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RESPONSABILIDADE CIVIL Edmundo Gouvêa Freitas U N I D A D E 2 Elementos caracterizadores da responsabilidade civil Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Analisar os elementos caracterizadores da responsabilidade civil. Demonstrar a importância do conhecimento pormenorizado de cada um dos elementos da responsabilidade civil. Identificar um dos elementos caracterizadores da responsabilidade civil: a imputabilidade. Introdução A responsabilidade civil pressupõe um ato voluntário do agente causa- dor de danos passíveis de indenização a outro indivíduo. Para isso, há elementos obrigatórios na caracterização da responsabilidade, como conduta do agente, dano, culpa ou dolo e nexo de causalidade. Neste capítulo, estudaremos os elementos caracterizadores da res- ponsabilidade civil. Nesse sentido, observaremos a importância de cada elemento da responsabilidade civil, com destaque para considerações acerca da imputabilidade. Elementos caracterizadores da responsabilidade civil O art. 186 do Código Civil estabelece, in verbis: “Aquele que, por ação ou omis- são voluntária, negligência ou imperícia, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (BRASIL, 2002, documento C06_Elementos_caracterizadores_responsabilidade.indd 1 16/04/2018 09:44:10 dpolycarpy Rectangle dpolycarpy Rectangle on-line). O art. 927 do mesmo diploma legal ainda prevê que, advindo algum dano do ato ilícito, o seu causador fi ca obrigado a repará-lo (BRASIL, 2002). Ao analisar os artigos supracitados, evidenciamos a existência de quatro elementos essenciais da responsabilidade civil (GONÇALVES, 2017): conduta do agente; ocorrência de dano; nexo causal entre a conduta e o dano; culpa ou dolo do agente. Conduta do agente A conduta do agente se exterioriza por ação ou por omissão. Para que haja relevância jurídica condicionadora da obrigação de indenizar, é necessário que a conduta da qual deriva o dano seja voluntária. Desse modo, a respon- sabilidade pode derivar de ato próprio ou de terceiro que esteja sob a guarda do agente, conforme as hipóteses elencadas no art. 932 do Código Civil, ou de danos causados a objetos ou animais que lhe pertençam. No último caso, a responsabilidade é, em regra, objetiva. Ou seja, independe de prova de culpa (GONÇALVES, 2017). Dano Para falarmos em responsabilidade civil, a vítima do ato deve ter sofrido algum dano, pois, caso contrário, a ação confi guraria enriquecimento ilícito. Dano é o abalo sofrido pela vítima, ocasionando prejuízo de ordem econô- mica, denominado dano patrimonial, ou de ordem psíquica, conhecido como dano moral. Cabe ressaltar que, de acordo com o Código Civil, a obrigação de indenizar decorre da violação de direito e do dano concomitantemente. Ademais, mesmo que haja violação de um dever jurídico e que tenha havido culpa ou dolo por parte do infrator, nenhuma indenização será devida caso não se verifique a ocorrência de prejuízo (GONÇALVES, 2017). Do nexo à causalidade A relação de causa e efeito entre a ação ou a omissão do agente e o dano veri- fi cado é essencial na caracterização da responsabilidade. Havendo dano que Elementos caracterizadores da responsabilidade civil2 C06_Elementos_caracterizadores_responsabilidade.indd 2 16/04/2018 09:44:10 não seja proveniente do comportamento do agente, não se identifi ca relação ou nexo de causalidade, sobretudo no que cabe à responsabilidade civil. Por exemplo, suponhamos que alguém circule com o seu veículo de forma adequada por uma via permitida e, subitamente, surja à sua frente uma pessoa com o intuito de cometer suicídio. Nesse caso, não há meios de se cogitar responsabilidade civil por parte do motorista, uma vez que os danos causados não resultaram da sua conduta. Nitidamente, a vítima foi a única responsável pelo ocorrido (GONÇALVES, 2017). Dolo ou culpa do agente Os requisitos de culpa ou dolo se referem à conduta do agente. Toda conduta voluntária é dirigida à produção do resultado ou se dá pela inobservância de um dever de cuidado. Quando o agente tem a intenção de violar uma norma jurídica, ela atua com dolo; quando ela age com imprudência, imperícia ou negligência, o agente atua com culpa. No