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1 
 
 
 
 
 
 
 
 
O Protestantismo de Missão no Brasil. Inserção e 
estagnação. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Sílvio Murilo Melo de Azevedo 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2017 
O Protestantismo de Missão no Brasil. Inserção e estagnação. 
2 
 
 
 
 
Resumo 
O texto em seguimento trata da difícil análise do Protestantismo brasileiro, que no decorrer 
de pouco tempo de existência foi de um crescimento considerável à estagnação, demonstrando 
haver chegado precocemente a um estado senil. Tentaremos demonstrar os fatores que 
desencadearam sua inserção e a estagnação, com ênfase especial no quadro teórico da História e 
da Sociologia da Religião. A primeira parte que trata dos fatores de inserção terá como ênfase a 
história, por meio de uma classificação dos fatores de inserção; a segunda, que trata da estagnação, 
será sociológica, porque por meio de uma análise das crises do Protestantismo brasileiro. A tese 
principal desta investigação é que o que lhe ocasionou a atual estado foi uma falta de adaptação 
aos novos contextos sociais do Brasil, bem como um envelhecimento teológico precoce, 
produzido, primeiramente, pela adoção de uma plataforma ideológica incôngrua com sua teologia 
original durante o regime militar; depois, pela rigidez institucional. O objetivo é construir um 
quadro analítico mais amplo possível do Protestantismo de Missão, demonstrando sua ascensão e 
queda, à medida que a sociedade brasileira transitou de um contexto moderno para um pós-
moderno. A conclusão não é das mais agradáveis. O Protestantismo de Missão encontra-se em 
uma situação deveras desconfortável. Nesta transição da persuasão para a presentificação (que 
estão ligados respectivamente à Modernidade e à Pós-modernidade) sua missiologia fica entre dois 
processos de desrelevância. Se se mantém atrelado à persuasão e ao dogmatismo que o pressupõe, 
perde a capacidade de se comunicar com o ouvinte contemporâneo; se migra para a presentificação 
e para o relativismo que o pressupõe, perde a capacidade de ser teologicamente coerente (pois sua 
teologia foi construída sobre os fundamentos do modelo persuasivo). De nosso ponto de vista, esta 
é a maior crise, de todas que já tenha enfrentado o Protestantismo Histórico. 
Palavras-chave: Protestantismo Histórico, Modernidade, Pós-modernidade, Pentecostalismo e 
Neopentecostalismo e Secularização. 
 
 
 
Mission Protestantism in Brazil. Insertion and stagnation. 
 
3 
 
 
Abstract 
The following text deals with the difficult analysis of Brazilian Protestantism, which in the 
course of a short time of existence was a considerable growth to stagnation, demonstrating that it 
had arrived early to a senile state. We will try to demonstrate the factors that triggered insertion 
and stagnation, with special emphasis on the theoretical framework of History and Sociology of 
Religion. The first part that deals with the factors of insertion will emphasize history, through a 
classification of the insertion factors; the second, which deals with stagnation, will be sociological, 
because through an analysis of the crises of Brazilian Protestantism. The main thesis of this 
investigation is that what caused the current state was a lack of adaptation to the new social 
contexts of Brazil, as well as an early theological aging, produced, first, by the adoption of an 
ideological platform that was not consistent with its original theology during the military regime; 
later, by institutional rigidity. The goal is to build a broader analytical framework for Mission 
Protestantism, demonstrating its rise and fall, as Brazilian society shifted from a modern to a 
postmodern context. The conclusion is not the most pleasant. Mission Protestantism finds itself in 
a very uncomfortable situation. In this transition from persuasion to presentiment (which are linked 
respectively to Modernity and Postmodernity) its missiology lies between two processes of 
irrelevance. If he keeps himself tied to the persuasion and dogmatism that presupposes him, he 
loses the ability to communicate with the contemporary listener; it migrates to the presentiment 
and to the relativism that presupposes it, loses its capacity to be theologically coherent (for its 
theology was built on the foundations of the persuasive model). From our point of view, this is the 
greatest crisis, of all that has already faced Historical Protestantism. 
Key Words: Historic Protestantism, Pentecostalism and Neopentecostalism, patronage, 
secularization and Post-modernity. 
 
 
 
 
 
Prefácio 
 
Este estudo nasceu de um artigo escrito para satisfazer as exigências da disciplina História 
do Cristianismo na América Latina, na Pós-graduação da UMESP, ministrada pelo Prof. Dr. Lauri 
4 
 
 
Emílio Wurth. Eu, muito simploriamente, depois de haver lido alguns clássicos da Historiografia 
evangélica e católica sobre a América Latina, escrevi um artigo de 20 páginas achando que havia 
descoberto a roda sobre as causas da inserção do Protestantismo no Brasil. Lauri me ouviu 
pacientemente e me disse ao final, com aquele seu jeito de quem ‘não sabe de nada’: “Mas esta 
ideia não é do Mendonça?”. Ele se referia a Antônio G. de Mendonça, um dos papas da Sociologia 
do Protestantismo do país. Na minha ignorância, até aquele momento nunca tinha ouvido falar, 
mesmo porque minha área de concentração era outra, Teologia e História. Tomei a crítica como 
desafio e fui me alfabetizar na área da Sociologia do Protestantismo. 
Depois de uns bons anos de leitura finalmente me atrevo a escrever de forma mais 
profissional sobre o tema de então: a inserção do Protestantismo no Brasil. Agora já sou capaz de 
reconhecer os créditos de tanta gente boa que dedicou uma existência ao magistério e ao estudo de 
uma importante e ignorada parte da história deste país e está relacionada com a chegada dos 
protestantes históricos. Não sei se Lauri aprovaria esta minha nova tentativa. De qualquer modo, 
agora pelo menos, posso pretender contribuir de forma mais consciente para a discussão de um 
tema que me tem enquizilado desde aqueles dias. 
O que se passou com o Protestantismo brasileiro que o tenha feito vir de tão longe para 
encontrar-se perdido em Terra Brasilis? E que meio atordoado com a perda de fiéis para os 
pentecostais e com o insucesso de suas missões tenta se recompor nos novos tempos. Não tenho a 
pretensão de dar uma resposta definitiva a esta pergunta, apesar do alentado volume que saiu como 
resultado destas investigações e lucubrações. Apenas quis elencar de maneira mais sistemática os 
motivos que o levou a esta situação. Talvez possa fazer outras perguntas, quiçá oferecer outras 
possibilidades interpretativas para o fenômeno da inserção e da estagnação protestante no Brasil. 
Parece não ser muito o que pretendo. Mas, o que pode ser mais importante do que olhar para 
trás e para frente e poder perceber melhor o lugar onde nos encontramos, como nos quer ensinar o 
que há de mais elementar na história? Talvez este conhecimento só seja inferior à percepção de se 
saber para onde se está indo, que é a pretensão da Teologia. A Sociologia, porém, nos recomenda 
a rezar para que se estejamos realmente indo para algum lugar, e não meramente repetindo o que 
outros já fizeram antes de nós. 
5 
 
 
Escrevi este estudo porque gostaria de saber algo assim, conjugando estas três grandes 
ciências do espírito para chegar às perguntas mais essenciais, que ademais, são indispensáveis em 
se tratando do Protestantismo Histórico e sua trajetória. Estas perguntas e suas respectivas ciências 
não são, necessariamente, irênicas, pois as dimensões institucionais a que se referem não são fixas 
e estanques, mas conectadas. Ou seja, não é necessário interpretá-las de forma determinística, o 
que é totalmente descabido nas ciências humanas. A teologia pode ser interpretada de maneira 
ideológica quando, por exemplo, legitima-se como instituição; os modelossociológicos de 
comportamento individual e das organizações podem ser alterados por concepções teológicas, as 
quais podem influir nos processos de institucionalização. Por isto a sociologia permanece 
congruente com sua crítica e a teologia, com sua esperança. E a história será o fiel da balança que 
poderá contradizer tanto uma como a outra. 
O equilíbrio será o resultado teórico mais desejável de uma abordagem deste tipo, à medida 
que trata de um objeto que não pode ser mutilado de quaisquer destas dimensões, sem que seja 
comprometida sua verdade. Espero que esta obra mantenha este equilíbrio, pois assim terá 
cumprido seu papel. 
 
Silvio Murilo Melo de Azevedo, Manaus Outubro de 2017. 
 
