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22 a 23 de maio de 2012 Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – Instituto Multidisciplinar CADERNO DE ANAIS SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 2 CADERNO DE ANAIS, 2012. Seminário Olhares Sócio-Históricos sobre a Religião (1.: 2012: Nova Iguaçu, RJ) Dinâmicas Territoriais, Cultura e Religião: Caderno de Anais do Seminário Olhares Sócio-Históricos sobre a Religião. Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Maio 22 – 23, 2012. / Autor: Comissão Organizadora do Seminário Olhares Sócio- Históricos sobre a Religião / Organizado por Sílvia Regina Alves Fernandes. Nova Iguaçu: UFRRJ/IM, 2012. 258 p. ISSN: 2317-1278 SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 3 CADERNO DE ANAIS, 2012. EXPEDIENTE Realização Grupo de pesquisa Dinâmicas Territoriais, Cultura e Religião Coordenação Geral Profª. Drª. Sílvia Regina Alves Fernandes Comitê Científico Prof. Dr. Ítalo Domingos Santirocchi Prof. Dr. Marcos José de Araújo Caldas Profª. Drª. Sílvia Regina Alves Fernandes Comissão Organizadora Anderson Leon Almeida de Araújo Bruno Marinho dos Santos Loura Carla Juliana Delecrode do N. Pires Elizabeth Santos de Souza Laís de Almeida Medeiros Larissa Oliveira Lindalva Trajano Maria Lúcia Alexandre Olga Djmila dos Santos Chiapim Editoração, Capa e Design Elizabeth Santos de Souza SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 4 CADERNO DE ANAIS, 2012. APRESENTAÇÃO Este Seminário é fruto do acúmulo de reflexão acadêmica que vem sendo realizada no Instituto Multidisciplinar sobre a temática Religião. Desde o ano de 2007, quando da instalação do grupo de pesquisa Dinâmicas Territoriais, Cultura e Religião (CNPq), sob a liderança da professora Sílvia Regina Alves Fernandes, a inserção de alunos do curso de História nos projetos de pesquisa desenvolvidos no grupo e o diálogo interdisciplinar realizado em sala de aula - sobretudo na disciplina Sociologia da Religião -, resultaram na proposta deste seminário. Objetivo Ampliar o conhecimento sobre os estudos em andamento ou concluídos de alunos e professores da UFRRJ que têm a Religião como foco de interesse acadêmico. Pretende-se ainda divulgar as atividades do grupo e delinear novas possibilidades de pesquisa nas áreas de Sociologia, Antropologia e História da Religião em níveis de graduação e Pós-graduação. Público Alvo: Alunos de Graduação e Pós na UFRRJ SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 5 CADERNO DE ANAIS, 2012. SUMÁRIO PROGRAMAÇÃO .............................................................................................. 8 COMUNICAÇÕES ............................................................................................. 9 GRUPO 1: RELIGIÃO NA ANTIGUIDADE........................................... 10 Eduardo Belleza Abdala Miranda Apostasia solar: Juliano (361 – 363) e a retomada do culto solar ................... 10 GRUPO 2: RELIGIÃO NO MEDIEVO E NA MODERNIDADE.............. 14 Tatiane Santos de Souza Conversões forçadas e o discurso de resistência na obra de Maimônides (1135 – 1204) ............................................................................................................. 14 Marcelo Inácio de Oliveira Alves Escravidão africana e Igreja Católica: legitimação do cativeiro e a teoria cristã no governo dos escravos no Brasil colonial ..................................................... 26 Ana Paula de Souza Rodrigues O bem morrer no recôncavo da Guanabara. Freguesias de Nossa Senhora da Piedade do Iguaçu e Santo Antônio de Jacuntiga (Século XVIII) .................... 37 Cezar Augusto Sales Uchoa Júnior O padroado régio no formação do Império brasileiro ...................................... 52 Pedro Henrique Carvalho de Medeiros A defesa pela liberdade religiosa na Imprensa Evangélica (1864 – 1867)....... 68 SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 6 CADERNO DE ANAIS, 2012. Fernando de Azevedo Pereira O pseudocristianismo e suas conseqüências na História ................................ 84 GRUPO 3: RELIGIÃO NA CONTEMPORANEIDADE.......................... 91 Cleiton Machado Maia As técnicas xamânicas e o caso de xamanismo de tia Neiva do Vale do Amanhecer........................................................................................................ 91 Anderson Leon Almeida de Araújo e Leila Dupret Memória do samba e negras religiões – Musicalidade e Identidade ............. 106 Vinicius Esperança Lopes Favela, Exército e Religião: tensões e aproximações na ocupação militar do Complexo do Alemão ..................................................................................... 122 Marcelo Loura de Morais Ensaio sobre a Geografia da Religião na Contemporaneidade, Contribuições para os estudos sócio-históricos da Religião ................................................. 139 Anderson Leon A. de Araújo, Diego Hajime, Rainie V. Mendes, Rodrigo S. Pinto e Vanessa Moreno Casa de Convivência e Alquimia Espiritual – O Sagrado, a New Age e a Ayahuasca ..................................................................................................... 148 Alice F. Signes, Daiane E. Azeredo e Elizabeth S. de Souza Ritual Eucarístico: A devoção e a fé dos fiéis na comunidade paroquial de Santo Antônio da Prata .................................................................................. 171 Rodrigo Costa Silva Ética da Libertação: a descoberta de um mundo periférico ........................... 184 SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 7 CADERNO DE ANAIS, 2012. Gabriel do Nascimento Silva A construção e a concepção de evangelização da diocese de Nova Iguaçu. 195 Olga D. dos Santos Chiapim, Mayara C. de Souza e Silvia R. A. Fernandes A Igreja Católica e os meios de comunicação: o impacto das novas tecnologias ........................................................................................................................ 208 Carla Juliana Delecrode, Laís Medeiros, Larissa Bernardes, Maria Lúcia B. S. Alexandre, Monalisa Silva e Samanta Mourão de Oliveira Tradição e Modernidade: Um estudo de caso da relação entre a Irmandade de Nossa Senhor do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos e a Missa de Cura e Libertação. (Rio de Janeiro – 2011).................................................... 211 Allan do Carmo Silva Inserção da Religião na educação pública e os olhares de diferentes segmentos religiosos...................................................................................... 225 Luciano Marques da Silva Acolher e/ou Discriminar: A carta da congregação da fé sobre homossexualidade e a realidade das travestis na Baixado Fluminense........ 239 Carlos Eduardo da Silva Moraes Cardozo Juventude e Religião estudos de ontem e de hoje......................................... 248 SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 8 CADERNO DE ANAIS, 2012. PROGRAMAÇÃO Dia 22/05/2012 HORA: 17 às 18 h: Conferência de abertura Profª Drª. Eloisa Martín (UFRJ) HORA: 18:30 às 21:00 GT: Religião na Antiguidade sala 301– Bloco Multimídia Coordenação: Profº Drº Marcos Caldas (UFRRJ) GT: Religião na Contemporaneidade Sala 309 -Bloco Multimídia Coordenação: Profª Drª Sílvia Fernandes (UFRRJ) Dia 23/05/2012 HORA: 17h às 19h30 GT: Religião no Medievo e na Modernidade Sala 303 - Bloco Multimídia Coordenação: Profº. Drº Ítalo Santirocchi GT: Religião na Contemporaneidade Sala 309 -Bloco Multimídia Coordenação: Profª Drª Sílvia Fernandes (UFRRJ) HORA: 20:00 h - Mesa de encerramento. SEMINÁRIO OLHARESSÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 9 CADERNO DE ANAIS, 2012. COMUNICAÇÕES Os artigos a seguir estão organizados de acordo com a ordem de apresentação dos trabalhos durante as sessões de comunicação. A revisão dos textos é de responsabilidade dos autores. SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 10 CADERNO DE ANAIS, 2012. GRUPO 1: RELIGIÃO NA ANTIGUIDADE APOSTASIA SOLAR: JULIANO (361 –363) E A RETOMADA DO CULTO SOLAR Eduardo Belleza Abdala Miranda1 O presente trabalho tem por objetivo analisar o Culto Solar oriental em Roma no período do Imperador Juliano, mostrando como o Imperador recebe essa religião, e quais os objetivos dele retomando o Culto pagão após a tolerância cedida ao cristianismo pelo Imperador Constantino. O trabalho tem como fonte um hino de Juliano em reverencia ao deus Sol e uma fábula sobre o Imperador Constantino contada por Juliano, que estão presentes no livro ―The works of Emperor Julian‖ do autor Wilmer C. Wright. traduzido do grego para o inglês. É importante compreender como o Culto Solar chega a Roma e porque ele é adotado pelo império e como os romanos se adaptam ao Culto. Essas religiões orientais penetram no Império Romano através da: propagação de fiéis, comerciantes que entram em Roma, escravos levados a Roma de regiões como o Egito, por exemplo. As religiões do oriente, como o Culto Solar, ganham força no Império Romano devido à preferência da população por elas e principalmente pela primazia do Imperador. Tal preferência existe devido aos mistérios que os romanos vêem nesses cultos, além de transmitirem um amplo conhecimento, não apenas a nível religioso, mas o conhecimento de mundo, e também por essas crenças transmitirem uma relação mais direta com os deuses. Segundo a autora Paloma Aguado