dolo, o resultado danoso alcançado foi deliberadamente procurado pelo agente, que desejava causar dano e de fato causou com o seu comportamento. A conduta culposa implica a violação de um dever de diligência, ou seja, a violação do dever de previsão de certos fatos ilícitos e de adoção de medidas capazes de evitá-los (GONÇALVES, 2017). A culpa, em sentido estrito, é a falta de diligência no cumprimento de uma norma de conduta, expressa pelo desprezo do agente em relação ao esforço necessário para a sua observância. A conduta é lícita na sua origem, contudo torna-se ilícita ao se desviar de padrões socialmente adequados. Diferente do dolo, em que há consciência e consequente planejamento do dano a ser provocado, na culpa o resultado não é pretendido pelo agente, embora seja previsível. Quando ele é imprevisível, não se configura culpa, já que a previ- sibilidade integra a sua definição (SCHREIBER, 2013). Há casos em que a lei presume a culpa e outros em que torna a sua prova desnecessária. Na segunda hipótese, verifica-se a responsabilidade objetiva, na qual não se analisa a existência da culpa. No entanto, a regra geral para reparar o dano impõe que a vítima comprove o dolo ou a culpa stricto sensu por parte do agente (GONÇALVES, 2017). Venosa (2009, p. 23) explica que culpa: “[...] é a inobservância de um dever que o agente deveria conhecer e observar”. Em suma, ela contém uma conduta 3Elementos caracterizadores da responsabilidade civil C06_Elementos_caracterizadores_responsabilidade.indd 3 16/04/2018 09:44:11 voluntária, mas com resultado involuntário, a previsão ou a previsibilidade e a falta de cuidado devido, cautela e atenção. Assim, a culpa se expressa por meio de três formas distintas: imprudência, caracterizada pela prática de ato perigoso; negligência, fundada na ausência de precaução que leva o agente a deixar de fazer algo imposto pela norma jurídica; imperícia, concretizada na falta de aptidão para o exercício de arte ou profissão. Para ilustrarmos melhor a importância dos requisitos da responsabilidade civil, vejamos alguns exemplos de decisões judiciais: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILI- DADE CIVIL. DANOS MATERIAIS. NEXO DE CAUSALIDADE. CULPA OU DOLO NÃO COMPROVADOS. MATÉRIA FÁTICO- -PROBATÓRIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. DIVERGÊN- CIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. O Tribunal de origem, com fundamento em provas trazidas aos autos, concluiu pela inexistência de nexo de causalidade entre os danos e a conduta do recorrido, bem como pela ausência de dolo ou culpa. 2. A modificação do entendimento lançado no v. acórdão recorrido demandaria o revolvimento de suporte fático-probatório dos autos, o que é inviável em sede de recurso especial, a teor do que dispõe a Súmula 7 deste Pretório. 3. Para a caracterização do alegado dissídio jurisprudencial, não basta a simples transcrição de ementas, devendo ser mencionadas as circuns- tâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, bem como deve ser indicada a lei federal a que foi atribuída interpretação divergente, sob pena de não serem atendidos os requisitos previstos nos arts. 541, parágrafo único, do CPC/73 e 255, § 2º, do RISTJ. 4. Agravo interno a que se nega provimento. AgInt no REsp 1177965 / MG AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL-2010/0016258-0 PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE PRE- QUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. NEXO DE CAUSALIDA- DE COMPROVADO. DANO MORAIS E MATERIAIS. INDENIZA- Elementos caracterizadores da responsabilidade civil4 C06_Elementos_caracterizadores_responsabilidade.indd4 16/04/2018 09:44:11 Importância do conhecimento dos elementos da responsabilidade civil Nos últimos anos, a regulamentação e os pressupostos da responsabilidade civil têm sido objetos de discussão acadêmica, repercutindo diretamente na ampliação ou diminuição do seu campo de atuação. Somados ao desenvol- vimento de novas tecnologias das últimas décadas, esses fatores resultam em uma profunda modifi cação do paradigma da vida em sociedade, o que se refl ete no aumento e na transformação dos danos, bem como nos critérios de imputação dos responsáveis