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Conversoes_forcadas_e_o_discurso_de_resi

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22 a 23 de maio de 2012 
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – 
Instituto Multidisciplinar 
 
CADERNO DE ANAIS 
 
 
 
 
SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS SOBRE A 
RELIGIÃO 
SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS 
SOBRE A RELIGIÃO 
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CADERNO DE ANAIS, 2012. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Seminário Olhares Sócio-Históricos sobre a Religião (1.: 2012: Nova Iguaçu, 
RJ) 
Dinâmicas Territoriais, Cultura e Religião: Caderno de Anais do Seminário 
Olhares Sócio-Históricos sobre a Religião. Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Maio 
22 – 23, 2012. / Autor: Comissão Organizadora do Seminário Olhares Sócio-
Históricos sobre a Religião / Organizado por Sílvia Regina Alves Fernandes. 
Nova Iguaçu: UFRRJ/IM, 2012. 
258 p. 
ISSN: 2317-1278 
SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS 
SOBRE A RELIGIÃO 
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CADERNO DE ANAIS, 2012. 
 
EXPEDIENTE 
Realização 
Grupo de pesquisa Dinâmicas Territoriais, Cultura e Religião 
 
Coordenação Geral 
Profª. Drª. Sílvia Regina Alves Fernandes 
 
Comitê Científico 
Prof. Dr. Ítalo Domingos Santirocchi 
Prof. Dr. Marcos José de Araújo Caldas 
Profª. Drª. Sílvia Regina Alves Fernandes 
 
Comissão Organizadora 
Anderson Leon Almeida de Araújo 
Bruno Marinho dos Santos Loura 
Carla Juliana Delecrode do N. Pires 
Elizabeth Santos de Souza 
Laís de Almeida Medeiros 
Larissa Oliveira 
Lindalva Trajano 
Maria Lúcia Alexandre 
Olga Djmila dos Santos Chiapim 
 
Editoração, Capa e Design 
Elizabeth Santos de Souza 
SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS 
SOBRE A RELIGIÃO 
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CADERNO DE ANAIS, 2012. 
 
 
APRESENTAÇÃO 
 
Este Seminário é fruto do acúmulo de reflexão acadêmica que 
vem sendo realizada no Instituto Multidisciplinar sobre a temática 
Religião. Desde o ano de 2007, quando da instalação do grupo de 
pesquisa Dinâmicas Territoriais, Cultura e Religião (CNPq), sob a 
liderança da professora Sílvia Regina Alves Fernandes, a inserção 
de alunos do curso de História nos projetos de pesquisa 
desenvolvidos no grupo e o diálogo interdisciplinar realizado em 
sala de aula - sobretudo na disciplina Sociologia da Religião -, 
resultaram na proposta deste seminário. 
 
Objetivo 
 
 
Ampliar o conhecimento sobre os estudos em andamento ou 
concluídos de alunos e professores da UFRRJ que têm a Religião 
como foco de interesse acadêmico. Pretende-se ainda divulgar as 
atividades do grupo e delinear novas possibilidades de pesquisa 
nas áreas de Sociologia, Antropologia e História da Religião em 
níveis de graduação e Pós-graduação. 
 
Público Alvo: Alunos de Graduação e Pós na UFRRJ 
 
 
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SOBRE A RELIGIÃO 
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CADERNO DE ANAIS, 2012. 
 
SUMÁRIO 
 
PROGRAMAÇÃO .............................................................................................. 8 
COMUNICAÇÕES ............................................................................................. 9 
 GRUPO 1: RELIGIÃO NA ANTIGUIDADE........................................... 10 
Eduardo Belleza Abdala Miranda 
Apostasia solar: Juliano (361 – 363) e a retomada do culto solar ................... 10 
 
 GRUPO 2: RELIGIÃO NO MEDIEVO E NA MODERNIDADE.............. 14 
Tatiane Santos de Souza 
Conversões forçadas e o discurso de resistência na obra de Maimônides (1135 
– 1204) ............................................................................................................. 14 
Marcelo Inácio de Oliveira Alves 
Escravidão africana e Igreja Católica: legitimação do cativeiro e a teoria cristã 
no governo dos escravos no Brasil colonial ..................................................... 26 
Ana Paula de Souza Rodrigues 
O bem morrer no recôncavo da Guanabara. Freguesias de Nossa Senhora da 
Piedade do Iguaçu e Santo Antônio de Jacuntiga (Século XVIII) .................... 37 
Cezar Augusto Sales Uchoa Júnior 
O padroado régio no formação do Império brasileiro ...................................... 52 
Pedro Henrique Carvalho de Medeiros 
A defesa pela liberdade religiosa na Imprensa Evangélica (1864 – 1867)....... 68 
 
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Fernando de Azevedo Pereira 
O pseudocristianismo e suas conseqüências na História ................................ 84 
 
 GRUPO 3: RELIGIÃO NA CONTEMPORANEIDADE.......................... 91 
Cleiton Machado Maia 
As técnicas xamânicas e o caso de xamanismo de tia Neiva do Vale do 
Amanhecer........................................................................................................ 91 
Anderson Leon Almeida de Araújo e Leila Dupret 
Memória do samba e negras religiões – Musicalidade e Identidade ............. 106 
Vinicius Esperança Lopes 
Favela, Exército e Religião: tensões e aproximações na ocupação militar do 
Complexo do Alemão ..................................................................................... 122 
Marcelo Loura de Morais 
Ensaio sobre a Geografia da Religião na Contemporaneidade, Contribuições 
para os estudos sócio-históricos da Religião ................................................. 139 
Anderson Leon A. de Araújo, Diego Hajime, Rainie V. Mendes, Rodrigo S. 
Pinto e Vanessa Moreno 
Casa de Convivência e Alquimia Espiritual – O Sagrado, a New Age e a 
Ayahuasca ..................................................................................................... 148 
Alice F. Signes, Daiane E. Azeredo e Elizabeth S. de Souza 
Ritual Eucarístico: A devoção e a fé dos fiéis na comunidade paroquial de 
Santo Antônio da Prata .................................................................................. 171 
Rodrigo Costa Silva 
Ética da Libertação: a descoberta de um mundo periférico ........................... 184 
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Gabriel do Nascimento Silva 
A construção e a concepção de evangelização da diocese de Nova Iguaçu. 195 
Olga D. dos Santos Chiapim, Mayara C. de Souza e Silvia R. A. Fernandes 
A Igreja Católica e os meios de comunicação: o impacto das novas tecnologias 
........................................................................................................................ 208 
Carla Juliana Delecrode, Laís Medeiros, Larissa Bernardes, Maria Lúcia B. 
S. Alexandre, Monalisa Silva e Samanta Mourão de Oliveira 
Tradição e Modernidade: Um estudo de caso da relação entre a Irmandade de 
Nossa Senhor do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos e a Missa de 
Cura e Libertação. (Rio de Janeiro – 2011).................................................... 211 
Allan do Carmo Silva 
Inserção da Religião na educação pública e os olhares de diferentes 
segmentos religiosos...................................................................................... 225 
Luciano Marques da Silva 
Acolher e/ou Discriminar: A carta da congregação da fé sobre 
homossexualidade e a realidade das travestis na Baixado Fluminense........ 239 
Carlos Eduardo da Silva Moraes Cardozo 
Juventude e Religião estudos de ontem e de hoje......................................... 248 
 
 
 
 
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SOBRE A RELIGIÃO 
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PROGRAMAÇÃO 
 
Dia 22/05/2012 
 
HORA: 17 às 18 h: Conferência de abertura 
Profª Drª. Eloisa Martín (UFRJ) 
 
HORA: 18:30 às 21:00 
 
GT: Religião na Antiguidade 
sala 301– Bloco Multimídia 
Coordenação: Profº Drº Marcos Caldas (UFRRJ) 
GT: Religião na Contemporaneidade 
Sala 309 -Bloco Multimídia 
Coordenação: Profª Drª Sílvia Fernandes (UFRRJ) 
 
Dia 23/05/2012 
HORA: 17h às 19h30 
GT: Religião no Medievo e na Modernidade 
Sala 303 - Bloco Multimídia 
Coordenação: Profº. Drº Ítalo Santirocchi 
GT: Religião na Contemporaneidade 
Sala 309 -Bloco Multimídia 
Coordenação: Profª Drª Sílvia Fernandes (UFRRJ) 
 
HORA: 20:00 h - Mesa de encerramento. 
 
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COMUNICAÇÕES 
 
 
Os artigos a seguir estão organizados de acordo com a ordem de apresentação 
dos trabalhos durante as sessões de comunicação. A revisão dos textos é de 
responsabilidade dos autores. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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GRUPO 1: RELIGIÃO NA ANTIGUIDADE 
 
 
APOSTASIA SOLAR: JULIANO (361 –363) E A RETOMADA DO CULTO 
SOLAR 
Eduardo Belleza Abdala Miranda1 
 
O presente trabalho tem por objetivo analisar o Culto Solar oriental em Roma no 
período do Imperador Juliano, mostrando como o Imperador recebe essa religião, e 
quais os objetivos dele retomando o Culto pagão após a tolerância cedida ao 
cristianismo pelo Imperador Constantino. O trabalho tem como fonte um hino de 
Juliano em reverencia ao deus Sol e uma fábula sobre o Imperador Constantino contada 
por Juliano, que estão presentes no livro ―The works of Emperor Julian‖ do autor 
Wilmer C. Wright. traduzido do grego para o inglês. 
 É importante compreender como o Culto Solar chega a Roma e porque ele é 
adotado pelo império e como os romanos se adaptam ao Culto. Essas religiões orientais 
penetram no Império Romano através da: propagação de fiéis, comerciantes que entram 
em Roma, escravos levados a Roma de regiões como o Egito, por exemplo. As religiões 
do oriente, como o Culto Solar, ganham força no Império Romano devido à preferência 
da população por elas e principalmente pela primazia do Imperador. Tal preferência 
existe devido aos mistérios que os romanos vêem nesses cultos, além de transmitirem 
um amplo conhecimento, não apenas a nível religioso, mas o conhecimento de mundo, e 
também por essas crenças transmitirem uma relação mais direta com os deuses. 
Segundo a autora Paloma Aguado García, em seu livro ―Religión y Plítica 
Religiosa Del Emperador Caracalla‖ os sincretismos (ou seja, essa fusão entre as 
doutrinas religiosas) que ocorreram entre os romanos e as religiões orientais, fez com 
que os deuses representantes dessas crenças orientais fossem inseridos no Panteão 
romano. Em alguns casos o nome do deus se modifica para o latim e em outros o deus 
se adapta ao Panteão romano e permanece com a mesma titulação. Dessa forma os 
cultos vão se modificando para os rituais romanos 
Segundo essa mesma autora o Culto Solar foi adotado por alguns Imperadores 
antes de Juliano e antes da permissão resignada ao cristianismo. O culto ao deus Sol já 
 
