Sobre o ensino da Arte: primeiras concepções 11 1.4 Modelos e teorias mais aceitos sobre o ensino da Arte na atualidade 14 2 Para que serve a arte? 19 2.1 Arte e vida humana: de mãos dadas 19 2.2 Aspectos sociais da arte 21 2.3 Aspectos subjetivos da arte 24 3 Arte no desenvolvimento humano: inteligência, cognição e afetividade 31 3.1 Arte e desenvolvimento humano 31 3.2 Arte, cognição e inteligência 33 3.3 Arte e afetividade 35 3.4 Arte e ludicidade 37 4 Manifestações e apresentações da arte: linguagens artísticas - parte 1 41 4.1 Artes visuais 42 4.2 Música 50 4.3 Dança 54 4.4 Teatro 57 5 Manifestações e apresentações da arte: linguagens artísticas - parte 2 65 5.1 Artes visuais na sala de aula 66 5.2 Música na sala de aula 71 5.3 Dança na sala de aula 76 5.4 Teatro na sala de aula 81 5.5 Projetos artísticos na escola 84 6 O currículo da Arte no Brasil: desafios e possibilidades 89 6.1 BNCC e o ensino da Arte: concepções fundamentais 89 6.2 A arte e a tecnologia: como a tecnologia pode ser a melhor aliada para ensinar Arte 104 6.3 Possibilidades de apreciação artística: aulas de campo (dentro e fora da escola) 107 6.4 Como avaliar em Arte? 109 7 Orientações didáticas 117 7.1 Desmistificação sobre avaliação e projetos de Arte 117 7.2 Contação de histórias como forma de apreciação 120 7.3 Como incentivar a pesquisa em Arte 125 7.4 Conselhos finais para quem ensina Arte 128 Gabarito 133 Apresentação As diversas linguagens e os meios de expressão simbólicos, como a arte, estão presentes no nosso cotidiano desde o início de nossas vidas e são de extrema importância para nosso desenvolvimento. A arte tem como instrumentos e meios norteadores o universo lúdico, a imaginação e a criatividade. Por meio dela, interagimos simbólica e simultaneamente conosco e com o mundo, comunicando e expressando ideias, sentimentos, pensamentos e reflexões tanto individuais quanto do meio social e cultural em que estamos inseridos. Como aprendemos por meio da interação e da imitação, as manifestações artísticas podem e devem ser experienciadas e oportunizadas pela educação. Esta obra se divide em sete capítulos. No Capítulo 1, apresentamos um estudo sobre linguagem e expressão, refletindo sobre o que é arte, qual é a sua finalidade, como ela é abordada no ensino básico e qual é a sua importância na educação e no desenvolvimento humano. No Capítulo 2 vemos como a arte representa a humanidade e o quanto ela está presente na nossa vida e, no Capítulo 3, abordamos a relação da arte com a inteligência, a cognição e a afetividade. Abordamos, no Capítulo 4, cada uma das principais manifestações artísticas – artes visuais, música, dança e teatro –, pois consideramos importante que todas as esferas da arte estejam presentes no dia a dia dos nossos alunos e sejam trabalhadas em toda sua dimensão. No Capítulo 5, apresentamos orientações didáticas de como trabalhar cada linguagem artística, por meio de uma sequência de planos de aula com sugestões de atividades. Já no Capítulo 6, tratamos dos desafios e possibilidades do currículo da disciplina Arte no Brasil. E por fim, no Capítulo 7, trazemos orientações didáticas, com o intuito de refletirmos sobre o percurso de criação artística pessoal e subjetivo dos alunos. Esperamos que esta obra estabeleça uma visão mais abrangente da importância da arte para nós, seres humanos, ampliando as diversas possibilidades de trabalhar essa disciplina em sala de aula. Este é o intuito deste livro: preparar você, estudante e futuro professor, para o ensino de Arte em seu aspecto mais profundo. Boa leitura e uma excelente reflexão! 1 Arte e ensino da Arte: primeiros conceitos Você já parou para pensar sobre o que difere o homem dos outros animais? Talvez você pense que é a racionalidade, o pensamento ou a inteligência. Pode ser que não tenha pensado nos aspectos cognitivos, mas nos físicos: o homem é bípede, seu corpo tem uma estrutura diferenciada. Mas há quem pense que o que nos diferencia dos outros animais é a capacidade de comunicação. Se você pensou isso, quase acertou. A questão é que essa diferenciação não abrange a comunicação de forma tão simplista, pois, se pararmos para pensar, os animais também se comunicam. Ocorre que a comunicação humana conta com vários instrumentos e elementos, como a escrita, a fala, os gestos, as expressões etc., que a tornam muito mais complexa. Porém, podemos apresentar um exemplo da genialidade da natureza em relação à comunicação animal: a dança das abelhas. Você já ouviu falar sobre isso? Veremos na seção a seguir como ocorre esse fenômeno. Neste capítulo, estudaremos um pouco sobre linguagem e expressão, refletindo sobre o que é arte, qual é a sua finalidade na vida humana, como se dá a abordagem desse campo do conhecimento no ensino básico e qual é a sua importância na educação e no desenvolvimento humano. 1.1 Linguagem e expressão Conforme vimos anteriormente, as abelhas se comunicam por meio de uma espécie de dança. Imagine, então, que uma abelha operária saiu em busca de alimento e, não muito longe da sua colmeia, encontrou uma flor com bastante néctar. Como há muito néctar nessa flor, é interessante que outras abelhas da colmeia a encontrem e desfrutem desse benefício, no entanto a lógica das abelhas não é simplesmente “voltar” para buscar as outras abelhas e levá-las em direção à flor, porque não há tempo e nem energia a serem desperdiçados. Então a solução de comunicação das abelhas é a “linguagem da dança”. Mas como? Será possível comunicar a localização de uma flor, mesmo em um lugar com muitos obstáculos, por meio de... uma dança? Acredite, sim, é possível, pois a dança é uma linguagem, e toda linguagem é comunicação. Ocorre que a comunicação das abelhas, apesar de cumprir com eficiência seu objetivo, difere da linguagem humana. Você sabe dizer o porquê? E mais: o que isso tem a ver com arte? Contextualizar a importância da arte na vida humana e enfatizar a sua presença desde os tempos mais primitivos não é uma tarefa fácil. A arte está presente no cotidiano das pessoas desde o início do desenvolvimento da linguagem. Aprendemos por interação – e imitação –, e as diversas linguagens e os meios de expressão simbólicos fazem parte da vida humana.A arte tem como instrumento e meio norteador o universo lúdico, a imaginação e a criatividade. Talvez a ludicidade seja um elemento cada vez mais escasso em nossa sociedade, que está sempre em busca de praticidade, racionalidade e objetividade. Vídeo Metodologia do ensino de Arte10 Isso não quer dizer que a arte não é racional ou objetiva. Podemos posicioná-la como um fenômeno histórico e cultural da vida humana que permeia a emoção e a razão. Uma obra de arte não se limita apenas a uma pintura, uma canção ou um espetáculo de dança. Toda obra traz em si elementos históricos, sociais, culturais e subjetivos, pois não fala somente do artista e do seu universo interior, mas também da sociedade, da cultura e da época em que o artista está inserido. Saber ler e interpretar uma obra de arte exige um apanhado de conceitos e conhecimentos e, muitas vezes, a arte não é reconhecida justamente pela falta de compreensão dessas concepções. Considerando isso, reconhecer a importância da arte como um fenômeno humano e a magnitude de ensiná-la será o cerne desta disciplina. 1.2 Arte desde quando? Talvez você nunca tenha parado para pensar, mas aqui vai uma provocação: há quanto tempo surgiu a arte? E por que ela surgiu? Todos nós já ouvimos falar na relatividade do tempo, e, de fato, a percepção do tempo entre as pessoas é diferente. Independentemente se você pensa que 50 mil anos é muito ou pouco tempo, o que podemos afirmar é que os primeiros artefatos considerados artísticos pelos arqueólogos datam de um período denominado Paleolítico, cerca de 50 mil anos atrás. Cheney (1995) explica que essa época foi marcada por grandes mudanças no comportamento do homem como espécie que conhecemos hoje, o homo sapiens sapiens. Entre essas mudanças estão: a construção de grandes embarcações, a produção de vestimentas, moradias e o desenvolvimento inicial da vida em sociedade. Foi também nesse período que o homem, além da capacidade de representar e se expressar por meio de símbolos e de criar objetos com diferentes tipos de materiais, deu os primeiros passos para construir sua própria cultura. Devido a tantas mudanças no comportamento da espécie no período Paleolítico Superior, ele passou a ser chamado pelos arqueólogos e historiadores de período do grande despertar cultural, ou big bang da cultura, pois é nessa época que aparecem os primeiros artefatos ornamentais e as primeiras formas de representação sofisticadas, além dos objetos fabricados para serem enterrados com os mortos. As pinturas rupestres encontradas em diversas cavernas na Europa datam desse período, mas as que são encontradas no Brasil – temos no país enormes sítios arqueológicos em diversas regiões – são de um período mais recente, denominado Paleolítico. A Figura 1, por exemplo, é uma fotografia de uma pintura rupestre localizada em um sítio arqueológico no Piauí, na Serra Nacional Parque da Capivara, no município de São Raimundo Nonato. Vídeo Arte e ensino da Arte: primeiros conceitos 11 Figura 1 – Pintura rupestre EV EL YN S AM PA IO /i St oc k. co m Sabe-se que o “despertar cultural” ocorreu em diferentes períodos e em diferentes lugares, como África e Europa, por exemplo. Não se sabe exatamente a origem desse fenômeno, mas Klein e Blake (2005) apresentam algumas hipóteses, como causas sociais, tecnológicas, demográficas ou biológicas. No pressuposto biológico, podemos inferir que o estímulo para sua ocorrência é o próprio avanço