García, em seu livro ―Religión y Plítica Religiosa Del Emperador Caracalla‖ os sincretismos (ou seja, essa fusão entre as doutrinas religiosas) que ocorreram entre os romanos e as religiões orientais, fez com que os deuses representantes dessas crenças orientais fossem inseridos no Panteão romano. Em alguns casos o nome do deus se modifica para o latim e em outros o deus se adapta ao Panteão romano e permanece com a mesma titulação. Dessa forma os cultos vão se modificando para os rituais romanos Segundo essa mesma autora o Culto Solar foi adotado por alguns Imperadores antes de Juliano e antes da permissão resignada ao cristianismo. O culto ao deus Sol já 1 Graduando em História pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 11 CADERNO DE ANAIS, 2012. aparece em Roma desde os Imperadores Trajano e Adriano (século II d.C). mas se intensifica mesmo no Império de Cómodo (180 – 192) onde o Imperador inicia a criação de moedas com a imagem do deus Sol. O Império de Séptimo Severo (193 – 211) também é marcado pelo Culto, já que é Severo quem apresenta o deus Sol como o criador da luz, o deus inventor de todas as coisas, dando-lhe o apelido de Invictus. No entanto, o Culto Solar só foi livremente exercido a partir do Imperador Caracalla ( Marco Aurélio Antonino – 211 - 217). Nesse momento o culto ao deus Sol aparece com muita força na região oriental do Império. Caracalla teria sido o primeiro Imperador a realizar uma consagração oficial do Culto Solar, permitindo que fosse realizado. É Constantino o ultimo Imperador a elaborar moedas com a imagem do deus Invictus, e é Constantino quem tolera o cristianismo no Império, o que não acaba com os cultos pagãos, todavia fará com que os cultos orientais se enfraqueçam no decorrer do Império. É importante compreender que Juliano, pertencente à dinastia constantiniana, e com grande formação intelectual dedicou seu Império a retomar os cultos pagãos, por isso foi denominado mais tarde como o Apostata, ou seja, aquele que abriu mão de sua fé anterior. Sobre influencia de Imperadores anteriores ele procura retomar o Culto Solar que estava em declínio desde Constantino. Podemos perceber a grande adoração de Juliano ao deus Sol a partir de um hino elaborado pelo próprio Imperador, como já vimos. Nele o Imperador descreve o deus Sol como pai da humanidade, o criador, relatando que o deus se encontra no centro do universo movimentando o cosmos, é o que se chama de principio da autoridade. Juliano descreve o deus Sol como o ser mais importante do universo, e que todos devem realizar oferendas a esse deus, como, por exemplo, sacrifício de animais. Os outros deuses possuem suas funções, mas o poder de Invictus é superior. Em uma passagem do hino, Juliano mostra que o deus Sol é divino, e que o divino não se pode tocar, não tem cheiro e é invisível, mas é uma força que está presente. Todavia relata que o deus Sol possui uma forma visível, o disco solar, e ele menciona que é mais fácil acreditar no que é visível, por isso a supremacia de Invictus. Juliano apresenta cinco grandes características do deus: 1ª – O poder que ele tem de aperfeiçoar a luz, tornando visíveis os objetos do universo. 2ª – O poder de conduzir o universo, criando e o transformando. 3ª – ―O poder de unir todas as coisas em um todo, através da simetria dos movimentos para um único objeto‖. 4ª – Possui uma SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 12 CADERNO DE ANAIS, 2012. posição central no universo. 5ª – É considerado um rei entre os deuses devido sua posição central. O Imperador Juliano adota esse culto devido ao atrativo social que essa religião possui para a população romana, como a purificação e a salvação. Para oferecer o culto ao deus, não é necessário ser um iniciado na religião, qualquer um pode oferecer o culto, isso facilita a atração de fiéis. Esses fiéis estão presentes nos campos, onde se encontram os pagãos, já que nas cidades o cristianismo está em grande crescimento. Juliano procura realizar melhorias na administração do Estado acabando com as negligencias, procura melhorar as condições de vida diminuindo a fome, e sua principal ideologia que era restaurar o culto solar no Império Romano, que como já vimos estava em decadência desde Constantino. Esses feitos é o que ele chama de ―reparação dos tempos felizes‖ (Felicium Temporum Reparatio). Para que se tenha uma analise mais profunda sobre a importância do culto o trabalho retoma o período do Faraó Akenaton (1351 – 1334 a.C.), já que seu reinado, apesar dos poucos estudos sobre ele, foi marcado por sua adoração a um único deus, Aton, o deus do disco solar, desafiando uma tradição religiosa milenar ao tentar estabelecer uma única divindade aos egípcios. Os estudos sobre Akenaton são recentes, e novas teorias sobre seus feitos estão sendo elaboradas, de acordo com a mais recente teoria a adoção de um único deus não tem um caráter religioso mais sim político. O que este Faraó pretendia era acabar com o culto a Amo, a deidade mais importante desse período, fazendo com que o corpo sacerdotal desse deus perdesse o poder sobre o império. Segundo novas teorias o que Akenaton pretendia era restaurar um período em que os Faraós eram considerados divinos, sem sofrer qualquer questionamento, dessa forma ele seria considerado o representante do deus Aton, a única deidade na terra, seria o próprio deus na forma humana, o que daria a ele um poder absoluto, como ocorria em tempos anteriores. Ele chega a criar uma cidade religiosa denominada Aketaton (horizonte de Aton), esta era uma cidade política e cultural, e um templo de devoção ao deus Aton. O que se pretende com essas descrições do período de Amenófis IV (Akenaton), não é relacionar o que acontece no Egito durante seu reinado com o que aconteceu no Império Romano no período de Juliano, mas sim mostrar quemem ambos os casos o culto a uma divindade solar tem grande importância na política, na economia, na cultura. Nem todos os acontecimentos se equivalem, Juliano não cria uma cidade SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 13 CADERNO DE ANAIS, 2012. religiosa, o mais próximo foi dar a cidade de Antióquia um caráter cultural e religioso. Juliano também não impõe a religião no Império como faz Akenaton no Egito. Sendo assim o presente trabalho foi elaborado pensando uma hipótese, a de que Juliano estaria buscando transformar o Império em uma monarquia. Juliano estaria pretendendo ser cultuado como um deus, o que lhe colocaria como um soberano, características de uma monarquia divina, mas não buscando um ideal religioso, e sim político, centralizando o poder do Império nas mãos dele. Quando se apresenta neste trabalho as características do reinado de Akenaton, não há pretensão de compará-lo ao Império de Juliano, mas sim demonstrar que Juliano não teria sido, hipoteticamente falando, o primeiro a buscar o poder político por meio do Culto Solar, ou seja, chegar ao poder político, através do poder religioso. Referencias Bibliográficas BASLEZ, Marie-France. “Juliano, a esperança dos pagãos”. Arquivos História Viva, volumen 5: os melhores artigos sobre Roma / Liliana Pinheiro. Rio de Janeiro: Duetto, 2009. GARCÍA, Paloma A. “Religión y Política Religiosa Del Emperador Caracalla”. Espanha. Universidad Complutense.2003 JACQ, Christian. “Nefertiti e Akhenaton: o casal solar”. 3ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008. p.238. REEVES, Nicholas. “Akenaton, o renegado filho do sol”. BBC Revista História. Egito e outras civilizações antigas. edição nº 8, 2010. p.30-33. SHAFER, Byron E. “As religiões no Egito antigo: deuses, mitos e rituais domésticos”. São Paulo: Nova Alexandria, 2002. WRIGHT, Wilmer C. “The Works of the Emperor Julian” London: Willian Heinemann. New York: The Macmillan CO. http://dialnet.unirioja.es/servlet/editor?codigo=326 SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 14 CADERNO DE ANAIS, 2012. GRUPO 2: RELIGIÃO NO MEDIEVO E NA MODERNIDADE CONVERSÕES FORÇADAS E O DISCURSO DE RESISTÊNCIA NA OBRA DE MAIMÔNIDES (1135-1204). Tatiane Santos de Souza2 Resumo: Este trabalho busca viabilizar uma maior reflexão quanto aos conflitos religiosos e sociais entre judeus e muçulmanos no medievo. As Epístolas de Rabi Moshe ben Maimon (Maimônides), escritas entre 1167 e 1204, são fontes históricas que até hoje não se tornaram alvo de análises mais profundas pela historiografia medievalista, referente a temática das conversões. Neste trabalho, me proponho a analisar o discurso rabínico sobre a intolerância religiosa contra os judeus a partir do século XII, num período de estreitamento e transformações político-sociais nos territórios de domínio muçulmano. Palavras-chaves: Maimônides – Resistência – Discurso Entre os extensos conjuntos textuais rabínicos produzidos na Idade Média, a “Epístola do Iêmem”3 representa um dos pilares da literatura sefaradí sobre a temática da conversão. Nesta documentação epistolar redigida por Maimônides é um conjunto de proposições a judeus aflitos perante a série de medidas radicais de um novo governo muçulmano: almôadas e os almorávidas. Ao longo do século XII, o poder islâmico dos almôadas (1130-1269), cuja dominação incluiu Marrocos, Argélia, Tunísia e Espanha Muçulmana realizou diversas políticas de conversão forçada de judeus. 