1 Graduando em História pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro 
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aparece em Roma desde os Imperadores Trajano e Adriano (século II d.C). mas se 
intensifica mesmo no Império de Cómodo (180 – 192) onde o Imperador inicia a 
criação de moedas com a imagem do deus Sol. O Império de Séptimo Severo (193 – 
211) também é marcado pelo Culto, já que é Severo quem apresenta o deus Sol como o 
criador da luz, o deus inventor de todas as coisas, dando-lhe o apelido de Invictus. No 
entanto, o Culto Solar só foi livremente exercido a partir do Imperador Caracalla ( 
Marco Aurélio Antonino – 211 - 217). Nesse momento o culto ao deus Sol aparece com 
muita força na região oriental do Império. Caracalla teria sido o primeiro Imperador a 
realizar uma consagração oficial do Culto Solar, permitindo que fosse realizado. 
 É Constantino o ultimo Imperador a elaborar moedas com a imagem do deus 
Invictus, e é Constantino quem tolera o cristianismo no Império, o que não acaba com 
os cultos pagãos, todavia fará com que os cultos orientais se enfraqueçam no decorrer 
do Império. 
 É importante compreender que Juliano, pertencente à dinastia constantiniana, e 
com grande formação intelectual dedicou seu Império a retomar os cultos pagãos, por 
isso foi denominado mais tarde como o Apostata, ou seja, aquele que abriu mão de sua 
fé anterior. Sobre influencia de Imperadores anteriores ele procura retomar o Culto 
Solar que estava em declínio desde Constantino. 
Podemos perceber a grande adoração de Juliano ao deus Sol a partir de um hino 
elaborado pelo próprio Imperador, como já vimos. Nele o Imperador descreve o deus 
Sol como pai da humanidade, o criador, relatando que o deus se encontra no centro do 
universo movimentando o cosmos, é o que se chama de principio da autoridade. Juliano 
descreve o deus Sol como o ser mais importante do universo, e que todos devem 
realizar oferendas a esse deus, como, por exemplo, sacrifício de animais. Os outros 
deuses possuem suas funções, mas o poder de Invictus é superior. 
 Em uma passagem do hino, Juliano mostra que o deus Sol é divino, e que o 
divino não se pode tocar, não tem cheiro e é invisível, mas é uma força que está 
presente. Todavia relata que o deus Sol possui uma forma visível, o disco solar, e ele 
menciona que é mais fácil acreditar no que é visível, por isso a supremacia de Invictus. 
 Juliano apresenta cinco grandes características do deus: 1ª – O poder que ele tem 
de aperfeiçoar a luz, tornando visíveis os objetos do universo. 2ª – O poder de conduzir 
o universo, criando e o transformando. 3ª – ―O poder de unir todas as coisas em um 
todo, através da simetria dos movimentos para um único objeto‖. 4ª – Possui uma 
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SOBRE A RELIGIÃO 
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posição central no universo. 5ª – É considerado um rei entre os deuses devido sua 
posição central. 
 O Imperador Juliano adota esse culto devido ao atrativo social que essa religião 
possui para a população romana, como a purificação e a salvação. Para oferecer o culto 
ao deus, não é necessário ser um iniciado na religião, qualquer um pode oferecer o 
culto, isso facilita a atração de fiéis. Esses fiéis estão presentes nos campos, onde se 
encontram os pagãos, já que nas cidades o cristianismo está em grande crescimento. 
Juliano procura realizar melhorias na administração do Estado acabando com as 
negligencias, procura melhorar as condições de vida diminuindo a fome, e sua principal 
ideologia que era restaurar o culto solar no Império Romano, que como já vimos estava 
em decadência desde Constantino. Esses feitos é o que ele chama de ―reparação dos 
tempos felizes‖ (Felicium Temporum Reparatio). 
Para que se tenha uma analise mais profunda sobre a importância do culto o 
trabalho retoma o período do Faraó Akenaton (1351 – 1334 a.C.), já que seu reinado, 
apesar dos poucos estudos sobre ele, foi marcado por sua adoração a um único deus, 
Aton, o deus do disco solar, desafiando uma tradição religiosa milenar ao tentar 
estabelecer uma única divindade aos egípcios. 
Os estudos sobre Akenaton são recentes, e novas teorias sobre seus feitos estão 
sendo elaboradas, de acordo com a mais recente teoria a adoção de um único deus não 
tem um caráter religioso mais sim político. O que este Faraó pretendia era acabar com o 
culto a Amo, a deidade mais importante desse período, fazendo com que o corpo 
sacerdotal desse deus perdesse o poder sobre o império. Segundo novas teorias o que 
Akenaton pretendia era restaurar um período em que os Faraós eram considerados 
divinos, sem sofrer qualquer questionamento, dessa forma ele seria considerado o 
representante do deus Aton, a única deidade na terra, seria o próprio deus na forma 
humana, o que daria a ele um poder absoluto, como ocorria em tempos anteriores. Ele 
chega a criar uma cidade religiosa denominada Aketaton (horizonte de Aton), esta era 
uma cidade política e cultural, e um templo de devoção ao deus Aton. 
 O que se pretende com essas descrições do período de Amenófis IV (Akenaton), 
não é relacionar o que acontece no Egito durante seu reinado com o que aconteceu no 
Império Romano no período de Juliano, mas sim mostrar quemem ambos os casos o 
culto a uma divindade solar tem grande importância na política, na economia, na 
cultura. Nem todos os acontecimentos se equivalem, Juliano não cria uma cidade 
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SOBRE A RELIGIÃO 
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CADERNO DE ANAIS, 2012. 
 
religiosa, o mais próximo foi dar a cidade de Antióquia um caráter cultural e religioso. 
Juliano também não impõe a religião no Império como faz Akenaton no Egito. 
 Sendo assim o presente trabalho foi elaborado pensando uma hipótese, a de que 
Juliano estaria buscando transformar o Império em uma monarquia. Juliano estaria 
pretendendo ser cultuado como um deus, o que lhe colocaria como um soberano, 
características de uma monarquia divina, mas não buscando um ideal religioso, e sim 
político, centralizando o poder do Império nas mãos dele. 
 Quando se apresenta neste trabalho as características do reinado de Akenaton, 
não há pretensão de compará-lo ao Império de Juliano, mas sim demonstrar que Juliano 
não teria sido, hipoteticamente falando, o primeiro a buscar o poder político por meio 
do Culto Solar, ou seja, chegar ao poder político, através do poder religioso. 
 
Referencias Bibliográficas 
 
BASLEZ, Marie-France. “Juliano, a esperança dos pagãos”. Arquivos História Viva, 
volumen 5: os melhores artigos sobre Roma / Liliana Pinheiro. Rio de Janeiro: Duetto, 
2009. 
GARCÍA, Paloma A. “Religión y Política Religiosa Del Emperador Caracalla”. 
Espanha. Universidad Complutense.2003 
JACQ, Christian. “Nefertiti e Akhenaton: o casal solar”. 3ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand 
Brasil, 2008. p.238. 
REEVES, Nicholas. “Akenaton, o renegado filho do sol”. BBC Revista 
História. Egito e outras civilizações antigas. edição nº 8, 2010. p.30-33. 
SHAFER, Byron E. “As religiões no Egito antigo: deuses, mitos e rituais domésticos”. 
São Paulo: Nova Alexandria, 2002. 
WRIGHT, Wilmer C. “The Works of the Emperor Julian” London: Willian 
Heinemann. New York: The Macmillan CO. 
 
 
 
 
 
 
http://dialnet.unirioja.es/servlet/editor?codigo=326
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GRUPO 2: RELIGIÃO NO MEDIEVO E NA MODERNIDADE 
CONVERSÕES FORÇADAS E O DISCURSO DE RESISTÊNCIA NA 
OBRA DE MAIMÔNIDES (1135-1204). 
Tatiane Santos de Souza2 
 
Resumo: Este trabalho busca viabilizar uma maior reflexão quanto aos conflitos 
religiosos e sociais entre judeus e muçulmanos no medievo. As Epístolas de Rabi 
Moshe ben Maimon (Maimônides), escritas entre 1167 e 1204, são fontes históricas que 
até hoje não se tornaram alvo de análises mais profundas pela historiografia 
medievalista, referente a temática das conversões. Neste trabalho, me proponho a 
analisar o discurso rabínico sobre a intolerância religiosa contra os judeus a partir do 
século XII, num período de estreitamento e transformações político-sociais nos 
territórios de domínio muçulmano. 
 
Palavras-chaves: Maimônides – Resistência – Discurso 
 
Entre os extensos conjuntos textuais rabínicos produzidos na Idade Média, 
a “Epístola do Iêmem”3 representa um dos pilares da literatura sefaradí sobre a 
temática da conversão. Nesta documentação epistolar redigida por Maimônides é um 
conjunto de proposições a judeus aflitos perante a série de medidas radicais de um novo 
governo muçulmano: almôadas e os almorávidas. 
Ao longo do século XII, o poder islâmico dos almôadas (1130-1269), cuja 
dominação incluiu Marrocos, Argélia, Tunísia e Espanha Muçulmana realizou diversas 
políticas de conversão forçada de judeus. 
 
