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1 Khilver Doanne Sousa Soares AVE Problema 9; 5º período; “Mancha na cabeça”; 1. Revisar a divisão funcional do cérebro; 2. Estudar etiologia, fatores de risco, fisiopatologia e manifestações clínicas do AVE; 3. Compreender a diferença entre o AVE isquêmico e o hemorrágico na emergência. Encéfalo O encéfalo é formado pelo telencéfalo (cérebro), cerebelo e tronco encefálico. Depois da remoção da calvária e da dura-máter, podem-se ver giros, sulcos e fissuras do córtex cerebral através da delicada lâmina aracnoide–pia. Enquanto os giros e sulcos variam muito, as outras características do encéfalo, inclusive o seu tamanho geral, são bastante regulares entre os indivíduos. O telencéfalo ou cérebro inclui os hemisférios cerebrais e os núcleos da base. Os hemisférios cerebrais, separados pela foice do cérebro na fissura longitudinal do cérebro, são as características dominantes do encéfalo. Para fins descritivos, cada hemisfério cerebral é dividido em quatro lobos; cada um deles está relacionado com os ossos sobrejacentes de mesmo nome, mas seus limites não correspondem a esses ossos. De uma vista superior, o cérebro é praticamente dividido em quartos pela fissura longitudinal do cérebro, em posição mediana, e pelo sulco central, coronal. O sulco central separa os lobos frontais (anteriormente) dos lobos parietais (posteriormente). Em vista lateral, esses lobos situam-se superiormente ao sulco lateral transverso e ao lobo temporal inferior a ele. Os lobos occipitais posicionados posteriormente são separados dos lobos parietal e temporal pelo plano do sulco parietoccipital, visível na face medial do cérebro em uma hemissecção do encéfalo. Os pontos mais anteriores dos lobos frontal e temporal, projetados anteriormente, são os polos frontal e temporal. O ponto posterior extremo do lobo occipital, que se projeta posteriormente, é o polo occipital. Os hemisférios ocupam toda a cavidade do crânio supratentorial. Os lobos frontais ocupam as fossas anteriores do crânio, os lobos temporais ocupam as partes laterais das fossas médias do crânio, e os lobos occipitais estendem-se posteriormente sobre o tentório do cerebelo O diencéfalo é formado pelo epitálamo, pelo tálamo e pelo hipotálamo e forma o núcleo central do encéfalo. O mesencéfalo, a parte anterior do tronco encefálico, situa-se na junção das fossas média e posterior do crânio. Os NC III e IV estão associados ao mesencéfalo. A ponte é a parte do tronco encefálico situada entre o mesencéfalo rostralmente e o bulbo caudalmente; situa-se na parte anterior da fossa posterior do crânio. O NC V está associado à ponte. O bulbo (medula oblonga) é a subdivisão mais caudal do tronco encefálico, contínua com a medula espinal; situa-se na fossa posterior do crânio. Os NC IX, X e XII estão associados ao bulbo, ao passo que os NC VI–VIII estão associados à junção da ponte e do bulbo. O cerebelo é a grande massa encefálica situada posteriormente à ponte e ao bulbo e inferiormente à parte posterior do cérebro. Situa-se sob o tentório do cerebelo na fossa posterior do crânio. Consiste em dois hemisférios laterais unidos por uma parte intermediária estreita, o verme do cerebelo. 2 Khilver Doanne Sousa Soares Fonte: MOORE, Keith L.; DALLEY, Arthur F.; AGUR, Anne M. R. Anatomia orientada para a clínica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014. Estrutura do encéfalo. A. A superfície cerebral contém giros (pregas) e sulcos do córtex cerebral. B. Os lobos do cérebro são identificados por cores. Enquanto sulcos central e lateral distintos demarcam o lobo frontal e os limites anteriores dos lobos parietal e temporal do cérebro, a demarcação dos limites posteriores entre o último e o lobo occipital é menos distinta externamente. C. A face medial do cérebro e as partes mais profundas do encéfalo (diencéfalo e tronco encefálico) mostradas após a bissecção do encéfalo. O sulco parietoccipital que demarca os lobos parietal e occipital pode ser visto na face medial do cérebro. D. As partes do tronco encefálico são identificadas. 3 Khilver Doanne Sousa Soares Fonte: MOORE, Keith L.; DALLEY, Arthur F.; AGUR, Anne M. R. Anatomia orientada para a clínica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014. Ventrículos, espaços subaracnóideos e cisternas. A. O sistema ventricular e a circulação do LCS. A produção de LCS ocorre principalmente nos plexos corióideos dos ventrículos laterais e do terceiro e quarto ventrículos. Os plexos dos ventrículos laterais são os maiores e mais importantes. B. Cisternas subaracnóideas, regiões expandidas do espaço subaracnóideo, contêm maiores volumes de LCS. 4 Khilver Doanne Sousa Soares Embora não seja correto dizer que o encéfalo “flutue” no LCS, na verdade, a fixação do encéfalo ao neurocrânio é mínima. Em algumas áreas na base do encéfalo, a aracnoide e a pia estão bem separadas pelas cisternas subaracnóideas, que contêm LCS, e estruturas dos tecidos moles que “ancoram” o encéfalo, como as trabéculas aracnóideas, a rede vascular e, em alguns casos, as raízes dos nervos cranianos. As cisternas geralmente são nomeadas de acordo com as estruturas relacionadas com elas. As principais cisternas subaracnóideas intracranianas são: Cisterna cerebelobulbar: a maior das cisternas subaracnóideas, localizada entre o cerebelo e o bulbo; recebe LCS das aberturas do quarto ventrículo. É dividida em cisterna cerebelobulbar posterior e cisterna cerebelobulbar lateral Cisterna pontocerebelar: um amplo espaço ventral à ponte, contínuo inferiormente com o espaço subaracnóideo espinal Cisterna interpeduncular: localizada na fossa interpeduncular entre os pedúnculos cerebrais do mesencéfalo Cisterna quiasmática: inferior e anterior ao quiasma óptico, o ponto de cruzamento ou decussação das fibras dos nervos ópticos Cisterna colicular: localizada entre a parte posterior do corpo caloso e a face superior do cerebelo; contém partes da veia cerebral magna Cisterna circundante: localizada na face lateral do mesencéfalo e contínua posteriormente com a cisterna colicular (não ilustrada). Embora represente apenas cerca de 2,5% do peso do corpo, o encéfalo recebe aproximadamente um sexto do débito cardíaco e um quinto do oxigênio consumido pelo corpo em repouso. A vascularização encefálica provém das artérias carótida interna e vertebral, cujos ramos terminais estão situados no espaço subaracnóideo. A drenagem venosa encefálica ocorre pelas veias cerebrais e cerebelares que drenam para os seios venosos durais adjacentes. Fonte: MOORE, Keith L.; DALLEY, Arthur F.; AGUR, Anne M. R. Anatomia orientada para a clínica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014. Suprimento arterial do encéfalo. Os pares de artérias carótidas internas e vertebrais bilaterais transportam um suprimento abundante de sangue rico em oxigênio. As artérias carótidas internas originam-se no pescoço a partir das artérias carótidas comuns. A parte cervical de cada artéria ascende verticalmente através do pescoço, sem ramificações, até a base do crânio. Cada artéria carótida interna entra na cavidade do crânio através do canal carótico na parte petrosa do temporal. Além das artérias carótidas, os canais caróticos contêm plexos venosos e os plexos caróticos de nervos simpáticos. As artérias carótidas internas seguem anteriormente através dos seios cavernosos, com os nervos abducentes (NC VI) e muito próximas dos nervos oculomotor (NC III) e troclear (NC IV), passando no sulco carótico na lateral do corpo do esfenoide. Os ramos terminais das artérias carótidas internas são as artérias cerebrais anterior e média. 