2 Graduanda em História na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, UFRRJ, ICHS, DHIS. Bolsista de Iniciação Científica pela Fundação de Amparo à Pesquisa do estado do Rio de Janeiro - FAPERJ. 3 Para esta análise fizemos uso da edição brasileira, traduzida por Alice Frank. MAIMÔNIDES, Moses. A Epístola do Iêmen. São Paulo: Maayanot, 1996. p.5. Esta epístola encontra-se também publicada, em inglês, no mesmo volume do ―Tratado sobre o Extermínio‖. MAIMONIDES. EPISTLES OF MAIMONIDES: CRISIS AND LEADERSHIP. Philadelphia: Jewish Publication Society of America, 1985. Discussions by David Hartman. SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 15 CADERNO DE ANAIS, 2012. Diante das adversidades, muitos judeus abriram mão de confortos pessoais, propriedades e bens, e escaparam às perseguições. Outros se submeteram aos juramentos de fidelidade a Maomé e passaram a externar, ainda que de forma precária, a fé na religião dominante, mantendo secretamente a fé judaica. Ao escrever esta epistola, Rabi Moshe ben Maimon, mais conhecido como Rambam4, não se preocupou apenas com questões filosóficas ou legislativas. Ele se engajou de maneira profunda, na batalha pela sobrevivência das comunidades judaicas ameaçadas de desaparecimento, fazendo um projeto discursivo de definição dos grandes alicerces da religião e crenças judaicas, a fim de oferecer aos seus contemporâneos judeus os meios necessários para resistir aos excessos populares e permanecerem crentes em sua fé. Escrita originalmente em árabe, língua de seus destinatários, exceto pela breve introdução em hebraico, esta carta disserta sobre um possível antigo ódio ao Povo Judeu e os motivos, creditados pelo rabino, de várias perseguições sofridas, a eternidade e a peculiaridade de Israel e os fundamentos da fé. Tudo isto a fim de recolher e apresentar formas de resistência ao líder islâmico. Proporcionando palavras de consolo, Rambam, se aproxima de seus irmãos de fé, ao dizer que o mesmo que está acontecendo no Iêmen, ocorreu nas terras no Marrocos, que o obrigou a fugir, e exilar em terras longínquas. Esta atitude do líder islâmico assustou e atemorizou toda a comunidade judaica. Rabi Moshe ben Maimon, Musa Ibn Maimun ou Maimônides, nascido em Córdoba, em 1135, viveu junto a sua família parte desse momento de estreitamento das relações sociais da nova politica rigorista muçulmana, tendo que fugir de Córdoba para outros territórios muçulmanos onde ainda existia a politica de proteção aos dhimmis e tal movimento rigorista não imperava. Para verticalizar esta temática buscaram-se teorias que esclarecem, direta ou indiretamente, as bases da formação cultural da Espanha visigoda, de forma a identificar elementos que sustentassem o estabelecimento de mudança, como a entrada dos muçulmanos nesse território, e como posteriormente com os almorávidas e almôadas, 4 Entre alguns círculos rabínicos medievais, Maimônides foi conhecido como Rambam, um acrograma de ‗Rabi ‗M‘oshe ‗B‘en (filho de) ‗M‘aimon. Ao passo que universalmente ele é chamado de ―Maimônides‖, a forma grega de ―o filho de Maimon‖. SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 16 CADERNO DE ANAIS, 2012. isto foi reorganizado. Desse modo, devido à chegada dos muçulmanos à península ibérica visigoda, as novas formas políticas, principalmente com aqueles que pertenciam a outros grupamentos sociorreligiosos, tornaram este lugar um espaço incomum e de situação singular, segundo historiadores. E de fato a sociedade hispânica nos séculos de dominação muçulmana fora singular, em relação às construções discursivas, errôneas, que acreditavam na existência uma sociedade cristã europeia homogênea e monolítica. A simples possibilidade de indivíduos de religiões monoteístas diferentes poderem habitar um mesmo espaço sem conflitos fora algo diferenciado naquele contexto, onde o mundo externo vivia tempos cruzadísticos e indivíduos das três religiões, das três culturas se enfrentavam, lutavam, matavam e morriam em conflitos sangrentos em outras regiões. Talvez justamente por esta questão externa, na discussão historiográfica – principalmente segundo Claudio Sanchez Albornoz5- a Espanha emerge como um enigma histórico, um local onde é possíveluma convivência religiosa, uma troca de experiências e cultura de forma receptiva, servindo de exemplo para a posteridade. Pela formação de uma sociedade diversa, multicultural e plurirreligiosa, generalizou-se a ideia de uma Espanha - ou Al-Andaluz como ficara conhecida entre os muçulmanos- homogênea e integracionista. Entretanto ao identificarmos esta sociedade incomum devemos nos dispor da crença superficial de harmonia, e atentarmos para as problemáticas desta convivência cultural, social e religiosa. Não podemos negar que a primeira vista existiram processos históricos que justificam, até certo ponto, a ideia de uma coexistência pacifica entre os distintos grupos religiosos dentro de um mesmo marco sociopolítico, processos estes utilizados para forjar a imagem de uma sociedade tolerante, nos moldes que temos hoje por tolerância. Segundo Francisco Garcia Fitz, (FITZ,2003. p. 13-56.) em muitas ocasiões tais processos históricos foram interpretados como sinais de aceitação e integração das minorias sociorreligiosas, fomentando teses que insistem em afirmar a concretude de uma Espanha aberta e flexível que reconhecia e aceitava a diferença. 5 Sobre Claudio Sanchez Albornoz, um dos mais notáveis historiadores espanhóis. A obra de Quesada promove uma releitura das teses de Claudio Sanchez Albornoz. Apud: ― Es todavia España um enigma histórico?. QUESADA, Miguel Angel Ladero . Lecturas sobre La España Histórica. Madrid : Real Academia de la Historia, 1998. SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 17 CADERNO DE ANAIS, 2012. Os vestígios que nos permitem estudar as características das relações entre muçulmanos, judeus e cristãos – como as cartas de Maimônides- não nos confirmam a imagem cristalizada de uma sociedade integracionista e pacifista. Os comportamentos que foram interpretados como indícios de harmonia e respeito apenas representam realidades fragmentadas e desconexas oferecendo uma visão distorcida de tais momentos históricos. Portanto nessa compreensão (FITZ,2003. p. 13-56.) seria correto afirmar que a visão de uma Espanha ou Andaluzia medieval tolerante e igualitária sobretudo, tornar-se-ia utópica, e porque não dizer, mitológica. Um fator inicial que pode ser considerado fundamental para os que defendem o mito da tolerância seriam as atitudes políticas e econômicas adotadas pelos governantes muçulmanos. De acordo com preceitos islâmicos, a Sha‟aryia6, garantia aos povos monoteístas proteção territorial interna e externa. Assim os dhimmis7 (―povos do livro‖) como eram chamados, poderiam circular socialmente sem sofrerem perseguições. Sendo árabes muçulmanos e berberes islamizados a minoria na população andaluza seria proveitoso manter viva a força econômica das populações já residentes. Esta dita tolerância não comportou uma mistura ou assimilação das religiões. Aparentemente, pelas prescrições legais aos dhimmis judeus e cristãos puderam viver, trabalhar e ainda manter suas práticas religiosas secretamente sob domínio islâmico. Contudo essa convivência era tolhida por restrições no aspecto politico, econômico e religioso. Tanto cristãos como judeus encontravam-se de diversas formas subjugados, e estas restrições os conduziam à condição de excluídos e inferiorizados. As complicadas estruturas jurídicas e sociais dessa difícil convivência ofereciam uma ampla superfície para conflitos de todo tipo. A tolerância, mesmo sendo pautada em lei corânica, não se fundamentava nas premissas do moderno conceito de tolerância. A tolerância religiosa tem hoje em dia seu fundamento, seja na indiferença 6 Conjunto de princípios, leis e preceitos morais estabelecidos por governantes e pensadores do Islã, segundo Albert Hourani. 7 Transliterando do árabe ahl al-ḏimmah / dhimmah, "o povo da dhimma" . Ser um Dhimmi é estar num contrato teórico estabelecido com base numa doutrina islâmica que concede direitos e responsabilidades limitadas aos seguidores do Judaísmo, Cristianismo ("Povos do Livro") . Permitindo a estes indivíduos o direito de residência em território islâmico, em troca do pagamento de determinadas taxas. http://pt.wikipedia.org/wiki/Judaísmo http://pt.wikipedia.org/wiki/Cristianismo http://pt.wikipedia.org/wiki/Povos_do_Livro SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 18 CADERNO DE ANAIS, 2012. religiosa, seja no respeito à dignidade e à liberdade da pessoa humana; ambos esses, conceitos alheios a uma visão medieval do mundo. Na Espanha medieval houve uma tolerância política que nunca foi ditada por reverência às outras religiões ou por respeito à liberdade do outro, mas, simplesmente, pela necessidade de integrar dentro do sistema político uma realidade social fática. Desse modo, por bastante tempo na Espanha, em Andaluzia, as relações entre dhimmis e muçulmanos transcorriam, mesmo com todas as restrições, com certa fluidez em questão da ausência de exigência de apostasia ou exilio. Todavia estas relações sociais não devem ser tomadas como sinônimos de relações harmônicas e igualitárias, e sim relações de coexistência diferenciada, pois a segregação que existia nos territórios muçulmanos era considerada branda se compararmos a segregação tida como comum nos territórios da cristandade