por eles. Por consequência, analisar detalhada- mente os pressupostos da responsabilidade civil é crucial, visto que contam com uma série de detalhes importantes. Na responsabilidade civil moderna, o princípio de culpa permanece como base do sistema de reparação civil, sendo suplementado pela teoria do risco quando necessário. Assim, temos duas espécies de responsabilidade civil: subjetiva e objetiva. Na responsabilidade civil subjetiva, o sujeito passivo da obrigação pratica ato ilícito e essa é a razão da sua responsabilização. Já na responsabilidade civil objetiva, ele só pratica ato(s) lícito(s), mas se verifica em ÇÃO. REVISÃO. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/ STJ. ALÍNEA C”. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA DIVERGÊNCIA. 1. É inadmissível Recurso Especial quanto a questão que, a despeito da oposição de Embargos Declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal de origem. Incidência da Súmula 211/STJ. 2. Hipótese em que o Tribunal a quo consignou: “Com efeito, incon- troverso o fato de que o autor, no dia 21 de outubro de 1991, por volta das 21h, ao transitar com o seu veículo pela Rodovia Bandeirantes, administrada pela ré, foi atingido por uma pedra lançada por indivíduos que se encontravam no acostamento, aproximadamente, ao passar pelo Km 47, sentido Capital, de modo que o vidro do para-brisa estilhaçou e atingiu o seu olho direito. Em que pese o socorro pela viatura do DERSA e o atendimento no Pronto Socorro do Hospital Sorocabano, sobreveio a perda da visão do olho atingido, conforme laudo pericial juntado às fls. 179-181. Diante deste quadro e ao contrário do que asseverado pelo MM. Juízo a quo, o conjunto probatório coligido permite a ferir, com a certeza necessária, a ocorrência do nexo causal entre o fato lesivo e os danos suportados, notadamente diante da omissão da Administração em demonstrar as providências necessárias para assegurar a segurança dos veículos e/ou cidadãos” (fls. 332-333, e-STJ) [...]. 5. Recurso Especial não conhecido. REsp 1702275 / SP-RECURSO ESPECIAL 2017/0215706-2 5Elementos caracterizadores da responsabilidade civil C06_Elementos_caracterizadores_responsabilidade.indd 5 16/04/2018 09:44:11 relação a ele o fato jurídico descrito na lei como ensejador da responsabilidade. Logo, podemos concluir que, quem responde subjetivamente, fez algo que não deveria ter feito, enquanto que quem responde objetivamente fez apenas o que deveria fazer. A ilicitude ou licitude da conduta do sujeito a quem se imputa a responsabilidade civil é que define, respectivamente, a espécie de responsabilidades como subjetiva ou como objetiva (COELHO, 2012). Coelho (2012, p. 184-185) define os pressupostos da responsabilidade civil de acordo com a espécie de responsabilidade civil: Para que um sujeito de direito seja responsabilizado subjetivamente é neces- sária a convergência de três: a) conduta culposa (culpa simples ou dolo) do devedor da indenização; b) dano patrimonial ou extrapatrimonial infligido ao credor; c) relação de causalidade entre a conduta culposa do devedor e o dano do credor [...]. No âmbito da responsabilidade civil subjetiva, o pressuposto subjetivo, isto é, a culpa do devedor, é elemento indispensável à constituição da obrigação. A responsabilidade do devedor, nela, tem por fundamento último a manifestação de vontade do sujeito obrigado. Já, para a caracterização da responsabilidade objetiva, bastam dois pressupostos: a) dano patrimonial ou extrapatrimonial suportado pelo credor; b) relação de causalidade entre a conduta do devedor descrita em lei e o dano do credor. Aqui, o pressuposto subjetivo é irrelevante. Se o sujeito a quem se imputa a obrigação foi negligente, imprudente, imperito ou teve a intenção de causar danos é por tudo irrelevante. Simplesmente, isso não se discute. Sua respon- sabilidade existirá e terá a mesma extensão em qualquer hipótese. Mesmo que ele tenha sido absolutamente correto e se comportado sempre de acordo com a lei, responderá pela indenização dos danos. Não era exigível do devedor que se comportasse de maneira diversa; ao contrário, exigia-se dele que fizesse nada mais nada menos do que fez. Dessa forma, percebe-se