evolutivo da inteligência – e como consequência, o aumento da massa encefálica. E a inteligência só poderia avançar com novos estímulos e aprendizados. O que se sabe é que a cultura não passou a existir assim que a espécie surgiu, mas 70 milhões de anos depois. Portanto podemos concluir que o homem, em algum momento, sentiu necessidade de produzir cultura e se expressar, de se comunicar. Anatomicamente, a evolução humana parecia ter se encerrado, porém sua mente continuou evoluindo e a produção artística e cultural continuou acompanhando a espécie humana ao longo de sua história até os dias de hoje. A cultura e a arte se moldam conforme as necessidades da sociedade e da época em que estão inseridas, ao longo dos tempos. Segundo Oliveira (2010, p. 15), “em cada fase do desenvolvimento das sociedades, bem como em cada fase do desenvolvimento do indivíduo, as impressões que o meio, inclusive a arte, suscita no ser humano diferem entre si”. Tal fato é evidenciado ao direcionarmos nosso olhar para a história da arte. Não podemos afirmar que a arte evoluiu, mas sim que ela se transformou e permanece em um contínuo fluxo de mudanças e acomodação: a arte acompanhou a espécie humana em seus mais diversos cenários históricos, culturais e sociais. Logo, é fácil perceber que é inerente ao ser humano. Já imaginou o que seria do mundo sem a arte? Metodologia do ensino de Arte12 1.3 Sobre o ensino da Arte: primeiras concepções Retomando a reflexão sobre o que diferencia a humanidade dos outros animais que habitam o planeta, o homem é o único animal que tem a capacidade de apreciar e produzir arte de forma intencional. Para Read (2001, p. 121), “a arte é o esforço da humanidade por atingir a integração com as formas básicas do universo físico e com os ritmos orgânicos da vida”. A arte engloba uma série de fatores que fazem com que os seres humanos questionem sua própria existência e sua história e expressem o seu mundo interno, suas paixões e seus medos, além de falar do mundo em que vivemos. É o conhecimento intrinsecamente humano que traz a reflexão de quem somos, onde estamos e para onde estamos indo. Um exemplo de manifestação artística e científica (em breve, estudaremos que tais esferas não são antagônicas) é o Museu do Amanhã1, localizado no Rio de Janeiro. A proposta da instituição é justamente questionar e promover respostas a respeito do nosso futuro como nação e a reflexão sobre os rumos da sociedade: para onde estamos indo, como e por quê. A arte tem como característica inerente a ela a reflexão. Os demais animais da natureza podem fazer e construir coisas incríveis, mas não o fazem com a intenção de expressar e comunicar ideias, sentimentos e reflexões, muito menos de trazer a reflexão. A habilidade que a humanidade tem de se comunicar de várias formas foi adquirida ao longo da evolução da mente humana e da sua história. Tal habilidade é concernente ao ser humano. A arte acompanha a humanidade desde os primórdios da sua existência e nos dá a oportunidade de expressar questões intrínsecas da vida humana sobre uma perspectiva afetiva2 por meio de conhecimentos específicos, como códigos visuais, coreografias e movimentos corporais, e por palavras e poemas, notas musicais e voz, encenações e o vasto mundo da imaginação. Diante disso, como não pensar que a arte é um campo do conhecimento humano extremamente relevante para a educação e para o ensino? Quais funções psicológicas e cognitivas são desenvolvidas por meio da arte? Ao falar sobre desenvolvimento, é importante refletirmos sobre a função da educação. Você já parou para pensar nisso? O que significa educação? O que significa educar? Pesquisando sobre a origem do verbo educar em um dicionário eletrônico de etimologia, temos o seguinte resultado: Do latim: educare, educere, que significa literalmente “conduzir para fora” ou “direcionar para fora”. O termo latino educare é composto pela união do prefixo ex, que significa “fora”, e ducere, que quer dizer “conduzir” ou “levar”. O significado do termo (direcionar para fora) era empregado no sentido de preparar as pessoas para o mundo e viver em sociedade, ou seja, conduzi- -las para fora de si mesmas, mostrando as diferenças que existem no mundo. (EDUCAR, 2019) 1 “O Museu do Amanhã oferece uma narrativa sobre como poderemos viver e moldar os próximos 50 anos. Uma jornada rumo a futuros possíveis, a partir de grandes perguntas que a Humanidade sempre se fez. De onde viemos? Quem somos? Onde estamos? Para onde vamos? Comoqueremos ir?” (MUSEU, 2019). 2 A concepção sobre afetividade aqui colocada não se limita a afeto como sinônimo de carinho e afetuosidade, mas sim de um fenômeno próprio das interações, onde afetamos e somos afetados. Vídeo Arte e ensino da Arte: primeiros conceitos 13 Analisando as informações constantes no dicionário, concluímos que educação significa fazer com que o ser possa emergir para o mundo externo, por meio de interações. A manifestação do indivíduo relaciona-se com o seu próprio desenvolvimento como sujeito autônomo que interage com o mundo e faz suas próprias escolhas, construindo suas habilidades e potencialidades da melhor forma possível para seu crescimento e sua evolução como cidadão. Quando falamos de desenvolvimento humano, não estamos nos referindo apenas ao desenvolvimento biológico, como o crescimento e o envelhecimento, por exemplo. As fases nas quais o desenvolvimento biológico é notório são etapas da vida que proporcionam mais oportunidades de aprendizados que serão a base do desenvolvimento em outros aspectos, como o psicológico, o afetivo, o cognitivo, o motor, o lógico, o social, entre tantos outros. O processo saudável de desenvolvimento servirá para uma vida adulta mais feliz, concreta e satisfatória. São muitos os componentes que fazem parte dessa jornada, interferindo direta e indiretamente no desenvolvimento de cada indivíduo, mas podemos resumir todos eles em apenas uma palavra: interação. Estamos em constante interação com o meio, com as pessoas, com a tecnologia, com o mundo e com o nosso próprio eu. Aprendemos apenas mediante interação: seja com um livro, um celular, uma pessoa diretamente – ninguém aprende e se desenvolve sozinho. Aprendizagem e interação são fenômenos interdependentes. A partir do momento em que a criança passa a frequentar a escola, esse local passa a ser mais um fator de apoio à humanização desse indivíduo e um dos principais condutores do desenvolvimento do jovem educando. Atualmente, a escola brasileira enfrenta muitos problemas, e muitos deles são conhecidos pela população, por conta de a mídia estar sempre veiculando ocorrências tais como: bullying, corrupção, violência, descaso, entre outros. Duarte Jr. (1991) afirma que a educação, uma atividade fundamentada na interação e no diálogo, foi transformada em um aprendizado passivo por parte dos estudantes: percebemos um despejar de respostas prontas e questões concebidas como irrelevantes pelos alunos, exceto para passarem nos exames e tirarem boas notas. Parece que a escola perdeu seu significado e vive em um momento de obscuridade. Como resgatar os princípios de educar? Será que o ensino da Arte pode ser um caminho para esse processo? A arte tem um valor muito grande para a educação, não apenas para ajudar a expressar sentimentos, como comumente é rotulada, mas porque, se bem trabalhada, tem a função de ser coadjuvante no desenvolvimento da inteligência e da cognição, do raciocínio lógico-matemático, da noção espacial, do entendimento do ser humano como um todo, da sua história e da sua cultura, bem como das suas diferentes visões de mundo. É uma disciplina que visa a possibilitar o desenvolvimento de senso crítico e do autoconhecimento. Se trabalhada em suas diferentes linguagens – artes visuais, dança, música e teatro –, sua função é ainda mais completa e ampliada. Como apresentado por Lelis (2004), o fazer artístico e a experiência criadora são recursos/instrumentos intrínsecos à arte como conhecimento para a expressão/explosão de ideias, percepções, pensamentos, emoções, sentimentos e conhecimentos a respeito de si mesmo e do mundo. A função da arte no desenvolvimento de um indivíduo deve situar-se no domínio/espaço da imaginação e da percepção. A experiência e a interação com instrumentos do campo da arte (e das suas diferentes linguagens) podem trazer à tona a assimilação a respeito de si mesmo, de sua autonomia, e até mesmo possibilitar o desenvolvimento Metodologia do ensino de Arte14 da resiliência. Esse processo ocorre em nível psíquico, fazendo com que uma pessoa se perceba como um ser dotado de habilidades criadoras que podem lhe ser úteis, inclusive em um momento crítico da sua vida, ajudando-o a se perceber mais resistente e capaz de superar as adversidades. O maior problema que um professor de Arte enfrenta atualmente é justamente estar ciente de todos esses benefícios da disciplina para o desenvolvimento de seus alunos, em contrapartida ao pouquíssimo tempo semanal por turma para trabalhar, além dos rótulos e preconceitos impostos à disciplina. Ele deve se perguntar: qual é o tempo disposto para a abordagem do conteúdo? Qual é o acesso que os alunos têm à arte, além da sala de aula? Para que serve a arte? A sociedade parece cada vez mais alienada e distanciada dos conceitos de humanização, desenvolvimento humano, cultura, subjetividade e cidadania. Desenvolvendo indivíduos mais capacitados, conhecedores de suas próprias habilidades e potencialidades, mais autônomos, criativos e humanos, estaremos investindo na construção de uma sociedade mais justa, mais evoluída e humanizada. E isso não é exercer a nossa própria cidadania? Pense no significado dessa palavra. 