ocidental. Com o passar do tempo, durante as épocas de dominação almôada e almorávida na península, as relações com os dhimmis se estreitaram. O movimento de invasões almôadas e almorávidas, aos territórios muçulmanos antes em poder da dinastia Omíada8, mudaram o status dos dhimmis, que de protegidos passaram a perseguidos. (SANCHEZ, 1994.) Os judeus e cristãos antes protegidos do exílio e autorizados a permanecer em sua fé, foram submetidos desde finas do século XI a uma pressão até então desconhecida. Os almorávidas entraram na península ibérica em 1040, sendo estes originariamente uns monges-soldados saídos de grupos nómadas provenientes do Saara, estabeleceram-se e governaram até 1147. Insatisfeitos com a forma em que se organizava o Islã neste território, as almorávida obtinham uma politica rigorista do Islã. Posteriormente, insatisfeitos com a tentativa almorávida, por volta de 1125 um novo poder estava a surgir no Magrebe, o dos Almôadas, surgidos da tribo dos Zanatas, que conseguiram com um novo espírito de aplicação rigorosa da lei islâmica, já relaxados os costumes dos Almorávidas, impor-se ao poderio almorávida após a queda da sua capital Marrakesh em 1147. (COLLINS, 1986.) Com a pretensão de reestabelecer o islã no verdadeiro caminho e inaugurar o reino dos céus na terra, os muçulmanos, segundo Albert Hourani (HOURANI, 2006.), 8Os Omíadas foram uma dinastia de califas conhecida como Califado Omíada. Em Córdoba (929-1131) http://pt.wikipedia.org/wiki/Saara http://pt.wikipedia.org/wiki/1125 http://pt.wikipedia.org/wiki/Almóadas http://pt.wikipedia.org/wiki/Zanatas http://pt.wikipedia.org/wiki/1147 SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 19 CADERNO DE ANAIS, 2012. em sua maioria de origem berbere, não toleravam nenhum desvio de sua versão própria do islã. Para este movimento messiânico e milenarista, a presença de judeus e cristãos em territórios muçulmanos estaria influenciando os costumes mais ínfimos dos fiéis do islã, consequentemente isso se desdobraria numa infração a religião e distorção, pois para eles, mesmos com todas as restrições e condição inferiorizadas, os dhimmis representavam uma ameaça ao islã justamente pelos fiéis estarem em contato a todo o momento com aqueles que negavam o verdadeiro Deus e a verdadeira religião, era inaceitável dividir território com aqueles que desprezavam Deus e seu Profeta. Os muçulmanos insubmissos eram implacavelmente expurgados ao passoque aos judeus e cristãos negava-se a tolerância recomendada pela Sharia e os impunha uma escolha: a conversão ou exílio. Desse modo foi a partir da identificação dessas relações sociais, políticas e religiosas, de acordo com a nova etapa 1140 de dominação muçulmana de origem berbere - dominação almôada - que fora feita a seleção das cartas. Esta baseada em princípios de referência temática: conversões forçadas e as medidas de resistências. Tal análise funcionou em duas etapas, de acordo com a metodologia sugerida por Durval Muniz de Albuquerque (ALBUQUERQUE, In: PINSKY, 2011, p 223- 249), análise externa e análise interna, da produção discursiva. A análise externa implicou nas relações com as condições históricas que possibilitaram a produção daquele discurso, ou seja, o questionamento sobre o contexto daquela fala, as relações sociais, econômicas e políticas. Já a análise interna tratou de considerar os discursos pertencentes a uma dada ordem discursiva, historicamente datada, e que possuem suas próprias regras de constituição e produção, ou seja, possuem sua própria “(...) estrutura interna que precisa ser analisada”.(ALBUQUERQUE, 2011, p. 247) Como já mencionado, Maimônides recebeu apelos de diversas comunidades judaicas submetidas à conversão ao Islã, solicitando seus conselhos sobre sua situação religiosa, deveriam resistir, deveriam fugir ou deveriam aceitar a fé islâmica? Com a ameaça de conversão forçada, surgem problemas que aparentemente parecem apenas religiosos, mas são também problemas sociais. A partir daí nota-se o pensamento racionalista na epístola de Maimônides, que procura resolver o problema da conversão através da fuga. SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 20 CADERNO DE ANAIS, 2012. [Aqueles que estão sendo forçados à conversão] devem fugir e continuar a ser fiéis a Hashem. Devem se refugiar-se no deserto e esconder-se em lugares desabitados. Eles não devem pensar na separação da família e dos amigos ou ficar preocupados com a perda de rendimentos. Isto significapreservar a Torá em sua totalidade. (...) Com certeza quando um judeu é impedido de seguir a Torá e a fé divina ele deve fugir para um outro lugar. (MAIMÔNIDES, 1996, p.21) Permanecer no lugar onde a apostasia tornar-se-ia inevitável seria o mesmo que transgredir aos preceitos da fé judaica. No texto, Maimônides não aborda explicitamente a questão da judaização, apenas recorre à ideia de que mesmo um convertido que se veja impossibilitado de sair do local da perseguição, não estaria livre para pecar. Um converso não seria, por assim dizer, isento de punições por transgressões religiosas que venha a cometer contra o Judaísmo. Indiretamente, a todos aqueles que permaneceriam nas regiões onde a conversão fosse aplicada, o Rabino solicita a prática da judaização da melhor forma possível. Judaizar não representaria apenas uma estratégia de resistência, mas, sobretudo, uma obrigação do judeu perseguido e convertido à força. Nesta mesma epístola, Maimônides num discurso inflamado hostiliza outras religiões e enaltece a sobrevivência do Judaísmo a diversos domínios políticos opressores que tentaram extirpar o povo judeu, e recorrendo a episódios históricos, constrói um cronograma de reinos e dinastias que haveriam tentado destruí-los, e que por efeito da providência divina, foram, nas palavras do rabino, “decadentes e infelizes” (MAIMÔNIDES, 1996, p.9). Maimônides entendia que o Judaísmo, enquanto perseguido, constituía-se inabalável. Amalek, Sisera, Sancheriv, Nabucodonosor, Tito, Adriano e muitos outros semelhantes tentaram derrubar a nossa religião pela força, pela violência, e pela espada. (...) O segundo grupo consiste nos mais inteligentes e mais educados entre as nações, como os romanos, persas e gregos. Eles também tentaram derrubar a nossa religião e erradicar a nossa Torá, mas eles fazem por meio de argumentos e perguntas que imaginam. Eles tentam destruir a Torá e apagar seus vestígios com os SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 21 CADERNO DE ANAIS, 2012. seus escritos. Os tiranos tentaram fazer assim com suas guerras.( MAIMÔNIDES, 1996, p.8) Ao difundir o ideal de que qualquer política dominadora que visasse aniquilar o povo judeu seria destituída pelo divino, podemos notar que o discurso de Maimônides é forjado numa lógica determinista, onde o pensamento escatológico e fatalista seriam uma constante. E para criar essa trajetória determinante de sucessivas vitórias, entre Oriente e Ocidente, Maimônides se valeu de diferentes eventos de ―subjugo‖ e ―resistência‖ vivenciados em diferentes épocas por comunidades judaicas diversas. Nenhuma dessas estratégias terá sucesso. Hashem declarou através do profeta Isaías que Ele destruíra todos os armamentos de qualquer déspota ou opressor que tenha a intenção de destruir a nossa Torá e erradicar a nossa religião por meio de armas de guerra. Da mesma maneira, quando um disputante vier contestar com o propósito de enfraquecer a nossa religião, ele perderá a discussão. A sua teoria será demolida e refutada. (...) Eles somente estão aumentando sua labuta e esforço, enquanto a estrutura permanece tão forte como nunca. (MAIMÔNIDES, 1996, p.9) Notamos então a intenção desta retórica, sendo seu objetivo relembrar a estes judeus, que estavam vivendo situações de subordinação com sob supostos riscos de vida, que teria havido outros que passaram por situações semelhantes, e não teriam abandonado a sua fé. Através de uma narrativa comparativa e retórica baseada na dicotomia de um resgaste de um passado heroico, de judeus resistentes que sofreram com governantes opressores, e de uma positividade do sofrimento, como se o sofrimento fosse princípio para uma exaltação posterior - para que possa existir e prevalecer uma trajetória vitoriosa-, o ponto culminante é fortalecer a fé destes judeus, estimula-los a resistir em tempos considerados pelo rabino, difíceis. ―Queridos irmãos sejam fortes e corajosos. Depositem sua confiança nessas Escrituras verdadeiras. Não se deixem desencorajar pelas perseguições que continuadamente acontecem a vocês. Não se assustem pela força do seu inimigo e a fraqueza do nosso povo.