que, na responsabilidade objetiva, basta a conduta do agente, que é lícita. Nela, o dano e o nexo de causalidade caracterizam a responsabilidade civil. A conduta é necessária e pressupõe uma atividade lícita geradora de um risco social por parte do agente, cujo dano acarretado reivindica indenização. O requisito da conduta humana voluntária, que pode ser comissiva ou omissiva, praticada por um sujeito imputável representa a ideia de compor- tamento e, portanto, não engloba meras declarações de vontade. Para a sua composição, precisa-se de uma atuação, positiva ou negativa, que desen- cadeie um processo executivo no bojo de uma cadeia causal (CAVALIERE FILHO, 2012). Na conduta omissiva, em função de não praticar ação diversa da que lhe é imposta, o indivíduo deixa de interromper o curso natural das coisas, Elementos caracterizadores da responsabilidade civil6 C06_Elementos_caracterizadores_responsabilidade.indd 6 16/04/2018 09:44:11 permitindo que isso transcorra em direção à deflagração do evento danoso. Ou seja, em tais casos, não impedir o resultado significa permitir que a causa se opere (CAVALIERE FILHO, 2012). Tanto a conduta humana comissiva quanto a omissiva devem ser voluntárias, pois, embora a manifestação de vontade não seja suficiente para classificar o comportamento humano, ela é extremamente relevante no processo. O comportamento humano, seja positivo ou negativo, é considerado voluntário quando consciente, livre e movido por uma finalidade, ainda que o intuito do agente não se dirija à prática de um ilícito propriamente dito. A esse respeito, Stoco (2001, p. 95) afirma que: A voluntariedade da conduta não se confunde com a projeção da vontade sobre o resultado, isto é, o querer intencional de produzir o resultado, de assumir o risco de produzi-lo, de não o querer, mas, ainda assim, atuar com afoiteza, com indolência ou com incapacidade manifesta. O querer intencional é matéria atinente à culpabilidade lato sensu. No que tange à culpa, cumpre analisá-la com base na divisão entre a res- ponsabilidade contratual e a extracontratual. Em matéria de culpa contratual, o dever jurídico consiste na obediência ao combinado. Na culpa extracon- tratual, por sua vez, deve se cumprir a lei ou o regulamento. Caso a hipótese não esteja prevista em lei ou regulamento, há ainda o dever indeterminado de não lesar a ninguém, implícito no art. 186 do Código Civil, que não se refere propriamente à violação de lei, mas usa uma expressão mais ampla: violar direito (GONÇALVES, 2017, p. 57). Stoco (2001, p. 101) ressalta a existência de três graus de culpa: culpa grave — embora o indivíduo não tenha tido intenção de causar dano, comportou-se como se quisesse; culpa leve — caracterizada pela falta de diligência média que um homem normal observa na sua conduta; culpa levíssima — a falta escapa ao padrão médio e um pouco mais de atenção a evitaria. Ainda que haja a gradação da culpabilidade, é válido destacar que a dis- tinção entre dolo e culpa não apresenta utilidade prática, pois a vítima não necessita comprovar a culpa psicológica ou o dolo do agente para lograr êxito na ação indenizatória. A obrigação reparatória é estipulada com base na extensão do dano, sem que o quantumindenizatório sofra qualquer influ- 7Elementos caracterizadores da responsabilidade civil C06_Elementos_caracterizadores_responsabilidade.indd 7 16/04/2018 09:44:11 ência do elemento psicológico reprovador que move a conduta do agente, ao contrário da responsabilidade penal. Nesta, o grau de culpabilidade se mostra fundamental para a mensuração da pena e até mesmo para a configuração ou não do próprio crime (CAVALIERE FILHO, 2012). Entretanto, existem situações que não exigem que o agente infrinja cul- posamente um dever preexistente para que seja obrigado a indenizar o dano causado. São situações em que ele pode ser responsabilizado ainda que aja dentro do seu próprio direito. Trata-se da responsabilidade decorrente de abuso de direito, que se encontra expressamente disciplinado como forma de ato ilícito no Código Civil nos seguintes termos: “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” (BRASIL, 2002, documento on-line). Sobre isso, Rodrigues (1975, p. 49) considera que: O abuso de direito ocorre quando o agente, atuando dentro das prerrogativas que o ordenamento jurídico lhe concede, deixa de considerar a finalidade social do direito subjetivo e, ao utilizá-lo desconsideradamente, causa dano a outrem [...]