2 Graduanda em História na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, UFRRJ, ICHS, 
DHIS. Bolsista de Iniciação Científica pela Fundação de Amparo à Pesquisa do estado do Rio 
de Janeiro - FAPERJ. 
3 Para esta análise fizemos uso da edição brasileira, traduzida por Alice Frank. MAIMÔNIDES, 
Moses. A Epístola do Iêmen. São Paulo: Maayanot, 1996. p.5. Esta epístola encontra-se também 
publicada, em inglês, no mesmo volume do ―Tratado sobre o Extermínio‖. 
MAIMONIDES. EPISTLES OF MAIMONIDES: CRISIS AND LEADERSHIP. Philadelphia: 
Jewish Publication Society of America, 1985. Discussions by David Hartman. 
 
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CADERNO DE ANAIS, 2012. 
 
Diante das adversidades, muitos judeus abriram mão de confortos pessoais, 
propriedades e bens, e escaparam às perseguições. Outros se submeteram aos 
juramentos de fidelidade a Maomé e passaram a externar, ainda que de forma precária, a 
fé na religião dominante, mantendo secretamente a fé judaica. 
Ao escrever esta epistola, Rabi Moshe ben Maimon, mais conhecido como 
Rambam4, não se preocupou apenas com questões filosóficas ou legislativas. Ele se 
engajou de maneira profunda, na batalha pela sobrevivência das comunidades judaicas 
ameaçadas de desaparecimento, fazendo um projeto discursivo de definição dos grandes 
alicerces da religião e crenças judaicas, a fim de oferecer aos seus contemporâneos 
judeus os meios necessários para resistir aos excessos populares e permanecerem 
crentes em sua fé. 
Escrita originalmente em árabe, língua de seus destinatários, exceto pela 
breve introdução em hebraico, esta carta disserta sobre um possível antigo ódio ao Povo 
Judeu e os motivos, creditados pelo rabino, de várias perseguições sofridas, a eternidade 
e a peculiaridade de Israel e os fundamentos da fé. Tudo isto a fim de recolher e 
apresentar formas de resistência ao líder islâmico. 
Proporcionando palavras de consolo, Rambam, se aproxima de seus irmãos 
de fé, ao dizer que o mesmo que está acontecendo no Iêmen, ocorreu nas terras no 
Marrocos, que o obrigou a fugir, e exilar em terras longínquas. Esta atitude do líder 
islâmico assustou e atemorizou toda a comunidade judaica. 
Rabi Moshe ben Maimon, Musa Ibn Maimun ou Maimônides, nascido em 
Córdoba, em 1135, viveu junto a sua família parte desse momento de estreitamento das 
relações sociais da nova politica rigorista muçulmana, tendo que fugir de Córdoba para 
outros territórios muçulmanos onde ainda existia a politica de proteção aos dhimmis e 
tal movimento rigorista não imperava. 
Para verticalizar esta temática buscaram-se teorias que esclarecem, direta ou 
indiretamente, as bases da formação cultural da Espanha visigoda, de forma a identificar 
elementos que sustentassem o estabelecimento de mudança, como a entrada dos 
muçulmanos nesse território, e como posteriormente com os almorávidas e almôadas, 
 
4 Entre alguns círculos rabínicos medievais, Maimônides foi conhecido como Rambam, um 
acrograma de ‗Rabi ‗M‘oshe ‗B‘en (filho de) ‗M‘aimon. Ao passo que universalmente ele é 
chamado de ―Maimônides‖, a forma grega de ―o filho de Maimon‖. 
 
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CADERNO DE ANAIS, 2012. 
 
isto foi reorganizado. Desse modo, devido à chegada dos muçulmanos à península 
ibérica visigoda, as novas formas políticas, principalmente com aqueles que pertenciam 
a outros grupamentos sociorreligiosos, tornaram este lugar um espaço incomum e de 
situação singular, segundo historiadores. E de fato a sociedade hispânica nos séculos de 
dominação muçulmana fora singular, em relação às construções discursivas, errôneas, 
que acreditavam na existência uma sociedade cristã europeia homogênea e monolítica. 
A simples possibilidade de indivíduos de religiões monoteístas diferentes 
poderem habitar um mesmo espaço sem conflitos fora algo diferenciado naquele 
contexto, onde o mundo externo vivia tempos cruzadísticos e indivíduos das três 
religiões, das três culturas se enfrentavam, lutavam, matavam e morriam em conflitos 
sangrentos em outras regiões. Talvez justamente por esta questão externa, na discussão 
historiográfica – principalmente segundo Claudio Sanchez Albornoz5- a Espanha 
emerge como um enigma histórico, um local onde é possíveluma convivência religiosa, 
uma troca de experiências e cultura de forma receptiva, servindo de exemplo para a 
posteridade. 
Pela formação de uma sociedade diversa, multicultural e plurirreligiosa, 
generalizou-se a ideia de uma Espanha - ou Al-Andaluz como ficara conhecida entre os 
muçulmanos- homogênea e integracionista. Entretanto ao identificarmos esta sociedade 
incomum devemos nos dispor da crença superficial de harmonia, e atentarmos para as 
problemáticas desta convivência cultural, social e religiosa. 
Não podemos negar que a primeira vista existiram processos históricos que 
justificam, até certo ponto, a ideia de uma coexistência pacifica entre os distintos grupos 
religiosos dentro de um mesmo marco sociopolítico, processos estes utilizados para 
forjar a imagem de uma sociedade tolerante, nos moldes que temos hoje por tolerância. 
Segundo Francisco Garcia Fitz, (FITZ,2003. p. 13-56.) em muitas ocasiões tais 
processos históricos foram interpretados como sinais de aceitação e integração das 
minorias sociorreligiosas, fomentando teses que insistem em afirmar a concretude de 
uma Espanha aberta e flexível que reconhecia e aceitava a diferença. 
 
5 Sobre Claudio Sanchez Albornoz, um dos mais notáveis historiadores espanhóis. A obra de 
Quesada promove uma releitura das teses de Claudio Sanchez Albornoz. Apud: ― Es todavia 
España um enigma histórico?. QUESADA, Miguel Angel Ladero . Lecturas sobre La España 
Histórica. Madrid : Real Academia de la Historia, 1998. 
 
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CADERNO DE ANAIS, 2012. 
 
Os vestígios que nos permitem estudar as características das relações entre 
muçulmanos, judeus e cristãos – como as cartas de Maimônides- não nos confirmam a 
imagem cristalizada de uma sociedade integracionista e pacifista. Os comportamentos 
que foram interpretados como indícios de harmonia e respeito apenas representam 
realidades fragmentadas e desconexas oferecendo uma visão distorcida de tais 
momentos históricos. Portanto nessa compreensão (FITZ,2003. p. 13-56.) seria correto 
afirmar que a visão de uma Espanha ou Andaluzia medieval tolerante e igualitária 
sobretudo, tornar-se-ia utópica, e porque não dizer, mitológica. 
Um fator inicial que pode ser considerado fundamental para os que 
defendem o mito da tolerância seriam as atitudes políticas e econômicas adotadas pelos 
governantes muçulmanos. De acordo com preceitos islâmicos, a Sha‟aryia6, garantia 
aos povos monoteístas proteção territorial interna e externa. Assim os dhimmis7 (―povos 
do livro‖) como eram chamados, poderiam circular socialmente sem sofrerem 
perseguições. Sendo árabes muçulmanos e berberes islamizados a minoria na população 
andaluza seria proveitoso manter viva a força econômica das populações já residentes. 
Esta dita tolerância não comportou uma mistura ou assimilação das religiões. 
Aparentemente, pelas prescrições legais aos dhimmis judeus e cristãos 
puderam viver, trabalhar e ainda manter suas práticas religiosas secretamente sob 
domínio islâmico. Contudo essa convivência era tolhida por restrições no aspecto 
politico, econômico e religioso. Tanto cristãos como judeus encontravam-se de diversas 
formas subjugados, e estas restrições os conduziam à condição de excluídos e 
inferiorizados. 
As complicadas estruturas jurídicas e sociais dessa difícil convivência 
ofereciam uma ampla superfície para conflitos de todo tipo. A tolerância, mesmo sendo 
pautada em lei corânica, não se fundamentava nas premissas do moderno conceito de 
tolerância. A tolerância religiosa tem hoje em dia seu fundamento, seja na indiferença 
 
6 Conjunto de princípios, leis e preceitos morais estabelecidos por governantes e pensadores do 
Islã, segundo Albert Hourani. 
7 Transliterando do árabe ahl al-ḏimmah / dhimmah, "o povo da dhimma" . Ser um Dhimmi é 
estar num contrato teórico estabelecido com base numa doutrina islâmica que concede direitos e 
responsabilidades limitadas aos seguidores do Judaísmo, Cristianismo ("Povos do Livro") . 
Permitindo a estes indivíduos o direito de residência em território islâmico, em troca do 
pagamento de determinadas taxas. 
 
http://pt.wikipedia.org/wiki/Judaísmo
http://pt.wikipedia.org/wiki/Cristianismo
http://pt.wikipedia.org/wiki/Povos_do_Livro
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SOBRE A RELIGIÃO 
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CADERNO DE ANAIS, 2012. 
 