 
 
 
 
 
 
 
Sumário 
 
Capítulo I 
 
1.Introdução....................................................................................................................7 
6 
 
 
Capítulo II 
2. Fatores de inserção do Protestantismo de Missão...............................................17 
2.a. Introdução..............................................................................................................17 
2.b. Fatores Sociais......................................................................................................20 
2.c. Fatores Históricos.................................................................................................23 
2.c.1. Inserção protestante: pré-ocorrências axiais.................................................. 
2.c.2. O padroado régio na administração eclesiástica brasileira...........................26 
2.c.3. O Protestantismo de Imigração.........................................................................34 
2.c.4. Liberdade de Imprensa...................................................................................... 
2.c.5. O progresso material dos países protestantes............................................... 
2.c.6. As escolas protestantes.................................................................................... 
2.c.7. Conclusão...........................................................................................................39 
2.d. Fatores Político-ideológicos................................................................................39 
2.d.1. O projeto Liberal.................................................................................................40 
2.d.2. A Franco-maçonaria...........................................................................................48 
2.d.3. O regalismo......................................................................................................... 
2.d.4. O Positivismo...................................................................................................... 
2.d.5. Conclusão........................................................................................................... 
2.e. Fatores Religiosos.................................................................................................59 
2.e.1. Expulsão dos Jesuítas.......................................................................................59 
2.e.2. Jansenismo.........................................................................................................63 
2.e.3. Número insuficiente de bispos e párocos.......................................................66 
2.e.4. Romanização e enfraquecimento do Catolicismo cultural.............................74 
2.e.5. Conclusão...........................................................................................................80 
Capítulo III 
3. A decadência e a estagnação do Protestantismo de Missão...............................84 
3.a. Introdução..............................................................................................................84 
3.b. Envelhecimento precoce do Protestantismo......................................................89 
3.b.1. Congresso Missionário do Panamá (1916) .....................................................99 
3.b.2. Congresso Missionário de Montevideo (1925) .............................................102 
3.b.3. Presbiterianos...................................................................................................107 
7 
 
 
3.b.4. Metodistas.........................................................................................................110 
3.b.5. Batistas..............................................................................................................110 
3.b.6. Período entre-guerras e pós-guerra...............................................................111 
3.c. Excesso de mobilidade populacional................................................................113 
3.d. Secularização e pluralismo religioso................................................................125 
3.e. O ethos pós-moderno.........................................................................................131 
3.f. As tensões do Protestantismo Histórico brasileiro..........................................136 
3.f.1. Entre o conformismo e o não-conformismo...................................................140 
3.f.2. Entre o conservantismo político e a responsabilidade social......................154 
3.f.3. Entre o confessionalismo e o Ecumenismo...................................................178 
Capítulo IV 
4. Conclusão...............................................................................................................192 
4. Uma crise em curso...............................................................................................192 
Referências.................................................................................................................199 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CAPÍTULO I 
 
 
Introdução 
 
8 
 
 
 
Pelo final da década de setenta Rubem Alves observava em um de seus artigos: “o 
Protestantismo histórico não chama a atenção nem dos setores eclesiásticos nem dos setores 
acadêmicos [...]. O Protestantismo está estagnado” (ALVES, 1979, 46). Desde que Alves escreveu 
estas palavras o quadro de estagnação protestante até piorou, passando a apresentar um 
crescimento negativo. Contudo, ao contrário do que Alves estimou, penso ser justamente por isso 
que o caso do ‘Protestantismo Histórico brasileiro’ deve ser colocado sob exame. Por sua atual 
importância para a religiosidade brasileira, coisa que ele nunca imaginou viesse a ocorrer, e pela 
rapidez de sua decadência. O Protestantismo deixou uma profunda marca em sua formação. Seus 
princípios fundamentais: o conversionismo, a importância da Bíblia, a ética puritana, compõem 
um legado transmitido e assimilado pela cultura religiosa brasileira como um todo. Por último, o 
próprio fato de a população que se autodeclara católica no Brasil estar cada vez menor também é 
resultado da atuação protestante neste mercado religioso, por meio do Pentecostalismo. É inegável 
que o Protestantismo de Missão esteja em seus estertores, mas não deixa de ser digno de nota a 
avaliação das causas e fatores que começam a desfavorecê-lo passados apenas um século e meio 
de atividade no Brasil. 
Mas quem são os protestantes de que fala esta pesquisa? Não é fácil a definir. Qualquer 
classificação já nasce sob o signo da controvérsia, dada a própria interconexão que liga vários 
movimentos em uma história comum. Primeiro, porque sua ambiência originária, o 
denominacionalismo norte-americano, fez com que os protestantes de missão exercessem 
influência mútua entre si e entre si também reagissem. Trasladado para o Brasil, o Protestantismo 
mais uma vez diferenciou-se, adquirindo características próprias em relação àquela ambiência 
originária norte-americana, por aqui ter sofrido novas influências e ter se desenvolvido em um 
contexto social diferente; por exemplo, em um quadro social marcado pela hegemonia católica, 
enquanto o contexto deles, originariamente,era o da religião civil. 
Correntemente, existem diversas classificações das subdivisões do Protestantismo em 
contexto sul-americano. Há a classificação de Christian L. D’Épinay, que a meu ver peca pelo 
excesso de elementos: (a) igrejas imigrantes transplantadas (capelas anglicanas do século XIX, por 
exemplo), (b) protestantes de migração enxertados (luteranos e reformados), (c) “Protestantismo 
tradicional” (metodistas e presbiterianos), (d) “seitas conversionistas estabelecidas” ou 
9 
 
 
“Protestantismo de santificação” (batistas), (e) seitas conversionistas pentecostais (WESTMEIER, 
1999, 16). Há vários problemas com esta classificação. Além do excesso de distinções, baseia-se 
em uma terminologia que remonta a Troeltsch, como se pode perceber pelo uso do conceito de 
seita (TROELTSCH, 1992, 442)1. Outra distinção inadequada é o fato de os batistas aparecerem 
separados dos presbiterianos e metodistas, embora não haja uma diferença marcante entre eles; 
não no contexto brasileiro. 
 Orlando E. Costas prefere uma tipologia mais simples, pela qual O Protestantismo latino-
americano estaria dividido em três grandes grupos: (a) o Protestantismo “Troncal”, relacionado às 
igrejas de imigração (luteranos, morávios, etc.); (b) o Protestantismo Evangélico, igrejas livres, ou 
seja, sem relação com a territorialização das confissões que era prática na Europa; (c) o 
Protestantismo Pentecostal, relacionado às igrejas de matriz pentecostal em geral (DEIROS, 1997, 
43). 
David Stoll aceita a separação entre Protestantismo Europeu e Protestantismo Evangélico, 
mas depura o conceito criando uma nova subdivisão que ele chama de “igrejas livres”: (a) 
“protestantes da linha principal” (presbiterianos, metodistas, batistas, etc.) e (b) missões de fé 
(Faith missions) originárias de novas denominações fundamentalistas, fundadas no começo do 
século XX (Christian and Missionary Aliance; Church of the Nazarene; missões de pentecostais 
originários e igrejas renovadas), tipologia que coincide com a de Samuel Escobar (ESCOBAR, 
2015, 15) até este ponto; e, por último, movimentos não institucionais2, que é sua contribuição 
(STOLL, 90, 5). 
Agrada-me mais as tipologias de Costas e Stoll, pela simplicidade e pela maleabilidade dos 
elementos. Apenas ressalte-se que no contexto brasileiro a palavra “evangélico” tem um espectro 
muito largo, incluindo um número demasiado de entes, produzindo mais confusão do que clareza, 
 
1 O conceito de Troeltscht, herdado de Weber, é histórico evolutivo, segundo o qual toda Igreja ou denominação 
começa como seita e depois evolui. Diversos autores já questionaram este modelo apontando outros caminhos na 
progressão de instituições religiosas. J. Milton Yinger, por exemplo, reconhece estados intermediários entre seita e 
denominação, como é o caso das seitas institucionalizadas. Para Yinger o que define uma seita não é só seu grau de 
institucionalização, mas também a forma como ela se relaciona com o mundo que a circunda. Se for excludente é seita 
institucionalizada; se não for excludente, é denominação (YINGER, 1970, 257). 
2 Uma destas organizações foi a Campus Crusade for Christ, de Bill Bright, que no Brasil chamava-se Cruzada 
Estudantil e Profissional para Cristo, atuando com objetivo de atrair estudantes universitários para o evangelho. Outras 
similares, atuando na mesma direção, foram Aliança Bíblica Universitária, Palavra da Vida, Vencedores por Cristo, 
etc. (MENDONÇA, 65, 2005). 
10 
 
 
por isto deve ser substituído por protestantes. É preferível falar de um Protestantismo Histórico ou 
de Missão e incluir neste grupo metodistas, presbiterianos e batistas3. Embora a palavra missão 
tenha um significado um pouco diferente em cada um deles, aquilo que os une é mais importante 
do que o que os separa. De fato, eles compartilham vários pontos comuns: (a) no campo teológico, 
a teologia conversionista, a ética puritana, uma tradição avivalista, etc.; (b) no campo missiológico, 
iniciaram suas missões no Brasil mais ou menos na mesma época; (c) historicamente, sua ascensão 
e decadência transcorreram também na mesma época, e mais ou menos pelas mesmas causas, 
embora não na mesma medida. 
Outra questão pendente na consideração do Protestantismo refere-se à curva negativa de seu 
crescimento. É um fim de linha ou uma transformação? Está o Protestantismo de Missão se 
transformando em Pentecostalismo ou são duas ramificações que correm paralelas e 
independentes? Pergunta que naturalmente aflora diante do espetacular crescimento pentecostal 
que transcorre coetaneamente ao declínio do Protestantismo tradicional. Há alguma relação entre 
estes dois fenômenos? Sim e não. Não há como negar que o crescimento pentecostal alimentou-se 
do declínio protestante, sendo boa parte de sua membrezia proveniente dos últimos. Porém, não 
há uma relação direta entre eles e a melhor abordagem é mesmo a dissociativa. 
 