5 Khilver Doanne Sousa Soares Clinicamente, as artérias carótidas internas e seus ramos costumam ser chamados de circulação anterior do encéfalo. As artérias cerebrais anteriores são unidas pela artéria comunicante anterior. Perto de seu término,as artérias carótidas internas são unidas às artérias cerebrais posteriores pelas artérias comunicantes posteriores, completando o círculo arterial do cérebro ao redor da fossa interpeduncular, a depressão profunda na face inferior do mesencéfalo entre os pedúnculos cerebrais. As artérias vertebrais originam-se na raiz do pescoço (as partes pré-vertebrais das artérias vertebrais) como os primeiros ramos da primeira parte das artérias subclávias. As duas artérias vertebrais geralmente têm tamanhos diferentes, sendo a esquerda maior do que a direita. As partes transversárias das artérias vertebrais ascendem através dos forames transversários das seis primeiras vértebras cervicais. As partes atlânticas das artérias vertebrais (partes relacionadas com o atlas, vértebra C I) perfuram a dura-máter e a aracnoide-máter e atravessam o forame magno. As partes intracranianas das artérias vertebrais unem-se na margem caudal da ponte para formar a artéria basilar. O sistema arterial vertebrobasilar e seus ramos muitas vezes são denominados clinicamente circulação posterior do encéfalo. A artéria basilar, assim denominada em face de sua íntima relação com a base do crânio, ascende até o clivo, a face inclinada do dorso da sela até o forame magno, através da cisterna pontocerebelar até a margem superior da ponte. Termina dividindo-se em duas artérias cerebrais posteriores. Além de enviar ramos para as partes mais profundas do encéfalo, os ramos corticais de cada artéria cerebral irrigam uma superfície e um polo do cérebro. Os ramos corticais da: Artéria cerebral anterior irrigam a maior parte das faces medial e superior do encéfalo e o polo frontal; Artéria cerebral média irrigam a face lateral do encéfalo e o polo temporal; 6 Khilver Doanne Sousa Soares Fonte: MOORE, Keith L.; DALLEY, Arthur F.; AGUR, Anne M. R. Anatomia orientada para a clínica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014. Trajeto da artéria carótida interna. O desenho de orientação (esquerda) indica o plano do corte coronal que corta o canal carótico (direita). A parte cervical da artéria carótida interna ascende verticalmente no pescoço até a entrada do canal carótico na parte petrosa do temporal. A parte petrosa da artéria faz uma curva em direção horizontal e medial no canal carótico, em direção ao ápice da parte petrosa do temporal. Emerge do canal superior para o forame lacerado, fechado em vida por cartilagem, e entra na cavidade do crânio. A artéria segue anteriormente através da cartilagem; depois, a parte cavernosa da artéria segue ao longo dos sulcos caróticos sobre a face lateral do corpo do esfenoide, atravessando o seio cavernoso. Inferiormente ao processo clinoide anterior, a artéria faz uma volta de 180°, com sua parte cerebral seguindo em sentido posterior para se unir ao círculo arterial do cérebro. Artéria cerebral posterior irrigam a face inferior do encéfalo e o polo occipital. O círculo arterial do cérebro (de Willis) é um arranjo quase pentagonal de vasos na face anterior do encéfalo. É uma anastomose importante na base do encéfalo entre as quatro artérias (duas artérias vertebrais e duas artérias carótidas internas) que irrigam o encéfalo. O círculo arterial é formado sequencialmente no sentido anteroposterior pela(s): Artéria comunicante anterior Artérias cerebrais anteriores Artérias carótidas internas Artérias comunicantes posteriores Artérias cerebrais posteriores. Os vários componentes do círculo arterial do cérebro dão origem a muitos ramos pequenos para o encéfalo. As veias de paredes finas, sem válvulas, que drenam o encéfalo perfuram a aracnoide e as lâminas meníngeas da dura-máter e terminam nos seios venosos da dura-máter mais próximos que drenam, em sua maior parte, para as veias jugulares internas. As veias cerebrais superiores na face superolateral do encéfalo drenam para o seio sagital superior; as veias cerebrais inferiores e a veia cerebral superficial média, oriundas das faces inferior, posteroinferior e profunda dos hemisférios cerebrais, drenam para os seios reto, transverso e petroso superior. A veia cerebral magna (de Galeno) é uma veia única, mediana, que se forma no encéfalo pela união de duas veias cerebrais internas; termina fundindo-se ao seio sagital inferior para formar o seio reto. O cerebelo é drenado pelas veias cerebelares superiores e inferiores, que drenam a respectiva face do cerebelo para os seios transverso e sigmóideo. 7 Khilver Doanne Sousa Soares Fonte: MOORE, Keith L.; DALLEY, Arthur F.; AGUR, Anne M. R. Anatomia orientada para a clínica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014. Irrigação arterial dos hemisférios cerebrais. Fonte: MOORE, Keith L.; DALLEY, Arthur F.; AGUR, Anne M. R. Anatomia orientada para a clínica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014. Base do encéfalo com círculo arterial do cérebro. As artérias carótida interna e basilar convergem, dividem-se e anastomosam-se para formar o círculo arterial do cérebro (de Willis). O polo temporal esquerdo foi removido para mostrar a artéria cerebral média no sulco lateral do encéfalo. Os lobos frontais estão separados para expor as artérias cerebrais anteriores. Os acidentes vasculares encefálicos são a segunda maior causa de mortalidade mundial e a terceira causa mais comum de morte no mundo industrializado (depois das doenças cardíacas e de todos os tipos de câncer combinados). A oferta inadequada de oxigênio ou de glicose para o cérebro inicia uma cascata de eventos que resulta em infarto. A gravidade do insulto, definida pelo grau e pela duração do fluxo 8 Khilver Doanne Sousa Soares sanguíneo reduzido, hipóxia ou hipoglicemia, determina se o cérebro apresenta apenas uma