. Ele não viola os limites objetivos da lei, mas, embora os obedeça, desvia-se dos fins sociais a que esta se destina, do espírito que a norteia. O nexo de causalidade concerne ao liame naturalístico-jurídico existente entre determinado dano e determinada conduta ilícita que permite considerá-la a causa do efeito lesivo. Como se percebe, trata-se do mecanismo responsável por imputar determinada consequência a um comportamento específico me- diante o estabelecimento de uma relação de causa e efeito entre eles. Para Cavalieri Filho (2012), o conceito de nexo causal decorre primeira- mente das leis naturais. Isto é, requer a constatação da aptidão de uma dada conduta para produzir o resultado que se quer atribuir a alguém com base nas leis naturais. Além disso, a sua composição exige uma avaliação jurídica, pois o sistema normativo confere contornos e limites ao nexo de causalidade, de forma que, por mais culposo ou até mesmo doloso que seja um dado com- portamento, ele não terá o privilégio de movimentar a responsabilidade civil caso não tenha sido o verdadeiro motivo do dano. Por fim, o dano é essencial para a fixação do dever reparatório e surge como pressuposto preponderante da responsabilidade civil, pois tal instituto tem como função primordial o ressarcimento de um prejuízo e não a repressão ou punição do seu agente (CAVALIERE FILHO, 2012). Entretanto, o dano gera responsabilidade somente quando é possível estabelecer um nexo causal Elementos caracterizadores da responsabilidade civil8 C06_Elementos_caracterizadores_responsabilidade.indd 8 16/04/2018 09:44:11 entre ele e o seu autor. Sobre isso, Martins da Silva (2005, p. 31) apresenta três requisitos para que se configure a obrigação de indenizar: a) a existência do elemento objetivo ou material, que é justamente o dano; b) a existência do elemento subjetivo, que se biparte nas figuras do sujeito ativo (quem causou o dano ou é o responsável por sua reparação sem ter culpa) e passivo (a vítima que sofreu lesão em um dos seus direitos); c) nexo causal, que deve vincular os sujeitos ativo e passivo ao dano efeti- vamente ocorrido. O Código Civil brasileiro adota a teoria dos danos diretos e imediatos, conforme se observa a partir da leitura do art. 403: “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efeti- vos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual” (BRASIL, 2002, documento on-line). Portanto, entre a conduta e o dano deve haver uma relação de causa e efeito direta e imediata. Dessa forma, é indenizável todo dano filiado a uma causa desde que essa causa seja necessária por não existir outra que explique o mesmo dano (GONÇALVES, 2017). Assim, toda lesão a um interesse juridicamente tutelado tem como consequência dano passível de reparação, abrangendo toda a gama de direitos reais e obrigacionais, mensuráveis pecuniariamente (danos patrimoniais), e de direitos da personalidade, que não possuem conteúdo material (danos extrapatrimoniais). Assim, a reparação do dano é o objeto da responsabilidade civil, não importando o grau ou a incidência moral da culpa, senão o restabelecimento da condição da vítima anterior ao ato lesivo. Então, “[...] o interesse em resta- belecer o equilíbrio econômico jurídico alterado pelo dano é a causa geradora da responsabilidade civil” (DIAS, 1995, p. 42). No link ou código a seguir você pode aprofundar os seus conhecimentos sobre o nexo de causalidade, além de verificar as excludentes da responsabilidade civil, lendo o artigo intitulado Nexo de causalidade: https://goo.gl/gnMe1y 9Elementos caracterizadores da responsabilidade civil C06_Elementos_caracterizadores_responsabilidade.indd 9 16/04/2018 09:44:13 https://goo.gl/gnMe1y Imputabilidade Em sentido amplo, o termo culpa engloba tanto a culpa em sentido estrito quanto o dolo, que é elemento da responsabilidade civil. Devido à evolução do instituto, que passou da responsabilidade subjetiva à objetiva, a teoria tradicional da culpa como