3 Há outros grupos de protestantes que se enquadram nesta tipologia, como é o caso do congregacionalistas e 
episcopais, os quais chegaram no Brasil mais ou menos ao tempo da inserção ou até antes dos demais como os 
congregacionalistas, cuja missão começou a ser desenvolvida pelo casal Kalley ainda pelo ano de 1855. Os episcopais 
chegaram depois, por volta de 1889, após duas tentativas que abortaram em 1853 e 1859-1894 (FARRA, 1960, 69). 
Estas não serão incluídas na discussão por causa de uma irrelevância quantitativa. É difícil quantificar a Igreja 
Congregacionista brasileira. Sua ênfase no governo autônomo faz com que as igrejas trabalhem de forma muito 
dissociada e sem controle. Tanto assim que foi somente em 1913 que elas se uniram numa associação chamada União 
das Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil (UIECEB) (Igreja Congregacional do Brasil). Pelo ano de 1930 
tinha 31 congregações no Brasil, reunindo quatro mil comungantes (FARRA, 1960, 69). Atualmente existem muitas 
congregações que levam este nome na portada, mas a diversidade teológica entre elas é muito grande, existindo, 
inclusive aquelas que sequer são igrejas missionárias, como é o caso Igreja Evangélica Congregacional do Brasil, de 
origem alemã e pietista, e, portanto, ligada ao Protestantismo de Imigração. A Igreja Episcopal do Brasil traz em si 
tanta ambiguidade, posto estar entre o Catolicismo e o Protestantismo (via média) que é melhor deixá-la fora do 
Protestantismo Histórico. Originalmente os anglicanos formavam uma Igreja étnica, praticada por comerciantes, 
engenheiros e marinheiros que operavam no Brasil desde a abertura dos portos brasileiros em 1810. Há, entretanto, 
uma outra data de fundação que remonta a um período mais recente de nossa história, ligada à Igreja Episcopal norte-
americana, quando os missionários Lucien Lee Kinsolving e James Watson Morris chegaram em 1890 a cidade de 
Porto Alegre no Rio Grande do Sul e ali estabeleceram uma missão. O primeiro culto em português dos anglicanos 
foi em Junho deste mesmo ano (Wikipédia). Atualmente existem 120 mil episcopais no Brasil, concentrados mais na 
região centro-sul e especialmente na região Sul (Rio Grande do Sul) onde primeiro se estabeleceu (World Council of 
Churches). Apesar do número de membros ser compatível com o dos protestantes de missão mencionados, preferimos 
deixá-los fora deste quadro porque o lado católico de sua teologia e de sua missiologia revelam que sua vocação não 
é missionária, ou pelo menos, não é conversionista. 
11 
 
 
Considerando o Pentecostalismo originário, os fatos demonstram que, do ponto de vista 
histórico, o movimento pentecostal no Brasil não está diretamente relacionado ao Protestantismo 
que aportou no Brasil no século XIX. O Pentecostalismo brasileiro não tem nenhuma raiz neste 
Protestantismo (BASTIAN, 1992, 330); diferente do que ocorreu em outros países latino-
americanos, como o Chile,onde teria nascido e se desenvolvido em simbiose com congregações 
metodistas (D’ÉPENAY, 1968), os missionários sueco-americanos fundadores da Assembleia de 
Deus não contaram com ajuda de protestantes de missão quando chegaram ao Belém do Pará em 
1911. Estiveram algum tempo entre os batistas, mas logo foram expulsos, e daí em diante 
estiveram por sua própria conta. Os batistas brasileiros nunca apoiaram sua iniciativa; pelo 
contrário, fizeram-lhes dura oposição. O mesmo ocorrendo à Congregação Cristã do Brasil, 
fundada pelo ítalo-americano Luigi Francescon em 1910, na capital de São Paulo e interior do 
Paraná. No caso da Congregação Cristã houve o concurso de ideias presbiterianas, por a 
predestinação ser uma marca doutrinária comum. Contudo, isto é originário da comunidade ítalo-
americana de Chicago e não tem nada a ver com a missão presbiteriana no Brasil. 
Além disto, sociologicamente os dois movimentos desenvolveram-se em estratos sociais 
bem distintos. O Protestantismo brasileiro nasceu em ambientes mais bem-afortunados. Fossem 
os elitizados, como originalmente era a clientela presbiteriana, reunindo elementos que 
compunham a intelligentsia nacional; fossem os meios burgueses, como era comum entre 
metodistas, cuja obra missionária estava voltada para a alta burguesia que formava a clientela de 
suas escolas; fossem os profissionais liberais, como entre batistas, os quais tinham como principais 
adeptos à baixa burguesia profissional. Ou seja, nenhum dos de missão trabalhou primordialmente 
com as camadas mais populares da sociedade como aquela que foi o substrato de onde originou-
se o movimento pentecostal no Brasil (ROLIM, 1985; FONSECA, 2011, 764). O Protestantismo 
histórico envolve denominações com ênfase literária e educacional de características civil e 
racional, partidárias de valores liberais; ao passo que os pentecostais estão mais orientados para a 
oralidade e para “modelos caudilhistas de religião e controle social” (BASTIAN, 1992, 332 e 344). 
 
4 Fonseca enfatiza que no momento da inserção do Pentecostalismo no Brasil a partir do trabalho da Assembleia de 
Deus, havia no entorno de Belém uma grande massa de desocupados, órfãos do débacle da borracha e foi entre estes 
que o trabalho pentecostal começou (FONSECA, 2011). 
12 
 
 
Em suma, tanto a Assembleia de Deus como a Congregação Cristã tiveram como ponto de 
partida o movimento da rua Azuza, em Los Angeles, no início do século XX5 e nenhuma relação 
com o Protestantismo de Missão que se instalou no Brasil. Sabe-se, entretanto, pelo que há de mais 
rudimentar em missiologia, que não há colheita sem semeadura, e nem semeadura sem preparação 
do solo. Assim, se não foram os protestantes históricos que semearam o que os pentecostais estão 
colhendo, como de fato parece ser verdade, pelo menos foram eles que preparam o terreno, 
colocando a Escritura no coração dos brasileiros, forjando a ideia da necessidade religiosa da 
conversão, criando uma expectativa de a ética religiosa estar relacionada com a santificação. Em 
suma, os protestantes de missão criaram necessidades espirituais que os brasileiros educados pelo 
Catolicismo nem conheciam, as quais mais tarde se tornariam a base de um ethos religioso 
compartilhado com os pentecostais. 
Conforme os últimos censos revelam, hoje o Protestantismo Histórico oferece um quadro de 
decadência complexo em que qualquer análise do que lhe esteja acontecendo torna-se uma tarefa 
teórica de grande dificuldade e ao mesmo tempo de grande importância. A primeira hipótese de 
trabalho para explicá-lo é a incapacidade de adaptação dos protestantes às profundas 
transformações sociais experimentadas pelo Brasil nos últimos anos, as quais fizeram com que 
fossem preteridos como opção religiosa, sofrendo até rejeição, como indicam as pesquisas (mais 
adiante a isto tornaremos). A inserção e a estagnação do Protestantismo funcionariam, assim num 
perfeito paralelo, em que os mesmos elementos teológicos e eclesiológicos, em diferentes 
contextos, teriam gerado resultados diametralmente opostos. Ora, isto não chega a ser uma 
novidade no campo religioso, dada a relação que, na maioria das vezes, a religião tem com as 
estruturas políticas de uma dada sociedade. O que espanta foi a rapidez com que, em relação ao 
Protestantismo, a balança inclinou-se para o outro lado; bons e maus anos separados por apenas 
meio século, em um quadro que nos leva a concluir de três maneiras: a) as transformações sociais 
brasileiras foram rápidas e profundas demais, b) o envelhecimento do protestantismo foi rápido e 
profundo demais (ALVES, 1982, 131), c) as duas coisas podem ter acontecido em concomitância, 
uma provocando a outra, como em um ciclo vicioso. É claro, que a terceira conclusão parece mais 
plausível. Mas, qual a parcela de contribuição de cada um destes fatores e como se deu a 
articulação entre eles? Estas são algumas das perguntas que intencionamos responder. 
 
5 Congregação Cristã na América do Norte. Site oficial. “Nossas raízes”. 
13 
 
 
Sendo nosso objetivo traçar um paralelo entre os fatores de inserção e de estagnação do 
Protestantismo, o presente trabalho organiza-se obedecendo esta estrutura, e está dividido em dois 
grandes capítulos: um que trata da inserção, em que são apresentados os fatores de adaptação dos 
missionários protestantes à sociedade e às aspirações religiosas dos brasileiros6; o outro que se 
ocupa de sua estagnação, com os respectivos fatores que geraram o descompasso religioso e 
ideológico nascido de sua missão no Brasil contemporâneo. Essa aparente pobreza estrutural que 
o divide em apenas dois capítulos retrata conspicuamente nossa pretensão inicial. No fim ela, 
deixar sua estrutura desta forma, pois tal como numa imagem refletida por um espelho a 
estagnação do Protestantismo de Missão no Brasil é uma imagem invertida de sua inserção. O que 
era no início em relação à sociedade circundante é o exato oposto do que depois se tornaria. A 
princípio, aliado às forças progressivas, depois aliado às forças reacionárias, valendo-se do mesmo 
discurso para legitimar uma e outra coisa. 
Visto não poder secundar minhas intuições com demonstrações empírico-quantitativas mais 
específicas, pois não foi feito nenhum trabalho de campo nas periferias e favelas do Brasil com 
amplitude suficiente e partir de uma amostragem significativa, ater-me-ei a uma abordagem 
bibliográfica, tentando indicar como a evolução do Protestantismo aponta para a correção destas 
intuições iniciais. A pretensão do projeto, portanto, não vai além de uma sistematização e de uma 
organização do objeto referido, tendo em vista as mudanças que o ambiente religioso protestante 
vem sofrendo no Brasil atualmente, com objetivo de oferecer uma nova panorâmica, que quiçá 
ajude a pensar o que aconteceu e o que pode estar por acontecer neste novo cenário pós-moderno. 
A ambição do trabalho é, como se pode notar, um pouco alentada para os instrumentos 
disponíveis, a modéstia nos recomenda chamá-lo ensaio alargado. Ademais, muita coisa que vem 
dita especialmente em sua primeira parte já foi sobejamente tratada por autores que hoje são 
 
6 A primeira parte de nossa pesquisa inspira-se em um tópico da obra de Pablo A. Deiros, A história do Cristianismo 
na América Latina, onde o autor faz uma breve lista de fatores que favoreceram a inserção do Protestantismo 
(DEIROS, 1992, 663 a 669). Embora ele trate mais da América espanhola do que da lusitana, como os componentes 
históricos e sociopolíticos das duas Américas são similares, essa estrutura pode ser emulada. Exceto, talvez, por um 
menor grau de fanatismo e centralização do Catolicismo em Portugal e no Brasil (esteve ausente de nossa história um 
tribunal do Santo Ofício, por exemplo)e por outras características específicas das terras brasílicas, como, por exemplo, 
o pluralismo ideológico do século XIX (o liberalismo, o positivismo, o jansenismo, o Josefismo, etc.). No mais, nossas 
histórias são compatíveis: o padroado régio, o conflito do liberalismo com o Catolicismo, a articulação do 
Protestantismo histórico com estas novas forças políticas; e mais recentemente, a evolução das igrejas protestantes e 
de organizações paraeclesiásticas, as ditaduras de extrema direita, etc. 
 