disfunção temporária, como um ataque isquêmico transitório; lesão irreversível de apenas alguns poucos neurônios mais vulneráveis (necrose seletiva); ou infarto cerebral, no qual o dano ocorre em áreas extensas envolvendo todos os tipos de células (pan-necrose). A hipóxia e a isquemia cerebrais podem ser divididas em isquemia focal, causada por oclusão vascular; isquemia global, como resultado da insuficiência cardiovascular completa; e hipóxia- hipoperfusão difusa, produzida por doença respiratória ou por pressão sanguínea gravemente reduzida. Isquemia Focal A isquemia cerebral focal resulta, muito frequentemente, da oclusão embólica ou trombótica dos vasos sanguíneos extra ou intracranianos e da redução resultante do fluxo sanguíneo dentro do território vascular relacionado. O fluxo sanguíneo para a zona central do leito vascular isquêmico está em geral gravemente reduzido, porém é raro atingir zero por causa do suprimento parcial pelos vasos sanguíneos colaterais. A melhor opção de tratamento para esta região intensamente isquêmica é a restauração aguda do fluxo sanguíneo. Uma zona de transição pode estar presente entre o tecido normalmente perfundido e o núcleo central mais isquêmico. Esta margem de tecido moderadamente desprovido tem sido chamada de penumbra isquêmica. Acredita-se que células cerebrais na penumbra permaneçam viáveis por um tempo maior que as células no núcleo isquêmico. Esse tecido, marginalmente viável, pode morrer se um fluxo sanguíneo inadequado persistir, mas pode ser salvo pela restauração do fluxo ou, possivelmente, por agentes terapêuticos neuroprotetores. Isquemia Global A isquemia cerebral global resulta de uma assistolia cardíaca ou de fibrilação ventricular que reduz a taxa do fluxo sanguíneo a zero por todo o cérebro e todo o corpo. A isquemia global por mais de 5 a 10 minutos é usualmente incompatível com a recuperação total da consciência nos seres humanos normotérmicos. Se o fluxo sanguíneo for restaurado a tempo de evitar a morte cardíaca, a necrose seletiva isquêmica usualmente envolve os neurônios mais vulneráveis entre os neurônios piramidais da região CA1 do hipocampo;as células cerebelares de Purkinje; e os neurônios piramidais nas camadas neocorticais 3, 5 e 6. Qualquer coisa que impeça o suprimento adequado de oxigênio ou glicose para o cérebro, como hipoxemia, envenenamento por monóxido de carbono e hipoglicemia grave e prolongada, também pode produzir tal lesão. A ressuscitação cardíaca ou outras causas de hipotensão prolongada podem causar infarto cerebral, particularmente nas zonas limítrofes que se encontram entre os ramos terminais das principais artérias nutridoras, com frequência chamadas de zonas de fronteira vascular. Hipóxia Difusa A hipóxia cerebral difusa inicialmente causa disfunção cerebral, porém não lesão cerebral irreversível. Os indivíduos com hipóxia cerebral das altas altitudes, doença pulmonar, ou anemia grave podem apresentar confusão, comprometimento cognitivo e letargia. O início do coma indica dano cerebral permanente. Com mudanças agudas na PaO2 de normal para menos que 40 mmHg ou um decréscimo de concentração de hemoglobina para menos que 7 g/dl, os aumentos compensatórios do FSC se tornam inadequados e os sinais e sintomas clínicos de hipóxia cerebral se desenvolvem. Um início mais lento na redução da oxigenação, como o causado pela subida a altas altitudes ou pelo desenvolvimento gradual de anemia, permite a compensação por uma variedade de mecanismos; contudo, se a hipóxia aumentar, a compensação por fim falha. Neuropatologia da Isquemia Cerebral Quatro classes gerais de danos histopatológicos podem ocorrer. O infarto 9 Khilver Doanne Sousa Soares cerebral causado por oclusão vascular focal é caracterizado pela destruição de todos os elementos celulares: neurônios, glia e células endoteliais (pan-necrose). Os infartos cerebrais são, inicialmente, macroscopicamente pálidos (anêmicos) ou hemorrágicos (mostrando sangramento petequial macroscópico). Mais tarde, o tecido necrótico é removido e substituído por uma cicatriz glial ou por uma cavidade. A parada transitória da circulação cerebral (isquemia global) pode causar necrose isquêmica seletiva dos neurônios altamente vulneráveis. Usando os métodos de coloração convencionais, a mudança histológica começa a demarcar as margens entre neurônios e glia vivos e mortos em poucas horas, embora a plena extensão do dano possa não ser evidente por vários dias. A funcionalidade neurológica das células está irreversivelmente perdida nas 6 primeiras horas. As novas técnicas imaginológicas podem revelar função celular anormal muito mais rapidamente que a histologia convencional. A autólise cerebral é observada com mais frequência em pacientes com morte cerebral que são preservados em ventiladores mecânicos por mais que alguns dias; ela reflete a autodigestão enzimática do tecido cerebral. A desmielinização da substância branca hemisférica central é usualmente a consequência do envenenamento por monóxido de carbono ou de períodos prolongados de hipoxemia moderadamente grave ou de hipoperfusão cerebral. O desenvolvimento dessas lesões pode levar vários dias, e o início da disfunção neurológica pode ser retardado. Os pacientes podem ter um intervalo lúcido depois de tais lesões e subsequentemente desenvolver sintomas neurológicos. Dentro dessas lesões, os axônios das células nervosas estão desmielinizados, e células olingodendrogliais morrem. Cascata Isquêmica Na isquemia grave, os compostos ricos em energia esgotam-se em minutos. À medida que as bombas de membrana dependentes de energia falham, as membranas das células neuronais e gliais se despolarizam e permitem o influxo de íons Ca2+. O Ca2+ intracelular elevado e outros segundos mensageiros ativam lipases e proteases, que liberam ácidos graxos livres ligados à membrana que desnaturam as proteínas. A despolarização dos terminais pré- sinápticos libera, de forma anormal, altas concentrações de neurotransmissores excitatórios, como o glutamato, que podem elevar a demanda metabólica em um momento quando os suprimentos de energia são inadequados, exacerbando a lesão. Se o fluxo sanguíneo for restaurado em 5 minutos e não houver outros fatores complicantes, como hiperglicemia, estes eventos são completamente reversíveis. À medida que a duração da isquemia aumenta, os neurônios seletivamente vulneráveis morrem primeiro; se a isquemia persistir por horas ou mais, um infarto cerebral se desenvolve. A restauração imediata do fluxo sanguíneo permite uma recuperação funcional completa e a manutenção da integridade do tecido. Os tecidos com escassez parcial de ATP e com comprometimento da homeostase de cálcio podem se beneficiar de tratamentos farmacológicos que reduzam o movimento de cálcio através dos