‖ (MAIMÔNIDES, 1996, p.7) A todo o momento durante a leitura da fonte, das cartas nesse caso, percebe- se que Maimônides deixa claro seu desgosto e descontentamento com as atitudes do SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 22 CADERNO DE ANAIS, 2012. almôadas e almorávidas, se reportando ao período emiral Omíada onde os judeus não eram obrigados a conversão. Você escreve que o líder revolucionário no Iêmen forçou os judeus a se converterem ao Islão. Ele obrigou os habitantes das regiões sob seu controle a abandonarem sua religião. Isto é exatamente como fez o líder árabe nas terras de Marrocos. Esta notícia nos assustou e fez toda a nossa comunidade estremecer e ficar indignada. Com motivo, porque são realmente péssimas as noticias e farão tinir ambos os ouvidos de quem as ouça. Sim, os nossos corações estão fracos e nossas mentes confusas por causa destas terríveis calamidades que trouxeram conversão forçada ao nosso povo, alcançando duas extremidades do mundo, o ocidente e oriente. O povo judeu está no centro e sob ataque de ambos os lados. (MAIMÔNIDES, 1996, p.1) O tom de denúncia em sua escrita e o discurso inflamado é de grande relevância, justamente por ser uma epístola a circulação desta documentação previa um destino, e este destino era coletivo, pois o rabino fora solicitado por outros rabinos que se reportariam a suas comunidades. Portanto para enfrentar o problema da conversão e resistir, seria necessário criar um sentimento de unidade, e Maimônides utilizara a retórica a favor de seus objetivos, da exaltação da predestinação do povo judeu a sobreposição de sofrimentos,e ao mesmo tempo também constrói um discurso denunciador contra o povo opressor. D-us nos distinguiu do resto da humanidade quando nos deu Sua Torá por Moisés. Isto não aconteceu porque merecemos, mas sim, foi um ato de bondade Divina, porque nossos pais reconheceram Hashem e O veneraram. (...) Hashem nos fez especiais por suas leis e mandamentos. As outras nações reconhecem a nossa superioridade porque somos guiados pelos Seus princípios e estatutos. Como resultado as nações do mundo ficaram com muita inveja. Por causa da Torá todos os reis da terra desencadearam o ódio e a inveja contra nós. A sua verdadeira intenção é guerrear contra Hashem, mas ninguém pode se opor ao Todo-Poderoso. Desde os tempos da outorga da Torá, todo rei idólatra, não importa como tenha chegado ao poder, colocou SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 23 CADERNO DE ANAIS, 2012. como seu principal objetivo a destruição da Torá. (MAIMÔNIDES, 1996, p.8) De um modo ideológico combativo, o Rambam, se propõe a esclarecer argumentos errôneos da parte dos muçulmanos que procuram usar a própria Torá para afirmar a legitimidade da existência superior de seu profeta. Para ele, Mesmo convertidos, os judeus não só poderiam como deveriam retornar ao Judaísmo, sem que tais conversões fossem interpretadas como apostasia ou idolatria. A situação tornava-se ainda mais iminente quando se tratava de processos de conversão forçada. Para Maimônides, o Rambam, estes argumentos não passam de distorções forjadas para trazer duvida ao seio da comunidade judaica. Ele ridiculariza os argumentos, identificando resposta para todos os argumentos, a luz da Torá, afirmando que os muçulmanos por não terem encontrado nenhuma alusão a Maomé na Torá, usaram um fraco argumento: de que os judeus teriam alterado a Torá. Essa discussão se dá em torno do curioso relato de Gênesis 17:20, os muçulmanos alegam que a Torá afirma a legitimidade de Maomé por descendência de Ismael, entretanto, Maimônides explica que Isaac era o herdeiro legítimo, afirmando, portanto, a superioridade do povo judeu descendente de Isaac, enquanto a Ismael, mesmo sendo abençoado fecundamente, não seria reconhecido e proclamados pelas suas qualidades de retidão e perfeição humana. Toda essa retórica apoiada nas Escrituras da Torá é para engrandecer e fortificar a fé dessas comunidades judaicas, e desacreditar qualquer argumento antijudaico. Hashem que é a Verdade, zomba e os ridiculariza, porque com sua inteligência fraca tentam atingir uma meta inalcançável. (...) Somente uma criança que não sabe nada dessas religiões poderia comparar a nossa fé dada por D‘us, a teorias fabricadas pelo homem. (...) As outras religiões que são parecidas com a nossa não tem um significado profundo, são histórias e contos imaginários nos quais seu fundador tenta se glorificar. Os sábios percebem a farsa. (MAIMÔNIDES, 1996, p.11) Na relação saber-poder que ora percebemos, as posições política e religiosa de Maimônides como mestre de corte e rabino, por si mesmas, já representariam instrumentos de legitimação de seu lugar discursivo, creditado pelas comunidades SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 24 CADERNO DE ANAIS, 2012. justamente por ostentar uma titulação, onde seu saber era reconhecido. Este saber lhe concede o exercício de poder para atuar na vida dessas comunidades através de códigos talmúdicas de conduta9 e epístolas, sendo estas construídas num discurso apologético, apoiado numa hostilização do povo opressor e em favor de uma resistência judaica. Através da análise do corpus documental epistolar de Maimônides, fica evidente que este pretendeu orientar e dar assistência religiosa e social a essas comunidades judaicas iemenitas – que, pelo teor do discurso rabínico se mostravam aflitas e atônitas, colocando-se de forma crítica e voraz contra o uso da religião como instrumento de opressão, de violência e dominação sobre os outros. Portanto, a Halachá que orientou as reflexões rabínicas em todo o Ocidente preservaria também, no Judaísmo Ibérico Medieval, os princípios da livre crítica e do questionamento sobre as ordens políticas. O converso, à luz desta mesma literatura, constitui-se de fato num problema religioso para as nações que o criaram, comprovando a insolubilidade da questão judaica no medievo. Referência Bibliográfica: Fonte: MAIMÔNIDES, Moses. 1135-1204. A epístola do Iêmen /Maimônides. Tradução Alice Frank - São Paulo :Maayanot, 1996 Obras: COLLINS, Roger. España en La alta edad media. Barcelona: Editorial Crítica, 1986. FITZ, Francisco García. Las minorias religiosas y la tolerância em la Edad Media hispânica: ¿ Mito o realidade ? In: SANJUAN, Alejandro Garcia. III Jornadas de cultura islâmica: Tolerancia y convivência étnico-religiosa em La península ibérica durante la Edad Media. Huelva: Universidade de Huelva Publicaciones, 2003. HOURANI, Albert. Uma História dos povos árabes. São Paulo: Companhia da Letras, 2006. 9 Tais códigos de conduta são compreendidos através de Halachá, escritos rabínicos e talmúdicos relacionados aos costumes e tradições, servindo como guia do modo de viver judaico. http://vomitando-duvidas.blogspot.com/ SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 25 CADERNO DE ANAIS, 2012. ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. A dimensão retórica da historiografia. Discursos e Pronunciamentos. In: Carla Bassanezi Pinsky (Org.) et. Aliae. O historiador e suas Fontes. São Paulo: Editora Contexto, 2011. p.223-249. LEWIS, Bernard. Judeus do Islã. Rio de Janeiro: Xenon Editora, 1990. QUESADA, Miguel Angel Ladero. Lecturas sobre La España Histórica. Madrid : Real Academia de la Historia, 1998. SANCHES, Maria Guadalupe Pedrero. Os judeus na Espanha. São Paulo: Editora Giordano, 1994. http://www.editoracontexto.com.br/autores_det.asp?autor=219 SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 26 CADERNO DE ANAIS, 2012. ESCRAVIDÃO AFRICANA E IGREJA CATÓLICA: LEGITIMAÇÃO DO CATIVEIRO E A TEORIA CRISTÃ NO GOVERNO DOS ESCRAVOS NO BRASIL COLONIAL Marcelo Inácio de Oliveira Alves10 Resumo: Os objetivos desse trabalho são, primeiro, discutir a visão da Igreja Católica sobre a escravidão africana no Brasil Colonial no tocante ao seu discurso de legitimação do cativeiro africano e aos instrumentos de inserção subordinada do (ex)escravo na sociedade colonial brasileira. Segundo, analisar a Teoria Cristã dos senhores no governo dos escravos, postulada pelos jesuítas setecentistas Antonil e Benci, na qual constam as obrigações que o senhor tem para com o servo: panis, et disciplina, et opus servo. O pão ao servo para que não desfaleça, panis, ne succumbat; o ensino, para que não erre, disciplina, ne erret; e o trabalho para que não se faça insolente, opus, ne insolescat. E atentando que tal discurso consta na Bíblia (Eclesiásticos, 33, 25-33). Eis a base da legitimação da escravidão africana e da dominação senhorial através do viés religioso. Palavra-chave: Escravidão; Igreja Católica; Teoria cristã no governo dos escravos. Introdução: a sociedade de Antigo Regime nos Trópicos Ao longo desse artigo buscaremos atentar para os fatores de legitimação da escravidão africana os quais se relacionam com o discurso proposto pela igreja católica na América portuguesa. A expansão do império português é acompanhada pelo sistema de Cristandade: um conjunto de relações entre Estado e Igreja pelas quais ambos se legitimam no interior de uma sociedade (Oliveira, 2007, p. 356). E como a escravidão era fundamental para a lógica de seu funcionamento, logo, a Igreja teria de legitimar o regime escravista o tornando, então, um componente do processode construção de tal Cristandade colonial. 10 Mestrando em História no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPHR/UFRRJ). SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 27 CADERNO DE ANAIS, 2012. Entender os valores da sociedade do Antigo Regime colonial e a concepção de mundo é fundamental. Na América lusa, ―as populações eram ordenadas pelos preceitos da segunda escolástica, com as suas idéias de monarquia católica, autogoverno, sociedade corporativa e de casa.