1.4 Modelos e teorias mais aceitos sobre o ensino da Arte na atualidade O ensino da Arte é muito importante para o desenvolvimento afetivo e cognitivo dos alunos, não devendo ser apenas uma disciplina a mais no currículo, tratada como um momento de recreação e relaxamento. É evidente que, por diversos fatores, o fazer artístico pode causar relaxamento e sensação de leveza, mas isso não significa que esse seja o propósito do ensino. Vivemos hoje em uma sociedade com um caráter mais utilitarista e materialista, em que se encontra na razão o valor máximo da vida e não há um lugar legítimo para as emoções e para a subjetividade. Por isso, a escola de hoje é um ambiente racionalista. Tal fato possivelmente seja um vestígio do que ocorreu no século XIX, com a Revolução Industrial, quando houve a troca do trabalho humano pela máquina e a necessidade de mais tecnologia obrigou o homem a tomar uma postura mais racional e objetiva diante da vida, para se adaptar melhor às mudanças, deixando de lado a sua subjetividade. Hoje, espera-se das pessoas uma postura mais produtiva, focada em cumprimento de tarefas, objetividade e praticidade. Tais quesitos não são negativos, porém, talvez o viés pelo qual eles têm sido considerados esteja afastando cada vez mais o homem de sua própria humanidade. A separação que a própria sociedade faz entre razão e emoção tem sido projetada na educação, que vem tratando a emoção como algo que pode atrapalhar em algum nível a produtividade e a fluidez do processo de aprendizagem e de interação. A razão tem sido valorizada como verdade absoluta, fazendo com que uma aprendizagem mais significativa não esteja sendo bem elaborada, pois é apenas a partir das vivências afetivas que o pensamento racional pode fluir. “O pensamento busca sempre transformar as experiências em palavras, em símbolos que as signifiquem e representem. A razão é uma operação posterior à vivência (aos sentimentos). Vivenciar (sentir) e pensar estão indissoluvelmente ligados” (DUARTE JR., 1991, p. 31). Vídeo Arte e ensino da Arte: primeiros conceitos 15 Osinski (2001) explica que, ao longo da trajetória do ensino da Arte, existiram vários momentos de questionamento e análise por grandes teóricos do assunto, principalmente Herbert Read (1893-1986) e Viktor Lowenfeld (1903-1960), entre as décadas de 30 e 40, na Inglaterra e nos Estados Unidos. O primeiro, autor de A educação pela arte (1943), foi influenciado pela psicologia, primeiro pela psicanálise de Freud e, mais tarde, pela teoria do inconsciente coletivo de Carl Jung. Read era um crítico conceituado em vários campos e estava profundamente ligado às questões pedagógicas, integrado em um movimento da educação pela arte. Para ele, não havia sentido em separar o conhecimento em disciplinase tratava isso como um grande erro do sistema educacional, pois tornava o conhecimento separado por rígidas fronteiras. “Propunha, por meio da educação pela arte, a preservação da totalidade orgânica do homem e de suas faculdades mentais, respeitadas as diversas fases do desenvolvimento humano” (OSINSKI, 2001, p. 91). Para dissolver essas barreiras, Read acreditava que a integração de todo o conhecimento por meio da arte seria uma saída e propunha uma educação estética e artística “que consistia na educação dos sentidos em que se baseiam a consciência, o raciocínio e a inteligência do indivíduo humano” (OSINSKI, 2001, p. 92). Sua crença era de que, a partir desses sentidos e de sua relação com o mundo exterior do educando, a integração seria possível. Por isso, em sua visão, a arte deveria ser a base da educação. O objetivo da arte na educação, que deveria ser idêntico ao propósito da própria educação, é desenvolver na criança um modo integrado de experiência, com sua correspondente disposição física “sintônica”, em que o “pensamento” sempre tem seu correlato na visualização concreta – em que a percepção e o sentimento se movimentam num ritmo orgânico, numa sístole e diástole, em direção a uma apreensão mais completa e mais livre da realidade. [...] A arte e o intelecto são as duas asas da mesma criatura viva, que, juntas, asseguram o processo do espírito humano em direção à mais elevada esfera da consciência. (READ, 2001, p. 116) Ana Mae Barbosa (1936-), arte-educadora brasileira, criou um modelo de ensino denominado proposta triangular – também conhecido como abordagem triangular. Hoje o modelo de ensino da Arte que Barbosa constituiu influencia e continua sendo bastante utilizado entre arte-educadores. A proposta triangular consiste em três abordagens que visam a construir conhecimentos em arte: • Apreciação artística: saber ler uma obra de arte dentro do seu contexto histórico, social e cultural. Perceber e analisar detalhes, questionar e levantar hipóteses sobre a elaboração da obra, entender seu contexto geral. • Fazer artístico: fazer arte. • Contextualização histórica: conhecer o contexto histórico e social da obra, como o local e o período em que foi produzida, o movimento artístico em que ela está inserida ou aspectos da história de vida do artista que a produziu, de forma aprofundada, relacionando-os a outros cenários que cercavam tal episódio. Metodologia do ensino de Arte16 Barros (2006) afirma que a autora muitas vezes é criticada por rever constantemente suas próprias propostas/abordagens. Apesar disso, Barbosa nos apresenta um modelo importante sobre o ensino da Arte. A sociedade está em constante mudança e, com isso, a arte muda, as necessidades de cada sociedade mudam e a própria educação muda. Talvez as mudanças tão rápidas que nossa sociedade impõe aos mais jovens sejam os grandes desafios contemporâneos para os futuros professores, mas as nossas práticas devem sempre moldar-se às necessidades dos grupos e/ou comunidades discentes. Segundo Cortella (2014, p. 33), “mudar é uma situação em que precisamos transbordar, isto é, ir além do nosso limite, alterar a nossa possibilidade de ser de um único e exclusivo modo”. A proposta triangular mostra-se como um caminho metodológico bastante útil ao abordar o ensino da Arte na esfera das artes visuais. Silva e Lampert (2017, p. 90) descrevem que à abordagem triangular atribui-se a melhoria do ensino de Arte, “tendo por base um trabalho pedagógico integrador, em que o fazer artístico, a análise ou leitura de imagens (compreendendo o campo de sentido da arte) e a contextualização interagem ao desenvolvimento crítico, reflexivo e dialógico do estudante em uma dinâmica contextual sociocultural”. Considerações finais A arte tem caráter humanizador. O que isso significa? Petrauski e Diaz (2006, p. 14) definem que “a Arte é fonte de humanização, pois possibilita ao homem tornar-se consciente de sua existência individual e social, questionando, interpretando o mundo e a si mesmo”. A presença desse campo do conhecimento e sua utilização no âmbito educacional garantem a formação de cidadãos mais empáticos e preparados para instituir melhores interações, apropriando-se de autoconhecimento e assumindo sua individualidade e, assim, sabendo reconhecer e respeitar as diferenças entre as pessoas. A arte é o que nos diferencia e nos torna cada vez mais humanos, dotados e conscientes das nossas possibilidades e sempre criando novas. Assim avançamos como indivíduos e como espécie. Ampliando seus conhecimentos • BRASIL. Câmara Setorial da Apicultura. Conheça a dança das abelhas. 26 nov. 2018. Disponível em: http://apicultura.to.gov.br/?p=374. Acesso em: 4 abr. 2019. Para quem ficou curioso sobre a dança das abelhas, sugerimos a leitura desse artigo da Câmara Setorial da Apicultura, que apresenta uma explicação científica sobre o fenômeno, complementada por dois vídeos que demonstram como ele ocorre na natureza e qual é o significado dessa dança. • MUSEU do Amanhã. Disponível em: https://museudoamanha.org.br/pt-br. Acesso em: 4 abr. 2019. No site oficial do Museu do Amanhã, você poderá encontrar informações sobre o local e seu acervo, bem como sobre as exposições em exibição e as diversas formas de interação com o espaço e as obras. Arte e ensino da Arte: primeiros conceitos 17 • RODA Viva. Ana Mae Barbosa – 12/10/2018. 11 ago. 2015. Disponível em: https://www. youtube.com/watch?v=WL9KbV4ifA8. Acesso em: 4 abr. 2019. Assista a uma entrevista na íntegra com a educadora Ana Mae Barbosa, na qual ela comenta sobre o ensino da Arte no Brasil e a influência da arte nos indivíduos e na sociedade. Atividades 1. Qual é a diferença entre a dança das abelhas e os diversos tipos de danças que conhecemos em âmbito humano? 2. Qual é o valor fundamental da arte no contexto educacional? 3. Como você definiria desenvolvimento humano? Justifique. Referências BARROS, A. R. S. Abordagem Triangular no ensino das artes e culturas visuais: uma breve revisão. In: XXVI CONFAEB, Boa Vista, 2006. Anais... Boa Vista, 2006. Disponível em: http://ufrr.br/confaeb/index.php/anais/ category/4-artes-visuais?download=22:barros-angelo. Acesso em: 2 fev. 2019. CHENEY, S. História da arte. Tradução de Sérgio Milliet. São Paulo: Rideel, 1995. CORTELLA, M. S. Educação, escola e docência: novos tempos, novas atitudes. São Paulo: Cortez, 2014. DUARTE JÚNIOR, J. F. Por que arte-educação? Campinas: Papirus, 1991. EDUCAR. Dicionário etimológico: etimologia e origem das palavras. Disponível em: https://www. dicionarioetimologico.com.br/educar/. Acesso em: 3 fev. 2019. KLEIN, R. G.; BLAKE, E. O despertar da cultura: a polêmica teoria sobre a origem da criatividade humana. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. LELIS, S. C.C. Poéticas visuais em construção: o fazer artístico e a educação (do) sensível no contexto escolar. 