14 
 
 
clássicos da sociologia e da história do Protestantismo Histórico. Não tenho como não repetir o 
que disseram, já que faço uma comparação entre os fatores de inserção e os de estagnação. A 
interpretação é que será diversa, tendo em vista que me amparo em fatos e fontes mais atuais. 
Minha ênfase, entretanto, serão os fatores de estagnação, no tocante a que julgo poder contribuir 
com a discussão. 
Quanto a nossos referencias teóricos, valemo-nos do trabalho de grandes estudiosos do 
campo religioso brasileiro e sul-americano, hoje considerados clássicos. Com efeito, Ari Pedro 
Oro aponta para três maneiras fundamentais de abordá-lo: um approach marxista, outro 
dukheimiano e um último weberiano (ORO, 2008, 12), todos eles já explorados: respectivamente: 
Francisco Cartaxo Rolim (ROLIM, 1985), Christian Lalive D’Épinay (D’ÉPINAY, 1968) e Emílio 
Willems (WILLEMS, 1967). Tanto quanto sejam a complexidade e a transitoriedade as marcas 
mais essenciais das ciências humanas, todos estes estudiosos fizeram análises pertinentes do 
fenômeno, resta saber em que sentido e em que medida. A pura e simples aplicação de suas 
conclusões ao campo religioso brasileiro demonstra-se inconsistente, seja porque muito tempo já 
passou desde que esses estudos foram feitos, seja porque isolados sua abordagem é parcial e 
incompleta ante a complexidade do objeto em discussão. 
Francisco C. Rolim, por exemplo, está certo ao associar aos pentecostais um incremento de 
alienação política, contudo hoje é incorreto atribuir isto à própria condição socioeconômica do 
adepto pentecostal, por ver nele “um dominado e dominado porque expropriado” (ROLIM, 1985, 
68). Vários motivos tornam esta conclusão questionável. Primeiramente, porque avulta nesta 
passagem uma visão marxista e opiácia da religião, pela qual a religião seria apenas mais um 
instrumento ideológico de dominação. Vitório Lanternari já demonstrou que essa é uma visão 
unilateral e ultrapassada da religião; a religião tem um potencial revolucionário do ponto de vista 
social, especialmente as religiões de salvação (LANTERNARI, 1963). Em segundo lugar, a 
alienação e a dominação não podem mais ser meramente atribuídas ao patrimonialismo; os tempos 
são outros. O fácil acesso à informação e o ambiente multirreligioso dos dias atuais tornam a 
estrutura social mais porosa, enfraquecendo o controle social das oligarquias. Nesse caso a 
alienação pode resultar da origem escatológica do movimento pentecostal e da substituição de uma 
estrutura de poder político-patrimonialista por uma outra de natureza simbólica, embora não isenta 
de patrimonialismo por causa da teologia da prosperidade. Os pastores pentecostais encarnam hoje 
15 
 
 
um caudilhismo simbólico, revelado em seu crescente poder político, cujo reflexo mais imediato 
é o crescimento da bancada evangélica (mormente pentecostal) no Congresso Nacional brasileiro 
e pela eleição de mandatários evangélicos também para o poder executivo. 
Christian L. D’Épinay corretamente explora a capacidade interpretativa dos processos 
anômicos de Durkheim para explicar o atual contexto religioso. Para ele, a desorganização social 
promovida pela urbanização e pela industrialização ensejou a necessidade de uma reorganização 
da ordem pré-existente, por meio de uma reestruturação dos espaços e instituições com base na 
religião. No Chile onde a sociedade é muito mais coesa e onde o processo de perda de nomização 
teve um efeito menos devastador do que no Brasil, a transformação do país foi de rural para urbano-
rural, por isto faz sentido falar de um retorno à ordem “pré-existente” e de uma recuperação do 
“tradicional” como se apresentava na sociedade estancieira (D’EPINAY, 1968, 228). Contudo, 
aplicar estas categorias sociais ao Brasil não é completamente pertinente. 
Em nosso caso o retorno ao “pré-existente” e ao “tradicional” é impossível porque nossa 
urbanização foi muito mais desestruturante. O novo converso evangélico brasileiro é 
preponderantemente urbano e pouco articulado aos movimentos sociais camponeses; portanto, a 
identidade classista não exerce nenhuma influência neste domínio, a exemplo do próprio 
Pentecostalismo chileno e mexicano, ligados à causa indígena. Desde a sua primeira expansão na 
metade do século passado, o Pentecostalismo brasileiro esteve mais relacionado a motivos 
idiossincráticos e personalistas dos novos conversos do que aos conflitos e à identidade de classe 
(ORO, 2008, 13). Deve-se lembrar que o fiel evangélico brasileiro é principalmente oriundo de 
grandes cidades e, portanto, é mais individualista e, portanto, menos conectado comunitariamente. 
Haja vista ser personalista a maior causa de defecção da Igreja Católica, na medida que seus 
conversos dela saem por motivos pessoais (alcoolismo, problemas financeiros, uma maior conexão 
com Deus) (PEW, 2014, 38); por outro lado, suas ideias religiosas estão marcadas pela fluidez 
doutrinária e ética. Entretanto, os processos sociais anômicos estão presentes e são potencialmente 
mais destrutivos. O que ocorre no Brasil é que à medida que as antigas estruturas sociorreligiosas 
são destruídas pela urbanização explosiva, vão se formando simultaneamente novas estruturas, das 
quais o Pentecostalismo é parte importante. 
Por fim, Emílio Willems, o qual baseando-se no pensamento de Weber, promove uma 
interpretação “compreensiva” do Pentecostalismo, à medida que o adepto, segundo sua percepção, 
16 
 
 
usa estas novas categorias religiosas para se adaptar às mudanças sociais que tiveram lugar durante 
o rápido processo brasileiro de urbanização e industrialização. Willem acredita que o 
Pentecostalismo ajudou a vincular o brasileiro desenraizado, originalmente adepto de um 
Catolicismo Popular, a este novo ambiente urbano e industrial; já que muitas categorias religiosas 
do Pentecostalismo são compartilhadas com este tipo de Catolicismo: possessões, milagres, 
feitiçarias, etc. (WILLEMS, 1967, 134-135). A memória católico-popular certamente exerceu uma 
influência importante na adesão ao Pentecostalismo, servindo, como sugere Willems, de pedra de 
espera para o Pentecostalismo. Contudo, em nossa opinião, hoje em dia o elemento da sociologia 
weberiana mais útil à compreensão do crescimento e evolução dos pentecostais é o processo de 
secularização, especialmente em sua ligação com o surgimento de um ambiente plurirreligioso. 
Como é evidente pelos nomes e pelas obras citadas, o atual Protestantismo de Missão 
brasileiro não pode ser dissociado do Pentecostalismo, sobretudo porque as transformações que 
provocaram o surgimento do segundo, também produziram a retração do primeiro; e à medida que 
o atual ambiente social favorece um e desfavorece o outro, comprova-se a tese inicial desta 
investigação, de que o Protestantismo envelheceu rapidamente, porquanto o ambiente social foi 
modificando-se e transformando-se em algo cada vez mais difícil e imprevisível aos seus métodos 
e práticas missiológicas. 
No contexto contemporâneo, por sua complexidade e pelo estado ainda formativo que 
atravessa, a tentativa de interpretar o ambiente religioso brasileiro de forma relevante afasta-se do 
campo da história social e inclina-se mais para um projeto de constituição de uma sociologia do 
Protestantismo brasileiro. Um campo difícil, onde discutem diversos nomes já consagrados. A 
pretensão dos novatos tornou-se um pouco mais tolerada depois da recentepublicação de pesquisas 
empíricas sobre a atual situação religiosa do Brasil (IBGE, Pew Research Center, etc.). De 
qualquer modo as dificuldades só se atenuaram. O estado de formação e transformação de que se 
revestem os fenômenos analisados oferecem uma opacidade que resiste a interpretações fáceis e 
prontas sobre os agentes sociais em ação, tanto no campo religioso como no campo político. As 
igrejas e denominações, são empurradas pelos concorrentes a assumir posições que inicialmente 
sequer cogitavam, pela necessidade de diferenciação e de formação identitária. Interpretar estes 
movimentos e suas motivações oferecem muitas possibilidades plausíveis e simultaneamente 
17 
 
 
corroborativas, como sói ocorrer nas ciências humanas, tal como demonstra a confluência das três 
abordagens acima. 
Por último deve-se dizer que o presente estudo não nasce em nenhuma medida sob o signo 
desta ou daquela confessionalidade, como soem ser muitas sociologias religiosas. Até porque 
preocupa-se mais em descrever a evolução do Protestantismo brasileiro do que lhe prescrever uma 
trajetória ideal que não foi a sua. Há nesta abordagem uma ponta de pessimismo, porque parece 
ser impossível o que os movimentos religiosos buscam como projeto institucional: a instauração 
do reino de Deus. A lógica institucional será sempre a preservação do status quo, portanto, 
propenderá para a imobilidade, enquanto a sociedade a seu redor vai se transformando. Contudo, 
não se deve admitir que um determinismo inexorável acabe justificando o excesso de ética 
institucional dos administradores eclesiásticos do passado e do presente, esta que geralmente tem 
objetivos opostos à ética do reino. Ou seja, como o reino de Deus é algo impossível, lutemos pela 
instituição. Se a utopia do reino ainda é possível hoje, como a esperança nos recomenda, podendo-
se tirar lições dessa história trágica de decadência para os que hoje lutam por uma Igreja mais 
humana e missionária, bem como para os que se debatem para abandonar o caminho que leva à 
irrelevância. 
Fica aí o incentivo à formulação de uma estratégia de revitalização adequada a igrejas 
decadentes. O papel deste trabalho é apenas fornecer o diagnóstico; o remédio, peçam-no aos 
teólogos. O tema bem merece uma obra específica relacionada às matérias de uma disciplina 
comumente chamada na teologia de Crescimento de Igreja. Mas isto, por ora, está além das minhas 
forças. 
 