fundamento exclusivo da responsabilidade civil não atende mais aos anseios sociais. A teoria do risco, mais moderna e adotada progressivamente nos sistemas jurídicos atuais, no entanto não exclui por completo a anterior teoria subjetiva tradicional. Em face disso, a ideia de responsabilidade, vinculada obrigatoriamente a uma ideia de culpa formada pela imputabilidade e pela capacidade, passou a ser relacionada à noção de reparação de dano (DIAS, 1995). Analisado sob a perspectiva da responsabilidade subjetiva, o nexo de imputabilidade não decorre apenas da prática de uma conduta, mas também exige uma conduta culpável, reprovável, passível de um juízo de censura. Para alguns teóricos, a imputabilidade é um elemento constitutivo da culpa e inerente às condições pessoais de quem pratica o ato lesivo, ou seja, da sua consciência e vontade. Assim, é no elemento subjetivo da conduta que se inclui a imputabilidade. Portanto, ainda que um terceiro deva arcar com a reparação da ofensa, é necessário saber se o fato é ou não imputável ao agente. É causa excludente dessa imputabilidade a ocorrência de fato necessário da natureza ou do próprio homem, pois assim se mostra imprevisível ou inevitável pelo homem médio (RIBEIRO, [200-?]). De acordo com Hironaka (1998), a doutrina moderna, oriunda principal- mente do Direito alemão, distingue precisamente imputabilidade de culpabi- lidade. Ela define que a imputabilidade é pressuposto da culpabilidade, ao contrário do que se pensou outrora sobre a imputabilidade ser um elemento da culpabilidade. Segundo a autora, a imputabilidade é uma aptidão especialíssima de que é dotado o sujeito, sendo condicionada por referenciais de sanabilidade e amadurecimento pessoais e espirituais do autor do ato. Tal aptidão é capaz de admitir a ele valorar corretamente os seus deveres e agir de acordo com esse discernimento. Em outras palavras, a imputabilidade significa a própria aptidão de cada um de nós para cometer atos ilícitos e suportar a responsa- bilidade advinda deles. Elementos caracterizadores da responsabilidade civil10 C06_Elementos_caracterizadores_responsabilidade.indd 10 16/04/2018 09:44:13 Imputabilidade é a atribuição a alguém da responsabilidade por algo, o que se reflete no conjunto de condições que dão ao agente a capacidade para responder pelas consequências da conduta contrária a um dever originário. Assim, é imputável aquele que poderia e deveria ter agido de outro modo. É a capacidade de discernir daquele que, agindocom culpa e praticando ato ilícito, deve ressarcir o correspondente dano provocado. Logo, essa capacidade de discernimento habita e marca a responsabilidade civil, que dela depende totalmente. Venosa (2009) explica que se o agente pratica um ato por ação ou por omis- são sem estar em condições de compreender o caráter ilícito da sua conduta, em tese ele não pode ser responsabilizado. Com base nessa premissa, importa verificar o estado mental e a maturidade do agente. Para que o agente seja imputável, exige-se capacidade e discernimento por parte dele. A imputabi- lidade retrata a culpabilidade e não se atinge o patamar da culpa se o agente causador do dano for inimputável. Sobre isso, Lopes (2000, p. 551) defende que a imputabilidade “[...] define- -se como sendo determinação da condição mínima necessária a ser um fato referido e atribuído a alguém, como o autor do mesmo e com o objetivo de torná-lo passível das consequências”. Assim, são imputáveis a uma pessoa todos os atos que ela praticou de forma livre e consciente. Para que haja impu- tabilidade, é necessária a capacidade de entendimento e de autodeterminação do agente (DINIZ, 2012). Conforme Diniz (2013, p. 47), “[...] são exceções à imputabilidade a menoridade e a demência”. A nossa legislação não define o que é imputabilidade, apenas disciplina os casos de inimputáveis. Dessa forma, eles são considerados incapazes e não responsáveis pelos atos cometidos. Entretanto, respondem pelos atos dos incapazes os indivíduos que detêm a sua guarda, à exceção do contido no parágrafo único do art. 928 do Código Civil: O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsá- veis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser equita- tiva, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem (BRASIL, 2002, documento on-line). 