canais iônicos dependentes de voltagem e de neurotransmissores. LEUCÓCITOS. Mais recentemente, o papel dos leucócitos no dano isquêmico foi reconhecido. Os dois mecanismos propostos para a lesão são: (1) oclusão microvascular pela obstrução mecânica direta e pelo dano ao endotélio e (2) infiltração tecidual do sistema nervoso central e lesão celular citotóxica. A lesão mediada pelas células brancas sanguíneas pode ser irreversível mesmo se o fluxo sanguíneo for restaurado. Os glóbulos brancos necessitam de uma considerável deformação para passar através dos capilares. Quando ativados por substâncias quimiotáticas durante a isquemia, sua rigidez citoplasmática aumenta, e eles aderem ao endotélio capilar. Em condições de pressão de perfusão reduzida, os glóbulos brancos do sangue podem obstruir a microcirculação. Este entupimento capilar leucocitário pode ser a 10 Khilver Doanne Sousa Soares principal causa do fenômeno do não refluxo (no- reflow), que é definido como a restauração incompleta do fluxo sanguíneo normal após um período de isquemia. As áreas de parênquima que poderiam ser viáveis quando o fluxo sanguíneo retorna são inadequadamente reperfundidas. Leucócitos podem potencializar as lesões por dano tóxico ao endotélio vascular e pela migração transendotelial para o parênquima. A liberação do conteúdo dos grânulos leucocitários, que inclui metabólitos reativos do oxigênio e fosfolipases de membrana, pode lesar o endotélio e usualmente é responsável pela remoção dos tecidos necróticos após o dano irreversível. Os efeitos resultantes incluem permeabilidade endotelial aumentada, edema intersticial, expansão e lesão de células individuais (endoteliais, gliais e neuronais), vasoconstrição e geração de substâncias que induzem a uma adesão leucocitária ainda mais acentuada. Hemorragia Cerebral O sangramento no espaço subaracnóideo proveniente de um aneurisma roto ou de outra malformação vascular produz uma meningite química (estéril) e pode induzir a vasoespasmo, particularmente nos vasos que constituem o polígono de Willis. Se o vasoespasmo for suficientemente grave, ele pode resultar em infarto cerebral e morte. A hemorragia intraparenquimatosa pode ser relativamente benigna. O sangramento na região de um infarto prévio, chamada de transformação hemorrágica, não causa perda funcional adicional. No entanto, a hemorragia parenquimatosa primária lesiona o tecido de várias formas. Se um grande vaso se rompe, a quantidade de sangramento no cérebro pode ser grande. A porção da distribuição vascular distal ao local da ruptura não é mais suprida com sangue, resultando em infarto. No ponto da ruptura, o sangramento no cérebro pode causar lesão traumática ao tecido exposto, e o sangue ou seus produtos de degradação no parênquima lesionam o tecido cerebral. Além disso, o sangue extravascular no parênquima cerebral aumenta o volume total do cérebro, e o edema, que rapidamente se forma dentro e ao redor do ponto de sangramento, aumenta o conteúdo intracraniano. Como a capacidade craniana é fixa, a PIC aumenta rapidamente, e uma herniação cerebral pode ocorrer. AVC Isquêmico A distinção importante entre um ataque isquêmico transitório (AIT) e um AVE é se aisquemia causou infarto cerebral. Com um acidente vascular encefálico, os sintomas geralmente persistem por mais de 24 horas, porém os déficits clínicos que persistem por mais de 1 a 2 horas normalmente se associam a dano cerebral permanente. Os AVEs isquêmicos são diferenciados dos hemorrágicos pela falta de extravasamento de sangue no parênquima cerebral. Há duas classificações principais para os AVEs isquêmicos: trombose e embolia, que são causadas por oclusão arterial por um trombo que se forma localmente numa placa aterosclerótica ou um coágulo embólico, respectivamente, e representam 65% de todos os AVEs. Embolias são produzidas quando um pedaço de um trombo maior se separa de um trombo mural no coração ou em uma artéria mais proximal e se aloja distalmente em um ponto onde o diâmetro do vaso tenha tamanho diminuído, de modo que o trombo já não consiga prosseguir pelo lúmen arterial. A hipertensão é o fator de risco mais importante no acidente vascular encefálico isquêmico e hemorrágico. A incidência do acidente vascular encefálico aumenta diretamente em relação ao grau de elevação da pressão sanguínea arterial sistólica e diastólica acima dos valores de base. Após o início da oclusão vascular, é comum os sinais e sintomas flutuarem, e melhorarem ou piorarem, muitas vezes rapidamente. Episódios isquêmicos que afinal evoluem para infarto costumam flutuar por várias horas após o início. No princípio, é impossível predizer o 11 Khilver Doanne Sousa Soares que acontecerá. A recuperação pode parar subitamente, e os déficits podem chegar a um platô ou aumentar. A persistência de qualquer déficit neurológico além de 2 horas, mesmo que o paciente depois se recupere inteiramente, é quase sempre acompanhada por um certo grau de destruição tecidual. Causas comuns do AVE: Aterosclerose: É consenso que as placas ateroscleróticas causem AVEs de três modos: (1) forma-se trombose mural no local de uma lesão aterosclerótica, e o coágulo obstrui a artéria naquele local; (2) ulceração ou ruptura de uma placa leva à formação de um coágulo e embolização distal; e (3) hemorragia em uma placa obstrui a artéria. Se a oclusão ocorrer lentamente, pode haver tempo para o desenvolvimento de circulação colateral, se evitando o AVE. Se a oclusão for abrupta, segue-se um AVE, e o grau de dano dependerá da extensão de irrigação colateral disponível para o território cerebral irrigado pelo vaso ocluído. As localizações mais comuns para a formação de um trombo intravascular são a base da aorta, a bifurcação da artéria carótida comum ou o ponto onde as artérias vertebrais se originam das subclávias; Êmbolos cardíacos: Os êmbolos originados no coração podem alojar-se em qualquer parte do corpo. No entanto, já que cerca de 20% do débito cardíaco normal vão para o cérebro, este é um lugar comum de embolia cardíaca. A formação de um trombo e a liberação de êmbolos do coração são promovidos por arritmias e por anormalidades estruturais das valvas e câmaras; Trombos murais: O infarto do miocárdio pode produzir uma região de miocárdio discinético que predispõe à formação de trombos murais. Um infarto do miocárdio na parede anterior se associa à mais alta frequência de AVE tromboembólico; Cardiopatias valvares; Arritmias: a fibrilação atrial, independentemente da presença ou ausência de valvulopatia, é causa comprovada de AVE embólico e aumento do risco relativo. Os AVEs costumam ser grandes e incapacitantes, mas podem ocorrer AVEs menores, AVEs silenciosos e AITs. A maioria dos AVEs s isquêmicos em pacientes com fibrilação atrial se deve à embolia por