religiosa, seja no respeito à dignidade e à liberdade da pessoa humana; ambos esses, 
conceitos alheios a uma visão medieval do mundo. Na Espanha medieval houve uma 
tolerância política que nunca foi ditada por reverência às outras religiões ou por respeito 
à liberdade do outro, mas, simplesmente, pela necessidade de integrar dentro do sistema 
político uma realidade social fática. 
Desse modo, por bastante tempo na Espanha, em Andaluzia, as relações 
entre dhimmis e muçulmanos transcorriam, mesmo com todas as restrições, com certa 
fluidez em questão da ausência de exigência de apostasia ou exilio. Todavia estas 
relações sociais não devem ser tomadas como sinônimos de relações harmônicas e 
igualitárias, e sim relações de coexistência diferenciada, pois a segregação que existia 
nos territórios muçulmanos era considerada branda se compararmos a segregação tida 
como comum nos territórios da cristandade ocidental. 
Com o passar do tempo, durante as épocas de dominação almôada e 
almorávida na península, as relações com os dhimmis se estreitaram. O movimento de 
invasões almôadas e almorávidas, aos territórios muçulmanos antes em poder da 
dinastia Omíada8, mudaram o status dos dhimmis, que de protegidos passaram a 
perseguidos. (SANCHEZ, 1994.) Os judeus e cristãos antes protegidos do exílio e 
autorizados a permanecer em sua fé, foram submetidos desde finas do século XI a uma 
pressão até então desconhecida. 
Os almorávidas entraram na península ibérica em 1040, sendo estes 
originariamente uns monges-soldados saídos de grupos nómadas provenientes do Saara, 
estabeleceram-se e governaram até 1147. Insatisfeitos com a forma em que se 
organizava o Islã neste território, as almorávida obtinham uma politica rigorista do Islã. 
Posteriormente, insatisfeitos com a tentativa almorávida, por volta de 1125 um novo 
poder estava a surgir no Magrebe, o dos Almôadas, surgidos da tribo dos Zanatas, que 
conseguiram com um novo espírito de aplicação rigorosa da lei islâmica, já relaxados os 
costumes dos Almorávidas, impor-se ao poderio almorávida após a queda da sua 
capital Marrakesh em 1147. (COLLINS, 1986.) 
Com a pretensão de reestabelecer o islã no verdadeiro caminho e inaugurar o 
reino dos céus na terra, os muçulmanos, segundo Albert Hourani (HOURANI, 2006.), 
 
8Os Omíadas foram uma dinastia de califas conhecida como Califado Omíada. Em Córdoba 
(929-1131) 
 
http://pt.wikipedia.org/wiki/Saara
http://pt.wikipedia.org/wiki/1125
http://pt.wikipedia.org/wiki/Almóadas
http://pt.wikipedia.org/wiki/Zanatas
http://pt.wikipedia.org/wiki/1147
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CADERNO DE ANAIS, 2012. 
 
em sua maioria de origem berbere, não toleravam nenhum desvio de sua versão própria 
do islã. Para este movimento messiânico e milenarista, a presença de judeus e cristãos 
em territórios muçulmanos estaria influenciando os costumes mais ínfimos dos fiéis do 
islã, consequentemente isso se desdobraria numa infração a religião e distorção, pois 
para eles, mesmos com todas as restrições e condição inferiorizadas, os dhimmis 
representavam uma ameaça ao islã justamente pelos fiéis estarem em contato a todo o 
momento com aqueles que negavam o verdadeiro Deus e a verdadeira religião, era 
inaceitável dividir território com aqueles que desprezavam Deus e seu Profeta. Os 
muçulmanos insubmissos eram implacavelmente expurgados ao passoque aos judeus e 
cristãos negava-se a tolerância recomendada pela Sharia e os impunha uma escolha: a 
conversão ou exílio. 
Desse modo foi a partir da identificação dessas relações sociais, políticas e 
religiosas, de acordo com a nova etapa 1140 de dominação muçulmana de origem 
berbere - dominação almôada - que fora feita a seleção das cartas. Esta baseada em 
princípios de referência temática: conversões forçadas e as medidas de resistências. Tal 
análise funcionou em duas etapas, de acordo com a metodologia sugerida por Durval 
Muniz de Albuquerque (ALBUQUERQUE, In: PINSKY, 2011, p 223- 249), análise 
externa e análise interna, da produção discursiva. A análise externa implicou nas 
relações com as condições históricas que possibilitaram a produção daquele discurso, ou 
seja, o questionamento sobre o contexto daquela fala, as relações sociais, econômicas e 
políticas. Já a análise interna tratou de considerar os discursos pertencentes a uma dada 
ordem discursiva, historicamente datada, e que possuem suas próprias regras de 
constituição e produção, ou seja, possuem sua própria “(...) estrutura interna que 
precisa ser analisada”.(ALBUQUERQUE, 2011, p. 247) 
Como já mencionado, Maimônides recebeu apelos de diversas comunidades 
judaicas submetidas à conversão ao Islã, solicitando seus conselhos sobre sua situação 
religiosa, deveriam resistir, deveriam fugir ou deveriam aceitar a fé islâmica? Com a 
ameaça de conversão forçada, surgem problemas que aparentemente parecem apenas 
religiosos, mas são também problemas sociais. A partir daí nota-se o pensamento 
racionalista na epístola de Maimônides, que procura resolver o problema da conversão 
através da fuga. 
 
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[Aqueles que estão sendo forçados à conversão] devem fugir e 
continuar a ser fiéis a Hashem. Devem se refugiar-se no deserto e 
esconder-se em lugares desabitados. Eles não devem pensar na 
separação da família e dos amigos ou ficar preocupados com a perda 
de rendimentos. Isto significapreservar a Torá em sua totalidade. (...) 
Com certeza quando um judeu é impedido de seguir a Torá e a fé 
divina ele deve fugir para um outro lugar. (MAIMÔNIDES, 1996, 
p.21) 
 
Permanecer no lugar onde a apostasia tornar-se-ia inevitável seria o mesmo 
que transgredir aos preceitos da fé judaica. No texto, Maimônides não aborda 
explicitamente a questão da judaização, apenas recorre à ideia de que mesmo um 
convertido que se veja impossibilitado de sair do local da perseguição, não estaria livre 
para pecar. Um converso não seria, por assim dizer, isento de punições por transgressões 
religiosas que venha a cometer contra o Judaísmo. 
Indiretamente, a todos aqueles que permaneceriam nas regiões onde a 
conversão fosse aplicada, o Rabino solicita a prática da judaização da melhor forma 
possível. Judaizar não representaria apenas uma estratégia de resistência, mas, 
sobretudo, uma obrigação do judeu perseguido e convertido à força. 
Nesta mesma epístola, Maimônides num discurso inflamado hostiliza outras 
religiões e enaltece a sobrevivência do Judaísmo a diversos domínios políticos 
opressores que tentaram extirpar o povo judeu, e recorrendo a episódios históricos, 
constrói um cronograma de reinos e dinastias que haveriam tentado destruí-los, e que 
por efeito da providência divina, foram, nas palavras do rabino, “decadentes e infelizes” 
(MAIMÔNIDES, 1996, p.9). Maimônides entendia que o Judaísmo, enquanto perseguido, 
constituía-se inabalável. 
Amalek, Sisera, Sancheriv, Nabucodonosor, Tito, Adriano e muitos 
outros semelhantes tentaram derrubar a nossa religião pela força, pela 
violência, e pela espada. (...) O segundo grupo consiste nos mais 
inteligentes e mais educados entre as nações, como os romanos, persas 
e gregos. Eles também tentaram derrubar a nossa religião e erradicar a 
nossa Torá, mas eles fazem por meio de argumentos e perguntas que 
imaginam. Eles tentam destruir a Torá e apagar seus vestígios com os 
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CADERNO DE ANAIS, 2012. 
 
seus escritos. Os tiranos tentaram fazer assim com suas guerras.( 
MAIMÔNIDES, 1996, p.8) 
 
Ao difundir o ideal de que qualquer política dominadora que visasse 
aniquilar o povo judeu seria destituída pelo divino, podemos notar que o discurso de 
Maimônides é forjado numa lógica determinista, onde o pensamento escatológico e 
fatalista seriam uma constante. E para criar essa trajetória determinante de sucessivas 
vitórias, entre Oriente e Ocidente, Maimônides se valeu de diferentes eventos de 
―subjugo‖ e ―resistência‖ vivenciados em diferentes épocas por comunidades judaicas 
diversas. 
Nenhuma dessas estratégias terá sucesso. Hashem declarou através do 
profeta Isaías que Ele destruíra todos os armamentos de qualquer 
déspota ou opressor que tenha a intenção de destruir a nossa Torá e 
erradicar a nossa religião por meio de armas de guerra. Da mesma 
maneira, quando um disputante vier contestar com o propósito de 
enfraquecer a nossa religião, ele perderá a discussão. A sua teoria será 
demolida e refutada. (...) Eles somente estão aumentando sua labuta e 
esforço, enquanto a estrutura permanece tão forte como nunca. 
(MAIMÔNIDES, 1996, p.9) 
 
Notamos então a intenção desta retórica, sendo seu objetivo relembrar a 
estes judeus, que estavam vivendo situações de subordinação com sob supostos riscos 
de vida, que teria havido outros que passaram por situações semelhantes, e não teriam 
abandonado a sua fé. Através de uma narrativa comparativa e retórica baseada na 
dicotomia de um resgaste de um passado heroico, de judeus resistentes que sofreram 
com governantes opressores, e de uma positividade do sofrimento, como se o 
sofrimento fosse princípio para uma exaltação posterior - para que possa existir e 
prevalecer uma trajetória vitoriosa-, o ponto culminante é fortalecer a fé destes judeus, 
estimula-los a resistir em tempos considerados pelo rabino, difíceis. ―Queridos irmãos 
sejam fortes e corajosos. Depositem sua confiança nessas Escrituras verdadeiras. Não se 
deixem desencorajar pelas perseguições que continuadamente acontecem a vocês. Não se 
assustem pela força do seu inimigo e a fraqueza do nosso povo.‖ (MAIMÔNIDES, 1996, p.7) 
A todo o momento durante a leitura da fonte, das cartas nesse caso, percebe-
se que Maimônides deixa claro seu desgosto e descontentamento com as atitudes do 
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almôadas e almorávidas, se reportando ao período emiral Omíada onde os judeus não 
eram obrigados a conversão. 
Você escreve que o líder revolucionário no Iêmen forçou os judeus a 
se converterem ao Islão. Ele obrigou os habitantes das regiões sob seu 
controle a abandonarem sua religião. Isto é exatamente como fez o 
líder árabe nas terras de Marrocos. Esta notícia nos assustou e fez toda 
a nossa comunidade estremecer e ficar indignada. Com motivo, 
porque são realmente péssimas as noticias e farão tinir ambos os 
ouvidos de quem as ouça. Sim, os nossos corações estão fracos e 
nossas mentes confusas por causa destas terríveis calamidades que 
trouxeram conversão forçada ao nosso povo, alcançando duas 
extremidades do mundo, o ocidente e oriente. O povo judeu está no 
centro e sob ataque de ambos os lados. (MAIMÔNIDES, 1996, p.1) 
 
O tom de denúncia em sua escrita e o discurso inflamado é de grande 
relevância, justamente por ser uma epístola a circulação desta documentação previa um 
destino, e este destino era coletivo, pois o rabino fora solicitado por outros rabinos que 
se reportariam a suas comunidades. Portanto para enfrentar o problema da conversão e 
resistir, seria necessário criar um sentimento de unidade, e Maimônides utilizara a 
retórica a favor de seus objetivos, da exaltação da predestinação do povo judeu a 
sobreposição de sofrimentos,e ao mesmo tempo também constrói um discurso 
denunciador contra o povo opressor. 
 