11Elementos caracterizadores da responsabilidade civil C06_Elementos_caracterizadores_responsabilidade.indd 11 16/04/2018 09:44:13 O art. 928 apresenta um critério atenuado e subsidiário para a responsa- bilidade do incapaz. Os bens do incapaz são executados caso o patrimônio do responsável seja insuficiente ou quando não houver obrigação de res- sarcimento por parte dos responsáveis. Essa responsabilidade advém dos princípios de garantia e assistência social, tendo em vista a necessidade do restabelecimento do equilíbrio social violado pelo dano com a restauração econômica à custa do ofensor sempre que possível (DIREITO; CAVALIERI FILHO, 2011). Nesse contexto, duas seriam as condições para a inimputabilidade não excluir o dever de reparar o dano (DIREITO; CAVALIERI FILHO, 2011): o ato praticado pelo inimputável configurar violação a dever jurídico; o inimputável possuir patrimônio suficiente para os seus alimentos e daqueles que dele dependem legalmente. A imputabilidade é o principal elemento constitutivo da culpa, pois conclui a prática de um ato por livre vontade. Ela se diferencia da relação de causalidade pelo fato de essa se referir a uma relação material, mecânica, de causa e efeito, objetivamente considerada, ao passo que a imputabilidade pesquisa os motivos psíquicos, internos, subjetivos que motivaram o autor à prática do ato lesivo. A diferenciação dos dois institutos pode ser esclarecida por meio do famoso exemplo de uma pessoa que entrega um copo de veneno a outra e a vítima, antes que o veneno lhe produza os efeitos letais, morre em virtude de um ataque cardíaco. Nesse caso, há imputabilidade, entretanto não existe nexo causal (LOPES, 1995). Também é causa de exclusão de imputabilidade a demência ou outro es- tado de desequilíbrio mental que torne o agente incapaz de controlar as suas ações. Segundo Gonçalves (2017), a concepção clássica considera que, sendo o amental (demente) um inimputável, ele não é civilmente responsável. Portanto, a solução apresentada pelo ordenamento jurídico é o que está previsto no art. 928 do Código Civil, que determina que o incapaz responde civilmente pelos danos causados caso tenha patrimônio e os seus responsáveis não tenham obrigação de envolver as suas posses. Destaquemos a modificação trazida pela Lei nº. 13.146, de 6 de julho de 2015, que por ficção estabeleceu que toda pessoa com deficiência é formal e Elementos caracterizadores da responsabilidade civil12 C06_Elementos_caracterizadores_responsabilidade.indd 12 16/04/2018 09:44:13 materialmente igual aos demais, determinando a plena capacidade civil para a pessoa com deficiência. A partir dessa lei, decorre que haverá somente uma situação de incapacidade absoluta: a pessoa ser menor de 16 anos. Assim, dei- xam de serem considerados absolutamente incapazes “os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos” e “os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade” (BRASIL. 2002, documento on-line). Então, a demência, bem como qualquer outro estado de desequilíbrio mental que afete o discernimento do agente, deverá ser comprovada, atestando a incapacidade do indivíduo para que se considere a inimputabilidade. BRASIL. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 10 abr. 2018. CAVALIERI FILHO, S. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2012. COELHO, F. U. Curso de Direito Civil 2: obrigações, responsabilidade. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. DIAS, J. de A. Da responsabilidade civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. v. 1. DINIZ, M. H. Curso de Direito Civil brasileiro: responsabilidade civil. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. DIREITO, C. A. M.; CAVALIERI FILHO, S. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2011. v. 13. GONÇALVES, C. R. Direito Civil brasileiro: responsabilidade civil. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 4. HIRONAKA, G. M. F. N. Responsabilidade civil: circunstâncias naturalmente, legalmente e convencionalmente escusativas do dever de indenizar o dano. 1998. 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