227 f. Dissertação (Mestrado em Artes). Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas, São Paulo, 2004. Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/ REPOSIP/284835/1/Lelis_SoraiaCristinaCardoso_M.pdf. Acesso em: 4 abr. 2019. MUSEU do Amanhã. Sobre o Museu. Disponível em: https://museudoamanha.org.br/pt-br/sobre-o-museu. Acesso em: 3 abr. 2019. OLIVEIRA, M. E. Teatro na escola e caminhos de desenvolvimento humano: processos afetivos-cognitivos de adolescentes. 265 f. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Federal do Paraná, 2010. Disponível em: http://www.ppge.ufpr.br/teses/teses/M10_Maria%20Eunice%20de%20Oliveira.pdf. Acesso em: 4 abr. 2019. OSINSKI, D. Arte, história e ensino: uma trajetória. São Paulo: Cortez, 2001. PETRAUSKI, J. M; DIAZ, M. O lúdico como recurso metodológico para o ensino de arte. Disponível em: http:// www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/1659-8.pdf. Acesso em: 3 fev. 2019. READ, H. A educação pela arte. São Paulo: Martins Fontes, 2001. SILVA, T. G. da; LAMPERT, J. Reflexões sobre a abordagemtriangular no ensino básico de Artes Visuais no contexto brasileiro. Revista Matéria-Prima, n. 1, v. 5, p. 88-95, 2007. Disponível em: http://repositorio.ul.pt/ bitstream/10451/28262/2/ULFBA_MatPrima_V5N1_p.88-95.pdf. Acesso em: 4 abr. 2019. http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/28262/2/ULFBA_MatPrima_V5N1_p.88-95.pdf http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/28262/2/ULFBA_MatPrima_V5N1_p.88-95.pdf 2 Para que serve a arte? O processo criativo é um fenômeno que precisa, necessariamente, das emoções e da subjetividade do artista, mas também da sua razão, da lógica e do seu intelecto. Todos esses eventos são moldados conforme a sociedade e o contexto cultural em que o artista está inserido. Neste capítulo, estudaremos como a arte fala da humanidade e da vida humana e o quanto ela está mais ligada a nossa vida do que imaginamos. 2.1 Arte e vida humana: de mãos dadas A arte é um fenômeno presente na vida humana desde a Pré-História, o que significa que faz parte do cotidiano dos seres humanos antes mesmo da criação da escrita. Hoje, reconhecemos a escrita como uma das formas mais efetivas e acessíveis de comunicação: o domínio de um sistema alfabético de escrita possibilita-nos uma série de coisas, e cada vez mais tem sido um prerrequisito de comunicação com o avanço da tecnologia. Para ler sobre os acontecimentos ao redor do mundo, saber notícias de pessoas com as quais não conversamos mais, por meio das redes sociais, e nos comunicarmos com quem quisermos, basta termos o domínio de um conjunto de símbolos e códigos de um determinado idioma. Um sistema de escrita é um tipo de comunicação estabelecido por um meio de conjunto de símbolos que representam sons – chamados também de caracteres, grafemas ou letras. Esses símbolos são usados para registrar visualmente e graficamente uma língua falada, com o propósito de comunicação. Mas na Pré-História a forma mais tangível de comunicação e expressão, além da verbal, era por meio de desenhos e pinturas. Com a evolução humana e o aumento das capacidades cognitivas, o homem pré-histórico passou a dominar a linguagem do desenho e começou a traçar seus desejos, anseios, seu cotidiano e sua forma de vida em registros gráficos nas paredes das cavernas. Hoje, essa arte é conhecida como arte rupestre, observe um exemplo na figura a seguir. Figura 1 – Arte rupestre Ja nn ar on g/ Sh ut te rs to ck Figuras humanas representando adultos e crianças, além de uma figura de um animal e instrumentos de caça. Fonte: Pintura pré-histórica [ca. 2.000 a.C.], Nakhonratchasima, Tailândia. Vídeo Metodologia do ensino de Arte20 As imagens das pinturas pré-históricas são os documentos a que temos acesso sobre o estilo de vida das civilizações daquele período, além de objetos e fósseis encontrados em escavações em sítios arqueológicos. É por meio da arte produzida naquele tempo que hoje, no século XXI, podemos conhecer um pouco sobre como foi a vida dos homens e mulheres que viveram nesse período. Um dos primeiros sistemas de escrita advém de representações gráficas que se assemelham muito a desenhos. Esses “desenhos” são chamados hieróglifos e eram símbolos que representavam ideias expressas de forma escrita. Com o tempo, esse sistema de escrita de origem egípcia passou por diversas transformações, ficando cada vez mais simples, mas as imagens e os desenhos continuaram com sua função de comunicação e continuam presentes na vida humana. Uma criança não alfabetizada se expressa por meio de desenhos e garatujas; uma fotografia, uma pintura ou uma ilustração também comunicam ou expressam ideias, reflexões e sentimentos. Uma imagem pode ter diversas funções, seja descritiva, ilustrativa ou, simplesmente, uma expressão gráfica. De qualquer forma, uma imagem é um tipo de comunicação. Figura 2 – Sistema de escrita egípcio: hieróglifos ni m og ra f/ Sh ut te rs to ck Além das ideias e interações verbalizadas, não nos comunicamos apenas por meio de letras e imagens. Existem outras formas de expressão; os sons, os gestos e as ações podem, muitas vezes, expor muito mais do que palavras e imagens. O ser humano não vive sem a arte. Ela não é apenas uma forma de comunicação e expressão, também não é apenas a manifestação da beleza, nem somente se constitui de técnica. A arte expressa a vida humana, fala de cada ser humano, de sua subjetividade e de seu contexto interacional, social e cultural. A arte tem como ferramenta a criatividade, a imaginação e a fantasia. Hoje, quem vive sem música, por exemplo? Ou quem nunca fez um desenho, ou dançou uma canção, mesmo quando criança? E existe alguém que consegue viver sem história? Muitas crianças gostam de ouvi-las, e até mesmo os adultos adoram saber de histórias alheias, sejam de pessoas próximas, desconhecidas, de livros de aventura ou mitologia, ou até mesmo uma história de novela na televisão. Maria Eunice de Oliveira (2010, p. 13) afirma que “o ser humano não sobrevive sem um mínimo de fantasia diária, sem qualquer objeto que transcenda seus afazeres cotidianos e que Para que serve a arte? 21 lhe desperte emoções e pensamentos”. As pessoas não vivem sem o belo e o buscam em objetos de consumo e em si mesmas. A ludicidade faz parte da constituição humana. De acordo com Maria Eunice de Oliveira (2010), a arte, nas suas diversas formas, fala a respeito dos fenômenos do mundo e da existência humana: exprime aspirações, conflitos, buscas e relações do ser humano com o que está à sua volta. A forma como esse fenômeno é elaborado ocorre também por meio da criatividade. Ostrower (2013) argumenta que o homem sempre foi, naturalmente, um grande formador, pois estabelece relações entre os inúmeros eventos que ocorrem dentro e fora dele. Se pararmos para refletir, de fato, o tempo todo as pessoas estão tentando criar relações ou encontrar ligações entre fatos e fenômenos. Maria Eunice de Oliveira (2010, p. 84) expõe que algumas teorias contemporâneas sobre a criatividade a concebem como um fenômeno social e cultural, “apontando uma rede complexa de interações das variáveis do indivíduo com as da sociedade para a expressão criativa e a possibilidade de desenvolver o potencial criativo inerente a todas as pessoas, embora varie em tipo e grau, independentemente da idade, sexo ou condição social”. Ostrower (2013) considera a criatividade um potencial inerente ao homem, e a realização desse potencial seria uma necessidade intrinsecamente humana. A criatividade é uma aptidão que todos os seres humanos apresentam, podendo ser explorada e desenvolvida ou reprimida, e isso depende de muitos fatores, inclusive ambientais, culturais e sociais. Brito, Vanzin e Ulbricht (2009) conceituam a criatividade como um conjunto de competências que permite a uma pessoa comportar-se de modos novos e adaptativos em certos contextos. Segundo os autores, a criatividade é também a capacidade de criar uma solução que é ao mesmo tempo inovadora e apropriada a um problema. É importante destacar que a arte não é o único campo do conhecimento com que a criatividade trabalha diretamente. A arte e suas diferentes linguagens, de fato, podem ser consideradas campos privilegiados do ato de criar, mas não são as únicas. Gardner (1997) pontua que uma das semelhanças entre o processo artístico e o processo científico é que a ciência também é uma forma de comunicação e usa a criatividade como ferramenta para a solução de problemas. O autor afirma que o artista se preocupa em comunicar seu entendimento e sentimento em relação ao mundo, e o cientista quer transmitir sua investigação a respeito do mundo. De qualquer forma, podemos concluir que o desenvolvimento da criatividade não se restringe apenas às artes, essa é uma habilidade que está presente em muitas outras esferas da vida humana, desde a Pré-História. 