D-us nos distinguiu do resto da humanidade quando nos deu Sua Torá 
por Moisés. Isto não aconteceu porque merecemos, mas sim, foi um 
ato de bondade Divina, porque nossos pais reconheceram Hashem e O 
veneraram. (...) Hashem nos fez especiais por suas leis e 
mandamentos. As outras nações reconhecem a nossa superioridade 
porque somos guiados pelos Seus princípios e estatutos. Como 
resultado as nações do mundo ficaram com muita inveja. Por causa da 
Torá todos os reis da terra desencadearam o ódio e a inveja contra nós. 
A sua verdadeira intenção é guerrear contra Hashem, mas ninguém 
pode se opor ao Todo-Poderoso. Desde os tempos da outorga da Torá, 
todo rei idólatra, não importa como tenha chegado ao poder, colocou 
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como seu principal objetivo a destruição da Torá. (MAIMÔNIDES, 
1996, p.8) 
 
De um modo ideológico combativo, o Rambam, se propõe a esclarecer 
argumentos errôneos da parte dos muçulmanos que procuram usar a própria Torá para 
afirmar a legitimidade da existência superior de seu profeta. Para ele, Mesmo 
convertidos, os judeus não só poderiam como deveriam retornar ao Judaísmo, sem que 
tais conversões fossem interpretadas como apostasia ou idolatria. A situação tornava-se 
ainda mais iminente quando se tratava de processos de conversão forçada. 
Para Maimônides, o Rambam, estes argumentos não passam de distorções 
forjadas para trazer duvida ao seio da comunidade judaica. Ele ridiculariza os 
argumentos, identificando resposta para todos os argumentos, a luz da Torá, afirmando 
que os muçulmanos por não terem encontrado nenhuma alusão a Maomé na Torá, 
usaram um fraco argumento: de que os judeus teriam alterado a Torá. 
Essa discussão se dá em torno do curioso relato de Gênesis 17:20, os 
muçulmanos alegam que a Torá afirma a legitimidade de Maomé por descendência de 
Ismael, entretanto, Maimônides explica que Isaac era o herdeiro legítimo, afirmando, 
portanto, a superioridade do povo judeu descendente de Isaac, enquanto a Ismael, 
mesmo sendo abençoado fecundamente, não seria reconhecido e proclamados pelas suas 
qualidades de retidão e perfeição humana. Toda essa retórica apoiada nas Escrituras da 
Torá é para engrandecer e fortificar a fé dessas comunidades judaicas, e desacreditar 
qualquer argumento antijudaico. 
Hashem que é a Verdade, zomba e os ridiculariza, porque com sua 
inteligência fraca tentam atingir uma meta inalcançável. (...) Somente 
uma criança que não sabe nada dessas religiões poderia comparar a 
nossa fé dada por D‘us, a teorias fabricadas pelo homem. (...) As 
outras religiões que são parecidas com a nossa não tem um significado 
profundo, são histórias e contos imaginários nos quais seu fundador 
tenta se glorificar. Os sábios percebem a farsa. (MAIMÔNIDES, 
1996, p.11) 
 
Na relação saber-poder que ora percebemos, as posições política e religiosa 
de Maimônides como mestre de corte e rabino, por si mesmas, já representariam 
instrumentos de legitimação de seu lugar discursivo, creditado pelas comunidades 
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justamente por ostentar uma titulação, onde seu saber era reconhecido. Este saber lhe 
concede o exercício de poder para atuar na vida dessas comunidades através de códigos 
talmúdicas de conduta9 e epístolas, sendo estas construídas num discurso apologético, 
apoiado numa hostilização do povo opressor e em favor de uma resistência judaica. 
Através da análise do corpus documental epistolar de Maimônides, fica 
evidente que este pretendeu orientar e dar assistência religiosa e social a essas 
comunidades judaicas iemenitas – que, pelo teor do discurso rabínico se mostravam 
aflitas e atônitas, colocando-se de forma crítica e voraz contra o uso da religião como 
instrumento de opressão, de violência e dominação sobre os outros. 
Portanto, a Halachá que orientou as reflexões rabínicas em todo o Ocidente 
preservaria também, no Judaísmo Ibérico Medieval, os princípios da livre crítica e do 
questionamento sobre as ordens políticas. O converso, à luz desta mesma literatura, 
constitui-se de fato num problema religioso para as nações que o criaram, comprovando 
a insolubilidade da questão judaica no medievo. 
 
Referência Bibliográfica: 
Fonte: 
MAIMÔNIDES, Moses. 1135-1204. A epístola do Iêmen /Maimônides. Tradução 
Alice Frank - São Paulo :Maayanot, 1996 
Obras: 
COLLINS, Roger. España en La alta edad media. Barcelona: Editorial Crítica, 1986. 
 FITZ, Francisco García. Las minorias religiosas y la tolerância em la Edad 
Media hispânica: ¿ Mito o realidade ? In: SANJUAN, Alejandro Garcia. III 
Jornadas de cultura islâmica: Tolerancia y convivência étnico-religiosa em 
La península ibérica durante la Edad Media. Huelva: Universidade de 
Huelva Publicaciones, 2003. 
 
HOURANI, Albert. Uma História dos povos árabes. São Paulo: Companhia da Letras, 
2006. 
 
9 Tais códigos de conduta são compreendidos através de Halachá, escritos rabínicos e 
talmúdicos relacionados aos costumes e tradições, servindo como guia do modo de viver 
judaico. 
 
http://vomitando-duvidas.blogspot.com/
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CADERNO DE ANAIS, 2012. 
 
ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. A dimensão retórica da historiografia. 
Discursos e Pronunciamentos. In: Carla Bassanezi Pinsky (Org.) et. Aliae. O historiador e 
suas Fontes. São Paulo: Editora Contexto, 2011. p.223-249. 
LEWIS, Bernard. Judeus do Islã. Rio de Janeiro: Xenon Editora, 1990. 
QUESADA, Miguel Angel Ladero. Lecturas sobre La España Histórica. Madrid : Real 
Academia de la Historia, 1998. 
SANCHES, Maria Guadalupe Pedrero. Os judeus na Espanha. São Paulo: Editora 
Giordano, 1994. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
http://www.editoracontexto.com.br/autores_det.asp?autor=219
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ESCRAVIDÃO AFRICANA E IGREJA CATÓLICA: LEGITIMAÇÃO DO 
CATIVEIRO E A TEORIA CRISTÃ NO GOVERNO DOS ESCRAVOS NO 
BRASIL COLONIAL 
 
Marcelo Inácio de Oliveira Alves10 
 
Resumo: Os objetivos desse trabalho são, primeiro, discutir a visão da Igreja Católica 
sobre a escravidão africana no Brasil Colonial no tocante ao seu discurso de legitimação 
do cativeiro africano e aos instrumentos de inserção subordinada do (ex)escravo na 
sociedade colonial brasileira. Segundo, analisar a Teoria Cristã dos senhores no governo 
dos escravos, postulada pelos jesuítas setecentistas Antonil e Benci, na qual constam as 
obrigações que o senhor tem para com o servo: panis, et disciplina, et opus servo. O pão 
ao servo para que não desfaleça, panis, ne succumbat; o ensino, para que não erre, 
disciplina, ne erret; e o trabalho para que não se faça insolente, opus, ne insolescat. E 
atentando que tal discurso consta na Bíblia (Eclesiásticos, 33, 25-33). Eis a base da 
legitimação da escravidão africana e da dominação senhorial através do viés religioso. 
 
Palavra-chave: Escravidão; Igreja Católica; Teoria cristã no governo dos escravos. 
 
Introdução: a sociedade de Antigo Regime nos Trópicos 
 
Ao longo desse artigo buscaremos atentar para os fatores de legitimação da 
escravidão africana os quais se relacionam com o discurso proposto pela igreja católica 
na América portuguesa. 
A expansão do império português é acompanhada pelo sistema de Cristandade: 
um conjunto de relações entre Estado e Igreja pelas quais ambos se legitimam no 
interior de uma sociedade (Oliveira, 2007, p. 356). E como a escravidão era 
fundamental para a lógica de seu funcionamento, logo, a Igreja teria de legitimar o 
regime escravista o tornando, então, um componente do processode construção de tal 
Cristandade colonial. 
 