 
CAPÍTULO II 
 
Fatores de inserção do Protestantismo de Missão 
18 
 
 
 
2.a. Introdução 
Falar do Protestantismo no Brasil não é fácil. Em sua história tem sido atravessado por 
contradições internas que sempre o mantém tensionado entre ideais contraditórios: o 
conservantismo político e a responsabilidade social, o confessionalismo e o ecumenismo, o 
Fundamentalismo e o Modernismo teológicos. 
Além disto, a se respeitar o rigor das ciências sociais, por não ser um bloco monolítico como 
a Igreja Católica, mas um mosaico formado por diversas denominações, nem se deveria falar de 
forma tão genérica do Protestantismo. Como vimos, para dar conta desta complexidade houve 
várias tentativas de tipologizar os protestantes que vieram para o Brasil. A que me pareceu mais 
útil é aquela que divide os protestantes em três grupos: o Protestantismo de Imigração, formado 
por todos os que estiveram envolvidos na Reforma do século XVI; o Protestantismo Histórico ou 
de Missão, que surgiu cem anos depois, grupo que inclui batistas, metodistas, presbiterianos e 
congregacionalistas (BASTIAN, 1993); e o Pentecostalismo que ficou latente durante boa parte 
do século XX e deslanchou após o início do processo de industrialização, a partir de seus meados. 
O Protestantismo que nos interessa nesta investigação, aportou no Brasil XIX e é 
primeiramente filho da Reforma. A Reforma que colocou a Bíblia nas mãos dos crentes e lhes deu 
autonomia para entender o texto por si mesmos, estabelecendo a sede da autoridade religiosa na 
consciência do leitor e no próprio texto, que, de então, passaria a ser autônoma e não heterônoma, 
como nos dias do Medievo. Os presbiterianos estão especialmente assinalados por esta marca, o 
que não é de admirar dada sua maior proximidade cronológica com a reforma do século XVI. 
Depois há o individualismo ainda mais marcado do Pietismo que procurava atenuar a excessiva 
ênfase doutrinária da ortodoxia superveniente aos protestantes de primeira geração, construindo 
em lugar disto uma fé baseada em uma experiência religiosa peculiar, com conteúdos subjetivos e 
existenciais (AMESTOY, 2010, 16): “a vida cristã era mais importante do que fórmulas 
teológicas” (ESCOBAR, 2015, 19). Os metodistas, batistas7 e congregacionistas, são mais afins a 
esta linha. 
 
7 Os batistas rejeitam a designação de protestantes, preferindo ligar-se diretamente à Igreja cristã do primeiro século. 
Nisto não estão sozinhos. Todas as seitas institucionalizadas têm esta mesma pretensão de negar sua própria 
19 
 
 
O próprio denominacionalismo norte-americano, onde tantas denominações interagiam em 
uma convivência tão próxima, produziu no longo prazo transformações doutrinárias, como é o 
caso da espetacular mutação dos puritanos originais em unitarianos na Nova Inglaterra do século 
XIX, e por fim em universalistas nos dias atuais; ideologias compartilhadas, nascidas de lutas 
comuns pela liberdade religiosa, contra o alcoolismo e o tabagismo, contra a escravidão; 
diferenciações em práticas litúrgicas, como por exemplo, a questão do batismo infantil, que dividiu 
presbiterianos e batistas. E tudo isto junto, produziu uma infindável lista de novas denominações 
e movimentos religiosos, gerando tantas transformações e desdobramentos que o Protestantismo 
viu-se transformado em um fenômeno “tão complexo que confunde historiadores, teólogos, 
sociólogos” (MENDONÇA; VELÁSQUEZ, 1990, 108). 
Levando em conta a classificação acima, o Protestantismo brasileiro, pelo modo que foi 
constituído, é ainda mais difícil. Ele não nasceu, como nos Estados Unidos de congregações 
inteiras transplantadas para o novo mundo, fugindo à perseguição na Inglaterra, e por isto mais 
propendentes a conservar suas características originais. No Brasil as primeiras congregações 
protestantes resultaram ou de iniciativas particulares (o casal Kelley), ou de missionários que 
trabalhavam isolados (Simonton, Spaulding, Kidder, etc.), dispondo de parcos recursos e com 
pouco contato com as agências comissionadoras. Além disto, pelo modo como foram recebidos no 
Brasil, sofreram influência da religiosidade brasileira e de outras singularidades do contexto de 
inserção, tudo isto fez as denominações instaladas no Brasil, com o passar do tempo, apresentarem 
distinções em relação àquele Protestantismo que desatracou dos portos americanos em demanda 
ao Sul do continente. Apesar de sua natureza anti-sincrética, por cauda da ênfase doutrinária que 
os caracteriza, não houve como evitar o compartilhamento inter-denominacional. Como minorias 
insignificantes em face do Catolicismo hegemônico e onipresente, nos primeiros tempos, estas 
denominações acabaram desenvolvendo-se em um ambiente simbiótico em que as fronteiras 
denominacionais não eram tão rígidas quanto em sua origem (nem quanto agora), criando uma 
matriz básica, responsável pelos fundamentos do Protestantismo brasileiro: 
 
historicidade e sua relação com outros movimentos afins. Mas, a bem da verdade, embora não tenham relação direta 
com os anabatistas, protestantes mais radicais abominados tanto por Calvino como por Lutero, sua teologia coincide 
parcialmente com a deles, principalmente quanto à negação do paradigma pós-constantiniano, por não aceitarem o 
conceito territorial da fé, por defenderem em lugar do batismo infantil o batismo adulto; e por rejeitarem qualquer 
vinculaçãoda política com a Igreja. 
20 
 
 
O que têm em comum estas denominações? Na prática são arminianas, embora alguns 
presbiterianos afirmem crer na dupla predestinação. São puritanas em seu 
comportamento, exigindo, umas mais que outras, o cumprimento de uma disciplina moral 
caracterizada pelo negativismo dos costumes: não beber, não fumar, não dançar – o 
isolamento total da mundanidade. São pietistas, enfatizando o contato direto do crente 
com Deus, a experiência pessoal de conversão e santificação ou perfeição cristã. São 
também anticatólicas, embora algumas, como a metodista, participem de projetos comuns 
com a Igreja Católica e mantenham, pelo menos em nível de cúpula, relações muito 
estreitas com bispos e autoridades católicas. Como ocorria no começo do século, o 
Catolicismo romano continua sendo visto como a besta do Apocalipse. Finalmente, estas 
denominações são avessas aos projetos de mudança profunda das estruturas sociais. 
Defendem, quando muito, reformas sociais, de modo que a miséria não seja acentuada. 
(MENDONÇA; VELÁSQUEZ, 1990, 109). 
 
Obviamente muitos desses desenvolvimentos foram posteriores, como por exemplo, a não 
mencionada influência do Pentecostalismo na teologia e na adoração dos protestantes. Mas isto 
cabe discutir mais adiante. Por ora cabe considerar o Protestantismo de inserção, que por sua ênfase 
mais e menos denominacional teria deixado o processo de diferenciação em segundo plano; não 
faltando exemplos de pessoas de confessionalidades diferentes compartilhando o mesmo espaço 
sagrado, como atestam os relatos dos primeiros missionários. Esta percepção pode induzir à 
conclusão de que o ambiente religioso se configurava como uma bipolarização simples entre 
protestantes e católicos. Nada mais errôneo. À época da inserção o ambiente ideológico era muito 
complexo, talvez mais do que nos dias atuais. A sociedade brasileira sofria diversas influências 
culturais e políticas vindas da Europa e dos Estados Unidos, o que nos permite a conclusão de que 
havia à parte de um monopólio religioso institucionalizado do Catolicismo, já que oficialmente era 
a religião nacional, uma certa lassidão no emprego da palavra, que variava ao sabor de diversas 
matrizes culturais: Positivismo, Galicalismo, Regalismo, Liberalismo, Ultramontanismo, etc., as 
quais disputavam entre si qual tinha-lhe a melhor interpretação. O Protestantismo certamente 
favoreceu-se deste ambiente plural e de outras transformações decorrentes da modernização do 
Brasil. 
Destacamos a seguir os principais fatores que concorreram para a inserção do Protestantismo 
Histórico no Brasil. Não foi possível evitar completamente as repetições pela razão de estarem 
estes fenômenos sociais e históricos interligados, especialmente em se tratando de um contexto 
político-religioso monolítico como pode-se dizer era constituída a sociedade brasileira antes da 
Constituição de 1891, que separou as esferas do Estado e da Igreja. Entretanto, não faço distinções 
arbitrárias; respeito a preponderância dos agentes à medida que se manifestam na história, 
21 
 