2.2 Aspectos sociais da arte A arte de cada indivíduo traz consigo a cultura, a época e a sociedade em que ele está inserido. O contexto social em que cada pessoa nasce, cresce e interageé o molde que faz com que se manifestem e se desenvolvam – ou não – determinadas características que definem o sujeito. Cada indivíduo é único e é claro que os fatores biológicos, genéticos, psicológicos e ambientais interferem nessa constituição, mas aqui gostaríamos de destacar a relevância da cultura, da sociedade e da época em que cada sujeito vive ou viveu. Imagine se você tivesse nascido 20 anos antes da data original do seu nascimento, em uma cidade localizada em outra região do país. Você, possivelmente, seria uma pessoa muito diferente de Vídeo Metodologia do ensino de Arte22 quem é hoje, pois seus gostos, sua maneira, seus valores de vida, sua bagagem de experiências e toda a sua história seriam completamente moldados a essa realidade hipotética. E assim, da mesma forma, a arte criada pelos artistas é um produto dessas pessoas, que foram moldadas à cultura em que estavam inseridas. A capacidade criadora do homem é elaborada no seu contexto cultural. Retomando o argumento de Maria Eunice de Oliveira (2010), algumas teorias recentes sobre a criatividade a concebem como um fenômeno social e cultural, pois a rede de interações de um sujeito, com a sua cultura e seu contexto social, possibilita desenvolver seu potencial criativo. Ostrower (2013, p. 5) alega que “todo indivíduo se desenvolve em uma realidade social, em cujas necessidades e valorações culturais moldam os próprios valores da vida”. Para essa ideia ficar mais clara, observe os exemplos a seguir, que trazem uma comparação simples sobre como o aspecto social e cultural interfere no processo criativo e artístico e no resultado final de uma obra de arte. Os exemplos devem ser analisados sob a percepção da representação da figura humana. Figura 3 – Retrato de Leonardo da Vinci (1452-1519) Fonte: DA VINCI, L. Retrato. 1786. Tinta aguada e gravura: 20 x 16 cm. Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque, EUA. Para que serve a arte? 23 Figura 4 – Autorretrato de Vincent van Gogh (1853-1890) Ev er et t - A rt /S hu tt er st oc k Fonte: VAN GOGH, V. Autorretrato. 1889. Óleo sobre tela. Após a análise das imagens, podemos pontuar dois aspectos relevantes: 1. Da Vinci viveu em Florença, na Itália, entre a segunda metade do século XV e a primeira metade do século XVI. 2. Vincent Van Gogh viveu na Holanda e na França, na segunda metade do século XIX. O contexto histórico, social e cultural em que Da Vinci estava inserido foi o Renascimento. Nesse momento, havia uma cultura estabelecida sobre a valorização da razão, da ciência e de tudo o que de fato poderia ser comprovado como palpável e concreto. Portanto, quando visualizamos nos desenhos do artista a riqueza de detalhes anatômicos, a preocupação de representar a realidade e a riqueza da técnica de representar volume e profundidade, percebemos a ligação com o contexto cultural renascentista. No período do Renascimento, havia uma preocupação entre os artistas de que a arte fosse a imitação da natureza, até mesmo porque nessa época as ideias gregas estavam renascendo e um dos paradigmas dos filósofos gregos era que a verdadeira arte deveria imitar a natureza. O cenário renascentista contribuiu com a formação e a visão de mundo de Leonardo da Vinci não somente como artista e inventor, mas também como ser humano. Já no caso de Van Gogh, o final do século XIX na Europa ainda vivia, na arte, uma certa “crise”, na qual a pintura tinha a sua função de registro questionada, pois já existia a fotografia. Portanto a pintura deveria, de certa forma, reinventar-se para se manter viva, pois sua função inicial já não fazia mais sentido na época. Percebemos na obra de Van Gogh que, ao se autorrepresentar, ele não teve as mesmas preocupações técnicas que o artista renascentista. Van Gogh fez parte de um movimento chamado pós-impressionismo, em que as questões que discutiam o uso da cor, texturas, formas e volumes construídos por camadas de cores e efeitos de luzes eram as demandas da classe artística. Metodologia do ensino de Arte24 Portanto, podemos perceber que, sim, o meio social influencia as nossas vidas, e não seria diferente com os artistas. Maria Eunice de Oliveira (2010, p. 16) defende, baseada em Vygotsky (1966) e Pareyson (1982), que o artista não cria uma obra sozinho, pois é no seio da sociedade, “a mesma sociedade que nele gera inquietações, anseios, dúvidas, alegrias ou medos; é na interação com o mundo, que ele cria e se expressa em sua arte”. O homem é um ser social, que se desenvolve em sociedade. A criatividade também é moldada de acordo com seu contexto social e sua rede de interações e, por isso, é impossível que alguém crie algo “do nada”. Nenhuma pessoa pode se desenvolver ou criar alguma coisa além do que o seu ambiente oferece. Por isso, toda forma de criação humana traz consigo o cenário coletivo do período em que está inserida. 2.3 Aspectos subjetivos da arte O que entendemos por subjetividade? A definição dessa palavra, segundo o dicionário Michaelis (SUBJETIVIDADE, 2015), é a seguinte: “1. Caráter ou qualidade de subjetivo. 2. Aquilo que se relaciona unicamente a um indivíduo, sendo inacessível a outrem. 3. Característica de todos os fenômenos psíquicos que se relacionam ao próprio indivíduo e considerados por ele como seus”. Gostaríamos de destacar as definições 2 e 3 anteriormente descritas. Na descrição número 2, em uma definição filosófica, tudo o que se relaciona apenas com um sujeito, não permitindo que nenhum outro possa vir a ter acesso a essa relação, é algo subjetivo. Um exemplo disso são os nossos pensamentos: apenas os donos de cada pensamento formulado têm acesso a eles. Outro exemplo muito interessante são as memórias: por mais que uma pessoa possa compartilhar memórias com outra, cada um elabora e retém a memória de uma forma única e nunca saberemos como a outra pessoa se recorda de tal informação. Claro que existem vários outros exemplos, como os nossos sentimentos, traumas, medos, angústias, sonhos, crenças etc., e esses eventos se relacionam com a explicação número 3, que versa a respeito de fenômenos psíquicos que se relacionam com o indivíduo e que ele atribui a si mesmo. Logo, tudo o que faz parte da esfera mental e psicológica do sujeito, tudo o que faz parte do seu “mundo interior”, constitui sua subjetividade. E o que mais pode constituir a subjetividade de uma pessoa? Podemos pontuar mais alguns elementos, como: sua história de vida, suas interações, suas experiências, suas memórias, suas visões de mundo e de si mesmo... todos os fatores subjetivos são moldados pela cultura do indivíduo, mas continuam sendo elementos únicos e abstratos a que só o próprio sujeito tem acesso. A subjetividade é como uma impressão digital: cada um tem a sua. Por mais que um par de irmãos gêmeos univitelinos, por exemplo, more na mesma casa, tenha a mesma família, estude na mesma sala, tenha os mesmos amigos e professores, frequente os mesmos lugares e com as mesmas pessoas, invariavelmente, cada um terá a sua forma de ver o mundo, a sua personalidade, os seus gostos e suas próprias características subjetivas. Nesse exemplo, pode acontecer de existirem semelhanças bastante significativas, mas nunca uma pessoa será idêntica à outra, tratando-se da esfera subjetiva. Quando queremos colocar em pauta as questões subjetivas de um artista e de suas obras, um dos itens mais interessantes é a sua biografia. Já comentamos neste capítulo um pouco sobre Vídeo Para que serve a arte? 25 Leonardo da Vinci; para analisarmos um pouco sobre as questões da arte e da subjetividade, faremos uma comparação entre ele e outro artista de sua época: Michelangelo Buonarroti (1475- 1564). Observe as imagens a seguir. Figura 5 – Obra de Michelangelo W ik iA rt Fonte: BUONARROTI, M. A criação de Adão. 1510. Afresco: 280 x 570 cm. Capela Sistina, Vaticano. Figura 6 – Obra de Da Vinci W ik iA rt Fonte: DA VINCI, L. La Gioconda. [c. 1503-1519]. Tinta a óleo: 77 x 53 cm. Museu do Louvre, Paris,França. Metodologia do ensino de Arte26 Michelangelo e Leonardo foram artistas que viveram na mesma época, na mesma cidade, e cresceram dentro da mesma cultura. No período do Renascimento, as questões sobre a valorização da razão e de colocar a racionalidade humana como o centro de todas as coisas – o chamado antropocentrismo –, a valorização da ciência, do concreto, do palpável e de tudo o que era comprovável eram o cerne da posição dos intelectuais, artistas e cientistas do período. Questionava-se a religião e a posição da Igreja e buscava-se mais autonomia e liberdade de pensamento. Da Vinci era quase 23 anos mais velho do que Michelangelo, mas este, desde menino, destacou-se no campo das artes. Nessa época, havia uma certa divergência entre pintores e escultores e questionamentos sobre qual seria a arte mais valiosa cercavam o meio artístico. Michelangelo era escultor, e Leonardo, pintor, e ambos eram bastante conhecidos em Florença, cidade onde viviam, e em outras cidades da Itália. Leonardo é descrito como um homem reservado, de poucas palavras, bastante meticuloso e obstinado com as coisas. Michelangelo, ao contrário, é definido como um homem intenso, valente, determinado a mostrar o seu valor e suas habilidades, sempre buscando o seu melhor, além de ser muitas vezes irritadiço e competitivo. Cada um deles com grande talento, porém com personalidades opostas e histórias de vida muito diferentes. Gombrich (1999) relata em seu livro alguns aspectos relevantes da personalidade de Da Vinci e Michelangelo e sobre as obras exemplificadas anteriormente. Sobre a obra La Gioconda – mais conhecida como Mona Lisa –, de Da Vinci, o autor argumenta que se procurarmos esquecer o que sabemos da obra, buscarmos apreciá-la como se fosse a primeira vez em que a vimos, o que impressionaria qualquer espectador é o fato de a personagem parecer estar viva. Ela realmente parece olhar para nós e possuir um espírito próprio. Como um ser vivo, parece mudar ante os nossos olhos e estar um pouco diferente toda vez que voltamos a olhá-la. [...] Com muita frequência, esse é o efeito gerado por toda grande obra de arte. Contudo, Leonardo certamente sabia como obter esse efeito e por que meios. O grande observador da natureza sabia mais sobre o modo como usamos os nossos olhos do