‖ (Fragoso, 2010, p. 80) Tal vertente foi fundamental para o funcionamento ideológico da sociedade de Antigo Regime, cujos códigos cognitivos e as relações pessoais são calcados pela religião católica (Hespanha & Xavier, 1993). Esse pensamento de matriz católica, através do qual pessoas pensavam a si próprias e formavam a concepção de mundo, imperava no século XVIII fluminense. Importante perceber que, mesmo sendo uma sociedade predominantemente de iletrados, não era necessário saber o que significa segunda escolástica, bastava compreender a visão de mundo da época. A sociedade de Antigo Regime do Império português era polissinodal e corporativa, ou seja, hierarquizada em todos os segmentos – inclusive dentro da escravaria – cujas diferenças são resguardadas pelos participantes. Todos compartilham essa visão de uma ordem natural perpétua com uma lógica divina. A partir dessas diferenças o mundo era ordenado (Hespanha, 2010). De acordo com o pensamento medieval, na realização do destino cósmico11, cada parte do todo tem sua função diferente e cada um coopera de maneira diversa. Logo, todos os órgãos da sociedade eram indispensáveis. A criação é ordenada visando o fim comum. Ligando-se a isso está, então, o impedimento de um poder político único: se a sociedade caminha repartida e hierarquizada em que cada um tem sua função no destino cósmico, assim o é o poder político. Desse modo, Hespanha faz alusão às monarquias católicas, corporativistas no sentido de que a cabeça é o rei, de onde emana a vontade e as ordens que passam por todo o reino, ou seja, o corpo. Cada órgão é possuidor de sua autonomia, autoregulação e função específica, mas também o são as instituições do reino. Em suma, as ordens vêm do rei, mas as instituições – religiosas, públicas, familiares, comunitárias e grupos profissionais – têm autonomia para cumpri- las ou adaptá-las. O rei (a cabeça) não pode impor-se ou limitar as prerrogativas ou 11 O pensamento político e social medieval é sobranceado pela idéia de existência de um ―cosmos‖, de uma ordem universal que abarca os homens e o mundo, guiando cada um dos seres criados para um objetivo último, e o pensamento cristão o identificava como o próprio Criador. Então, sem tomar como referência a essa causa última, derradeira, a esse fim que os transcendia, os mundos humano e físico não seriam inteligíveis. (HESPANHA, A. M. & XAVIER, A. B., 1993, p. 32) SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 28 CADERNO DE ANAIS, 2012. funções dessas instituições – órgãos do corpo –, e funciona como representação da sociedade. Assim configuram-se as monarquias católicas de Antigo Regime, cujo autogoverno expressa-se, no âmbito holístico, através da representação corporativa da sociedade e do poder; na prática, segundo Hespanha e Xavier, o poder era, por natureza, repartido; e, numa sociedade bem governada, esta partilha natural deveria traduzir-se na autonomia político-juridica (iurisdictio) dos corpos sociais, embora esta autonomia não devesse destruir a sua articulação natural (cohaerentia, ordo, dispositio naturae) – entre a cabeça e a mão deve existir o ombro e o braço, entre o soberano e os oficiais executivos devem existir instâncias intermédias. A função da cabeça (caput) não é, pois, a de destruir a autonomia de cada corpo social (partium corporis operatio propria), mas a de, por um lado, representar externamente a unidade do corpo e, por outro, manter a harmonia entre todos os seus membros, atribuindo a cada um aquilo que lhe é próprio (ius suum cuique tribuendi), garantindo a cada qual o seu estatuto (‗foro‘, ‗direito‘, ‗privilégio‘); numa palavra, realizando a justiça. E assim é que a realização da justiça – finalidade que os juristas e politólogos tardomedievais e primomodernos consideram como o primeiro ou até o único fim do poder político – se acaba por confundir com a manutenção da ordem social e política objectivamente estabelecida. (Hespanha & Xavier, 1993, p. 32). Evidentemente, em meio a essas concepções, ―a autoridade dos senhores sobre os escravos, forros, lavradores livres – os moradores dos engenhos e de suas cercanias – foi construída,‖ (Fragoso, 2010, p. 80), pois: os negros ou os ameríndios eram como que meninos, a carecer de direcção, de educação. Os trabalhos que teriam que prestar aos seus senhores eram como que pagas graciosas da protecção e direcção recebidas; tal como os serviços obsequiosos dos filhos a seus pais. E, nesse sentido, do que se trata [...] de uma dependência doméstica‖. Essa ―é a teoria da casa e das relações domésticas. (Hespanha, 2010, p. 202). A visão de senhor na sociedade de Antigo Regime colonial é a do pai da casa, não (só) no sentido familiar, mas político. E a idéia de casa não concerne à estrutura física e concreta de moradia, e sim organismo político no qual o senhor/pai assume a função – de acordo com os costumes (Alfonso X, Disponível em: http://Rebeliones.4shared.com. Acessado em: 15/07/2011) e posturas honestamente ocupadas dentro de suas respectivas http://rebeliones.4shared.com/ SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 29 CADERNO DE ANAIS, 2012. posições na ordenação hierárquica do mundo12 – da cabeça que rege a organização parental e política de sua casa, ou seja, de sua linhagem, de seu sangue; buscando legitimar e ascender de acordo com seu poder e referendado pela sociedade colonial segundo os costumes da comunidade. De acordo com as noções patriarcais de Antigo Regime, o senhor é visto como o patria potesta no sentido de possuir o poder de mando em sua casa perante não só aos filhos, mas também sobre os escravos. Eles devem ao senhor reverência e sujeição. E o patria tem como atribuição exercer as punições com intuito de buscar o mantenimento da ordenação social e política, em consonância com os bons costumes, expondo sua ascendência moral sobre os subalternos, leia-se, parentes consanguíneos e escravos, dentro do seu senhorio.13 Resumindo, partindo da noção da naturalidade da desigualdade, do poder de uns sobre outros, tidos como inferiores, subalternos, não seria pejorativo escravizar, pelo contrário, há justificativas religiosas que torna a escravidão africana plausível e com funcionalidade para a época. Igreja e a legitimação da Escravidão Africana Quais os motivos para escravizar africanos e não outros povos? E o que torna tal prática legitima para a época? ―As principais justificativas para escravidão dos negros africanos estavam relacionados à religião. Descendentes de Caim ou de Cam, os negros teriam seu destino determinado pelos erros de seus antepassados.‖ (Campos, 1999, p. 26) Eis que hoje me lanças da face da terra, e da tua face me esconderei; e serei fugitivo e vagabundo na terra, e será que todo aquele que me achar, me matará. O Senhor, porém, disse-lhe: Portanto qualquer que matar a Caim, sete vezes será castigado. E pôs o Senhor um sinal em Caim, para que o não ferisse qualquer que o achasse. E saiu Caim de diante da face do Senhor. (Gênesis 4:14-16) 12 ―A idéia de ordem nesta sociedade tradicional faz do mundo o reino da diversidade, um enorme conjunto de coisas infinitamentediferentes entre si e, em virtude dessas diferenças, hierarquizadas (ordo autem in disparitate consistit – de facto, a ordem consiste na desigualdade das coisas).‖ (HESPANHA, 2010. p. 54) 13 ―A veces se toma esta palabra potestas por ligamiento de reverencia, y de sujeción y de castigamiento que debe tener el padre sobre su hijo y de esta postrimera manera hablan las leyes de este título.‖ (Alfonso X El Sabio. Las Siete Partidas. Primeira Cuarta, Titulo 17, Ley 3.) SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 30 CADERNO DE ANAIS, 2012. Caim, filho de Adão e Eva, teria assassinado seu irmão mais novo, Abel, pois estava cego de inveja e ciúmes pelo amor de Deus dispensado ao caçula. Como punição, Deus o expulsa de suas vistas. Mas Caim, com medo de ser morto por ser um desgraçado caminhando pelo mundo, recebe na carne uma marca de Deus como um sinal, a qual seria transmitida os seus descendentes. ―Na crença popular, alimentada pelo clero, a cor negra dos africanos era a marca da punição de Caim.‖ (Campos, 1999, p. 26) Na segunda maldição, os africanos seriam descendentes de Cam, filho de Noé, que havia zombado do pai quando este estava nu e embriagado. E bebeu do vinho, e embebedou-se; e descobriu-se no meio de sua tenda. E viu Cam, o pai de Canaã, a nudez do seu pai, e fê-lo saber a ambos seus irmãos no lado de fora. E despertou Noé do seu vinho, e soube o que seu filho menor lhe fizera. E disse: Maldito seja Canaã; que ele seja o último dos escravos de seus irmãos! E acrescentou: Bendito seja o Senhor Deus de Sem; e seja-lhe Canaã por escravo. Alargue Deus a Jafé, e habite nas tendas de Sem; e seja-lhe Canaã por escravo (Gênesis 9:21-27) Noé pune, então, Cam e seu descendente, Canaã, a ser o ―último‖ dos escravos, o que significa, literalmente, o escravo dos escravos. ―Eram os africanos, segundo a concepção vigente, os legítimos descendentes de Cam, filho amaldiçoado por Noé por ter zombado de sua nudez. Como Noé representava a honestidade num mundo de corrupção, Cam e seus descendentes foram identificados à negatividade ética e à tentação diabólica de destruir o plano divino.