10 Mestrando em História no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal 
Rural do Rio de Janeiro (PPHR/UFRRJ). 
SEMINÁRIO OLHARES SÓCIO-HISTÓRICOS 
SOBRE A RELIGIÃO 
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Entender os valores da sociedade do Antigo Regime colonial e a concepção de 
mundo é fundamental. Na América lusa, ―as populações eram ordenadas pelos preceitos 
da segunda escolástica, com as suas idéias de monarquia católica, autogoverno, 
sociedade corporativa e de casa.‖ (Fragoso, 2010, p. 80) Tal vertente foi fundamental 
para o funcionamento ideológico da sociedade de Antigo Regime, cujos códigos 
cognitivos e as relações pessoais são calcados pela religião católica (Hespanha & 
Xavier, 1993). Esse pensamento de matriz católica, através do qual pessoas pensavam a 
si próprias e formavam a concepção de mundo, imperava no século XVIII fluminense. 
Importante perceber que, mesmo sendo uma sociedade predominantemente de iletrados, 
não era necessário saber o que significa segunda escolástica, bastava compreender a 
visão de mundo da época. 
A sociedade de Antigo Regime do Império português era polissinodal e 
corporativa, ou seja, hierarquizada em todos os segmentos – inclusive dentro da 
escravaria – cujas diferenças são resguardadas pelos participantes. Todos compartilham 
essa visão de uma ordem natural perpétua com uma lógica divina. A partir dessas 
diferenças o mundo era ordenado (Hespanha, 2010). 
De acordo com o pensamento medieval, na realização do destino cósmico11, 
cada parte do todo tem sua função diferente e cada um coopera de maneira diversa. 
Logo, todos os órgãos da sociedade eram indispensáveis. A criação é ordenada visando 
o fim comum. Ligando-se a isso está, então, o impedimento de um poder político único: 
se a sociedade caminha repartida e hierarquizada em que cada um tem sua função no 
destino cósmico, assim o é o poder político. Desse modo, Hespanha faz alusão às 
monarquias católicas, corporativistas no sentido de que a cabeça é o rei, de onde emana 
a vontade e as ordens que passam por todo o reino, ou seja, o corpo. Cada órgão é 
possuidor de sua autonomia, autoregulação e função específica, mas também o são as 
instituições do reino. Em suma, as ordens vêm do rei, mas as instituições – religiosas, 
públicas, familiares, comunitárias e grupos profissionais – têm autonomia para cumpri-
las ou adaptá-las. O rei (a cabeça) não pode impor-se ou limitar as prerrogativas ou 
 
11 O pensamento político e social medieval é sobranceado pela idéia de existência de um ―cosmos‖, de 
uma ordem universal que abarca os homens e o mundo, guiando cada um dos seres criados para um 
objetivo último, e o pensamento cristão o identificava como o próprio Criador. Então, sem tomar como 
referência a essa causa última, derradeira, a esse fim que os transcendia, os mundos humano e físico não 
seriam inteligíveis. (HESPANHA, A. M. & XAVIER, A. B., 1993, p. 32) 
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funções dessas instituições – órgãos do corpo –, e funciona como representação da 
sociedade. 
Assim configuram-se as monarquias católicas de Antigo Regime, cujo 
autogoverno expressa-se, no âmbito holístico, através da representação corporativa da 
sociedade e do poder; na prática, segundo Hespanha e Xavier, 
o poder era, por natureza, repartido; e, numa sociedade bem governada, esta 
partilha natural deveria traduzir-se na autonomia político-juridica (iurisdictio) 
dos corpos sociais, embora esta autonomia não devesse destruir a sua 
articulação natural (cohaerentia, ordo, dispositio naturae) – entre a cabeça e a 
mão deve existir o ombro e o braço, entre o soberano e os oficiais executivos 
devem existir instâncias intermédias. A função da cabeça (caput) não é, pois, a 
de destruir a autonomia de cada corpo social (partium corporis operatio 
propria), mas a de, por um lado, representar externamente a unidade do corpo 
e, por outro, manter a harmonia entre todos os seus membros, atribuindo a 
cada um aquilo que lhe é próprio (ius suum cuique tribuendi), garantindo a 
cada qual o seu estatuto (‗foro‘, ‗direito‘, ‗privilégio‘); numa palavra, 
realizando a justiça. E assim é que a realização da justiça – finalidade que os 
juristas e politólogos tardomedievais e primomodernos consideram como o 
primeiro ou até o único fim do poder político – se acaba por confundir com a 
manutenção da ordem social e política objectivamente estabelecida. 
(Hespanha & Xavier, 1993, p. 32). 
 
Evidentemente, em meio a essas concepções, ―a autoridade dos senhores sobre 
os escravos, forros, lavradores livres – os moradores dos engenhos e de suas cercanias – 
foi construída,‖ (Fragoso, 2010, p. 80), pois: 
os negros ou os ameríndios eram como que meninos, a carecer de direcção, de educação. Os 
trabalhos que teriam que prestar aos seus senhores eram como que pagas graciosas da protecção 
e direcção recebidas; tal como os serviços obsequiosos dos filhos a seus pais. E, nesse sentido, 
do que se trata [...] de uma dependência doméstica‖. Essa ―é a teoria da casa e das relações 
domésticas. (Hespanha, 2010, p. 202). 
 
A visão de senhor na sociedade de Antigo Regime colonial é a do pai da casa, não (só) 
no sentido familiar, mas político. E a idéia de casa não concerne à estrutura física e 
concreta de moradia, e sim organismo político no qual o senhor/pai assume a função – 
de acordo com os costumes (Alfonso X, Disponível em: http://Rebeliones.4shared.com. 
Acessado em: 15/07/2011) e posturas honestamente ocupadas dentro de suas respectivas 
http://rebeliones.4shared.com/
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SOBRE A RELIGIÃO 
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posições na ordenação hierárquica do mundo12 – da cabeça que rege a organização 
parental e política de sua casa, ou seja, de sua linhagem, de seu sangue; buscando 
legitimar e ascender de acordo com seu poder e referendado pela sociedade colonial 
segundo os costumes da comunidade. 
De acordo com as noções patriarcais de Antigo Regime, o senhor é visto como o 
patria potesta no sentido de possuir o poder de mando em sua casa perante não só aos 
filhos, mas também sobre os escravos. Eles devem ao senhor reverência e sujeição. E o 
patria tem como atribuição exercer as punições com intuito de buscar o mantenimento 
da ordenação social e política, em consonância com os bons costumes, expondo sua 
ascendência moral sobre os subalternos, leia-se, parentes consanguíneos e escravos, 
dentro do seu senhorio.13 
Resumindo, partindo da noção da naturalidade da desigualdade, do poder de uns 
sobre outros, tidos como inferiores, subalternos, não seria pejorativo escravizar, pelo 
contrário, há justificativas religiosas que torna a escravidão africana plausível e com 
funcionalidade para a época. 
 
 
Igreja e a legitimação da Escravidão Africana 
 
Quais os motivos para escravizar africanos e não outros povos? E o que torna tal prática 
legitima para a época? ―As principais justificativas para escravidão dos negros africanos 
estavam relacionados à religião. Descendentes de Caim ou de Cam, os negros teriam 
seu destino determinado pelos erros de seus antepassados.‖ (Campos, 1999, p. 26) 
Eis que hoje me lanças da face da terra, e da tua face me esconderei; e serei 
fugitivo e vagabundo na terra, e será que todo aquele que me achar, me matará. 
O Senhor, porém, disse-lhe: Portanto qualquer que matar a Caim, sete vezes 
será castigado. E pôs o Senhor um sinal em Caim, para que o não ferisse 
qualquer que o achasse. 
E saiu Caim de diante da face do Senhor. (Gênesis 4:14-16) 
 
12 ―A idéia de ordem nesta sociedade tradicional faz do mundo o reino da diversidade, um 
enorme conjunto de coisas infinitamentediferentes entre si e, em virtude dessas diferenças, 
hierarquizadas (ordo autem in disparitate consistit – de facto, a ordem consiste na desigualdade das 
coisas).‖ (HESPANHA, 2010. p. 54) 
13 ―A veces se toma esta palabra potestas por ligamiento de reverencia, y de sujeción y de 
castigamiento que debe tener el padre sobre su hijo y de esta postrimera manera hablan las leyes de este 
título.‖ (Alfonso X El Sabio. Las Siete Partidas. Primeira Cuarta, Titulo 17, Ley 3.) 
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Caim, filho de Adão e Eva, teria assassinado seu irmão mais novo, Abel, pois estava 
cego de inveja e ciúmes pelo amor de Deus dispensado ao caçula. Como punição, Deus 
o expulsa de suas vistas. Mas Caim, com medo de ser morto por ser um desgraçado 
caminhando pelo mundo, recebe na carne uma marca de Deus como um sinal, a qual 
seria transmitida os seus descendentes. ―Na crença popular, alimentada pelo clero, a cor 
negra dos africanos era a marca da punição de Caim.‖ (Campos, 1999, p. 26) 
Na segunda maldição, os africanos seriam descendentes de Cam, filho de Noé, 
que havia zombado do pai quando este estava nu e embriagado. 
E bebeu do vinho, e embebedou-se; e descobriu-se no meio de sua tenda. 
E viu Cam, o pai de Canaã, a nudez do seu pai, e fê-lo saber a ambos seus 
irmãos no lado de fora. 
E despertou Noé do seu vinho, e soube o que seu filho menor lhe fizera. 
E disse: Maldito seja Canaã; que ele seja o último dos escravos de seus irmãos! 
E acrescentou: Bendito seja o Senhor Deus de Sem; e seja-lhe Canaã por 
escravo. 
Alargue Deus a Jafé, e habite nas tendas de Sem; e seja-lhe Canaã por escravo 
(Gênesis 9:21-27) 
Noé pune, então, Cam e seu descendente, Canaã, a ser o ―último‖ dos escravos, 
o que significa, literalmente, o escravo dos escravos. ―Eram os africanos, segundo a 
concepção vigente, os legítimos descendentes de Cam, filho amaldiçoado por Noé por 
ter zombado de sua nudez. Como Noé representava a honestidade num mundo de 
corrupção, Cam e seus descendentes foram identificados à negatividade ética e à 
tentação diabólica de destruir o plano divino.‖ (Oliveira, 2007, p. 360) 
Consoante com essa interpretação bíblica, a África era vista pelos membros do 
clero como terra da infidelidade (falta de fé) e do pecado. A travessia do 
Atlântico e a chegada à América eram tidas, assim, como uma espécie de 
milagre de Deus. Batizados aos milhares antes de embarcar nos navios 
negreiros, os africanos eram encaminhados às terras coloniais para desempenhar 
trabalhos humilhantes e desumanos, vivendo amontoados em senzalas e sendo 
vitimas de toda sorte de violências. Segundo essa concepção religiosa, o Brasil 
seria o purgatório dos negros, e as injustiças da escravidão, o instrumento da 
justiça divina em favor da salvação eterna. (Campos, 1999, p. 26) 
 
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CADERNO DE ANAIS, 2012. 
 