que qualquer pessoa do seu tempo ou antes dele. [...] Leonardo podia ser tão laborioso na paciente observação da natureza quanto qualquer dos seus precursores. [...] Leonardo, o grande cientista, convertera em realidade alguns dos sonhos e temores dos primeiros fazedores de imagens. Ele conhecia a fórmula mágica que infundia vida nas cores espalhadas pelo seu sortílego pincel. (GOMBRICH, 1999, p. 300-303) A técnica e o talento de Da Vinci com certeza foram aprimorados conforme a sua cultura, mas grande parte das suas características como artista advinham dele mesmo e da sua subjetividade. Possivelmente, o fato de ser uma pessoa observadora, curiosa e meticulosa o ajudou a ter um olhar diferenciado para as suas produções artísticas e de como ele as executaria. Michelangelo foi convidado pelo Papa Julio ll para pintar o teto da Capela Sistina, em Roma, e teve grande resistência para cumprir tal chamado. Mesmo após se sentir, de certa forma, ofendido, pois era escultor, e não pintor, resolveu fazer o trabalho e dedicou quatro anos de sua vida à conclusão de sua obra. Uma das imagens que compõe essa grandiosa obra é A criação de Adão. Sobre ela, Gombrich (1999, p. 312-313) relata que: Para que serve a arte? 27 Talvez a mais célebre e a mais impressionante obra seja a visão do ato de criação de Adão em um dos grandes campos. Artistas antes de Michelangelo já tinham pintado Adão deitado no chão e sendo chamado à vida por um simples toque da mão de Deus, mas nenhum deles se aproximara sequer de expressar a grandeza do mistério da criação com tamanha simplicidade e força. Não há nada na imagem que desvie a atenção do tema principal. [...] é um dos milagres da Arte o modo como Michelangelo logrou fazer o toque da mão divina o centro e o foco da imagem e como revelou a ideia de onipotência com a desenvoltura e a força deste gesto de criação. [...] Se alguém pensasse que, após a tremendo esforço na capela, a imaginação de Michelangelo secara, cedo se daria conta do seu engano, pois quando voltou ao seu amado material (mármore), seus poderes pareciam maiores do que nunca. [...] Michelangelo não era só admirado, mas também temido por seu temperamento irascível, que não perdoava superiores nem inferiores. Ao lermos esses trechos sobre as obras mencionadas e seus autores, percebemos o quanto cada uma delas traz consigo a personalidade e a subjetividade dos artistas. Jamais uma imagem será completamente igual a outra, se forem realizadas por pessoas diferentes, assim como qualquer outro objeto ou forma de criação humana. Em sala de aula, é possível perceber isso por meio de uma atividade muito simples: a releitura de uma imagem. Uma releitura não é uma cópia, mas, após a leitura da imagem, dos seus aspectos e elementos, do seu contexto social e cultural e da história do seu autor, propõe-se que seja criado algo a partir do que já existe e foi analisado. Não importa quantos alunos participem da proposta com o real entendimento de uma releitura e nem se haverá um ou outro que “copiará” o desenho do colega, mas nunca haverá um desenho igual ao outro. Esse fato revela o quanto de nós mesmos está impregnado em tudo o que nos propomos a fazer e/ou criar. Considerações finais Maria Eunice de Oliveira (2010, p. 51) considera que “a arte é uma forma que traz consigo a condição de qualquer pessoa poder se expressar criativamente, recombinando elementos que a compõem”. Quando uma pessoa tem a oportunidade de criar em diferentes linguagens artísticas, ela não desenvolve sua criatividade apenas na esfera da arte, mas em vários outros campos. A atividade artística libera aprendizagem para a solução de problemas. Cognitivamente falando, estamos aqui nos referindo à inteligência. A arte desenvolve a inteligência, pois a criação aumenta a capacidade de assimilar informações. “O criador ou o artista é um indivíduo que obteve suficiente habilidade no uso de um meio para ser capaz de comunicar através da criação de um objeto simbólico” (GARDNER, 1999, p. 49). Criar, sejam pinturas, desenhos ou esculturas, seja música, dança ou teatro, cada uma das vertentes das diferentes linguagens desenvolve percepções e habilidades diferentes cognitivamente falando. Agora, para fechar o capítulo, faremos uma reflexão trazida por Maria Eunice de Oliveira (2010, p. 51): “Na escola, ouve-se música; mas cria-se música? Vê-se ou fala- -se de pinturas, mas criam-se quadros?”. Metodologia do ensino de Arte28 Sabemos que, muitas vezes, o cenário da escola não possibilita tantas oportunidades de desenvolvimento da criatividade por meio da arte, pois raramente se dispõe do material necessário. Contudo, às vezes, com pouco (ou o que julgamos ser pouco) conseguimos atingir e incentivar essa habilidade de forma muito mais efetiva do que se tivéssemos um ateliê à nossa disposição. Muitas vezes, a forma de nos comunicarmos, de motivarmos e de falarmos sobre arte é o suficiente para despertar um interesse genuíno. Ampliando seus conhecimentos • AGONIA e êxtase. Direção: Carol Reed. EUA, 1965. (2h 18 min.). Esse filme conta a trajetória artística de Michelangelo, quando foi convidado pelo Papa Julio ll para pintar a Capela Sistina. O longa-metragem mostra todas as suas resistências, limitações e crises emocionais com esse imenso trabalho e a sua dedicação para chegar à conclusão. Vale a pena assistir! Trata-se de um filme antigo, mas de ótima qualidade e que conta uma emocionante história. • COM AMOR, Van Gogh. Direção: Dorota Kobiela e Hugh Welchman. Reino Unido, Polônia, 2018. (1h 35 min.). O filme representa a trajetória artística de Van Gogh e seus momentos finais. Narrado na perspectiva das experiênciasdo filho de um carteiro amigo de Van Gogh, o longa- -metragem é produzido com animações baseadas nas pinturas do artista, por meio de computação gráfica. Trata-se de uma bela e emocionante obra cinematográfica. Atividades 1. Reflita sobre como seria a sua vida se você nascesse 25 anos após a data original do seu nascimento. Que criança teria sido? Como seria seu comportamento? Seus gostos seriam os mesmos? Em seguida, transfira essas respostas para o papel. 2. Faça uma pesquisa mais aprofundada sobre dois diferentes artistas de uma mesma época e período e escreva uma análise evidenciando quais são as semelhanças e as diferenças entre a arte dos dois. 3. Exercite a sua criatividade e lance um desafio pessoal de, em uma semana, criar e produzir algo em uma linguagem artística. Proponha-se a pintar um quadro, a produzir um desenho com lápis de cor, a fazer uma escultura de argila, a criar uma canção ou uma coreografia de dança. Essa atividade serve apenas para exercitar a sua criatividade e conduzi-lo a se expressar de uma forma diferente. Relate para si mesmo(a) como foi a sua experiência, descrevendo-a por meio da escrita. Como foi seu processo criativo? Você se sentiu bloqueado(a) ou as ideias fluíram? Por que você acha que isso aconteceu? Para que serve a arte? 29 Referências BRITO, R. F. de; VANZIN, T.; ULBRICHT, V. Reflexões sobre o conceito de criatividade: sua relação com a biologia do conhecer. Ciênc. cogn., Rio de Janeiro, v. 14, n. 3, p. 204-213, nov. 2009. Disponível em: http:// pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-58212009000300017&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 2 mar. 2019. GARDNER, H. As artes e o desenvolvimento humano. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. GOMBRICH, E. H. A história da arte. 16. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1999. OLIVEIRA, M. E. Teatro na escola e caminhos de desenvolvimento humano: processos afetivos-cognitivos de adolescentes. 265 f. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Federal do Paraná, 2010. Disponível em: http://www.ppge.ufpr.br/teses/teses/M10_Maria%20Eunice%20de%20Oliveira.pdf. Acesso em: 4 abr. 2019. OLIVEIRA, Z. M. F. Fatores influentes no desenvolvimento do potencial criativo. Estudos de psicologia, n. 1, v. 27, p. 83-92, Campinas, 2010. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/estpsi/v27n1/v27n1a10. 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A criatividade é, de fato, o meio em que a arte se manifesta e amplia as possibilidades das quais se configura; entretanto, a imaginação e a criatividade não estão presentes somente na arte, mas também na ciência e em diversas ordens e domínios da vida humana, como veremos a seguir. 