‖ (Oliveira, 2007, p. 360) Consoante com essa interpretação bíblica, a África era vista pelos membros do clero como terra da infidelidade (falta de fé) e do pecado. A travessia do Atlântico e a chegada à América eram tidas, assim, como uma espécie de milagre de Deus. Batizados aos milhares antes de embarcar nos navios negreiros, os africanos eram encaminhados às terras coloniais para desempenhar trabalhos humilhantes e desumanos, vivendo amontoados em senzalas e sendo vitimas de toda sorte de violências. Segundo essa concepção religiosa, o Brasil seria o purgatório dos negros, e as injustiças da escravidão, o instrumento da justiça divina em favor da salvação eterna. (Campos, 1999, p. 26) SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 31 CADERNO DE ANAIS, 2012. A partir dessas concepções, o cativeiro dos africanos era perfeitamente compreensível já que eram marcados pelo pecado e inferioridade ética. ―Essa era a função dos africanos e seus descendentes nas sociedades que se formavam no Novo Mundo. Herdeiros do pecado de Cam, sua posição social estava, previamente determinada, segundo a vontade do criador. O cativeiro africano, portanto, era tomando como pedra basilar para o funcionamento harmônico do corpo social.‖ (Oliveira, 2007, p. 361) Conversão de africanos e seus descendentes no Brasil colonial Como vimos, há todo um discurso religioso de origem pecaminosa do africano que o torna espiritual e eticamente inferior. E a escravidão é a ―chance‖ dada pelos cristãos de purificação desses africanos, os tirando do espaço do pecado (África) e os levando para o purgatório (Brasil colônia), dando-os a possibilidade de salvação. Não obstante, mesmo de forma subalterna, os africanos seriam catequizados e inseridos no Império português. Mas de que forma? A estrutura social, ―fundada nas diferenças e hierarquias, exigia um projeto especifico de cristianização dos africanos e seus descendentes‖, ainda mais a partir do século XVII em que africanos e seus descendentes eram a maioria populacional na América portuguesa. (Oliveira, 2007, p. 361) A Igreja católica, com o papel de manter uma estrutura social excludente, ―multiplicou suas ações ao longo do setecentos na tarefa de inserção dos chamados ‗homens de cor‘ no interior da Cristandade. A multiplicação dessas ações se desdobraria também na promoção de santos pretos que deveriam funcionar como exemplos de virtudes cristãs para os africanos e seus descendentes.‖ (Oliveira, 2007, p. 362) A questão da cor, pois, assumia nesse discurso um papel predominante ao distinguir os segmentos sociais e expressar uma concepção hierárquica da sociedade colonial. A cor, no contexto do Império português, no século XVIII, não traduz nenhuma perspectiva racial e/ou racista entendida à luz do campo discursivo das teorias cientifico - raciais do século XIX. Numa primeira perspectiva deve-se entender esse sistema de cores dentro de um campo cultural que se definiu em Portugal e em toda Europa Ocidental desde a Idade Média. [...] Perspectiva sócio-cultural difundida em Portugal e na SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 32 CADERNO DE ANAIS, 2012. sociedade colonial brasileira, onde a cor designava lugar social. (Oliveira, 2007, p. 380-382) No caso dos africanos, preto/negro são cores que eram vistas como castigos impostos aos pecadores. Logo, houve um acidente espiritual ou são negros devido a um pecado original. Mas os africanos poderiam atenuar, superar essa inferioridade com uma vida virtuosa na fé cristã. Vide e espelhem-se nos santos negros exortados pela Igreja Católica para esse fim: santo Elesbão e Santa Efigênia. Teoria Cristã no Governo dos Escravos no Brasil Colonial Para o asno, forragem, chicote e carga; para o escravo, pão, castigo e trabalho. Faz trabalhar o teu escravo com disciplina, e encontrarás sossego. Deixa-o com as mãos livres, e ele procurará a liberdade. Jugo e rédea dobram o pescoço; torturas e interrogatório dobram o mau escravo. Manda-o trabalhar, para que não fique ocioso, porque a ociosidade ensina muitos males. Obriga-o ao trabalho que lhe compete; e, se não obedecer, prende-o com correntes. Entretanto, não cometas excessos com ninguém, e não pratiques nada contra a justiça. Se só tens um escravo, trata-o como a ti mesmo, pois compraste-o a preço de sangue. Se só tens um escravo, trata-o como irmão, porque precisas dele, como de ti mesmo. Se o maltratares, ele fugirá, e por qual caminho irás procurá-lo? (Eclesiástico, 33, 25-33) A teoria Cristã no governo dos escravos visava adestrar os senhores dentro de um viés religioso, cuja moral humanitária seria a mais importante. Essa teoria ―buscou ordenar a prática do governo dos escravos com base em preceitos cristãos.‖ Os religiosos denunciavam a inaptidão dos senhores ao controlar os escravos, ―a mensagem básica dos textos jesuíticos era a de que os proprietários da América portuguesa eram incapazes de governar corretamente seus escravos, pois haviam se afastado dos SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 33 CADERNO DE ANAIS, 2012. preceitos da moralidade católica‖ (Marquese, 2004, p. 172). Nesse sentido, o senhor deveria preocupar-se com a conversão dos escravos, dar-lhes razoáveis condições de vida para que assim pudessem (sobre)viver bem e não revoltarem-se. Como um arquiteto do engenho açucareiro, Antonil vai descreve sua confecção, ordenamento, funcionamento e manutenção, inclusive da mão de obra escrava. Sobre isso, postula Antonil, que ―no Brasil, costumam dizer que para o escravo são necessários três PPP, a saber, pau, pão e pano.‖ (Antonil, 1982, p. 91). O castigo é imprescindível, poisele regula e regra o escravo, porém o pão material e principalmente espiritual não lhe deve ser negado, assim como a roupa limpa e seca. Em troca o escravo presta obediência e gratidão ao seu senhor. Esse tipo de acordo assimétrico é expresso através da chamada ―Economia Cristã: isto é, regra, norma e modelo, por onde se devem governar os senhores Cristãos para satisfazerem as obrigações de verdadeiros senhores‖, como postulava, no século XVIII, o padre Benci. ―Mas que obrigações pode dever o senhor ao servo? [...] Em que se trata da primeira obrigação dos senhores para com os servos [...] é o Pão: panis. Deve o senhor ao servo o pão, para que não desfaleça: panis, ne succumbat. E debaixo deste nome de pão,‖ o qual possui variado sentido temporal e espiritual, ―se compreende primeiramente tudo aquilo que conduz para a conservação da vida humana, ou seja o sustento, ou o vestido, ou os medicamentos no tempo da enfermidade.‖ (Benci, 1977, p. 53-81) Entretanto, ―não só deve o senhor dar-lhes o sustento corporal para que não pereçam seus corpos, mas também o espiritual para que não desfaleçam suas almas, panis, ne succumbat.‖ Daí os sacramentos, os ensinamentos da doutrina e o próprio exemplo do senhor como bom cristão. Tratava-se da ―segunda obrigação dos senhores para com os servos.‖ (Benci, 1977, p. 83-111) A terceira ―obrigação dos senhores é dar ao escravo o castigo, para que se não acostume a errar, vendo que seus erros passam sem castigo: Disciplina, ne erret‖, pois, ―para trazer bem domados e disciplinados os escravos é necessário que o senhor lhes não falte com o castigo, quando eles se desmandam e fazem por onde o merecem.[...] Deixar o senhor viver o escravo à sua vontade, e por mais desordens que faça, dar tudo por em feito ou (quando muito) passar com uma repreensão; é dar-lhe atrevimento, para que se arroje a todo o gênero de pecados.” Ou seja, ausência do castigo é uma falha irrepreensível do senhor. Logo, ―merecendo o escravo o castigo, não deve deixar de lho SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 34 CADERNO DE ANAIS, 2012. dar o senhor; porque não só não é crueldade castigar os servos, quando merecem por seus delitos ser castigados, mas antes é uma das sete obras de misericórdia, que manda castigar aos que erram.‖ Não obstante, ―no castigo dos servos não devem usar os senhores de sevícia.‖ (Benci, 1977, p. 125-128 e 152). Do contrário, ―o castigo for freqüente e excessivo, ou se irão embora, fugindo para o mato, ou se matarão per si, como costumam, tomando a respiração ou enforcando-se, ou procurarão tirar a vida aos que lha dão tão má, recorrendo (se for necessário) a artes diabólicas.‖ (Antonil, 1982, p. 91). A quarta e última obrigação dos senhores é dar o trabalho aos servos, para que com o ócio se não façam insolentes: opus, ne insolescat. Há senhores, que nisto pecam por defeito; porém os mais pecam por excesso. Pecam por defeito os que os deixam viver à larga sem ocupação nem, trabalho. Pecam por excesso os que os oprimem com trabalhos superiores a suas forças, ou por excessivos ou por demasiadamente continuados. E porque ser o trabalho demasiadamente pouco ou demasiadamente muito, tudo é meu e danoso para o servo; por isso [...] os senhores não devem deixar estar ociosos os escravos, mas ocupá- los; e depois [...] que devem guardar no trabalho que lhes dão. (Benci, 1977, p. 171) Alimento, cuidados, a Palavra, trabalho moderado e o castigo justo eram as obrigações que os senhores deviam ao escravo. Em contrapartida, o cativo lhe devia obediência, gratidão e serviços. E ―a razão disto é porque senhor e servo são de tal sorte correlativos, que assim como o servo está obrigado ao senhor, assim o senhor está obrigado ao servo.‖ Esta é a mútua e recíproca correspondência de obrigações entre os senhores e os servos [...]