trombos murais do átrio esquerdo; Embolia paradoxal: A oclusão embólica de vasos intracranianos pode ser de origem venosa. O material embólico tem acesso à circulação arterial através de vários defeitos cardíacos, como forame oval patente e comunicação interatrial, ou por malformação arteriovenosa. Quando os êmbolos venosos entram no coração, um shunt da direita para a esquerda permite que os êmbolos entrem na circulação arterial. Um forame oval patente é detectado em 40% dos pacientes com AVE isquêmico agudo de origem indeterminada e supõem-se que a embolização paradoxal seja a causa do AVE. Artéria Carótida Interna: bifurcação da artéria carótida comum na origem da artéria carótida interna (ACI) é o local mais frequente para lesões ateroscleróticas da vasculatura cerebral. A oclusão da ACI em geral é clinicamente silenciosa se o polígono de Willis estiver completo. Artéria Cerebral Anterior: A oclusão isolada da artéria cerebral anterior (ACA), relativamente rara em comparação com os AVEs em outros grandes ramos do polígono de Willis, é responsável por cerca de 2% de todos os infartos cerebrais. Os principais sintomas associados à 12 Khilver Doanne Sousa Soares oclusão da ACA distalmente à artéria comunicante anterior são fraqueza do neurônio motor superior e déficits sensitivos corticais (negligência) no membro inferior contralateral. Artéria Cerebral Média: AVEs na distribuição da ACM são o tipo mais comum de AVC focal, causando aproximadamente dois terços de todos os infartos. A oclusão do tronco da ACM costuma causar infarto maciço e devastador de grande parte do hemisfério. Edema durante os primeiros 3 a 4 dias pode levar a um aumento acentuado da pressão intracraniana e herniação. Artéria Cerebral Posterior: Em cerca de 75% das pessoas, ambas as artérias cerebrais posteriores (ACPs) se originam na artéria basilar; na maioria das outras, uma ACP se origina na artéria basilar, e a outra se origina nas ACIs. Em poucos indivíduos, ambas as APCs se originam das ACIs. Como consequência, as síndromes associadas à oclusão da ACP são altamente variáveis. Os AVEs dos ramos perfurantes causam mais frequentemente hemianestesia contralateral completa com perda de toda a sensibilidade e hemianopsia completa naquele lado. Artérias Vertebral e Basilar: a característica da oclusão da irrigação do tronco cerebral são “síndromes cruzadas” (i. e., perda contralateral da força e sintomas sensitivos contralaterais e ipsilaterais selecionados abaixo do nível da lesão mais déficits motores e sensitivos ipsilaterais localizados no nível da lesão). A síndrome de Weber é causada por uma lesão mesencefálica que produz paralisia ipsilateral do terceiro nervo craniano, decorrente da lesão do nervo oculomotor, mais paresia contralateral. As artérias vertebrais são a irrigação principal para o bulbo. A artéria cerebelar posteroinferior geralmente é um ramo da artéria vertebral. Fonte: GOLDMAN, Lee; SCHAFER, Andrew I. Goldman Cecil Medicina. 24. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015. Manifestações clínicas do ave isquêmico. Diagnóstico por Imagem Cerebral Não- Invasiva As imagens cerebrais, essenciais para identificar as causas de disfunção neurológica focal, geralmente podem distinguir o AVE isquêmico de outras doenças. Os distúrbios mais importantes que se diferenciam de AVE isquêmico agudo são a hemorragia intracerebral, a hemorragia subaracnóidea e os tumores cerebrais. A TC é o estudo por imagem-padrão inicial. A imagem sem contraste em geral detecta hemorragia intracerebral. Sinais indicando hipodensidade tecidual, particularmente na 13 Khilver Doanne Sousa Soares região do cérebro condizente com os déficits neurológicos, e a perda da distinção entre substância cinzenta e branca são frequentemente observados 3 a 24 horas depois do início do AVE. Não obstante, estes achados podem não predizer o tamanho do infarto, e a TC sem contraste pode ser normal por 3 a 24 horas depois de um AVE isquêmico. A hipodensidade tipicamente se torna cada vez mais aparente nas primeiras 3 a 24 horas e geralmente é detectada com facilidade após 24 horas nos grandes infartos. Pequenos AVEs isquêmicos no tronco cerebral podem produzir grande disfunção neurológica e nemsempre são detectados pela TC. A TC contrastada quase nunca melhora a detecção de AVE agudo, mas pode distinguir lesões isquêmicas de alguns tipos de neoplasia. Fonte: GOLDMAN, Lee; SCHAFER, Andrew I. Goldman Cecil Medicina. 24. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015. A, uma tomografia computadorizada (TC) de um paciente com um infarto cerebral do hemisfério esquerdo 6 a 24 horas após o início dos sintomas mostra uma área hipodensa na região dos gânglios da base e compressão do corno frontal do ventrículo lateral. B, uma tomografia computadorizada mostra o infarto crônico 1 ano mais tarde; são visíveis a atrofia e a perda de volume tecidual. (Cortesia de Gregory W. Albers, Stanford University, Stanford, Calif.) A TC atualmente é o único método por imagem útil para decidir se a terapia trombolítica deve ser administrada ou não. A detecção de hemorragia em áreas de infarto é importante porque impossibilita a terapia trombolítica. Pequenas hemorragias podem ser detectadas por TC durante as primeiras horas, mas podem não ter importância clínica. As hemorragias se tornam mais evidentes com o passar do tempo, aparecendo em exames repetidos horas a semanas após o infarto. A RM é mais sensível do que a TC para detectar isquemia precoce. As sequências de RM podem identificar anormalidades do tecido ou do fluxo sanguíneo em minutos depois do início da isquemia. Estes indicadores precoces de lesão tecidual são qualitativos e ainda não demonstraram que são capazes de predizer o volume final da lesão ou se o dano ao tecido é irreversível. Nenhuma das sequências de RM distingue com sucesso a isquemia da hemorragia, especialmente durante as fases iniciais da lesão, quando as decisões sobre a administração de trombolítico são necessárias. A TC continua sendo o procedimento por imagem de escolha para o tratamento agudo de pacientes. Fonte: GOLDMAN, Lee; SCHAFER, Andrew I. Goldman Cecil Medicina. 24. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015. Imagem por ressonância magnética mostrando alterações isquêmicas iniciais obtidas 6 horas após o início de fraqueza do lado direito em um paciente com uma artéria carótida interna esquerda ocluída. (Cortesia de Gregory W. Albers, Stanford University, Stanford, Calif.) 14 Khilver Doanne Sousa Soares Fonte: GOLDMAN, Lee; SCHAFER, Andrew I. Goldman Cecil Medicina. 24. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015. Imagem por ressonância magnética (RM) mostrando as possíveis vantagens de imagem ponderada em difusão (DWI) em relação à RM convencional em momentos iniciais após a oclusão vascular. Parte superior, RM convencionais ponderada em T2 4 horas após o início dos sintomas que parece normal. Meio, ao mesmo tempo, uma DWI mostra anormalidades no hemisfério esquerdo. Parte inferior, A repetição da RM ponderada em T2 1 mês mais tarde mostrou um infarto no mesmo local que a DWI inicial. (Cortesia de Gregory W. Albers, Stanford University, Stanford, Calif.) Exame Vascular Cerebral não Invasivo A ultrassonografia proporciona uma estimativa do diâmetro luminal e da direção e velocidade do fluxo sanguíneo. A ultrassonografia em modo B, que produz imagens em tempo real dos vasos carotídeos, e o Doppler de pulso dependente da faixa de frequência, que é orientado visualmente pela imagem em modo B, podem detectar aumento da velocidade sanguínea através de um lúmen vascular estenótico. A combinação da localização do sinal de frequência Doppler e a imagem em modo B proporciona um método não invasivo para analisar as condições da circulação extracraniana. As limitações da técnica incluem (1) acesso apenas à porção da circulação carotídea que se situa entre as clavículas e a mandíbula (em aproximadamente 10% dos pacientes, a bifurcação da carótida se situa acima do ângulo da mandíbula, tornando a ultrassonografia difícil ou impossível); (2) absorção das ondas sonoras por cálcio no interior de uma placa mural; e um processo que pode “sombrear” e obscurecer uma placa na parede de um vaso distal; e (3) ecoluscência de trombos agudos, que podem ser indistinguíveis do sangue em fluxo. A direção e a velocidade do fluxo sanguíneo nos vasos intracranianos originados no polígono de Willis podem ser examinadas com Doppler transcraniano pulsado de baixa frequência. Embora estes métodos sejam técnicas de triagem úteis e essencialmente sem risco para o paciente, o padrão-ouro para definir as condições da vasculatura cerebral continua a ser a angiografia cerebral. 15 Khilver Doanne Sousa Soares Fonte: GOLDMAN, Lee; SCHAFER, Andrew I. Goldman Cecil Medicina. 24. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015. Algoritmo para a avaliação de emergência de um paciente com suspeita de acidente vascular encefálico. PA = pressão arterial; Hb/Ht = hemograma e hematócrito; TC = tomografia computadorizada; GV = eritrócitos; tPA = ativador de plasminogênio tecidual. Aproximadamente 15% de todos os acidentes vasculares encefálicos (AVEs) são hemorragias intracranianas. O AVE hemorrágico pode ser difuso (i. e., sangramento para o espaço subaracnóideo ou intraventricular) ou focal (i. e., hemorragia intraparenquimatosa). Cerca de dois 16 Khilver Doanne Sousa Soares terços dos casos de hemorragia intracraniana são predominantemente hemorragias subaracnóideas, enquanto cerca de 33% são hemorragias intracerebrais. A hemorragia subaracnóidea geralmente é causada por ruptura de vasos na superfície ou nas proximidades do cérebro ou dos ventrículos (p. ex., aneurismas, malformações vasculares), com sangramento predominantemente para os espaços do líquido cefalorraquidiano (LCR). A hemorragia intracerebral é causada com mais frequência pela ruptura de artérias no interior da substância cerebral (p. ex., hemorragia hipertensiva, malformações vasculares), mas não se estende aos espaços do LCR. Hemorragia Subaracnóidea As principais causas de hemorragia subaracnóidea são aneurismas e malformações arteriovenosas (MAVs), mas traumas também podem causar hemorragia subaracnóidea. O sintoma clássico de uma hemorragia subaracnóidea é uma cefaleia grave de desenvolvimento muito rápido, tipicamente chamada de “a pior dor de cabeça da minha vida” e algumas vezes acompanhada por rigidez de nuca. Os aneurismas podem gerar sinais e sintomas prodrômicos, à medida que se expandem gradualmente ou causam hemorragias sentinela (de aviso) que produzem cefaleia focal ou generalizada. Tais cefaleias sentinela são frequentemente graves e podem ser acompanhadas por náuseas ou vômitos e causar irritação meníngea. A pressão arterial costuma estar elevada, e a temperatura corporal geralmente aumenta, particularmente durante os primeiros dias depois do sangramento, pois os produtos do sangue subaracnóideo causam meningite química. Ocorre alteração transitória do estado mental em quase metade dos pacientes, particularmente se a pressão intracraniana exceder a pressão arterial média cerebral. Os pacientes podem continuar em coma por vários dias, dependendo da localização do aneurisma e da quantidade de sangramento. A hemorragia subaracnóidea aguda causa irritação meníngea, rigidez de nuca e fotofobia, que podem requerer várias horas para se desenvolver. A observação oftalmoscópica revela hemorragias pré-retinianas bem circunscritas e de cor vermelho vivo, conhecidas como hemorragias sub-hialoides e que se pensa resultarem de hipertensão intracraniana, elevação da pressão venosa. Exames por Imagem O paciente deve ser enviado imediatamente para fazer uma tomografia computadorizada (TC) de emergência. Um exame realizado 24 horas após o início geralmente revela uma área de alta atenuação do sinal compatível com hemorragia; se houver presença de sangue no espaço subaracnóideo, será detectado dentro das cisternas basais em mais de 90% dos pacientes. Após 48 horas do início, a sensibilidade da TC declina para cerca de 75%. As sequências convencionais(exames ponderados em T1 ou T2) de ressonância magnética (RM) são menos sensíveis que a TC. A localização da hemorragia subaracnóidea por TC sugere o foco de sangramento. Alta atenuação do sinal nas cisternas basais, na fissura de Sylvius, ou na fissura intra-hemisférica costuma indicar ruptura de um aneurisma sacular, enquanto concentrações mais altas de sangue sobre as convexidades ou no interior do parênquima superficial do cérebro são mais compatíveis com a ruptura de MAV ou de um aneurisma micótico. A angiografia cerebral continua sendo o estudo definitivo para identificar o foco de hemorragia subaracnóidea. Quando o diagnóstico de hemorragia subaracnóidea aneurismática parecer altamente provável, deverão ser determinados o momento e a necessidade de uma angiografia cerebral para considerações cirúrgicas. Se existir dúvida, a angiografia deverá ser realizada com atraso mínimo. Como muitos pacientes têm múltiplos aneurismas cerebrais, os 17 Khilver Doanne Sousa Soares sistemas arteriais carotídeo e vertebral devem ser examinados angiograficamente. Aneurismas Saculares Os aneurismas saculares ou em “bago”, responsáveis por 80% a 90% de todos os aneurismas intracranianos, são bolsas de paredes finas que protruem das artérias do polígono de Willis ou de seus principais ramos; 85% se localizam em bifurcações. Devido à fraqueza local e degeneração da média, a íntima sofre abaulamento para fora e é coberta apenas pela adventícia. Fonte: GOLDMAN, Lee; SCHAFER, Andrew I. Goldman Cecil Medicina. 24. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015. Aneurismas saculares. Os aneurismas saculares ou em bago geralmente se desenvolvem nas bifurcações das artérias sobre a superfície inferior do cérebro. Os aneurismas saculares raramente são detectados em crianças, e a incidência de hemorragia subaracnóidea aumenta com a idade; portanto, parece claro que os defeitos congênitos da parede se desenvolvem em aneurismas somente depois de algum tempo. Os defeitos congênitos nos tecidos muscular e elástico da média arterial são observados em necrópsia em até 80% dos vasos normais do polígono de Willis. Aproximadamente 10% a 20% dos pacientes com aneurismas conhecidos têm antecedentes familiares. Doenças que se associam a aneurismas saculares intracranianos incluem a doença dos rins policísticos, as síndromes de Marfan e de Ehlers-Danlos, a displasia fibromuscular, o pseudoxantoma elástico, o lúpus eritematoso sistêmico e a anemia falciforme. A triagem de outros familiares costuma ser recomendada quando dois ou mais membros de uma família têm aneurismas. Aneurismas Fusiformes Os aneurismas fusiformes são assim denominados porque são dilatações alongadas (i. e., ectasia) das grandes artérias associadas à aterosclerose. Estes aneurismas tipicamente se desenvolvem na artéria basilar, mas também podem afetar as artérias carótida interna, cerebral média e anterior dos indivíduos com arteriosclerose generalizada e hipertensão. Estes aneurismas podem dilatar-se progressivamente e tornar-se tortuosos, produzindo disfunção neurológica, com mais frequência por compressão de estruturas circunjacentes. Podem formar-se trombos no seu interior que podem embolizar distalmente, causando AVEs isquêmicos. Malformações Vasculares (MAV) Cerca de 1% de todos os AVEs e 10% das hemorragias intracerebrais são causados por malformações vasculares. As definições convencionais de malformações vasculares cerebrais se baseiam no aspecto histológico dos vasos e no parênquima neural interposto. O tipo mais frequente de malformação vascular é a malformação arteriovenosa (MAV), que tem um centro de vasos displásicos (i. e., nidus), artérias de alimentação e veias para drenagem. No nidus, as artérias se conectam diretamente com as veias, sem intervenção de capilares, para produzir um shunt de baixa resistência e alto fluxo, que finalmente dilata as artérias de alimentação e espessa as paredes das veias de drenagem. O clássico aspecto arteriográfico inclui uma veia com drenagem precoce. 18 Khilver Doanne Sousa Soares O baixo fluxo através desses vasos torna difícil detectá-los com angiografia, e eles têm pouca probabilidade de levar à hemorragia; essas malformações não contêm tecido neural. Embora um número cada vez maior de malformações vasculares provavelmente assintomáticas esteja sendo diagnosticado por exames de imagem cerebral, como parte da avaliação de cefaleias inespecíficas, cerca de 50% das MAVs se manifestam como hemorragia intracraniana: uma proporção mais baixa inicialmente manifesta crises convulsivas, e o restante causa deficiência neurológica progressiva como primeiro sintoma. A hemorragia, que é a complicação mais temida de MAV, tem uma taxa de mortalidade associada de 10% a 15%. As taxas de mortalidade e de morbidade associadas às MAVs são um tanto menores do que para os aneurismas. A hemorragia inicial tende a ocorrer durante a segunda até a quarta décadas, e hipertensão antes da hemorragia é incomum. Se ocorrer hemorragia, poderá haver evidências, na TC sem contraste, de sangramento em uma localização incomum para hemorragia intracerebral primária ou aneurisma roto. As TCs contrastadas podem demonstrar acentuado realce das artérias de alimentação e das veias de drenagem. A RM com vácuo de sinal em imagens ponderadas em T1 ou T2 também pode estabelecer o diagnóstico. A angiografia continua a ser o exame definitivo para identificar a MAV e delinear o seu tamanho, a sua morfologia macroscópica, as artérias de alimentação e as veias de drenagem. Hemorragia Intracerebral Primária A hemorragia intracerebral não traumática primária (i. e., hemorragia que não resulta de lesão isquêmica) ocorre predominantemente como consequência de hipertensão crônica mal controlada. 19 Khilver Doanne Sousa Soares Fonte: GOLDMAN, Lee; SCHAFER, Andrew I. Goldman Cecil Medicina. 24. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015. TC = tomografia computadorizada; RM = ressonância magnética. Modificado de Qureshi AI, Tuhrim S, Broderick JP, et al. Spontaneous intracerebral hemorrhage. N Engl J Med. 2001;344:1450-1460. A hemorragia intracerebral primária tipicamente consiste em uma grande área confluente de sangue que coagula. A maior parte do sangramento ocorre nas bifurcações de artérias ou próximo delas, com proeminente degeneração das camadas média e muscular lisa. Várias semanas mais tarde, o sangue é lentamente removido por fagocitose, e depois de vários meses, resta somente uma pequena cavidade colabada revestida por macrófagos contendo hemossiderina. A ruptura para dentro dos ventrículos, com sangramento no espaço subaracnóideo, costuma ocorrer com grandes hemorragias. O parênquima edemaciado se desenvolve com rapidez em torno do coágulo. Embora as hemorragias possam destruir o tecido cerebral localmente, o exame histológico sugere que o deslocamento de tecido cerebral normal e a dissecção de sangue ao longo dos tratos de fibras sejam responsáveis por grande parte da patologia. Pode existir tecido neural viável e recuperável nas proximidades do hematoma. Fonte: GOLDMAN, Lee; SCHAFER, Andrew I. Goldman Cecil Medicina. 24. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015. Peça de anatomia patológica mostrando uma grande hemorragia parenquimatosa dos gânglios da base no hemisfério esquerdo. (Cortesia de Gregory W. Albers, Stanford University, Stanford, Calif.) O fator de risco mais importante para hemorragia intracerebral é a hipertensão, particularmente em pessoas com menos de 55 anos, tabagistas e que têm pouca adesão ao tratamento com anti-hipertensivos. O consumo crônico excessivo de álcool também aumenta o risco de hemorragia intracerebral. Um fator de risco menos bem estabelecido é uma concentração sanguínea baixa de colesterol (< 160 mg/dL). A hipertensão se associa a hemorragia em várias localizações no cérebro, especialmente na cápsulaexterna-putâmen, cápsula interna-tálamo, parte central da ponte e cerebelo. Fonte: GOLDMAN, Lee; SCHAFER, Andrew I. Goldman Cecil Medicina. 24. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015. Locais típicos e fontes de hemorragia intracerebral. As hemorragias intracerebrais envolvem com mais frequência os lobos cerebrais e se originam da penetração dos ramos corticais perfurantes das artérias cerebrais anteriores, médias ou posteriores (A); gânglios da base e origem dos ramos lenticuloestriados ascendentes da artéria cerebral média (B); tálamo e origem dos ramos talamogeniculados ascendentes da artéria cerebral posterior (C); ponte e origem dos ramos paramedianos da artéria basilar (D); e cerebelo e origem dos ramos penetrantes das artérias cerebelares posteriores inferiores, anteriores inferiores ou superiores 20 Khilver Doanne Sousa Soares (E). (De Qureshi AI, Tuhrim S, Broderick JP, et al. Spontaneous intracerebral hemorrhage. N Engl J Med. 2001; 344:1450-1460.) As evidências, especialmente de TCs sequenciais, mostram que os hematomas se expandem por muitas horas depois do início do sangramento em muitos pacientes. O sangramento pode cessar quando a lesão atinge um tamanho suficiente para produzir aumento da pressão tecidual e consequente tamponamento. A angiopatia amiloide (congofílica) é um diagnóstico patológico feito com mais frequência em pessoas com mais de 55 anos. Esta patologia, não relacionada com amiloidose generalizada e às vezes hereditária, comumente produz múltiplas pequenas hemorragias. Costuma aparecer no cérebro de pacientes com doença de Alzheimer e se associa a hemorragias não hipertensivas em localizações lobares incomuns nos hemisférios cerebrais. Depósitos de amiloide, quimicamente semelhantes aos das placas de Alzheimer, são vistos na média e na adventícia de artérias de médio e pequeno calibres. Anticoagulação, trombólise e várias anormalidades hematológicas associam-se a hemorragias intracerebrais. Os eventos de rigidez de nuca, convulsões, pressão arterial diastólica >110 mm Hg, vômitos, e cefaleia aumentam a probabilidade de um acidente vascular encefálico hemorrágico em vez de um acidente vascular encefálico isquêmico. Por outro lado, no entanto, as anormalidades neurológicas causadas por hemorragia intracerebral não diferem daquelas causadas por AVEs isquêmicos, porque a destruição de tecido neural é a base da disfunção neurológica causada por ambas as entidades. Os sinais e sintomas estão relacionados com a localização da lesão. Como o local de hemorragia intracerebral costuma diferir daquele dos AVEs isquêmicos, os padrões característicos de perda neurológica podem associar-se mais frequentemente à hemorragia intracerebral do que com AVEs isquêmicos. As hemorragias podem crescer à medida que o sangramento continua, enquanto as lesões isquêmicas geralmente não mudam de tamanho depois da oclusão vascular; em decorrência disso, as hemorragias caracteristicamente determinam perda cada vez maior da função neurológica até que seja atingido um platô, enquanto os AVEs isquêmicos podem flutuar ou permanecer estáticos depois das primeiras fases do AVE. Fonte: GOLDMAN, Lee; SCHAFER, Andrew I. Goldman Cecil Medicina. 24. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015. Características clínicas de hemorragias hipertensivas comuns. 21 Khilver Doanne Sousa Soares O exame de escolha para fazer o diagnóstico é a TC sem contraste, que mostra áreas de hemorragias como zonas de aumento da densidade, que podem ou não ter regiões associadas de diminuição da densidade, indicando infarto. As hemorragias parenquimatosas primárias tipicamente exibem áreas homogêneas de aumento da densidade e um efeito de massa (i. e., desvio do tecido normal de sua localização habitual), enquanto os infartos hemorrágicos são caracterizados por áreas de aumento da densidade (i. e., sangue) entremeadas com áreas de diminuição da densidade (i. e., infarto). Fonte: GOLDMAN, Lee; SCHAFER, Andrew I. Goldman Cecil Medicina. 24. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015. Hemorragia intracerebral. Uma tomografia computadorizada mostra uma hemorragia parenquimatosa envolvendo o tálamo esquerdo e a cápsula interna posterior. (Cortesia de Gregory W. Albers, Stanford University, Stanford, CA.) Encefalopatia Hipertensiva A encefalopatia hipertensiva geralmente é definida como hipertensão maligna associada a anormalidades no sistema nervoso central. A hipertensão maligna comumente é definida como pressão arterial mantida elevada, com níveis diastólicos de 130 mmHg ou mais e pressão sistólica excedendo 200 mmHg. Os achados fundoscópicos anormais incluem papiledema, hemorragias lineares na retina ou exsudatos algodonosos extravasculares. A encefalopatia hipertensiva classicamente se caracteriza por hipertensão grave de evolução rápida associada a cefaleia, náuseas, vômitos, distúrbios visuais, crises convulsivas, confusão, estupor e, finalmente, coma. Não são comuns os sinais neurológicos focais. A patogênese da encefalopatia hipertensiva continua obscura. Os achados patológicos incluem púrpura no cérebro, hemorragias retinianas, papiledema e lesões arteriolares fibrinoides dos glomérulos. Necrose fibrinoide difusa e oclusão trombótica das arteríolas causam microinfartos e hemorragias petequiais, e estas alterações levam à isquemia distal. A hemorragia em anel em torno de um pré-capilar trombosado é a lesão microscópica característica de encefalopatia hipertensiva. Múltiplas petéquias compactadas podem assemelhar-se a um hematoma. A encefalopatia hipertensiva está associada à hipertensão de qualquer causa e pode ocorrer em pacientes de todas as idades. Cefaleia grave é a manifestação mais frequente. Náuseas, vômitos, comprometimento da visão e tonturas são comuns. Podem desenvolver-se confusão, estupor e coma com crises convulsivas generalizadas. São comuns as alterações retinianas características de hipertensão grave e costumam incluir hemorragias ou papiledema, mas o estreitamento arteriolar pode ser a única anormalidade. Como não há achados patognomônicos neste distúrbio, esse é um diagnóstico de exclusão. Outras complicações da hipertensão a ser consideradas no diagnóstico diferencial de encefalopatia hipertensiva incluem AVEs hemorrágicos e isquêmicos. Os sinais neurológicos focais predominam nestas outras patologias, enquanto as alterações do estado mental são características da encefalopatia hipertensiva. Uma hipertensão intracraniana por hidrocefalia obstrutiva, tumor cerebral ou 22 Khilver Doanne Sousa Soares hematoma subdural pode elevar a pressão arterial e tornar o pulso lento, mas estão ausentes encefalopatia e pressão arterial acentuadamente elevadas. REFERÊNCIAS MOORE, Keith L.; DALLEY, Arthur F.; AGUR, Anne M. R. Anatomia orientada para a clínica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014. GOLDMAN, Lee; SCHAFER, Andrew I. Goldman Cecil Medicina. 24. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2015. _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ __________________________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________
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