A partir dessas concepções, o cativeiro dos africanos era perfeitamente compreensível já 
que eram marcados pelo pecado e inferioridade ética. ―Essa era a função dos africanos e 
seus descendentes nas sociedades que se formavam no Novo Mundo. Herdeiros do 
pecado de Cam, sua posição social estava, previamente determinada, segundo a vontade 
do criador. O cativeiro africano, portanto, era tomando como pedra basilar para o 
funcionamento harmônico do corpo social.‖ (Oliveira, 2007, p. 361) 
 
Conversão de africanos e seus descendentes no Brasil colonial 
 
Como vimos, há todo um discurso religioso de origem pecaminosa do africano que o 
torna espiritual e eticamente inferior. E a escravidão é a ―chance‖ dada pelos cristãos de 
purificação desses africanos, os tirando do espaço do pecado (África) e os levando para 
o purgatório (Brasil colônia), dando-os a possibilidade de salvação. Não obstante, 
mesmo de forma subalterna, os africanos seriam catequizados e inseridos no Império 
português. Mas de que forma? 
A estrutura social, ―fundada nas diferenças e hierarquias, exigia um projeto 
especifico de cristianização dos africanos e seus descendentes‖, ainda mais a partir do 
século XVII em que africanos e seus descendentes eram a maioria populacional na 
América portuguesa. (Oliveira, 2007, p. 361) 
 A Igreja católica, com o papel de manter uma estrutura social excludente, 
―multiplicou suas ações ao longo do setecentos na tarefa de inserção dos chamados 
‗homens de cor‘ no interior da Cristandade. A multiplicação dessas ações se desdobraria 
também na promoção de santos pretos que deveriam funcionar como exemplos de 
virtudes cristãs para os africanos e seus descendentes.‖ (Oliveira, 2007, p. 362) 
 A questão da cor, pois, assumia nesse discurso um papel predominante ao 
distinguir os segmentos sociais e expressar uma concepção hierárquica da sociedade 
colonial. A cor, no contexto do Império português, 
no século XVIII, não traduz nenhuma perspectiva racial e/ou racista entendida à 
luz do campo discursivo das teorias cientifico - raciais do século XIX. Numa 
primeira perspectiva deve-se entender esse sistema de cores dentro de um 
campo cultural que se definiu em Portugal e em toda Europa Ocidental desde a 
Idade Média. [...] Perspectiva sócio-cultural difundida em Portugal e na 
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SOBRE A RELIGIÃO 
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sociedade colonial brasileira, onde a cor designava lugar social. (Oliveira, 2007, 
p. 380-382) 
 
No caso dos africanos, preto/negro são cores que eram vistas como castigos impostos 
aos pecadores. Logo, houve um acidente espiritual ou são negros devido a um pecado 
original. Mas os africanos poderiam atenuar, superar essa inferioridade com uma vida 
virtuosa na fé cristã. Vide e espelhem-se nos santos negros exortados pela Igreja 
Católica para esse fim: santo Elesbão e Santa Efigênia. 
 
Teoria Cristã no Governo dos Escravos no Brasil Colonial 
 
Para o asno, forragem, chicote e carga; para o escravo, pão, castigo e trabalho. 
Faz trabalhar o teu escravo com disciplina, e encontrarás sossego. Deixa-o com 
as mãos livres, e ele procurará a liberdade. 
Jugo e rédea dobram o pescoço; torturas e interrogatório dobram o mau escravo. 
Manda-o trabalhar, para que não fique ocioso, porque a ociosidade ensina 
muitos males. 
Obriga-o ao trabalho que lhe compete; e, se não obedecer, prende-o com 
correntes. 
Entretanto, não cometas excessos com ninguém, e não pratiques nada contra a 
justiça. 
Se só tens um escravo, trata-o como a ti mesmo, pois compraste-o a preço de 
sangue. 
Se só tens um escravo, trata-o como irmão, porque precisas dele, como de ti 
mesmo. 
Se o maltratares, ele fugirá, e por qual caminho irás procurá-lo? 
(Eclesiástico, 33, 25-33) 
 
A teoria Cristã no governo dos escravos visava adestrar os senhores dentro de 
um viés religioso, cuja moral humanitária seria a mais importante. Essa teoria ―buscou 
ordenar a prática do governo dos escravos com base em preceitos cristãos.‖ Os 
religiosos denunciavam a inaptidão dos senhores ao controlar os escravos, ―a mensagem 
básica dos textos jesuíticos era a de que os proprietários da América portuguesa eram 
incapazes de governar corretamente seus escravos, pois haviam se afastado dos 
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preceitos da moralidade católica‖ (Marquese, 2004, p. 172). Nesse sentido, o senhor 
deveria preocupar-se com a conversão dos escravos, dar-lhes razoáveis condições de 
vida para que assim pudessem (sobre)viver bem e não revoltarem-se. 
Como um arquiteto do engenho açucareiro, Antonil vai descreve sua confecção, 
ordenamento, funcionamento e manutenção, inclusive da mão de obra escrava. Sobre 
isso, postula Antonil, que ―no Brasil, costumam dizer que para o escravo são 
necessários três PPP, a saber, pau, pão e pano.‖ (Antonil, 1982, p. 91). O castigo é 
imprescindível, poisele regula e regra o escravo, porém o pão material e principalmente 
espiritual não lhe deve ser negado, assim como a roupa limpa e seca. Em troca o escravo 
presta obediência e gratidão ao seu senhor. 
Esse tipo de acordo assimétrico é expresso através da chamada ―Economia 
Cristã: isto é, regra, norma e modelo, por onde se devem governar os senhores Cristãos 
para satisfazerem as obrigações de verdadeiros senhores‖, como postulava, no século 
XVIII, o padre Benci. ―Mas que obrigações pode dever o senhor ao servo? [...] Em que 
se trata da primeira obrigação dos senhores para com os servos [...] é o Pão: panis. 
Deve o senhor ao servo o pão, para que não desfaleça: panis, ne succumbat. E debaixo 
deste nome de pão,‖ o qual possui variado sentido temporal e espiritual, ―se compreende 
primeiramente tudo aquilo que conduz para a conservação da vida humana, ou seja o 
sustento, ou o vestido, ou os medicamentos no tempo da enfermidade.‖ (Benci, 1977, p. 
53-81) 
Entretanto, ―não só deve o senhor dar-lhes o sustento corporal para que não 
pereçam seus corpos, mas também o espiritual para que não desfaleçam suas almas, 
panis, ne succumbat.‖ Daí os sacramentos, os ensinamentos da doutrina e o próprio 
exemplo do senhor como bom cristão. Tratava-se da ―segunda obrigação dos senhores 
para com os servos.‖ (Benci, 1977, p. 83-111) 
A terceira ―obrigação dos senhores é dar ao escravo o castigo, para que se não 
acostume a errar, vendo que seus erros passam sem castigo: Disciplina, ne erret‖, pois, 
―para trazer bem domados e disciplinados os escravos é necessário que o senhor lhes 
não falte com o castigo, quando eles se desmandam e fazem por onde o merecem.[...] 
Deixar o senhor viver o escravo à sua vontade, e por mais desordens que faça, dar tudo 
por em feito ou (quando muito) passar com uma repreensão; é dar-lhe atrevimento, para 
que se arroje a todo o gênero de pecados.” Ou seja, ausência do castigo é uma falha 
irrepreensível do senhor. Logo, ―merecendo o escravo o castigo, não deve deixar de lho 
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dar o senhor; porque não só não é crueldade castigar os servos, quando merecem por 
seus delitos ser castigados, mas antes é uma das sete obras de misericórdia, que manda 
castigar aos que erram.‖ Não obstante, ―no castigo dos servos não devem usar os 
senhores de sevícia.‖ (Benci, 1977, p. 125-128 e 152). Do contrário, ―o castigo for 
freqüente e excessivo, ou se irão embora, fugindo para o mato, ou se matarão per si, 
como costumam, tomando a respiração ou enforcando-se, ou procurarão tirar a vida aos 
que lha dão tão má, recorrendo (se for necessário) a artes diabólicas.‖ (Antonil, 1982, p. 
91). 
A quarta e última obrigação dos senhores é 
dar o trabalho aos servos, para que com o ócio se não façam insolentes: opus, ne insolescat. Há 
senhores, que nisto pecam por defeito; porém os mais pecam por excesso. Pecam por defeito os 
que os deixam viver à larga sem ocupação nem, trabalho. Pecam por excesso os que os oprimem 
com trabalhos superiores a suas forças, ou por excessivos ou por demasiadamente continuados. E 
porque ser o trabalho demasiadamente pouco ou demasiadamente muito, tudo é meu e danoso 
para o servo; por isso [...] os senhores não devem deixar estar ociosos os escravos, mas ocupá-
los; e depois [...] que devem guardar no trabalho que lhes dão. (Benci, 1977, p. 171) 
 
Alimento, cuidados, a Palavra, trabalho moderado e o castigo justo eram as obrigações 
que os senhores deviam ao escravo. Em contrapartida, o cativo lhe devia obediência, 
gratidão e serviços. E ―a razão disto é porque senhor e servo são de tal sorte 
correlativos, que assim como o servo está obrigado ao senhor, assim o senhor está 
obrigado ao servo.‖ Esta é a 
mútua e recíproca correspondência de obrigações entre os senhores e os servos [...]. E por isso, 
depois de intimar aos servos que se sujeitem em tudo e obedeçam a seus senhores com 
simplicidade de coração. [...] A diversidade, que há entre o senhor e o servo, não consiste em que 
o servo esteja obrigado ao senhor e não o senhor ao servo; mas na diversidade das obrigações, 
que recìprocamente devem um ao outro. (Benci, 1977, p. 49-50) 
 
Assim pensa, também, o jesuíta setecentista Antonil, a ponto de sustentar que 
certo é que, se o senhor se houver com os escravos como pai, dando-lhes o necessário para o 
sustento e vestido, e algum descanso no trabalho, se poderá também depois haver como senhor, 
e não estranharão, sendo convencidos das culpas que cometeram, de receberem com misericórdia 
o justo e merecido castigo. (Antonil, 1982, p. 92) 
 
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Portanto, Antonil estabeleceu alguns critérios importantes para que o senhor chegue à 
tal posição. Primeiro é haver-se como pai – dentro da perspectiva política vista até aqui. 
E nesse sentido ser o protetor da casa, estabelecendo seus direitos e deveres recíprocos 
com os subalternos através dos quais construirá seu poder e, podendo então, após, 
haver-se como senhor. 
 