 
conquanto saiba que é mesmo difícil separar o político do religioso, o ideológico do religioso, em 
uma sociedade que funcionava quase como uma teocracia. 
2.b. Fatores Sociais 
A origem norte-americana do Protestantismo aponta para um contexto em que o 
denominacionalismo colocava católicos e protestantes em situação de igualdade, algo que não 
poderia ocorrer ao Brasil, estando este país ligado a um Catolicismo hegemônico e tri-secular, 
instalado em consórcio com o poder colonial, imposto pela força das armas e das leis, e não longe 
indo o tempo em que a única condição para se entrar neste país era não ser herege, ou seja, 
protestante ou judeu (FREYRE, 2001, 90). 
Outra diferença em relação ao contexto norte-americano era a falta de mobilidade originária 
da sociedade brasileira, a qual se constituiu como um dos fatores mais fundamentais para a 
longevidade da hegemonia católica. Nos Estados Unidos a intensa e extrema mobilidade 
populacional, primeiro pela vinda dos imigrantes europeus e depois pela marcha para o Oeste, 
favoreceu a proliferação de denominações e seitas, dificultando qualquer tentativa de 
estabelecimento de relações hegemônicas por parte das denominações mais antigas. A sociedade 
brasileira, ao contrário, era extremamente estratificada e herdara sua estrutura do feudalismo tardio 
português (mais patrimonial do que feudal)8, para cá transplantando-a em toda sua rigidez 
hierárquica, em uma quase separação em castas, cujo gradiente de classificação estava pré-
determinado pelo fenótipo do indivíduo, por sua educação, por sua relação com a coroa e a 
burocracia da metrópole, e pelo número de escravos que possuía. Especialmente nas regiões onde 
a atividade econômica era mais intensa e lucrativa, onde imperava uma nobreza de terra, uma 
pequena fidalguia, funcionando desde os primórdios quando o Brasil foi dividido em capitanias, 
fazendo com que a colonização se transformasse em um empreendimento mercantilista, baseado 
em investimentos de ricas famílias portuguesas porque a coroa não tinha recursos suficientes para 
explorar nossos recursos (FREYRE, 2001, 79 e 80). E foi assim que se instituiu no Brasil o 
 
8 De acordo com a conhecida tese de Raymundo Faoro, segundo a qual em Portugal nunca se instalou um feudalismo 
genuíno, pois a propriedade das terras e dos patrimônios não eram fundamentais na economia mercantilista portuguesa 
e nem obedeciam à lógica rígida do feudalismo, onde nobres e escravos estavam atados à terra desde o tempo da queda 
do Império Romano. As terras em Portugal, e, portanto, a fidalguia, eram resultado de doação régia, uma vez que estas 
tinham sido arrancadas aos mouros e leoneses, pelo que pela espada do rei e sob sua autoridade existiam. Este mesmo 
modelo econômico teria sido usado na exploração do Brasil (FAORO, 2012). 
22 
 
 
patrimonialismo, baseado na distribuição de privilégios aderidos ao exercício do domínio em nome 
do rei. Os fidalgos foram os instrumentos utilizados pela coroa portuguesa para organizar o Brasil 
de forma que produzisse rendas para o rei de Portugal e para aqueles que empreendiam nestes 
domínios (FAORO, 2012). 
Completando este estamento de privilegiados, havia uma nobreza eclesiástica de bispos e 
abades que atuavam também na esfera político-religiosa, conforme o padroado régio assim o 
estipulava. O governo da Igreja permaneceu nas mãos dos monarcas de Portugal e dos imperadores 
do Brasil durante a maior parte de nossa história, de sorte que o Estado português tanto cobrava os 
impostos eclesiásticos como os administrava, pagando também aqueles que deles viviam (AZZI, 
1977, vol. II, 163). “Os bispos eram considerados nobres vinculados à coroa real” e não raro 
atuavam em função administrativa, “exercendo função supletiva de cargos públicos” (AZZI, 1977, 
vol. II, 172), em especial no governo das províncias e na ausência de seu titular (AZZI, 1977, vol. 
II, 167). Eles, portanto, faziam parte do estamento que governava e comandava os destinos da 
nação portuguesa e do mundo colonial. 
Além deste estamento privilegiado e contrariando a decantada dicotomia senhor/escravo, 
havia uma rica fauna de classe no mundo colonial. Ao redor destas duas classes giravam os demais 
atores sociais de menor envergadura: “ 
A classe proprietária [...]: senhores de rendas advindas de imóveis, escravos, bancos, 
valores e créditos [...]; a classe lucrativa [...]: comerciantes, armadores, industriais, 
empresários agrícolas, banqueiros, financistas e profissionais liberais com vasta clientela 
[...]; a classe média abarca as camadas intermediárias do grupo de proprietários e 
especuladores e mais setores de expressão própria, a pequena burguesia antiga e a nova 
classe média dos empregados com status quase autônomo; [na base da pirâmide], os 
escravos,os déclassés, os pobres e os devedores (SOUZA, 1999, 340 e 341). 
 
Estas categorias sociais fixadas em um complexo sistema burocrata e escravocrata, ditado 
pela lei, pela religião e pelo sangue9 (CASIMIRO, 2006, 20-21) perdurarão também no Brasil 
 
 
9 A estrutura social do mundo hispânico da América não era muito diferente da realidade no lado luso do continente: 
“A sociedade colonial estava composta por diversas classes sociais que se distinguiam tanto por suas funções como 
pelo grau de cultura, poder econômico, e pela raça. As classes eram as seguintes: (1) peninsulares (colonos nascidos 
na Espanha) que ocupavam as posições mais destacadas do governo e da Igreja, na fidalguia das cortes, e na maior 
parte do episcopado. (2) Os crioulos (filhos de espanhóis nascidos na América) que controlavam as cidades e por 
vezes ganhavam posições de responsabilidade como administradores governamentais. Entre eles havia muitos que 
eram bem ricos, a alguns receberam títulos nobiliárquicos da coroa. Como na Europa, as mais prestigiosas profissões 
23 
 
 
Império, com a diferença de que no período imperial entra em cena uma nova casta: uma nobreza 
militar, nascida das revoluções que o Brasil enfrentou durante o período de regência e pela 
acomodação territorial da América do Sul, pela guerra do Paraguai e outras conflagrações 
bilaterais. A república velha não trouxe grande alteração a esta estrutura, senão pela introdução de 
um baronato do café e da indústria no acume dessa pirâmide. A posse de terras permaneceria o 
passaporte para uma cidadania plena no Brasil. No império, só tinham direitos políticos, ou seja, 
podiam votar e ser votados, os cidadãos que possuíssem uma certa quantidade de terras 
agricultáveis (GUMBRECHT, 2016, 30). A educação superior, outra forma de alterar os marcos 
pétreos de classe no Brasil, era precária e só acessível aos favorecidos por privilégios de 
nascimento, à exceção de alguns apadrinhados de poderosos (BOSI, 1992, 13), geralmente filhos 
ilegítimos desses. Em nenhum momento de sua história a mobilidade social no Brasil foi suficiente 
para romper a estrutura sociorreligiosa hegemônica imposta pelo Estado-Igreja luso-brasileiro, de 
sorte que, tornar-se protestante no Brasil colonial era impossível, e no imperial significava “perder 
sua posição” na sociedade (CCLA, 1917b, 25) e descer muitos degraus na escala social, perdendo 
direitos de uma já reduzida cidadania. 
Não admira que os primeiros brasileiros convertidos ao Protestantismo tenham vivido numa 
província onde a influência da sociedade portuguesa era mais difusa e por isso menos efetiva, 
região não requisitada pelos interesses da coroa portuguesa porque nunca se destacou como 
geratriz de grandes riquezas; habitada por mestiços, não sendo cultivadas nela a cana-de-açúcar e 
tampouco achadas nelas ouro e pedras preciosas. Fosse porque fosse, já por pobreza em recursos 
naturais, já por estar longe das principais rotas comerciais, a província de São Paulo foi a primeira 
sede da inovação e da brasilidade, entregando-se seus habitantes ao apresamento de bugres e à 
caça de minérios na hinterlândia brasileira, em vez de trabalharem no amanho da terra, como era 
comum no resto do Brasil. As entradas e bandeiras paulistas foram as criadoras da identidade 
nacional, como escreve Darcy Ribeiro. Foi lá entre uma gente mestiça e subversiva às estruturas 
do feudalismo patrimonial português, que se moldou a matriz da brasilidade (RIBEIRO, 1995). 
Foi em São Paulo criado o partido republicano (1873) que se tornou um forte oponente aos 
monarquistas e aos militares dos primeiros anos da república (SCHIMIDT, 2015, 31). Em São 
 
neste grupo eram os advogados e o jurisprudentes. (3) Os mestiços que pouco a pouco tornaram as grandes massas 
urbanas. (4) Os índios que eram e permaneceram principalmente as massas rurais. (5) Os negros e mulatos que 
conseguiram sua independência depois da revolução”. (DUSSEL, 1974, 172). 
24 
 