. E por isso, depois de intimar aos servos que se sujeitem em tudo e obedeçam a seus senhores com simplicidade de coração. [...] A diversidade, que há entre o senhor e o servo, não consiste em que o servo esteja obrigado ao senhor e não o senhor ao servo; mas na diversidade das obrigações, que recìprocamente devem um ao outro. (Benci, 1977, p. 49-50) Assim pensa, também, o jesuíta setecentista Antonil, a ponto de sustentar que certo é que, se o senhor se houver com os escravos como pai, dando-lhes o necessário para o sustento e vestido, e algum descanso no trabalho, se poderá também depois haver como senhor, e não estranharão, sendo convencidos das culpas que cometeram, de receberem com misericórdia o justo e merecido castigo. (Antonil, 1982, p. 92) SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 35 CADERNO DE ANAIS, 2012. Portanto, Antonil estabeleceu alguns critérios importantes para que o senhor chegue à tal posição. Primeiro é haver-se como pai – dentro da perspectiva política vista até aqui. E nesse sentido ser o protetor da casa, estabelecendo seus direitos e deveres recíprocos com os subalternos através dos quais construirá seu poder e, podendo então, após, haver-se como senhor. Conclusão Nesse artigo visamos demonstrar a relação entre Igreja Católica e Escravidão no contexto do Antigo Regime colonial. Ou seja, fugindo do anacronismo, a escravidão era legitimada pela Igreja como um método de conversão dos africanos, originariamente pecaminosos, cuja purificação seria necessária para a possibilidade dos negros chegarem à salvação. E os santos negros eram um grande instrumento de comprovação para os africanos de que tal missão era possível. Enfim, pensamos que tal tema de pesquisa é mister para elucidar as razões, e mais, os argumentos de legitimação da escravidão africana, sem fugir da contextualização com a mentalidade da época. Referências Bibliográficas ANTONIL, A. J. 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Ideologia e Escravidão: os letrados e a sociedade escravista no Brasil colonial. Petrópolis: Vozes, 1986.SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 37 CADERNO DE ANAIS, 2012. O BEM MORRER NO RECÔNCAVO DA GUANABARA. FREGUESIAS DE NOSSA SENHORA DA PIEDADE DO IGUAÇU E SANTO ANTÔNIO DE JACUTINGA (SÉCULO XV III) Ana Paula Souza Rodrigues14 Resumo: O trabalho analisa concepções de morte na Freguesia de Piedade do Iguaçu e Santo Antonio de Jacutinga, situadas ao fundo do Recôncavo da Guanabara, no século XVIII. O objetivo da comunicação a ser apresentada é discutir o bem morrer, fruto da visão escatológica do catolicismo, construída a partir da Reforma Tridentina. Primeiro, analisaremos os elementos que caracterizam a boa morte (sacramentos, feitura dos testamentos, mortalhas, local de sepultamento, dentre outros), em seguida, os elementos que compõem os ritos e costumes para ―guiar a alma no caminho da salvação‖, os quais expressam as hierarquias de uma sociedade pré-industrial, escravista e hierarquizada. Palavras-Chaves: Freguesias Rurais, Bem Morrer e Hierarquia. O que era Iguaçu e Jacutinga? A resposta ficará mais completa ao longo do texto, contudo, deixemos claro que se trata de duas freguesias rurais do Rio de Janeiro, situadas na região que hoje denominamos como Baixada Fluminense, outrora conhecida como fundo do Recôncavo da Guanabara15. Em um estudo sobre o quadro espacial português, Ana Cristina Nogueira e Antonio Manuel Hespanha afirmam que “o espaço é uma realidade construída e não uma extensão bruta e objetiva”. Ademais, em sociedades como as de Antigo Regime, hierarquizadas, o espaço era visto de forma diferente por cada indivíduo ou grupo, de acordo com o papel social que figurava. Daí, ―a coexistência (por vezes conflituoso) de vários discursos sobre o espaço e de diversas práticas de apropriação espacial” (NOGUEIRA; HESPANHA, 1993, p.35). Desta maneira, a análise sobre o espaço deve 14 Mestranda em História pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 15 Em 1793, Monsenhor Pizarro utilizou o termo Recôncavo da Guanabara para denominar toda a região do entorno da Baía da Guanabara. (PEDROZA, 2008, p. 9). Ver mapa no anexo 1. SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 38 CADERNO DE ANAIS, 2012. ultrapassar o simples exame de demarcações e limites geográficos, e levar em conta como os indivíduos o criavam, concebiam e transformavam. Em uma sociedade católica, era a partir do espaço eclesiástico que os indivíduos referenciavam os diferentes territórios do Recôncavo da Guanabara, sobretudo por meio do estabelecimento de freguesias. Freguesia era a unidade espacial mínima do domínio da Igreja; o pároco, ou cura das almas, exerciam a função religiosa interferindo na vida individual e coletiva 16. Não obstante a dificuldade da análise de espaços geográficos, é importante apreender de que forma essas freguesias rurais surgem. Obviamente o fator religioso interfere diretamente no estabelecimento dessas freguesias, já que as pessoas tinham a preocupação de participar de todos os rituais católicos. Contudo, outros elementos permeavam o estabelecimento de uma freguesia, para além do âmbito religioso de fé e devoção. Antes de tudo é preciso lembrar que a iniciativa particular fora imprescindível para o projeto colonial. De acordo com Freyre “foi a iniciativa particular que, concorrendo às sesmarias, dispôs-se a vir povoar e defender militarmente, como era exigência real, as muitas léguas de terra em bruto que o trabalho negro fecundaria” (FREYRE, Gilberto, 1980, p. 18-19). Relacionado a esta constatação, o primeiro elemento que permeia as fundações de freguesias rurais é o fato de todas as freguesias do Recôncavo da Guanabara iniciarem suas atividades como capela curada, ou seja, uma capela em terras de um particular, dirigida em caráter permanente por um pároco ou cura.17. Assim foi o caso de Iguaçu, quando, em 1699, o povo construiu uma simples capela de taipa, em terras do Alferes José Dias de Araújo Em Jacutinga, a primeira capela curada fora instituída em lugar denominado Jambuí, em 16 De acordo com Cristina Nogueira e Hespanha ―a freguesia foi, durante o Antigo Regime, uma circunscrição territorial decisiva no enquadramento político do espaço (...) é, também, um fator de dispersão política do espaço.‖ Ibidem, p. 38. Uma outra definição de Freguesia: ―Circunscrição eclesiástica que forma a paróquia; sede de uma igreja paroquial, que servia também, para a administração civil; categoria oficial institucionalmente reconhecida a que era elevado um povoado quando nele houvesse uma capela curada ou paróquia na qual pudesse manter um padre à custa destes paroquianos, pagando a ele a côngrua anual; fração territorial em que se dividem as dioceses; designação portuguesa de paróquia‖. A definição desta e outras áreas estão publicadas no site da SEADE (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados/ Estado de São Paulo). Disponível em: http://www.seade.gov.br/produtos/500anos/index. php?tip=defi# def2. 17� SEADE (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados/ Estado de São Paulo). Disponível em: http://www.seade.gov.br/produtos/500anos/index. php?tip=defi# def2. http://www.seade.gov.br/produtos/500anos/index.%20php?tip=defi http://www.seade.gov.br/produtos/500anos/index.%20php?tip=defi SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A RELIGIÃO 39 CADERNO DE ANAIS, 2012. 1657 (ARAÚJO, 1945, p. 84-85; 142-143). Essas primeiras construções eram simples, de taipa e, por isso, logo careciam de reparos. O aumento do número de fiéis e/ou a ruína das capelas geravam a construção da primeira igreja matriz, a qual recebia o nome de um Santo, e este é o segundo elemento. Pizarro identifica o ano em que, pela primeira vez, a capela curada surge então como freguesia. Santo Antonio de Jacutinga surge como freguesia em 1686. Iguaçu foi fundada como freguesia em 1719, quando ocorreu a separação com a freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Serapuhy (que na década de 1710 será anexa a Santo Antonio de Jacutinga). A partir das memórias históricas sobre a fundação de Iguaçu, constatamos um terceiro elemento que marca o estabelecimento dessas freguesias: não só o aumento do número de habitantes, mas a ação de senhores de terras dessas localidades. Muitos destes senhores adquiriram estas terras por meio da concessão de sesmaria.18 Como exposto, o primeiro local de reunião dos paroquianos de Iguaçu fora em uma capela construída nas terras de José Dias de Araújo. Por ter obtido o título de Alferes, pertencia à hierarquia militar. Por ter doado terras para os fiéis construírem a dita capela19, era senhor de terras. Adiante veremos que possuir terras e exercer funções militares era para poucos, apenas para aqueles pertencentes à elite, além de constituírem elementos de distinção em uma sociedade hierarquizada. Um último elemento que gostaríamos de analisar, de grande importância para que freguesias rurais surgissem ou desfrutassem de crescimento econômico e populacional, é a descoberta do ouro nas Minas Gerais. Graças ao boom aurífero, estradas foram criadas para que o ouro fosse escoado ao Porto do Rio de Janeiro e daí para a Metrópole e outras paragens. Tais estradas entrecortavam diversas Freguesias do Recôncavo da Guanabara. 18 O Recôncavo da Guanabara começou a ser povoado durante o século XVI por meio da doação de sesmarias, logo após a fundação da cidade de São Sebastião, em 1565, pelo Capitão-Mor Estácio de Sá. Todavia, atentemos para um fato, tal concessão de terras foi realizada de forma desigual, pois foram feitas principalmente aos que prestaram algum tipo de serviço a El-Rei. Portanto, desde o século XVI há registros de indivíduos que obtiveram sesmarias na área do fundo