3.1 Arte e desenvolvimento humano Como desenvolvimento humano, entendemos o desenvolvimento integral de um indivíduo, desde o dia em que nasce até o seu último suspiro de vida. O tempo todo estamos nos desenvolvendo. A literatura psicológica costuma afirmar que o desenvolvimento humano abrange os processos de transformações que ocorrem ao longo do ciclo de vida das pessoas. Papalia e Feldman (2013) revelam que os estudiosos e cientistas do desenvolvimento humano o reconhecem como um processo que dura a vida toda e o nomeiam como desenvolvimento do ciclo de vida. Seus estudos baseiam-se nos processos de mudança e estabilidade em todos os domínios da vida, durante todos os períodos desse ciclo. Segundo as autoras, existem três domínios do desenvolvimento de cada um de nós que evoluem e se movimentam ao longo do ciclo de vida: o físico, o cognitivo e o psicossocial. Porém, um domínio não existe sem o outro, todos se desenvolvem simultaneamente, pois fazem parte de um mesmo indivíduo; portanto, essa separação em domínios existe apenas para fins didáticos. Não existe separação entre desenvolvimento físico e cognitivo, assim como não existe separação entre razão e emoção, entre criatividade e pensamento lógico ou entre intelecto e intuição. Todas essas esferas fazem parte de um conjunto único no universo: o indivíduo. Somos sujeitos biopsicossociais, pois o homem não se desenvolve e não aprende sozinho, ele precisa apreender conceitos e fenômenos que existem e ocorrem fora de si, para então internalizá-los, filtrando-os, conforme sua experiência, e trazendo significado para cada nova vivência. Ao longo do nosso desenvolvimento, vivenciamos algo que chamamos de humanização: nos tornamos humanos por meio das interações, sejam com outras pessoas, seres vivos, natureza ou com os próprios objetos existentes no mundo. A arte possibilita interagirmos simbolicamente conosco e com o mundo. Simultaneamente, comunica e expressa ideias, sentimentos, pensamentos, reflexões de um indivíduo e também do meio social e cultural em que está inserido. Vídeo Metodologia do ensino de Arte32 A arte é de extrema importância para o desenvolvimento humano dos indivíduos e pode e deve ser experienciada e oportunizada por meio da educação. Quando falamos sobre educação, estamos tratando do processo do desenvolvimento, do desabrochar, do florescer. O objetivo da educação é o desenvolvimento humano. A escola é um lugar importante, onde construímos uma rede de interações que produzem constantes aprendizados. É na escola que, diariamente, aprendem-se e exercitam-se, por exemplo, rotinas, regras e combinados. Tais eventos contribuem para a internalização de conceitos que permitirão a elaboração de recursos para formação da cidadania e da possibilidade de se viver em sociedade, com respeito aos limites e com direitos e deveres bem formulados e esclarecidos. A possibilidade e a experiência da educação por meio da arte e do fazer artístico viabilizam inúmeros progressos que beneficiam o sujeito integralmente e visam ao desenvolvimento de uma personalidade harmoniosa. A arte possibilita o encontro do ser consigo mesmo, de si com os outros (desenvolvendo empatia) e com a totalidade da realidade humana. A arte provoca capacidade de observação e senso crítico de ocorrências ao nosso redor, além de estimular a criatividade mediante a comunicação por meio de outras linguagens. Além disso, também oportuniza o desenvolvimento da percepção sensorial e da sensibilidade, conceito que muitas vezes é subestimado e tratado amplamente como fragilidade emocional. Após uma breve análise das designações da palavra sensibilidade, segundo o dicionário Michaelis da língua portuguesa, selecionamos quatro das 15 definições desse conceito, que se aplicam ao presente contexto: 1. Qualidade de sensível. [...] 3. Faculdade de experimentar emoções e sentimentos, principalmente de sentir compaixão, piedade, ternura pelo próximo. [...] 5. Capacidade de sentir e captar o que existe no mundo e de expressá-lo criativamente. [...] 8. Capacidade de ser emocionalmente favorável e compreensível; solidariedade. (SENSIBILIDADE, 2015) As definições de sensibilidade são constructos desenvolvidos com a vivência e com a prática artística. Salientamos que somente o “fazer por fazer” não desenvolve todas as habilidades que o indivíduo traz consigo no seu referencial de potencialidades. A prática artística deve ser orientada, planejada e refletida, sempre contextualizada e com seus propósitos esclarecidos, pois apenas assim o senso crítico e a capacidade de argumentação e explicação de propósitos são trabalhados. A prática daarte deve permitir aos alunos não apenas criar produtos artísticos, mas também apreciá-los, examiná-los e avaliá-los, possibilitando a compreensão da importância da produção artística, superando a ideia de que, quando desenham, cantam, dançam ou encenam uma peça de teatro, estão se distraindo da seriedade de outras atividades escolares. A melhor maneira de tornar a Arte uma disciplina consistente como qualquer outra é indicar como as manifestações artísticas estão presentes no cotidiano, nas ruas, nas construções civis, nas vitrines, nas roupas, nos jogos, no design dos objetos, nas músicas que ouvimos, nos filmes e séries que assistimos, na tecnologia em geral etc. Os conceitos e habilidades desenvolvidos nas aulas de Arte são necessários para entender e usufruir do mundo que nos cerca. Arte no desenvolvimento humano: inteligência, cognição e afetividade 33 Neves (2009) argumenta que a educação por meio da arte (ou o ensino da Arte) objetiva o desenvolvimento de capacidades e o conhecimento da arte em si, além de possibilitar a criação de recursos psicológicos internos que preparam os alunos para atuar como cidadãos inteligentes, sensíveis, estéticos, reflexivos, criativos e responsáveis, humanizando-os e ajudando-os a humanizar o mundo. Se desenvolvimento humano contempla o ser em sua totalidade, e não apenas sob uma das suas dimensões individuais ou sociais, a educação precisa focar no desenvolvimento da criatividade do educando, tornando-o apto para melhores formas de seu relacionamento com o outro e com o mundo. Apesar das diversas linguagens artísticas – música, desenho, pintura, teatro... – serem veículos eficazes para a experimentação artística, a liberação da criatividade tem como principal objetivo o aprendizado e a expressão, pois mais importante que o desempenho do aluno numa dessas linguagens é o exercício de sua inteligência e a sensibilidade na busca do seu desenvolvimento integral. (NEVES, 2009, p. 64) Inteligência, sensibilidade e criatividade são fenômenos interdependentes. A sensibilidade não pode ser vista como sinônimo de vulnerabilidade, mas sim como uma percepção mais abrangente e mais crítica sobre o mundo, a vida e tudo o que nos rodeia. A criatividade é estimulada pelas nossas percepções, criando sempre novos recursos de solução de problemas, em todas as esferas da vida humana. A criação não se limita apenas aos eventos artísticos, mas a qualquer âmbito da existência humana. Estamos sempre pensando, observando, analisando e criando hipóteses e possibilidades de vida. A inteligência se desenvolve conforme a criatividade trabalha, aumentando as informações que guardamos e levamos conosco em nossa memória. 3.2 Arte, cognição e inteligência A arte tem como objetivo o aprimoramento e o desenvolvimento dos domínios cognitivo, intelectual e afetivo, pois cada uma dessas esferas é um único fenômeno que constitui o indivíduo. Quando nos referimos à inteligência, o que vêm à sua mente? Você consegue definir o que é inteligência? E o que é cognição? Pense um pouco a respeito antes de pesquisar esses termos e de prosseguir com a leitura. Inteligência e cognição são eventos diferentes, mas que fazem parte do mesmo domínio psíquico. Novamente, tomaremos as definições descritas pelo dicionário para ampliar nossa linha de raciocínio sobre esses conceitos. Iniciaremos com a descrição de inteligência: 1. Faculdade de entender, pensar, raciocinar e interpretar; entendimento, intelecto, percepção, quengo. 2. Habilidade de aproveitar a eficácia de uma situação e utilizá-la na prática de outra atividade. 3. Princípio espiritual e abstrato considerado a fonte de toda a intelectualidade. 4. Capacidade de resolver situações novas com rapidez e êxito, adaptando-se a elas por meio do conhecimento adquirido. 5. Conjunto de funções mentais que facilitam o entendimento das coisas e dos fatos. [...] 7. Compreensão recíproca. (INTELIGÊNCIA, 2015) Vídeo Metodologia do ensino de Arte34 Todas as definições podem trazer uma enorme discussão para conseguirmos delimitar o que é inteligência. Porém, destacaremos aqui uma que resume, basicamente, todas as expostas anteriormente: inteligência é a capacidade de resolver problemas. Enfrentamos problemas diários de todas as ordens: desde aprender a andar, amarrar os cadarços dos tênis, ler, desenhar, aprender álgebra, a conviver com regras, manter relacionamentos saudáveis e também lidar com o fim de muitos deles, aprender a dirigir, aprender química, aprender a lidar com a vida financeira, com o sofrimento, com a doença e com o luto, aprender uma nova atividade ou um novo hobby e aprender a gerenciar nossas próprias vidas. Ao longo da vida, diariamente, lidamos com aprendizados, e eles são formulados a partir de experiências sensoriais e interações. Cada vez mais, tornamo-nos mais inteligentes e experientes, à medida que criamos soluções e estratégias para problemas de diversas ordens, sejam eles da vida cotidiana ou da esfera acadêmica e intelectual. Em relação às crianças, Oliveira (2010) resgata Vygotsky (1989), que explica que as aprendizagens realizadas na escola são diferentes daquelas que a criança conquistou anteriormente no seu cotidiano, pois dizem respeito aos fundamentos do conhecimento científico, exigindo da criança o desenvolvimento de funções psicológicas novas e complexas que os adultos já têm fundamentadas. A autora ainda revela que “entende-se por funções psicológicas cognitivas os recursos internos (mentais) mobilizados pelo sujeito no conhecimento do mundo. Entre tais funções normalmente se aponta a memória, a atenção, o pensamento verbal, a percepção, a linguagem e a imaginação” (OLIVEIRA, 2010, p. 63). A cognição permeia a inteligência, pois é por meio dela que o indivíduo resguarda sua identidade e sua história, armazena informações, dados e soluções, foca no que é necessário, articula a linguagem e a comunicação, interpreta símbolos e linguagens, percebe fenômenos à sua volta, faz relações entre as partes e o todo, constitui ideias e abstrai pensamentos e estratégias. A imaginação e a criatividade são funções essenciais na vida humana. Muitas vezes, elas estão relacionadas a ideias de isenção de compromissos e liberdade absoluta, e tais ideias costumam atrelar-se, no senso comum, ao próprio fazer artístico. Porém, Ostrower (2013) ressalta que, nas diversas esferas onde há ação e pensamento do homem, verifica-se a mesma origem dos processos criativos regidos pela sensibilidade (e é claro, por todas as funções cognitivas): nas artes, nas ciências, na tecnologia, no cotidiano e em todos os comportamentos produtivos e atuantes do homem, a criatividade é um fenômeno constante. A autora complementa tal ideia salientando que em cada esfera material ou campo de atuação (como ciência, tecnologia etc.) existem possibilidades e impossibilidades de ação dentro da materialidade; porém, essas questões não podem ser vistas como limitadoras da criatividade e da imaginação (a autora utiliza o termo imaginação criativa), mas sim como orientadoras, originando caminhos e direções diferentes e ideias novas de condução de trabalho. Logo, não existem diversos tipos de imaginação criativa, pois se assim fosse, teríamos um tipo de imaginação para cada esfera da vida: imaginação científica, imaginação tecnológica, entre outras. A criatividade e a imaginação são fenômenos que andam de mãos dadas com a inteligência, pois a criatividade permite que os indivíduos também possam criar, psiquicamente, recursos internos com dados e informações para a solução de problemas. Logo, a cada solução e a Arte no desenvolvimento humano: inteligência, cognição e afetividade 35 cada estratégia que criamos para nossos problemas, estamos exercitando e ampliando nossa inteligência, que é mediada pela cognição. O fazer artístico permite que a criatividade esteja sempre em constante atuação. Logo, a arte vai muito além de apenas pintar, brincar de teatro, dançar ou cantar: a arte desenvolvea inteligência. 3.3 Arte e afetividade A inteligência que desenvolvemos ao longo das nossas vidas juntamente às funções cognitivas que a cercam são vias que permitem a um sujeito se constituir e se identificar como humano e conhecer e interpretar a realidade interna e externa. Porém, não é apenas com esses recursos que, como humanos, podemos contar. As funções cognitivas não são as únicas que permitem ao sujeito conhecer a realidade; a afetividade também é um meio que está intervindo o tempo todo em nosso processo de desenvolvimento. A afetividade não pode ser isolada das demais dimensões do ser, porque, na verdade, não existe separação entre cognição e afetividade. Mas o que é afetividade? É importante destacarmos que ela, muitas vezes, é tratada como sinônimo de carinho, afeição ou ternura. E, é claro, não deixa de ser; entretanto, quando tratamos de afetividade no contexto do desenvolvimento humano e da educação, estamos nos referindo a um processo interacional. Na interação do sujeito com o exterior, o indivíduo é constantemente afetado, porém está também constantemente afetando vários dos demais seres do mundo. Em toda interação ocorre esse fenômeno, como se fosse um movimento de ação e reação. Diante de tal interação, nascem diversas formas de ligação do indivíduo (interno) com o mundo (externo): analogias, afinidades, repulsas, enfim, conflitos1, que, “no sentido etimológico do termo, é algo que se dá a partir do encontro, do choque, do embate; do resultado desses ‘conflitos’ é que nasce a afetividade entre as possibilidades de existência” (SANT’ANA; LOOS; CEBULSKI, 2010, p. 115). Diante de tal ideia, podemos considerar que somos um produto da afetividade. Tudo na vida é resultado da afetividade, pois estamos sendo afetados e afetando o tempo todo. A nossa cognição, nossa inteligência, identidade e personalidade também são frutos da afetividade, pois foram moldadas conforme cada impressão que vivenciamos ao longo das nossas vidas. Logo, conclui-se que inteligência, cognição e afetividade são um mesmo fenômeno. “Não há supremacia da cognição em detrimento da afetividade, por serem o mesmo fenômeno: o do entendimento da realidade; baseando-se nos afetos sentidos e percebidos pelo sujeito” (SANT’ANA; LOOS; CEBULSKI, 2010, p. 110). Não existe uma linha divisória de cada fenômeno psicológico que nos concebe como indivíduos únicos, pois: a afetividade humana se constitui na relação com vários outros componentes psicológicos e intelectuais. Assim, para poder emocionar-se, o indivíduo 1 Não entender o termo conflito de forma negativa. Aqui, os autores colocam esse conceito relacionando-o mais à ideia de abalo, baque ou, até mesmo, uma “impressão”. Na interação entre dois indivíduos, sempre haverá um processo dual de afetar e ser afetado. Esse movimento causa um desequilíbrio em nosso sistema psíquico (algo muito próximo ao que Piaget se referiu sobre o processo de equilibração, ao afirmar que a inteligência só cresce quando é confrontada com um novo aprendizado e busca novamente o seu equilíbrio, assimilando e acomodando novas informações). Vídeo Metodologia do ensino de Arte36 humano precisa ter também memória, pensamento, imaginação, planejamento, conhecimento, linguagem, conceitos, significados, sentidos, percepção, atenção. (LOOS; SANT’ANA, 2007, p. 15) Destacamos aqui a ideia colocada pelos autores na citação anterior: “para emocionar- -se, o indivíduo humano precisa ter também memória, pensamento, imaginação, planejamento, conhecimento, linguagem, conceitos, significados, sentidos, percepção, atenção (funções psicológicas superiores)” (LOOS; SANT’ANA, 2007, p. 15). Tal ideia nos remete ao fato de que não há a divisão entre razão e emoção, emoções que costumeiramente percebemos no mundo. Nossa cultura baseia-se na dicotomia entre razão e emoção como fenômenos antagônicos e, inclusive, pressupõe que a razão é mais importante do que a emoção. Nas escolas, percebemos tal conjuntura no currículo brasileiro, no qual, por exemplo, constrói-se em uma carga horária maior de disciplinas mais “lógicas” e exatas em detrimento de disciplinas da área de humanas. Parece, muitas vezes, que disciplinas que valorizam a expressão do sujeito, seus sentimentos e emoções, sua individualidade e seu autoconhecimento são vistas como supérfluas ou como mera diversão, quando comparadas às que desenvolvem raciocínio lógico matemático e raciocínio abstrato, por exemplo. Efland (2005) discute sobre essa questão da compartimentalização do currículo educacional, como se de um lado estivesse a propriedade da cognição, da razão e da lógica e, do outro lado, a natureza corpórea, perceptual, emocional e imaginativa. Para o autor, “a educação deveria ter como propósito fundamental a capacidade cognitiva nos indivíduos pelo uso da imaginação, em todas as disciplinas, principalmente em arte” (EFLAND, 2005, p. 343). A arte é influenciada por muitos fenômenos e, por isso, diferencia-se tanto de uma sociedade para outra e de um período para outro. A arte carrega em si aspectos individuais que constituem a subjetividade do artista: sua história, suas experiências, suas percepções, suas memórias. Ao mesmo tempo, traz dentro de si o contexto social em que o artista vive, seus aspectos históricos, valores culturais e religiosos, leis, ética ou moral. A arte expressa uma “mistura de eventos” e é por isso que ela nunca se manifesta da mesma forma, será sempre expressa de diferentes maneiras, já que é influenciada por uma combinação de elementos moldados pelo tempo, pelo espaço e por cada indivíduo. Read (2001) concorda com Vygotsky (2001) ao propor que, por meio da arte, o sujeito coordena o campo sentimental do seu psiquismo. Sentir é a origem do processo de criação e está ligado à afetividade humana; perceber é um processo de conhecer a si mesmo e como os fatos nos afetam, direta ou indiretamente. A arte é importante no contexto educacional porque “equipa os indivíduos com relevantes ferramentas para desenhar seu mundo” (EFLAND, 2005, p. 343). Indivíduos que têm maior domínio de autopercepção passam também a ter uma melhor percepção da subjetividade do outro, desenvolvendo empatia e sensibilidade diante de outras realidades, exteriores à sua. Os aspectos cognitivos, que muitas vezes são relacionados à razão e à ciência, também estão presentes na arte. A atenção, o planejamento, a combinação de elementos, a percepção, a memória e a linguagem também fazem parte da produção e do fazer artístico. Você consegue imaginar um Arte no desenvolvimento humano: inteligência, cognição e afetividade 37 compositor fazendo uma canção sem prestar atenção no que está fazendo? Ou um bailarino sem planejamento e sem percepção ao criar uma coreografia? Um ator que não memoriza seu texto e não percebe detalhes fundamentais na construção do seu personagem? Ou um pintor que não planeja a combinação dos elementos visuais (cores, texturas, formas e volumes) em sua obra? Artistas e cientistas constroem repetindo uma técnica, teoria ou obra já feita, mas também intuem, imaginam, criam, e têm majestosos pensamentos. Por que nossos estudantes devem apenas repetir? Pensamos que há algo de objetivo no trabalho do artista, assim como há muito de subjetivo no trabalho do cientista, pois são seres humanos, não são seres vivos desprovidos de sentimentos (se existem seres vivos desprovidos de sentimentos, não sabemos); separar a vida emocional cotidiana, do trabalho, é uma utopia. (YAMAZAKI; YAMAZAKI; ZANON, 2008, p. 5) Talvez, o aspecto em comum entre arte e ciência mais relevante que podemos pontuar é o caráter criativo desses dois campos do conhecimento. O envolvimento que um artista precisa apresentar com seu projeto artístico ou com sua obra é o mesmo que um cientista precisa ter em seu projeto científico ou com seu experimento. Ambos os campos exigem mais do que conhecimento teórico; exigem paixão e entrega, criação e intuição. Arte e ciência funcionam com testes de
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