 
Paulo estouraram as revoluções que derrubaram regimes ou pelo menos abrandaram o despotismo 
dos ditadores. Foi lá também que o trabalho escravo foi mais rapidamente substituído pelo 
assalariado, e igualmente deu nascimento às ocupações industriais. E foi lá também, por tudo isto, 
que o Protestantismo histórico encontrou terra fértil para seu primeiro florescimento. 
A lavoura do café foi a grande responsável por isto, pela mobilidade populacional que 
produzia um ir e vir incessante de trabalhadores pobres e transumantes vagueando de fazenda em 
fazenda, em busca de trabalho, na limpa do café, na colheita; muitas vezes, estrangeiros ou 
forasteiros, portanto, sem laços com a sociedade local. Os primeiros protestantes brasileiros de 
ascendência lusa e mestiça foram batizados nesta região cafeeira do interior de São Paulo. Como 
escreve Leonildo S. Campos citando A. G. Mendonça, o crescimento do Protestantismo histórico 
no Brasil “seguiu a rota do café” (CAMPOS, 2017, 100; MENDONÇA; VELÁSQUEZ, 1990, 
103). 
No resto do país a urbanização também foi avançando, corroborando para as transformações 
estruturais da sociedade brasileira. Com o advento da industrialização e o crescimento das cidades 
no último quartel do século XIX, a inserção do Protestantismo também foi favorecida pela mesma 
razão: as populações desenraizadas geradas pelo processo. Os novos territórios que nasceram deste 
crescimento, nas bordas das cidades, e ainda intocados por um Catolicismo mais institucionalizado 
tornam-se terrenos importantes para a semeadura protestante, tal como ocorrera nos Estados 
Unidos. Os novos conversos nestas áreas encontram pouca resistência social para aderir ao 
Protestantismo10. 
2.c. Fatores Históricos 
Sob este tópico põem-se a lume acontecimentos históricos específicos que de alguma forma 
concorreram para a inserção do Protestantismo de Missão no Brasil. Obviamente, estes fatores não 
podem ser dissociados dos sociais, dos político-ideológicos ou dos religiosos, pois os 
acontecimentos-chave aqui descritos não surgiram por geração espontânea, mas foram despertados 
por certas ideias. Contudo, o destaque se justifica porque se quer identificar acontecimentos axiais 
 
 
10 Repetiu-se a mesma situação mais recentemente com o crescimento pentecostal, especialmente a Congregação 
Cristã do Brasil, que fez bom número de conversos entre os imigrantes italianos no interior e entre os nordestinos na 
grande São Paulo. 
25 
 
 
e sua influência direta para gerar circunstâncias ambientais favoráveis à esta inserção, como por 
exemplo a criação de leis e tudo o que alterasse a conformidade social brasileira ao Catolicismo. 
2.c.1. A presença protestante: pré-ocorrências axiais 
Durante seus primeiros séculos de existência do Brasil, o contato dos brasileiros com outras 
formas de culto foi sempre episódico. O primeiro desses episódios foi a chegada de huguenotes 
franceses ainda durante o século XVI, com a tentativa fracassada de estabelecimento de um 
empreendimento colonial francês, a França Antártida, na Bahia da Guanabara. Juntamente com 
alguns protestantes que os acompanharam Villegaignon e Jean de Léry implantaram o culto 
protestante entre os colonizadores da efêmera colônia francesa no Rio. Sua chegada fez-se 
acompanhar daquilo que sempre foi marca das mais vitais do Protestantismo: o divisionismo 
teológico. Thomas Ewbank em seu livro Vida no Brasil, não se sabe a partir de que fontes (o relato 
de Ewbank foi escrito em meados do século XIX), descreve as dissenções teológicas sobre o 
batismo e a santa ceia, que perturbaram a incipiente colônia francesa logo em seus primeiros dias, 
havendo um grupo mais tradicional nas práticas calvinistas e outro mais displicente, criando um 
ambiente de contendas e discussões que só facilitoua retomada de suas benfeitorias pelos lusos 
(EWBANK, 1856, 81). Ao fim e ao cabo, o Calvinismo no Brasil virou um abortivo, embora 
estivesse já planejada uma leva de cerca de dez mil huguenotes franceses que estavam prontos a 
virem da França colonizar o Brasil (FARRA, 1960, 16). 
Mais tarde, tendo os holandeses invadido parte do Nordeste (Bahia e Pernambuco) ao tempo 
quando faltaram herdeiros à dinastia portuguesa (Sebastião desapareceu sem deixar descendentes), 
governava a cada espanhola, além da própria Espanha, a Portugal e às colônias. Os holandeses 
estando em guerra com a Espanha, resolveram invadir o Brasil. E não tiveram dificuldade para 
expandir seus domínios e conquistar lealdades em quase toda a costa atlântica do Nordeste, porque 
na percepção dos brasileiros, o Brasil naquela época já estava dominado por estrangeiros 
(Espanha). Os neerlandeses ficaram no Brasil por mais tempo do que os franceses, e, por isso, a 
princípio, obtiveram sucesso em desconverter Judeus e outros que viviam sob o jugo do 
Catolicismo português. Contudo, quando Maurício de Nassau assumiu o governo do Nordeste 
holandês sua visão tolerante e religiosamente descompromissada com a Igreja Reformada custou-
lhe o desagrado de ministros deste culto que já estavam no Brasil há mais tempo e sonhavam com 
proscrição do Catolicismo e a exaltação da fé reformada em seu território (FARRA, 1960, 17). Daí 
26 
 
 
não se sabe se por inveja ou por pura intolerância, Nassau foi chamado à metrópole para explicar-
se e logo os portugueses que neste meio tempo haviam novamente assumido as rédeas do país, 
aproveitaram as disputas internas suscitadas por sua ausência, puderam retomar o Nordeste para 
as cores lusitanas. Expulsos os invasores, a repressão portuguesa voltou e se encarregou de 
desconverter os poucos calvinistas que restavam, mais uma vez varrendo para longe do Brasil a fé 
protestante. 
É enigmático que no Brasil os territórios não afeitos à presença Protestante bem recebessem 
os missionários e aqueles afeitos, não. Isto se conclui pela penetração protestante no século XIX 
ter ocorrido mais ao Sul e Sudeste, enquanto no Nordeste ficou circunscrita ao litoral. O interior 
nordestino sempre resistiu muito ao Protestantismo. Não só porque ali vociferava um “Catolicismo 
Medieval” (FARRA, 1960, 102), com suas superstições e relíquias, fanatismo, festas, ladainhas, 
aufragelações e penitências11 e uma grande ignorância da Escritura, melhor dito, de qualquer 
escritura, pelo colossal contingente de analfabetos que ali sortia à espera de pregadores, homens 
santos, praticantes de algum tipo messianismo e/ou taumaturgia itinerante. Foi o Nordeste também 
onde primeiro houve manifestações de um espírito nativista, contrário aos invasores holandeses e 
hereges. E daí em diante sempre houve a manifestação de figuras religiosas não-conformistas e 
revolucionárias que alimentavam as esperanças de um povo abandonado pelo governo central do 
Brasil12. 
Contrariamente a estes protestantismos, cujo efeito sobre a religiosidade brasileira foi 
inócuo, houve um Protestantismo, que embora igualmente não fossem missionários, favoreceu 
enormemente a inserção do Protestantismo no Brasil por vias indiretas, sobre isto falaremos a 
seguir. 
 
11 “O Catolicismo de nosso povo era profundamente marcado por um caráter penitencial”. Isto no Nordeste era ainda 
mais acentuado por causa das calamidades que castigavam a região, onde secas periódicas, epidemias e doenças que 
traziam miséria e morte a um povo já maltratado pela pobreza e o abandono. Estes flagelos eram em geral interpretados 
como “castigo” de Deus e motivavam grandes procissões de penitência (HAUCK, vol. II/2, 1980, 219). 
12 No Nordeste o Estado só chegava às cidades litorâneas, no interior imperava a figura do coronel e de jagunços a seu 
serviço, que espoliavam os pobres, roubavam-lhes as terras, dando origem ao cangaço a à religião revolucionária. 
Eram a estas lideranças leigas ou do baixo clero que a população recorria na hora do desespero. Duas das maiores 
figuras da religiosidade do Nordeste tiveram este caráter. Uma delas, o messiânico conselheiro Antônio Mendes 
Maciel, que na Bahia arrebanhou um exército contra a República recém instaurada, construiu uma capital no meio do 
nada (Canudos), terminando sua revolta sufocada com muito derramamento de sangue e com a destruição de Canudos. 
Outra grande liderança assaz importante foi o taumaturgo padre Cícero Romão Batista, que virtualmente governou o 
interior do Ceará (de Juazeiro do Norte) até morrer, com a aquiescência do governo brasileiro, em reverência à ubíqua 
influência do religioso na região (FARRA, 1960, 101-102). 
27 
 
 
 
2.c.2. O Protestantismo de Imigração 
 
O primeiro contato da civilização brasileira com uma cultura religiosa não católica no século 
XIX começou a desenhar-se com a celebração do Tratado de Comércio e Navegação (1810), que 
abria os portos brasileiros ao comércio com o mundo. Esse foi firmado entre ingleses e o governo 
português, estando o governo da Lusitânia temporariamente estabelecido no Brasil desde 1808. O 
próprio rei e sua corte, desde que pressionados pelas tropas napoleônicas em Portugal (porque seu 
governo não havia aderido ao bloqueio continental imposto à Inglaterra), tinham vindo fugidos 
refugiar-se no Rio de Janeiro. Este tratado dava aos britânicos o direito de terem capelas e a 
liberdade de celebrarem seu culto em território brasileiro 13, o que como já vimos, foi uma mudança 
radical em relação à política colonial de intolerância, quando a principal condição para se pôr os 
pés no solo brasileiro era ser católico e não ser herege. 
Em 1820 era inaugurado o primeiro templo Protestante no Brasil (AZZI, vol. II, 1985, 237). 
Quatro anos depois, o Protestantismo começa a provocar mudanças estruturais na sociedade 
brasileira. Neste ano iniciaram-se as massivas imigrações alemãs para o Brasil, alentadas pela 
constituição imperial de 25 de março de 1824, que nesse mesmo ano proclamava a liberdade 
religiosa e proibia as perseguições por motivo religiosa, embora ainda conservasse o Catolicismo 
como religião de Estado (BASTIAN, 1990, 82 e 83). Naquele ano começaram a chegar Nova 
Friburgo (RJ) e São Leopoldo (RS) os primeiros protestantes, totalizando 4.800 pessoas até 1830. 
Foram fundadas nestas localidades as primeiras igrejas luteranas (HAUCK, vol. II/2, 1980, 239). 
E este número foi aumentando a cada ano chegando a totalizar 61 congregações em 1864, a maior 
parte delas no meio rural, visto serem agricultores seus frequentadores. Pastores ordenados havia 
poucos, alguns até tinham sido agenciados pelo governo e recebiam seus salários pagos pelo erário 
público brasileiro (HAUCK, vol. II/2, 1980, 239). A partir de 1861 a Sociedade Missionária da 
 