Conclusão 
Nesse artigo visamos demonstrar a relação entre Igreja Católica e Escravidão no 
contexto do Antigo Regime colonial. Ou seja, fugindo do anacronismo, a escravidão era 
legitimada pela Igreja como um método de conversão dos africanos, originariamente 
pecaminosos, cuja purificação seria necessária para a possibilidade dos negros 
chegarem à salvação. E os santos negros eram um grande instrumento de comprovação 
para os africanos de que tal missão era possível. 
 Enfim, pensamos que tal tema de pesquisa é mister para elucidar as razões, e 
mais, os argumentos de legitimação da escravidão africana, sem fugir da 
contextualização com a mentalidade da época. 
 
Referências Bibliográficas 
 
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CADERNO DE ANAIS, 2012. 
 
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O BEM MORRER NO RECÔNCAVO DA GUANABARA. FREGUESIAS DE 
NOSSA SENHORA DA PIEDADE DO IGUAÇU E SANTO ANTÔNIO DE 
JACUTINGA (SÉCULO XV III) 
Ana Paula Souza Rodrigues14 
 
Resumo: O trabalho analisa concepções de morte na Freguesia de Piedade do Iguaçu e 
Santo Antonio de Jacutinga, situadas ao fundo do Recôncavo da Guanabara, no século 
XVIII. O objetivo da comunicação a ser apresentada é discutir o bem morrer, fruto da 
visão escatológica do catolicismo, construída a partir da Reforma Tridentina. Primeiro, 
analisaremos os elementos que caracterizam a boa morte (sacramentos, feitura dos 
testamentos, mortalhas, local de sepultamento, dentre outros), em seguida, os elementos 
que compõem os ritos e costumes para ―guiar a alma no caminho da salvação‖, os quais 
expressam as hierarquias de uma sociedade pré-industrial, escravista e hierarquizada. 
 
Palavras-Chaves: Freguesias Rurais, Bem Morrer e Hierarquia. 
 
O que era Iguaçu e Jacutinga? 
 
A resposta ficará mais completa ao longo do texto, contudo, deixemos claro que 
se trata de duas freguesias rurais do Rio de Janeiro, situadas na região que hoje 
denominamos como Baixada Fluminense, outrora conhecida como fundo do Recôncavo 
da Guanabara15. 
Em um estudo sobre o quadro espacial português, Ana Cristina Nogueira e Antonio 
Manuel Hespanha afirmam que “o espaço é uma realidade construída e não uma 
extensão bruta e objetiva”. Ademais, em sociedades como as de Antigo Regime, 
hierarquizadas, o espaço era visto de forma diferente por cada indivíduo ou grupo, de 
acordo com o papel social que figurava. Daí, ―a coexistência (por vezes conflituoso) de 
vários discursos sobre o espaço e de diversas práticas de apropriação espacial” 
(NOGUEIRA; HESPANHA, 1993, p.35). Desta maneira, a análise sobre o espaço deve 
 
14 Mestranda em História pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal Rural do Rio de 
Janeiro. 
15 Em 1793, Monsenhor Pizarro utilizou o termo Recôncavo da Guanabara para denominar toda a região 
do entorno da Baía da Guanabara. (PEDROZA, 2008, p. 9). Ver mapa no anexo 1. 
 
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ultrapassar o simples exame de demarcações e limites geográficos, e levar em conta 
como os indivíduos o criavam, concebiam e transformavam. 
 Em uma sociedade católica, era a partir do espaço eclesiástico que os indivíduos 
referenciavam os diferentes territórios do Recôncavo da Guanabara, sobretudo por meio 
do estabelecimento de freguesias. Freguesia era a unidade espacial mínima do domínio 
da Igreja; o pároco, ou cura das almas, exerciam a função religiosa interferindo na vida 
individual e coletiva 16. 
 Não obstante a dificuldade da análise de espaços geográficos, é importante 
apreender de que forma essas freguesias rurais surgem. Obviamente o fator religioso 
interfere diretamente no estabelecimento dessas freguesias, já que as pessoas tinham a 
preocupação de participar de todos os rituais católicos. 
Contudo, outros elementos permeavam o estabelecimento de uma freguesia, para 
além do âmbito religioso de fé e devoção. Antes de tudo é preciso lembrar que a 
iniciativa particular fora imprescindível para o projeto colonial. De acordo com Freyre 
“foi a iniciativa particular que, concorrendo às sesmarias, dispôs-se a vir povoar e 
defender militarmente, como era exigência real, as muitas léguas de terra em bruto que 
o trabalho negro fecundaria” (FREYRE, Gilberto, 1980, p. 18-19). Relacionado a esta 
constatação, o primeiro elemento que permeia as fundações de freguesias rurais é o fato 
de todas as freguesias do Recôncavo da Guanabara iniciarem suas atividades como 
capela curada, ou seja, uma capela em terras de um particular, dirigida em caráter 
permanente por um pároco ou cura.17. Assim foi o caso de Iguaçu, quando, em 1699, o 
povo construiu uma simples capela de taipa, em terras do Alferes José Dias de Araújo 
Em Jacutinga, a primeira capela curada fora instituída em lugar denominado Jambuí, em 
 
16 De acordo com Cristina Nogueira e Hespanha ―a freguesia foi, durante o Antigo Regime, uma 
circunscrição territorial decisiva no enquadramento político do espaço (...) é, também, um fator de 
dispersão política do espaço.‖ Ibidem, p. 38. Uma outra definição de Freguesia: ―Circunscrição 
eclesiástica que forma a paróquia; sede de uma igreja paroquial, que servia também, para a administração 
civil; categoria oficial institucionalmente reconhecida a que era elevado um povoado quando nele 
houvesse uma capela curada ou paróquia na qual pudesse manter um padre à custa destes paroquianos, 
pagando a ele a côngrua anual; fração territorial em que se dividem as dioceses; designação portuguesa de 
paróquia‖. A definição desta e outras áreas estão publicadas no site da SEADE (Fundação Sistema 
Estadual de Análise de Dados/ Estado de São Paulo). Disponível em: 
http://www.seade.gov.br/produtos/500anos/index. php?tip=defi# def2. 
 
17� SEADE (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados/ Estado de São Paulo). Disponível em: 
http://www.seade.gov.br/produtos/500anos/index. php?tip=defi# def2. 
 
http://www.seade.gov.br/produtos/500anos/index.%20php?tip=defi
http://www.seade.gov.br/produtos/500anos/index.%20php?tip=defi
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1657 (ARAÚJO, 1945, p. 84-85; 142-143). Essas primeiras construções eram simples, de 
taipa e, por isso, logo careciam de reparos. 
O aumento do número de fiéis e/ou a ruína das capelas geravam a construção da 
primeira igreja matriz, a qual recebia o nome de um Santo, e este é o segundo elemento. 
Pizarro identifica o ano em que, pela primeira vez, a capela curada surge então como 
freguesia. Santo Antonio de Jacutinga surge como freguesia em 1686. Iguaçu foi 
fundada como freguesia em 1719, quando ocorreu a separação com a freguesia de Nossa 
Senhora da Conceição de Serapuhy (que na década de 1710 será anexa a Santo Antonio 
de Jacutinga). 
A partir das memórias históricas sobre a fundação de Iguaçu, constatamos um 
terceiro elemento que marca o estabelecimento dessas freguesias: não só o aumento do 
número de habitantes, mas a ação de senhores de terras dessas localidades. Muitos 
destes senhores adquiriram estas terras por meio da concessão de sesmaria.18 Como 
exposto, o primeiro local de reunião dos paroquianos de Iguaçu fora em uma capela 
construída nas terras de José Dias de Araújo. Por ter obtido o título de Alferes, pertencia 
à hierarquia militar. Por ter doado terras para os fiéis construírem a dita capela19, era 
senhor de terras. Adiante veremos que possuir terras e exercer funções militares era para 
poucos, apenas para aqueles pertencentes à elite, além de constituírem elementos de 
distinção em uma sociedade hierarquizada. 
Um último elemento que gostaríamos de analisar, de grande importância para que 
freguesias rurais surgissem ou desfrutassem de crescimento econômico e populacional, 
é a descoberta do ouro nas Minas Gerais. Graças ao boom aurífero, estradas foram 
criadas para que o ouro fosse escoado ao Porto do Rio de Janeiro e daí para a Metrópole 
e outras paragens. Tais estradas entrecortavam diversas Freguesias do Recôncavo da 
Guanabara. 
 
18 O Recôncavo da Guanabara começou a ser povoado durante o século XVI por meio da doação de 
sesmarias, logo após a fundação da cidade de São Sebastião, em 1565, pelo Capitão-Mor Estácio de Sá. 
Todavia, atentemos para um fato, tal concessão de terras foi realizada de forma desigual, pois foram 
feitas principalmente aos que prestaram algum tipo de serviço a El-Rei. Portanto, desde o século XVI há 
registros de indivíduos que obtiveram sesmarias na área do fundo

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