13 Houve tratados semelhantes na América espanhola. Por exemplo, em 1825, ano em que a Inglaterra finalmente 
reconheceu a independência de vários países latino-americanos, talvez até como entendimento prévio para que isto 
acontecesse, A Argentina e a Inglaterra firmaram um tratado de Livre Comércio que garantia também a liberdade de 
culto para que cidadãos britânicos pudessem, em seus lares e em igrejas (DUVE, 2008, 228). O processo de abertura 
religiosa na Argentina sofreria ainda um retrocesso com a nova Constituição de 1826, que simplesmente ab-rogou as 
disposições anteriores, ratificando na Constituição de 1829 o Catolicismo como Igreja oficial do Estado (DUVE, 2008, 
229). Com o México ocorreu algo semelhante, foi protelado seu reconhecimento pela Inglaterra até o México assinar 
finalmente seu primeiro acordo em 1825, pelo qual garantia a liberdade religiosa, o qual, à semelhança da Argentina, 
foi revisado no ano seguinte e, hesitantemente, passou a garantir apenas o direito à liberdade religiosa em privado,nas 
residências dos britânicos (CRUZ, 2011, 138-139). 
28 
 
 
Basileia começou a enviar pastores para as províncias de Santa Catariana, Espírito Santo, Rio de 
Janeiro e Minas Gerais (HAUCK, vol. II/2, 1980, 240). 
A vinda destes imigrantes não podia ser de nenhum modo dificultada, pois isto fazia parte 
de uma política de Estado, sob a chancela do selo imperial, que, motivado por ideias racistas do 
século XIX (a ideologia do branqueamento) (TELLES, 2004, 26), desejava aumentar o percentual 
de caucasianos na composição da população brasileira, que naquela época era mínima. Daí que o 
esforço do governo era a todo custo tornar o Brasil um lugar atrativo para o imigrante europeu, 
outorgando aos estrangeiros que vinham viver no Brasil, além da cidadania, ainda outros direitos, 
como por exemplo, a propriedade de terras e a liberdade para viverem a fé de seus ancestrais. 
A população brasileira era esmagadoramente negra e parda e havia nos meios ‘científicos’ a 
ideia prevalente de uma superioridade racial branca em relação às raças não brancas (pior ainda 
como no nosso caso, como se tratasse de uma população miscigenada, ou seja, enfraquecida 
naquilo que restava de bom na genética dos inferiores) (TELLES, 2004, 29). Arthur Gobineau, 
cientista francês, visitando o Brasil nestes dias, deu o terrível veredito de que o Brasil desapareceria 
caso não fosse melhorado o patrimônio genético de sua população, porque a excessiva 
miscigenação estava destruindo o que havia de melhor nas raças. 
Além disto, havia o problema da falta de vocação industrial do país, então 
predominantemente agrário, estando as inciativas industriais restritas ao Centro-Sul, inspiradas 
nos sonhos de um único homem, Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá. Obviamente, não 
era suficiente para o desenvolvimento do Brasil. Este foi outro motivo que levou o imperador a 
dar início a uma política nacional de imigração, tendo como objetivo a rápida europeização do 
Brasil. A entrada do Protestantismo de imigração em nosso país foi um efeito colateral desta 
política. 
Em 1848 ocorreu um grande surto migratório por causa da contrarrevolução na Alemanha, 
portanto, predominando neste tempo a vinda de imigrantes os liberais, que fugiam da reação 
monarquista e conservadora que, retomando o poder, fez aumentar a repressão e a cassação de 
liberdades civis. Uma vez no Brasil estes liberais lutariam por mais mudanças na legislação 
brasileira e pela conquista da cidadania plena do imigrante alemão, que até então só tinha sido 
cidadão de segunda categoria. Até 1871, entraram no sul do Brasil cerca de 300 mil imigrantes de 
29 
 
 
origem alemã, a maior parte proveniente do norte do país onde a população é predominantemente 
protestante. Com efeito, mais da metade dos adventícios eram mesmo protestantes (BASTIAN, 
1990, 82 e 83). 
Claro que um contingente destas proporções tornaria necessárias algumas adaptações legais 
e políticas da sociedade brasileira para a recepção e acomodação dos recém-chegados. Nos 
primeiros anos, como dito, os imigrantes eram cidadãos de segunda classe; porém, à medida que 
o tempo foi passando e suas reivindicações foram sendo atendidas, esta condição foi se alterando. 
Um bom exemplo foi o casamento protestante. A princípio a união protestante legalmente não 
existia porque as leis brasileiras só reconheciam o casamento religioso e este católico. Devido a 
este fato havia um grande número de famílias alemãs vivendo em concubinato, as quais como 
uniões ilegítimas, criavam uma prole considerada bastarda, ou seja, sem direitos em caso de 
sucessão por morte ou na transmissão de legados; sem falar do problema do preconceito dirigido 
a estas famílias. Havia também as arbitrariedades de sacerdotes católicos que anulavam os 
casamentos protestantes, situação que provocou até uma legação do Império alemão ao Brasil 
(REILEY, 1984, 49). Finalmente o governo imperial brasileiros regulamentou em 17 de Abril de 
1863 por meio de um decreto a lei que autorizava os pastores protestantes devidamente registrados 
a realizarem casamentos com efeito civil em suas próprias congregações (REILEY, 1984, 49). 
Um dos episódios mais dramáticos que exemplificam as vicissitudes dos protestantes no 
Brasil foi um incidente envolvendo o núncio apostólico Gaetano Bedini, adido à corte brasileira. 
Em visita à Petrópolis, onde havia uma importante colônia alemã e onde a liberdade de culto 
constitucionalmente estabelecida era respeitada rigorosamente, o núncio provocou enorme 
desconforto diplomático, destemperando-se ao saber de casamentos inter-religiosos entre luteranos 
e católicos, afirmando em um sermão que estes casamentos eram destituídos de valor legal e que 
as crianças nascidas deles eram ilegítimas perante a lei e a Igreja. O núncio do papa Pio IX logo 
foi desautorizado pelo imperador, pois, embora ignorasse, já havia um consentimento papal para 
a realização destes casamentos, uma concessão especial ao Império do Brasil, até àquela altura, 
não concedida a nenhum outro país da América espanhola (FARRA, 1960, 33). 
Outra contribuição do Protestantismo de imigração para o início das missões protestantes no 
Brasil foi tornar mais familiar o culto acatólico aos brasileiros que de todo os ignoravam desde a 
primeira missa rezada por ocasião do ‘descobrimento’. Com efeito, quando em 1810, era celebrado 
30 
 
 
o Tratado de Comércio e Navegação entre Portugal e Inglaterra inaugurou-se uma nova era de 
liberdade religiosa no Brasil, havendo sido concedido o direito aos protestantes ingleses poderem 
viver sua fé em solo brasileiro; não sendo poucos os cidadãos ingleses que naquele tempo viviam 
no Brasil, trabalhando no comércio e na indústria. Em função disto, alguns clérigos anglicanos 
foram convocados a assisti-los, sendo em 1820 inaugurado o primeiro templo protestante no Brasil 
(HAUCK, II/2, 1980, 237). 
Esta familiarização pode ter se repetido ainda com mais intensidade no testemunho de muitos 
brasileiros quando chegavam a conviver com protestantes. A conversão do ex-padre José Manoel 
da Conceição, o primeiro pastor brasileiro, responsável pela conversão de muitas pessoas no 
interior de São Paulo à Igreja Presbiteriana, também ocorreu por este motivo. Como ele mesmo 
relata. Ele foi atraído ao Protestantismo pela forma de vida dos protestantes de migração que 
conhecia. Esta familiarização inicial com eles serviu para quebrar as barreiras que séculos de 
Catolicismo criaram às religiões não católicas: 
 
Eu ia com frequência a uma fundição de ferro em Ipanema (em Sorocaba na minha região) 
onde visitava a família Goldwin, cujo pai, mr. Goldwin era superintendente da casa de 
máquinas. Eu me comovi profundamente ao observar o completo silêncio que lá reinava 
aos domingos. Mais tarde, quando fui admitido na comunidade eu vi a totalidade das 
famílias a ler a bíblia e livros devocionais. Mais tarde, eu visitei quase todas as famílias 
alemãs e em todas encontrei o mesmo quadro de devoção e religião. Comecei a pensar. 
Quem sabe estes estrangeiros têm tanta religião como nós? Será a religião deles igual a 
nossa? Ou ainda quem sabe se eles não são mais religiosos que nós? (HAHN, 1989, 189). 
 
A importância deste Protestantismo de imigração na inserção do Protestantismo no Brasil, 
não está, portanto, no número de brasileiros evangelizados. Mesmo porque tratam-se de 
religiosidades étnicas que não fazem proselitismo, e que em seu caso fica ainda mais 
impossibilitado pelas características exógenas da cultura e língua alemã em relação ao resto da 
sociedade brasileira; naquela época eram poucos os imigrantes que falavam português e seus cultos 
eram por isso todos em língua alemã. De sorte que a importância deste Protestantismo decorre de 
haver sido um dos vetores para a formação de uma conjuntura macropolítica favorável à 
diversidade religiosa, e a criação no ordenamento jurídico da época de dispositivos legais

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